sábado, 5 de setembro de 2009

5 DE SETEMBRO DE 1967


"Nasser mandou prender o seu antigo braço direito" ("Conspiração anulada no Cairo"), "Egípcios e israelitas lutaram no canal do Suez" e "Vão assaltar Goma os mercenários de Schramme" eram os títulos principais do Jornal de Notícias (Porto) naquela terça-feira dia 5 de Setembro de 1967. Os acontecimentos deste dia aparecem retratados na edição da quarta-feira seguinte: "Duas horas de tiroteio entre jordanos e israelitas", "Brasil: A Frente Ampla abriu a ofensiva política", "De Gaulle é o primeiro presidente da França a visitar a Polónia", "Requiem pela Federação da Arábia do Sul" e "No estádio das Antas - argentinos de mau perder".

No Porto dessa época contei oito cinemas: S. João, Águia, Batalha, Trindade (que estrearia My Fair Lady, com Audrey Hepburn e Rex Harrison, na mesma semana), Olímpia, Coliseu, Rivoli (a estrear Do Alto do Terraço, com Paul Neumann e Joanne Woodward) e Vale Formoso. Os primeiros sete estavam num perímetro bem apertado, dentro da considerada baixa da cidade. Noutra sala, a do teatro Sá da Bandeira, Raul Solnado apresentava O Fusível. Hoje, restam quatro das salas e uma outra foi convertida em espaço de culto religioso.

O que deu a televisão de canal único no dia 5 de Setembro de 1967? Com emissão a começar às 19:30, com noticiário, a culinária aparecia pela mão de Maria de Lurdes Modesto, às 19:50, hora ideal para o jantar. Às 20:15, passava o filme infantil Carrocel Mágico. Novo noticiário às 21:30, antecedendo a noite de cinema, Professora de rumba, com Wallace Beery, Jane Powell, Elizabeth Taylor, Carmen Miranda e Xavier Cugat. A emissão terminava perto da meia-noite, com o terceiro noticiário do dia.

A programação da rádio portuense (Emissores Norte Reunidos) era a seguinte: 7:00 - Bom dia, 8:00 - Almanaque, 9:00 - Rádio Placard, 9:30 - R.M., 11:00 - ORSEC, 13:00 - Electro-Mecânico, 16:00 - Ideal Rádio, 18:00 - Rádio Porto, 21:00 - Rádio Clube do Norte, 24:00 - Última Hora, 3:00 - Fecho.


Na página de programação da televisão, o Jornal de Notícias dedicava espaço ao seu folhetim Milagre do Amor e às tiras de banda desenhada Lola, O Agente Secreto X-9 e Dr. Kildare (esta inspirada na série televisiva). Na referida edição de 5 de Setembro de 1967, a página dedicada à moda trazia um texto de Aurora Jardim, Coisas vistas a correr das montras (que começava assim: "Um quadro: galinha branca e lua por cima. Tudo de branco sobre fundo bege"), texto com imagens de colecções italianas para o Outono/Inverno e uma interrogação "Como será a Moda 68 em Paris"?

Detenho-me agora no desporto, nas páginas de emprego e nas viagens. Os torneios de futebol de início de época tinham algum destaque noticioso. Na associação do Porto, o Penafiel ganhava 4-3 ao Tirsense e o Boavista 4-2 ao Leça; na associação de Lisboa, o Benfica ganhava 6-0 ao Atlético e o Belenenses 2-1 ao Sporting. No próprio dia 5 de Setembro, o F.C.Porto, treinado por Pedroto, goleava a equipa campeã da Argentina, os Estudiantes, por 5-o. Quanto a pedidos de emprego, surgiam 10 para ajudante, 21 para criada (ou rapariga), 14 para empregados (de 12 anos para cima). E promoção de viagens: circuito italiano (9000$00), Europa castiça (6200$00), Paris-Lourdes (4500$00), Lourdes Madrid (2650$00).

Um concurso do vestido de chita em S. Pedro da Cova e a morte de Ricardo Ornelas, jornalista ligado ao futebol, constituiam outras notícias de relevo. E uma notícia de ciência: a Philips anunciava um novo rádio portátil, constituído de circuitos integrados. Estavam aí as novas tecnologias a brotar. Mais pequena era a informação, com base num comunicado das forças armadas portuguesas, sobre quatro soldados mortos na frente das guerras africanas: um em combate, um de doença e dois de acidentes de viação.

Não resisto a fazer alusão a duas outras notícias: a 5 de Setembro, sobre Theodorakis (o jornal recorda que foi o compositor da música do filme Zorba) a compor na prisão, para onde fora mandado pelo exército que tomara o poder em Abril de 1967; a 6 de Setembro, sobre uma frente ampla que decidira concorrer às eleições directas no Brasil, país com regime de ditadura desde 1964. O jornalista escreveu: "Espera-se que o governo do presidente Costa e Silva mantenha apertada vigilância sobre o novo movimento que tem afirmado não ser um terceiro partido político no Brasil". Era inevitável a simpatia pelas ditaduras.

Nesse dia, senti-me adulto. Devo ter delirado com a vitória do Porto mas não me lembro de ver o filme com Elizabeth Taylor na televisão a preto e branco nem ouvi a rádio dos Emissores Norte Reunidos (não simpatizava com a programação popular; andava muito mais pelo Em Órbita do Rádio Clube Português, onde começava a ouvir os Fairport Convention e Sandy Denny, que hoje aprecio com nostalgia). Bebia toda a informação mas faltavam ainda os contornos mais complexos. Os anos ensinar-me-iam isso. Então, sentia-me cheio de força; agora, manifesto um certo cansaço.

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