quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

A intimidade nos media

O que é a intimização? Para Stanyer, que trabalha em Intimate politics (2013) no domínio dos actores políticos, o conceito começa no modelo de esferas ou arenas em que o político actua (pp. 12-13; p. 152). São três as esferas: privada, público-popular, instituições e processos políticos.

Intimização é o processo da narrativa do relato público de actos de intimidade, neste caso de políticos. Pode também se aplicar a personalidades célebres ou celebridades. A informação do (e sobre o) político circula continuamente entre estas esferas. Inclui não apenas a vida interna (e os seus pontos chave como aniversários), a relação com colegas e familiares (incluindo relações extra-conjugais) e espaço da vida pessoal (lar, férias).

A intimização é a publicitação da informação e das imagens destes três domínios (p. 15). A vida privada dos políticos tornou-se um facto da comunicação política em muitas das democracias mais avançadas do mundo. O autor opera com um quadro que inclui escândalo, consenso e dissensão, pelo que a intimização envolve os fluxos de informação pessoal não escandalosa, com divulgação de actividades pelos media, e informação escandalosa sem o consentimento do político visado (p. 17). Ele fornece uma análise comparativa de sete países: Alemanha, Austrália, Espanha, Estados Unidos, França, Itália e Reino Unido. Stanyer, na sua investigação, separa os Estados Unidos e o Reino Unidos dos restantes países. Isto porque aqui o nível de exposição consensual e de escândalo é mais elevado, com os media desses dois países a considerarem que os assuntos pessoais dos políticos têm um elevado interesse jornalístico (p. 153).

A intimização existe num universo em que os políticos estão envolvidos numa cultura voyeurística, uma cultura de imagens e informação reveladas sobre os outros, uma atmosfera de total exposição, em que não há espaços para segredos (p. 19), que os media exploram para proveito próprio (venda de mais exemplares, concorrência de mercado). A isso, Stanyer chama cultura do voyeurismo ou terapêutica (p. 20). Do político, espera-se que saiba adaptar-se, sobreviver e viver nessa revelação permanente da sua vida face às expectativas dos outros (os votantes, os simpatizantes e os opositores).

Um assunto transversal ao livro é o do relacionamento sexual dos políticos, extra-marital ou de orientação sexual (p. 154). Países como a Alemanha, nos anos estudados por Stanyer, são menos atreitos a notícias que países como os Estados Unidos e o Reino Unido. O anterior presidente francês, Sarkozy, emergiu em termos de revelações da sua vida íntima, quando se divorciou e voltou a casar, fenómeno menos jornalístico que nos países de língua inglesa, observa Stanyer. Este indica diversos factores: as tecnologias da comunicação (a internet permite libertar rapidamente as informações mesmo que escandalosas), a tabloidização, a combinação de condições micro e macro relacionadas com os media, o ambiente político e elementos sociais e culturais.

A incursão no domínio privado foi lamentado pelos teóricos clássicos como Hannah Arendt e Richard Sennett, pois a revelação de gostos pessoais significa a transformação da esfera pública num espectáculo mediático, com despolitização da sociedade civil (p. 161). O livro fornece um olhar científico sobre as fronteiras, e a sua atenuação, entre esfera pública e esfera privada dos políticos. O estudo comparativo permite ver quais foram as reacções de políticos como Tony Blair ou Silvio Berlusconi ou Nicolas Sarkozy em dados momentos da sua vida política.

Questões metodológicas são levantadas na investigação (pp. 26-27): estudam-se apenas os líderes nacionais ou também os líderes dos principais partidos? Que períodos de amostragem, apenas os das eleições? E examinam-se todos os media, incluindo a internet? E como se forma o tom de análise em termos de escândalo ou informação de consenso?

Fico com a leitura de Berlusconi, cujas revelações sobre actividades extra-conjugais se ampliaram em 2009 e 2011. Já em 2009, a sua mulher Veronica Lario publicitara a sua separação do primeiro-ministro e empresário dos media (p. 119), usando os media de oposição a Berlusconi, La Repubblica e La Stampa (e ainda Corriere della Sera). Stanyer segue o texto essencial de Hallin e Mancini sobre os media europeus, autores que chamaram a atenção para a polarização dos media italianos entre esquerda e direita. Isto é, em Itália há um sector de imprensa hostil a Berlusconi, garantia para a exposição da posição de Veronica Lario. Mulheres como Noemi Letizia, que chamara papi a Berlusconi, Patrizia D'Addario, a quem aquele dissera para o esperar na cama de Putin enquanto ele tomava um duche (o presidente russo oferecera-lhe uma cama) ou Ruby "Corta-corações" (ou Karima el-Mahroug ou Ruby Rubacouri), conhecida das festas bunga-bunga (pp. 120-121), permitiram fortes críticas na imprensa nacional e internacional.

Mas Stanyer vai além e conclui que os processos de intimização de Berlusconi não partem de pesquisa dos media mas de investigação judicial, como foi o caso bunga-bunga, pois em jogo estava o facto de Berlusconi pagar relações sexuais com menores (abaixo dos 18 anos). Na linguagem do autor, são factores micro ou macro sociais e culturais que alargam esta esfera da dissensão e da intimização.

James Stanyer é docente na Universidade de Loughborough, onde ensina na área de estudos dos media. Um seu livro anterior, The creation of political news. Television and British party political conferences (2001), foi um instrumento inspirador para uma investigação que eu e duas colegas fizemos em 2001-2002 sobre partidos políticos, congressos e televisão. Mais tarde, Stanyer participou numa conferência internacional organizada pelo CIMJ (Centro de Investigação Media e Jornalismo).

Leitura: James Stanyer (2013). Intimate politics. Cambrige e Malden, MA: Polity, 225 p.