Em artigo publicado ontem no blogue 5dias.net, Luís Rainha escreveu sobre Arte, Indústria & Cultura, cujo tema nuclear são as indústrias culturais.
Luís Rainha anota: "Sobretudo graças a Bernard Miège, no final da década de 90, a noção diabolizada de «Indústria da Cultura» viu-se matizada e ampliada, até se transformar na expressão hoje corrente: «Indústrias Culturais». Como esclarece Hesmondhalgh, o plural não é inocente nem acidental: assinala o reconhecimento da complexidade deste sector, que acolhe instituições de carizes muito diverso entre si, enquanto nega o carácter essencialmente maligno da massificação da cultura". Depois, explica que a(s) indústria(s) cultural(ais) passa(m) "assim a ser, mais que um meio, um fim – rentável, partilhável e multiplicável: em bens culturais e simbólicos, serviços noticiosos, entretenimento, toda uma indústria à escala planetária". E acaba por considerar as indústrias culturais como subproduto do choque petrolífero de 1973.
Sim, Horkheimer e Adorno enganaram-se, ao dizerem que não gostavam ou compreendiam o cinema e o jazz. Mas consegue-se compreender o porquê da negação à cultura de massa(s) naquele momento e a lenta alteração desse pensamento, lendo, por exemplo, Sobre a Indústria da Cultura (organização e prefácio de António Sousa Ribeiro, Angelus Novus, 2003).
O autor mais radical que conheço sobre Adorno, Heinz Steinert, sobre o texto fundador do conceito indústria cultural diz claramente que ele não é nada equilibrado (Culture industry, 2003: 21). Mas situa o texto no contexto: Adorno estudara música com Alban Berg, em 1925 e em Viena, então um dos centros intelectuais do mundo, e esteve junto com Schoenberg e Webern, os expoentes máximos da música da sua época. Logo, não pertencia à ultrapassada cultura do século XIX, como o post de Luís Rainha pretende assimilar Adorno. Então Adorno usava três termos para descrever a música da "indústria cultural" - música comum (use-music), música ligeira, jazz - o que ilustra a complexidade do seu pensamento. No ensaio On the Social Situation of Music (1932), Adorno não empregou o termo "indústria cultural" mas "industrialização da produção" para se referir à opereta de Viena e, depois, às fábricas do filme sonoro com a sua divisão capitalista de trabalho, continua Steinert (p. 23).
Convém lembrar que o uso inicial de "indústria cultural" permitiu distinguir cultura popular de cultura de massa(s), modo subtil de introduzir complexidade e criar um filão rico no pensamento da sociologia e da filosofia ocidentais.
O problema que vejo em textos como o de Luís Rainha é o de um quadro ideológico com tendência habitual a críticas a conceitos e autores deixando pistas confusas quanto a valores correctos e conclusões. Pode não ser a intenção do autor, mas o seu texto incorre no efeito soundbite aplicável à peça do noticiário televisivo e que se pode transpor para o meio dos blogues: argumento rápido e com recurso a palavras simples e de ordem, nada de minudências ou complexidades.
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