sábado, 10 de dezembro de 2011

Teatro-circo contemporâneo

O desdobrável anuncia uma peça de circo contemporâneo e indica tratar-se de uma pesquisa sobre a globalização e a invasão. Dois actores (Filipe Caldeira e J. Lix) encarnam dois homens que procuram definir um território e lutam ferozmente por ele. Um mostra quadros da sua mobília de quarto, peças de uso quotidiano, plantas e animais de estimação (ilustrações de João Quintela). Lenta e eficazmente, equilibra essas cópias da realidade no seu braço, dispõe-nas no chão como se fosse uma narrativa, joga-as em cima de uma mesa, como que a dizer que é dono de uma quimera. Brincadeira de criança, poderia ter dito o outro homem. Este, rapidamente, constrói uma vedação, que eu entendi ser um campo de concentração rodeado por arame farpado. Ele despe a camisa e as meias e põe-nas no arame como se estivessem a secar. Equilibrista, joga com discos, como se fosse uma réplica do trabalho do outro, que, entretanto, ficara no silêncio e na escuridão do canto do palco.

Ao equilibrista junta-se o mágico, que faz aparecer e desaparecer objectos ou os coloca de outra forma. Porém, de repente, os dois homens lutam. Percebe-se que o fazem pela conquista de mais território. A luta é física, muito violenta. O homem mais baixo e musculado ganha ao homem mais alto e, aparentemente, mais intelectual. O resultado é como se fosse o animal do circo a ser preparado e exibido pelo domador. Os discos do equilibrista são usados agora como coleira. Há uma grande humilhação de um homem perante o outro, e que se prolonga por muito tempo. Seria leão, tigre ou simples cão? Confesso que, por duas vezes, estive para sair da sala, dada a inusitada força física posta em confronto. No final, os dois homens arfavam, exaustos, e viam-se as marcas no pescoço do actor que representava o papel de vencido.

A peça não é intelectual nem agradável, mas um pesadelo. Eu sei que os programadores da Companhia Erva Daninha, que montaram o espectáculo 50 ou nada na Fábrica da rua da Alegria (Porto), quiseram demonstrar como as conquistas e as guerras contemporâneas produzem grandes deslocações de populações, uma enorme miséria e opressão. Mas o teatro precisa de ser falado, algo que é escasso na peça, sem necessidade de tamanha brutalidade. O que pensaria o público jovem presente? Nos bancos corridos da plateia de uma das mais desconfortáveis salas que conheço, algum público ria, coisa que não percebi, durante a luta que culminou com a humilhação de uma das personagens.

Para ser o circo como lugar de produção de sonho, a peça representada deveria ter o palhaço e a música. Sei que o grande treino físico e maior agilidade demonstrada pelos dois actores retrata de perto a vida difícil dos saltimbancos do circo, o que nos aproxima um pouco da realidade - que não é igual ao sonho.

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