terça-feira, 1 de março de 2011

A CASINHA DOS PAIS DA GERAÇÃO PARVA

Luís Nazaré é um reconhecido economista, antigo presidente do Instituto de Comunicações de Portugal, actual ANACOM, e presentemente docente do ISEG. Foi dirigente político e encontra-se ligado aos corpos sociais de um dos maiores clubes desportivos do país. Dele exige-se rigor analítico. O texto que escreveu ontem no Jornal de Negócios, intitulado A casinha dos pais, deveria ter sido mais cuidadoso. Começa assim o texto: "Sem que nada o justificasse, eis que um grupo musical com nome de mulher se vê guindado a um estatuto de referência sociopolítica. Um punhado de rimas de inspiração pequeno-burguesa (como certeiramente assinalou Vicente Jorge Silva) bastou para que alguns dos nossos melhores espíritos perdessem a perspectiva analítica das coisas e se deixassem embalar pela conveniência juvenil do momento. Resta o mérito de ter reavivado o debate sobre o emprego, as qualificações, o mercado do ensino dito superior e as necessidades da economia portuguesa".

A referência é à música da banda Deolinda sobre a geração parva. Na letra (e música) de Pedro da Silva Martins, Parva que sou, lê-se: "Sou da geração sem-remuneração/e nem me incomoda esta condição…/Que parva que eu sou…/Porque isto está mau e vai continuar/já é uma sorte eu poder estagiar/Que parva que eu sou…./e fico a pensar/que mundo tão parvo/onde para ser escravo/é preciso estudar…/Sou da geração casinha-dos-pais/Se já tenho tudo, pra quê querer mais?/Que parva que eu sou [...]".

Para simplificar, a discussão nas semanas mais recentes divide os portugueses em duas gerações: a parva, ou rasca (na definição antiga de Vicente Jorge Silva), hoje com 25-30 anos; a dos direitos adquiridos, mais velha, com o extremo mais idoso em idade de reforma.

Socorro-me de um texto de Rosalind Gill (2011), em livro que ando a ler e de onde respigo algumas ideias. A autora, que escreve sobre o trabalho precário assente em cultura de incerteza, radica esta na transformação do capitalismo avançado sob o impacto da globalização, rápido desenvolvimento das tecnologias de informação e mudança da governação política e económica no sentido do neoliberalismo. Hoje, fala-se habitualmente de pós-fordismo, sociedade pós-industrial (Bell), sociedade em rede (Castells), modernidade líquida (Bauman), novo espírito do capitalismo (Boltanski e Chiapello), sociedade do risco (Beck), cujas características principais são o risco, a insegurança e a contingência.

Gill (2011: 250) ironiza: na sociedade presente, os trabalhadores criativos ocupam um lugar especial, pois são vistos simultaneamente como celebrantes e críticos do futuro do trabalho. Por um lado, parecem afastar-se da noção tradicional de carreira, assente em conhecimentos e posições adquiridas e nunca postas em causa. Por outro lado, actualizam constantemente saberes e conhecimentos, liderando o papel da classe criativa, à Richard Florida, encarregada de fornecer a panaceia para os males sociais: regenerar áreas urbanas, promover a coesão social e comunitária, e desenvolver a saúde, o bem estar e a qualidade de vida. Adoçados por todos os governos, tornam-se num novo modelo de trabalhadores do futuro: ao mesmo tempo, empreendedores e motivados por altos valores (ligando a criatividade às possibilidades financeiras das novas empresas tecnológicas, geradoras da aproximação entre arte e negócio), tolerantes ao risco, e trabalhadores imateriais e membros icónicos de uma geração com emprego informal, precário e intermitente. A retórica actual combina, pois, empreendimento e criatividade com baixos salários e insegurança, completa o raciocínio a professora de análise social e cultural do King’s College London.

Claro que não posso escamotear as posições ideológicas de Rosalind Gill, como ela as evoca no início do seu capítulo: marxismo, feminismo e pensamento pós-estruturalista (óptica foucaultiana). Mas ela mergulha mais fundo do que Luís Nazaré, com afirmações a meu ver menos felizes, caso de: "Como explicar a avalanche de licenciados em Comunicação Social ou em Relações Internacionais? Um amigo meu, com algum sarcasmo, avança uma tese – os primeiros sonham em ser entrevistadores, os segundos em ser entrevistados". Será que os 11,2% de desemprego que assolam o país provêm apenas de licenciados em humanidades? Não falta algo no pensamento do reputado economista?

Leitura: Rosalind Gill (2011). "«Life is a pitch». Managing the self in new media work". In Mark Deuze (ed.) Managing media work. Los Angeles, Londres, Nova Deli, Singapura, Washington: Sage

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