Imagem neo-realista, retirada das esculturas e das gravuras do ideário marxista. A ideia do super-homem, musculado, peito largo, decidido, rosto quadrado, de lutador. As mãos seguram um pau comprido, que poderia ser o remo do barco de pesca, mas é o cabo de uma grande bandeira vermelha. Logo atrás, igualmente musculada e de pescoço longo e cabelo comprido, a mulher segura a foice e o martelo na mão esquerda, com braço estendido. À direita, segura um ramo de cereais. Duas únicas cores: vermelho e amarelo, com algumas letras a preto, à direita da imagem. Há a referência a um comício (com a designação de grande) e de festa (poetas, actores, cantores).
A imagem estilizada remete, como acima disse, para a escultura, mas também para a banda desenhada, de estilo leve, rápido e vigoroso. A bandeira vermelha e os símbolos da foice e do martelo do Partido Comunista dominam o cartaz, no que constitui uma parcela poderosa. O casal aponta para a ruralidade (o trigo), mas o porte físico é urbano e jovem. Representa o futuro radioso (a ideia dos “amanhãs que cantam”).
Do outro lado do leque partidário, o CDS quer marcar espaço, daí a frase “Queremos responder”. A imagem tem uma impressionante carga neo-realista, como se o cartaz pertencesse a uma organização à esquerda. Em primeiro plano, vê-se uma mulher de costas, sem uma perna e apoiada por uma muleta. À cabeça leva um saco; usa um avental apertado nas costas. Caminha na borda do passeio, quase junto à linha do eléctrico. Do lado esquerdo, encontram-se automóveis estacionados e ao fundo um veículo que parece ser um eléctrico. O CDS quer dar resposta à pobreza urbana. Há uma espécie de combate à decadência e envelhecimento urbano.
O cartaz do Partido Comunista marca uma reunião. O cartaz do CDS introduz mais dramatismo, realçado pelos tons sépia da imagem. Claro que os dois partidos têm uma produção vasta de cartazes em 1975 – estes são dos mais interessantes que encontro no livro de José Gualberto de Almeida Freitas, A Guerra dos Cartazes – mas eles podem ser lidos de acordo com a postura de confiança num, desconfiança noutro, sucesso num, tentativa de reparar a sociedade noutro. Como se o marco de 1974 fosse uma marca genética: os jovens no PCP, os velhos no CDS.
O cartaz do PPD tem alguma semelhança com o do PCP: a importância da bandeira desfraldada, com o braço esquerdo do homem levantado e mão a segurar a bandeira, junto à mulher estilizada fazendo o sinal V com a mão direita, gesto que ainda hoje o partido usa em comícios e reuniões partidárias. Mas difere porque se trata de um casal jovem urbano, ambos de cabelo longo e camisas justas e desapertadas, moldando o corpo. São mais elegantes que os representados no cartaz do PCP. A estilização é maior, dando a ideia de liberdade, de movimento. O cartaz dá, como o do PCP, a ideia de confiança no futuro. Mas alerta para a necessidade de um "Portugal livre", posição específica e oposta à do primeiro cartaz aqui presente, que quer preservar a revolução. 1974-1975, anos após a queda do regime do Estado Novo, são anos reveladores da dualidade política então instituída, as duas principais opções do novo regime: democracia ocidental ou de leste europeu?
Os cartazes do PS são os de leitura mais simples. Partido igualmente popular como o PPD e o PCP, o destaque da imagem vai também para a festa, o encontro, no estádio. Além do símbolo partidário – à semelhança dos outros cartazes analisados – a parte inferior mostra uma frente de comício, a partir de fotografia, com homens e mulheres, alguns de braço no ar e punho fechado, alguns de gravata.
O autor do livro, José Gualberto de Almeida Freitas, que permitiu a reprodução destes cartazes, considera que a produção gráfica foi uma marca de 1974 e anos seguintes. Na realidade, olhando para as dezenas de imagens dos partidos acima referidos, mas também de outros como o MDP, o MES, a UDP e o MRPP, siglas que desapareceram ou foram aglutinadas a outras forças partidárias, dá-se conta dessa riqueza. Mas as temáticas não são muitas e não se apostava na personalização como hoje. Os cartazes eram ou mais abstractos ou fixavam uma imagem antiga – luta, operários em greve, rostos duros. Há pouca alegria nos rostos, muita exasperação. A confiança no futuro que a mudança de regime augurava não tem equivalente nos cartazes. Nomeadamente, os partidos à esquerda, os que reflectiam ideários marxistas, decalcavam nos seus cartazes imagens provenientes do universo soviético ou chinês, daí cores amarelo e vermelho, mostrando uma ligação de operários e camponeses, em que os intelectuais empunhavam livros ou armas.
A estética desses cartazes, em geral, não é muito interessante. Produtos baratos, de comunicação rápida, exigiam textos ou frases fortes, com imagem menos importante. Muitos cartazes parecem desenhos de estudantes adolescentes. Bigodes, cabelos compridos nas mulheres, punhos levantados são uma constante quando há figuração. Mas não há gente com óculos, por exemplo.
Os cartazes abstractos (ou abstraccionistas) têm pouco relevo. Os cartazes não reflectem o envolvimento de artistas plásticos. Certamente há mais cartazes do que esta mostra. E um texto que fixe características, tendências e uma leitura semiótica. Por isso, a importância de trabalhos como o de Diego Zaccaria (a ler em próxima mensagem).
Leitura: José Gualberto de Almeida Freitas (2009). A Guerra dos Cartazes. Lisboa: Lembrabril
2 comentários:
Leitura interessante e pedagogica... é bom con-viver aqui!
Próximo Futuro - 2009/2011
Novo Programa Gulbenkian de Cultura Contemporânea será anunciado no dia 19 de Maio de 2009.
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