[continuação e conclusão da mensagem de 11 de Novembro último]
No seu livro, Scott Lash e Celia Lury (2007) fazem a biografia do campeonato de futebol Euro 96, contando com a intersecção de várias perspectivas: 1) música e estrelas pop, 2) jornais e revistas, 3) televisão e rádio, 4) estilos de vida, 5) patrocinadores de marcas globais, 6) história do futebol inglês e europeu, 7) instituições governamentais, e 8) conjunto de pequenas, médias e grandes empresas comerciais.
A biografia de um produto cultural específico reside na transformação de uma ocasião desportiva em propriedade cultural, de um torneio em marca. No Euro 96, houve reposicionamento de marcas, com organização de actividades extra e fora da programação oficial inicial. Com um trio permanente: acontecimento desportivo, música, produto comercial (Coca-Cola, outros patrocinadores). Um elemento central foram as bandas musicais como plataformas comerciais: os Simply Red e os Lightning Seeds (ver vídeo Three Lions aqui). O vocalista dos Lightning Seeds, Ian Broudie, fã de futebol que comprava bilhetes para assistir aos jogos do Liverpool, foi ao programa televisivo Fantasy Football, programa apreciado pelos ingleses de 13 a 20 anos que gostavam de música. A Coca-Cola associou-se à música dos Lightning Seeds. Aquela não era apenas o objecto manufacturado, não apenas uma identidade ou um objecto cultural; é também um meio.
Por outro lado, os futebolistas de sucesso tornaram-se muito bem pagos, e alguns tornam-se estrelas como os músicos. Como estrelas, relacionam-se bem com outras estrelas. Quando futebolistas e músicos se encontram, eles falam da actividade dos outros. Temos um exemplo nacional: Cristiano Ronaldo.
Uma terceira linha de investigação: o futebol era um desporto territorializado, na cultura sólida dos trabalhadores e em contacto com as famílias das classes trabalhadoras. Ele tornou-se desterritorializado quando vieram duas vagas de grupos que instauraram a violência: os hooligans e os casuals enquanto subculturas jovens no Reino Unido. Os casuals, jovens à volta dos 14 anos que vestiam roupa de marca, sentiam uma experiência incrível e excitante ao ir ao futebol e causar problemas. Nascidos no final dos anos 1960, liam a revista Smash Hits e estavam ligados à cultura de dança em Manchester (ouviam os Happy Mondays e os Stone Roses), sendo a origem de muitos fanzines de futebol aparecidos em meados da década de 1980. O que o Euro 96 procurou mostrar foi não agressividade (ligada aos hooligans e casuals ingleses), modernidade e europeização, criando uma identidade europeia. Isto é, mais uma celebração que uma competição, uma ocasião de mostrar a família europeia.
Os media são um actor chave na biografia do Euro 96 e dos acontecimentos desportivos mais recentes. As pessoas mais velhas conheceram o futebol através dos jornais de grande tiragem. A geração seguinte segue o futebol através da televisão. A geração mais jovem experimenta o futebol através do jogo de computador FIFA’97 e todos os outros jogos de Playstation, Nintendo e computador, além de notícias especializadas lidas nos sítios que os clubes desportivos têm na internet e via mensagens de telefone móvel.
Uma última linha de investigação apresentada no livro é a dos direitos de autor a vender (e a comprar). A UEFA (Union of European Football Associations) é uma organização quase-pública e sem fins lucrativos mas existe uma relação muito lucrativa entre a UEFA e as empresas que compram os direitos, inscrevendo-se na economia da cultura que é uma mistura público-privado. Os direitos incluem ecrãs de televisão, publicidade nos bilhetes, táxis, autocarros, outdoors, latas de Coca-Cola, dentro dos restaurantes McDonald’s, nos cartões do Master Cards. Por isso, há um ambiente de marcas muito forte nas competições desportivas caso do Euro 96.
Leitura: Scott Lash e Celia Lury (2007). Global culture industry. Cambridge e Malden, MA: Polity Press, pp. 39-56
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