domingo, 30 de maio de 2010

NOTAS SOBRE O MERCADO FRANCÊS DOS MEDIA

Josiane Jouët, da Universidade de Paris II (Panthéon-Assas), em French Media: Policy Regulation and the Public Sphere (2010), analisa os media franceses e o espaço público nas últimas cinco décadas. Em 2009, escreve ela, os telespectadores e os ouvintes de rádio têm acesso a dezenas de rádios e canais de televisão, que contrasta bastante com a situação de 1960. Ao invés, a popularidade dos jornais diários está a descer e o mercado das revistas está florescente.

A principal transformação no audiovisual francês deu-se na década de 1980, quando o Estado possibilitou a criação do Canal Plus por subscrição e vendeu o primeiro canal de serviço público ao grupo Bouygues, em paralelo com a emergência de uma economia neoliberal, dando espaço à concentração dos media e ao desenvolvimento de técnicas de marketing. De então para cá, os governos sucessivos seguem políticas de desregulação, embora haja momentos em que invertem a situação com tomadas de posição re-reguladora, o que torna o mapa jurídico do audiovisual francês muito complexo.

Continua a existir uma forte acção no espaço público em torno do serviço público de audiovisual, que defende programas de qualidade e o papel educativo da televisão. Isso é visível em termos de artigos de opinião na imprensa e na publicação de livros e capítulos de livros pelos mais conceituados intelectuais, como Pierre Bourdieu, Éric Neveu, Dominique Wolton, Rémy Rieffel e Dominique Mehl, que abordam o modo como a televisão age sobre a vida quotidiana e os valores morais, sociais e políticos. Por exemplo, o arranque do programa Big Brother (Loft Story, em França), em 2001, trouxe uma ampla discussão pública sobre qualidade e lixo na televisão.

Igualmente o papel dos jornalistas tem sido discutido amplamente, escreve Josiane Jouët. O facto de a França ter desde o começo do século XX apoiado muito os media (isenção de impostos, porte pago, subsídios) colocou sempre o público em atenção permanente (desconfiança), a que se juntam agora algumas posturas menos éticas dos jornalistas. Sob a pressão da concorrência crescente entre os media, publicam-se falsas notícias sem verificar fontes e editam-se notícias que são publicidade encapotada, com viagens pagas por anunciantes. Alguns jornalistas, em especial os apresentadores de noticiários de televisão, têm estatuto de vedeta e assumem-se como formadores de opinião pública, ao lado de empresas detentoras do capital dos canais de televisão que procuram influenciar o percurso dos temas em debate público.

A posição do Estado tende a ser a de regulador (embora continue com a propriedade de media audiovisuais), com a criação da Haute Autorité de la Communication Audiovisuelle (1982), substituída pela Commission Nationale de la Communication et des Libertés (1986), quando foi nomeado um governo de direita, e pelo Conseil Supérieur de l'Audiovisuel (1989), quando a esquerda assumiu o poder político, mantendo-se ainda com esta designação.

Reparo que, na questão da regulação, há muitas similitudes com a situação de Portugal, embora à autoridade portuguesa estejam acometidas tarefas de regulação da imprensa, que não existem na autoridade francesa. Também em termos de propriedade de empresas públicas de audiovisual e da discussão pública dos temas agendados pelos media existem situações semelhantes em Portugal.

Leitura: Josiane Jouët (2010). "French Media: Policy Regulation and the Public Sphere". In Jostein Gripsrud e Lennart Weibull (eds.) Media, Markets & Public Spheres. European Media at the Crossroads. Bristol e Chicago: Intellect, pp. 157-170

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