segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

EUROVISION


Nos dias 29 a 31 de Janeiro e 5 a 7 de Fevereiro, o Teatro Praga (Lisboa) leva à cena a peça Eurovision na Fábrica da Rua da Alegria (Porto). A obra reflecte a Europa das línguas e culturas nacionais e o festival internacional de televisão que leva aquele nome.

Gostei particularmente do primeiro sketch. O actor tem um longo monólogo onde se expressa nas múltiplas línguas europeias (com legendagem electrónica, pois o espectador vulgar não conhece russo, sueco, croata e outras línguas). São textos tirados de Anton Tchekov, Bertold Brecht, Eduardo Lourenço, Jean-Luc Godard, Ingmar Bergman, Michel Foucault, Umberto Eco, Samuel Beckett e muitos mais. Sentado, de pé, a vaguear por um espaço da sala, a fazer de dançarino, a trazer a cadeira para mais perto da assistência - gostei do trabalho do actor. Retiro do texto de Eduardo Lourenço que acompanha o programa: "Não há existência política sem poder que a assuma como sujeito dela, e um tal poder não existe como suporte de nenhuma Europa. Politicamente só há europas. Não foram muitas [nações que reinaram na Europa]: a Espanha até ao séc. XVI, a França, a Inglaterra, a Áustria, a Rússia, a Prússia e a Alemanha sua continuadora, em seguida. Neste momento nenhuma nação é a Europa".

A peça reflecte esta ausência de poder pela presença de múltiplas línguas. E olha o festival de música da Eurovisão com uma grande acutilância. O kitsch, o pimba, o negócio dos que ganham, a fugacidade da estrela, estão espelhados no sketch. Os dois jovens actores movem-se com muita facilidade, ironizam bastante, oferecem uma fatia de bolo de não sei que aniversário, envergam um asséptico fato branco de trabalho com uma lanterna de mineiro. Talvez porque a Europa esteja menos bem e se ande a examinar as profundezas do solo. Ou porque, como diz o programa, a cultura dos diferentes povos se expresse numa parada de falta de gosto uniforme (a última palavra parece-me a mais).

A peça levou-me a reflectir. O festival da Eurovisão, ainda no tempo da paleo-televisão, foi a descoberta, a nível da Europa, de um concurso de música ligeira. Durante anos, a BBC albergou o projecto. A par do futebol, foi uma das áreas de maior associação (e rivalidade) nacional (nacionais). Venciam normalmente os países mais poderosos, que pressionavam através dos lóbis da indústria do disco e dos espectáculos, alguns que o texto de Lourenço aponta (ao invés, agora, os países de leste europeu votam entre si e ganham as competições, com novas simetrias de poder). Claro que se criou e produziu um estereótipo, uma visão antiquada, dentro do conceito de espectáculo colorido, com ideias copiadas do teatro musical, com coristas, cenários e orquestras, em que cada país fazia um concurso anterior, de onde nomeava o seu representante no certame internacional, coisa que o futebol já fazia nos seus campeonatos.

Recordo algumas participações portuguesas: Simone de Oliveira (Sol de inverno, 1965; Desfolhada, 1969), Madalena Iglésias (Ele e ela), Fernando Tordo (Tourada), Paulo de Carvalho (E depois do adeus), Carlos Paião (Playback), Maria Guinot (Silêncio e tanta gente), Dulce Pontes (Lusitana Paixão), Sara Tavares (Chamar a música). Algumas dessas canções, em especial várias das primeiras, produziram fortes incómodos políticos. E recordo alguns artistas e canções vencedoras: Abba (Waterloo), Céline Dion (Ne Partez Pas Sans Moi), France Gall (Poupée de cire, poupée de son). Em 1964, em Copenhaga, se um homem envergava um pano onde se lia "Boicotem Franco & Salazar", quando entrava a canção suíça, uma jovem italiana de 16 anos,
Gigliola Cinquetti, saltava para a fama.

A Fábrica da Rua da Alegria, no número 341 daquela rua do Porto, é um edifício da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo onde estão alojados, no presente, onze ou doze associações (teatro, música, produtoras). Edifício dos anos de 1950, foi fábrica de tecidos e de malhas e estava desactivado no começo da presente década. A entrada do edifício tem dignidade, o que quer dizer que a fábrica tinha algum prestígio, numa altura e num local onde havia outras unidades fabris, como cartonagem e indústria metalo-mecânica leve, sítio não muito longe do Coliseu do Porto, do jornal Primeiro de Janeiro e da rua (muito comercial) de Santa Catarina.

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