A imobiliária chama-se Immobilis e Florinda e Palmira procuram vender casas, palácios, sótãos, garagens, caves e até um poço, num tempo de grande crise financeira como é o nosso. As duas agentes imobiliárias lutam, "competindo pela comissão, intrigando, sonhando com a sua Oportunidade Única para sair da corrida de ratazanas, e um deles é amigo de uma jibóia com quem aprende a rastejar e outra é uma que não dorme e que tem pena do seu próprio sofá. E há um, claro, que vende ouro e seguros de saúde", escreve Luísa Costa Gomes, que assina o texto, enquanto a encenação pertence a Ana Tamen, que voltam a colaborar vinte anos depois de Nunca nada de ninguém (1991).
Então, retratava-se uma época, a do triunfo dos yuppies, com as pessoas a viverem inebriadas pelo dinheiro, pensando que o progresso e o sucesso tinham vindo para sempre (o "oásis" da governação de Cavaco Silva). Portugal aderira à Europa (1986) e crescia o número de auto-estradas, inauguraram-se o Centro Cultural de Belém e a ponte Vasco da Gama e abria a Expo 98. Agora, vivemos a crise da bolha imobiliária e financeira, com manifestações de militares e governantes que dizem que temos de empobrecer (Cavaco Silva a presidente da República).
Luísa Costa Gomes, descoberta dramaturga com a peça de 1991 editada pela Cotovia, escreve agora sobre um tempo disruptivo. A peça chama-se Dias a fio, o que quer dizer que a corrida é uma luta diária de sobrevivência, em que tudo está preso por um fio: o emprego, o seguro de vida, a relação com o outro. A marca da queda depois do inebriante crescimento de duas décadas atrás é dada no primeiro quadro da peça, com o actor de pernas para o ar preso numa corda. À revolução (1974), recordada pela personagem Bráulio, que representaria transformação e ascensão social, pergunta o filho: onde ocorreu essa revolução. Para depois corrigir: "Acharam que não se tinha de pagar nada? Agora pagamos todos". O agora é o tempo das leis do mercado, do domínio da imagem, do marketing, escreve ainda a autora.
A interpretação da peça presente no teatro de São Luiz (Lisboa) cabe a João Ricardo, Teresa Faria, Sílvia Filipe, Bruno Schiappa, Sérgio Praia e Paula Diogo, com boa qualidade de representação. Na folha volante distribuída com a representação, o jornalista e crítico de teatro Rui Cintra encara a hipótese de estarmos diante de uma proposta de teatro político, com o confronto do efeito de distanciamento como propôs Brecht. Sala longe de encher, o que cria um grande desânimo.
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