Em 29 de Dezembro último, escrevi rapidamente sobre Elias Canetti e Eric Hobsbawm (aqui), a propósito da Europa central e do começo do século XX: "indivíduos cosmopolitas e nómadas nas línguas, nos sítios e nas estéticas, legando obras cuja fruição é um enorme prazer".
No blogue, nunca fiz qualquer aproximação séria a esses autores (excepto em a História social do jazz, de Hobsbawm, aqui). Lera e leccionara sobre Canetti (Massa e poder), sem o passar para o blogue (talvez num destes dias escreva sobre a obra). De Hobsbawm, também li nomeadamente A questão do nacionalismo. As autobiografias dos dois fez-me despertar um novo interesse neles.
Canetti nasceu em Rutschuk, Bulgária, em 1905, judeu sefardita cuja família vinha da Turquia mas de ascendência espanhola, e que viveu em Viena, Manchester, Zurique, Frankfurt e Londres. Também judeu, Hobsbawm, nasceu em Alexandria, Egipto, em 1917, e viveu em Viena, Berlim, Cambridge, LondRes, Paris, passando períodos em Itália e nos Estados Unidos. Alemão, inglês e francês foram línguas comuns a ambos, mas também o espanhol no primeiro e o português no segundo. Latim, hebraico, grego, foram outras línguas que um ou os dois falaram. Canetti dedicou atenção à literatura, acima de tudo, Hobsbawm à história, ambos com nacionalidade inglesa (de pai inglês no caso de Hobsbawm, enquanto a sua mãe era alemã; solicitada no caso de Canetti, ele que escreveu sempre em alemão). Ambos olharam a Alemanha com particular interesse e escreveram sobre o Holocausto e a ruína alemã, mas também sobre a Áustria - ou melhor sobre Viena. Isto é, observaram a decadência dos Estados da Europa central.
Como autobiografias, o espaço dado à infância ocupa lugar central. Até pelas tragédias familiares: os pais de Hobsbawm morrem era ele criança; o pai de Canetti morre era ele criança. Sozinho, entregue a tios, entre Berlim e Londres, em Hobsbawm; com a mãe, ou ausente dela quando esta estava doente, em Canetti. A meu ver, esses percursos foram específicos para os dois, com uma reconstrução interior do espaço familiar. Depois, o percurso social e económico distinto: Canetti oriundo de uma família rica, Hobsbawm de uma família pobre.
Nas duas autobiografias é forte a descrição das cidades, volto uma vez a frisar Viena. O império, decadente, albergava uma riquíssima estrutura intelectual: artes, política, cultural, arquitectónica, das ciências exactas e naturais, da psicologia. Só por esse ponto vale a pena ler os dois livros.
Os dois podem ter-se cruzado em Londres. Mas, para mim, eles encontraram-se e conversaram longamente no café Schwarzenberg, que desde o começo do século XIX serve junto a Ringstrasse, ali no centro da cidade de Viena.
Leituras: Elias Canetti (1995). Massa e poder. S. Paulo: Companhia das Letras
Elias Canetti (2008). A língua posta a salvo. Porto: Campo das Letras
Eric Hobsbawm (1990). História social do jazz. Rio de Janeiro: Paz e Terra
Eric Hobsbawm (1998). A questão do nacionalismo. Lisboa: Terramar
Eric Hobsbawm (2005). Tempos interessantes. Uma vida no século XX. Porto: Campo das Letras
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