terça-feira, 13 de abril de 2010

O MUSEU COMO LUGAR DE DISTINÇÃO PARA TODOS

A primeira edição do livro de Karsten Schubert, The curator's egg, é de 2000, reimpresso em 2002 e, agora, em 2009, com um novo capítulo. É a terceira edição do texto que eu acabei de ler, e que considero uma das leituras mais interessantes deste ano.

Schubert faz primeiro uma análise diacrónica dos museus, desde o século XVIII. O primeiro museu no sentido moderno foi o do Louvre, edificado num palácio outrora casa real, e que se tornou um repositório de grandes colecções reais. O Louvre como o conhecemos nasceu após a revolução francesa de 1789, apesar de já ter sido discutido ainda no ancien régime, nomeadamente pelo conde de Angiviller. O que até ao final do século XVIII era um privilégio de visita apenas para a aristocracia passou para o domínio público mais vasto. Aberto em 1793, a posição política assumida era que o museu teria um papel central na formação da nova sociedade. Dominique-Vivant Denon colocou obras de Rafael na Grande Galerie e convidou Napoleão a visitar o espaço. Havia uma explicação forte: às vitórias militares de Napoleão tinham significado a vinda de tesouros de arte oriundos do Vaticano, da Áustria, da Alemanha e da Itália, nomeadamente.

O British Museum, apesar de mais antigo, pois foi criado em 1759, tinha outra filosofia, pois nessa altura ainda não era encarado como museu propriamente dito. Não estava instalado num antigo palácio real, não reunia colecções pertencentes inicialmente a entidades reais, aristocráticas ou eclesiásticas e não tinha uma visão propagandística. Mas, com a ascensão política e imperialista da Inglaterra, o museu adquiriu igual estatuto. Mais tarde, o mesmo aconteceria com a Alemanha, a partir da década de 1870 e com mais ênfase a partir de 1900. Representantes dos museus, ajudados por diplomatas, exércitos e armadas, escrutinavam todo o globo. Por isso, a pedra roseta acabou por ficar em Londres após a derrota napoleónica, os franceses tentaram impedir a ida dos mármores do Partenon para Londres, ingleses e franceses disputaram os palácios da Suméria.

Em Berlim, a figura de Wilhelm Bode como responsável dos museus prussos e director do departamento de pintura e escultura emerge como principal protagonista. Por Bode passaram muitas aquisições e doações de colecções, além das suas enormes qualidades de académico e investigador. Por exemplo, entre 1897 e 1905 publicou o catálogo completo da pintura de Rembrandt. A aquisição do Altar do Pergamon (1878) e da Porta Ishtar da Babilónia tornaram Berlim o centro dos museus da Europa e do mundo. Depois, a aquisição de obras impressionistas e expressionistas, além da arte de outras partes do mundo, possibilitaram o erguer da ilha dos museus. A Segunda Grande Guerra e a partilha de Berlim entre aliados e soviéticos em 1945 veio interromper o florescimento daquele espaço, só retomado nos anos a seguir à queda do muro de Berlim em 1989.

Já no século XX, o centro mundial dos museus vira-se para Nova Iorque. Novas correntes, a distinção entre museus de origem pública e privada, o apoio directo e contínuo a artistas que permitiriam dar conta da evolução do trabalho destes ao longo de anos e décadas, a colocação de museus em blocos semelhantes aos habitacionais, numa integração do museu no tecido urbano, foram algumas novas características criadas e desenvolvidas nos Estados Unidos e, em especial, em Nova Iorque. A Segunda Grande Guerra permitiu ainda uma larga aquisição de obras europeias, dada a situação de conflito nos principais países do nosso continente, ajudada pelo poder financeiro americano. Schubert enfatiza a criação do Museum of Modern Art (MoMA). Alfred Barr desenhou o MoMA como laboratório em que o público devia participar e uma marca corporativa forte, isto é, o primeiro museu mundial dedicado somente à arte moderna. O expressionismo abstracto teve o seu apogeu nas exposições deste museu, reflectindo igualmente a própria produção americana. Também Thomas Kren e o Guggenheim têm lugar no texto de Schubert, nomeadamente a ideia de franchise como o museu de Bilbau, o que permite a circulação de obras pelo mundo. Ora, o autor chama a atenção para a habitual fragilidade das obras e para a contextualização destas com o espaço onde habitualmente estão, ilustrando alguns fracassos de exposições.

O grande momento seguinte, segundo Schubert, seria o Centro George Pompidou, criado pelo presidente francês logo após os acontecimentos estundantis de 1968. O museu perdia a autoridade e infabilidade anteriores e tornava-se parte integrante das práticas quotidianas, associadas a uma definição mais lúdica de cultura. O plano arquitectural pertenceu a Renzo Piano e Richard Rogers, em que a parede como separador desaparecia e dava lugar à flexibilidade, adaptando os espaços às necessidades de cada exposição. Por outro lado, desenvolvia-se a conceptualização de época em exposição por oposição à narrativa linear do MoMA. Mas, do mesmo modo que o museu americano, o museu francês também dedicou uma grande importância aos catálogos, o que aconteceria igualmente com a Tate Modern (Londres).

No seu livro, Karsten Schubert presta atenção à relação entre o curador, o artista, os donos dos museus (instituições, fundações, doadores) e as audiências. Nomeadamente a partir da década de 1980, os curadores passaram a preocupar-se com os orçamentos e a necessidade de organizarem exposições apropriadas a grandes massas. As áreas como cafetarias, restaurantes e lojas de venda de produtos relacionados com os museus ganharam peso. O museu adquiria uma posição de local de entretenimento e de informação, deixando para trás a ideia do museu como local de observação lenta e atenta da obra. As décadas seguintes reforçaram esta tendência, abrindo espaço às instalações e à fotografia, com criação de percursos que facilitassem a circulação dos visitantes, caso da pirâmide do Louvre que funciona como entrada mais fácil de acesso ao museu.

Contudo, as últimas palavras do livro de Schubert vão no sentido do museu como elitista, embora para toda a gente. A leitura atenta, a fruição, o conhecimento adquirido do visitante precisam de ter da parte do curador espaço para investigar e tornar acessível mas com produção intelectual profunda. E o autor explica a importância dos grandes museus institucionais, como locais de grandes repositórios de obras, e os museus mais pequenos, de colecções de época ou corrente ou artista, com lógicas diferentes de exposição (nas imagens seguintes, obra de Joana Vasconcelos, da exposição Sem Rede, na Fundação Berardo, de Março a Maio de 2010, e entrevista a António Cachola, em Abril de 2009, em visita ao MACE - Museu de Arte Moderna de Elvas).



Leitura: Karsten Schubert (2009). The curator's egg. Londres, Manchester e Santa Monica, CA: Ridinghouse, 187 p., 21,45 €

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