segunda-feira, 10 de novembro de 2008

NOTAS PARA UM ESTUDO COMPARATIVO DE PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA


Diz Canclini (Culturas Híbridas, p. 67) que a América Latina foi colonizada pelos países mais atrasados da Europa. Mas um professor cabo-verdiano (Wlodzimierz Szymaniak) aponta outra perspectiva: os portugueses foram os primeiros a chegar ao continente africano e os últimos a sair. O atribuído atraso e a maior permanência geraram, com certeza, uma identidade própria.

Daí ser curiosa a percepção que se tem de Portugal no Brasil e noutros países, incluindo os africanos. Em Cabo Verde, os mais velhos ainda têm uma ligação afectiva a Portugal: vêem a RTP África e seguem os clubes de futebol (Benfica, por exemplo). Os mais novos importam as modas das telenovelas. As ligações aéreas entre Fortaleza (Brasil) e Praia (Cabo Verde) são frequentadas por cabo-verdianas que compram a moda de vestuário vista na novela brasileira e a revendem na ilha de Santiago. Se Cabo Verde não tem qualquer sala de cinema, os canais televisivos de conteúdo religioso, oriundos do Brasil, têm uma penetração crescente. Existem duas bibliotecas nas nove ilhas do arquipélago, mas as aquisições são reduzidas, com o essencial das sobras da feira anual do livro português. Há duas universidades privadas e sei de um editor brasileiro que quer colocar os seus livros ali. O português das ilhas muda de sotaque e a língua de troca, a habitualmente falada, é o crioulo, num universo de meio milhão de habitantes.

Moçambique coabita com a pressão do inglês da África do Sul e de 20 línguas regionais que compõem um mosaico longe da homogeneidade linguística do português. A rádio, o meio mais eficaz em alcançar todo o país, dá relevo à identidade nacional e regional, pelo que transmite essa pluralidade linguística, num conjunto de 20 milhões de habitantes. Certamente, em Angola há um fenómeno próximo.

O Brasil tem à volta de 180 milhões de habitantes. É um país emergente, cujo futuro vai ser marcante no planeta. Daí serem visíveis os esforços de parcerias empresariais e académicas com o mundo que fala português, mas igualmente as relações com os Estados Unidos, a África do Sul, a Índia e a China.

Por isso, o brasileiro é orgulhoso do seu país. Há um movimento para a auto-suficiência em combustíveis. A produção de álcool a partir da cana de açúcar para substituir a gasolina está a transformar radicalmente a agricultura. Os agricultores preferem a rentabilidade da cana à produção de alimentos. Confessava-me um quadro superior de uma empresa gráfica que as marcas de automóveis têm as suas fábricas no Brasil, dando emprego a uma mão de obra qualificada. Nos anos mais recentes, e com particular ênfase em 2007, as emissoras públicas de rádio e televisão procuram ganhar espaço às ondas comerciais, abrindo espaço a outras programações que não apenas a telenovela. Mas esta, a música e o futebol continuam imagens de marca e de exportação.

As televisões seguem as comunidades de emigrantes brasileiros, nomeadamente as de orientação religiosa evangélica. No Japão, por exemplo, abriu recentemente um canal.

No campo dos media, os países de língua portuguesa passaram por etapas semelhantes: fim da ditadura portuguesa (1974) e repercussão directa na independência dos países africanos (1975), fim da ditadura militar no Brasil (1984). Mas a relação Estado-media privados segue um fluxo distinto. Em Portugal e nas antigas colónias africanas, a evolução seguiu de uma orientação marxista para uma economia de mercado, com surgimento de novos títulos nos jornais, canais de televisão e de rádio e televisão por cabo (nomeadamente em Portugal e Moçambique). No Brasil, os anos mais recentes assistem a um interesse renovado nas estações públicas do audiovisual, com o fortalecimento da comunicação pública, ambicionando a qualidade e o prestígio da RTP. Os envolvidos no processo brasileiro acham que a televisão da Câmara dos Deputados e a televisão do Senado caminham no sentido do serviço público capaz de disputar audiências da Globo. Para mim, a actual situação do Brasil lembra muito a americana da PBS.

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