Hoje, na Sociedade de Geografia de Lisboa, decorreu o seminário António Ferro. 120 anos depois do seu nascimento, promovido por aquela sociedade e pela Fundação António Quadros. Não estive o dia todo, por razões profissionais, mas o que vi gostei, entre comunicações de grande erudição e outras sólidas, resultado de teses de mestrado e de doutoramento, em reunião que terá juntado mais de 80 pessoas. A sua biografia, António Ferro como jornalista, editor da revista Orpheu (a comemorar cem anos), política do espírito, Museu de Arte Popular e turismo foram os tópicos centrais que ouvi.
A figura de Ferro ainda hoje é controversa, não consensual, como disseram vários oradores e o recente livro de Orlando Raimundo comprovou, em registo diferente, por exemplo, do livro de Margarida Acciaiuoli (2013), António Ferro, a Vertigem da Palavra. Retórica, Política e Propaganda no Estado Novo. Dos oradores, retive as palavras de Guilherme de Oliveira Martins,que começou por lembrar que o primeiro número da revista Orpheu foi editado no mesmo ano que Educação Cívica, livro de António Sérgio. O orador usou a expressão mundo perigoso ao tempo em que Ferro se tornou jornalista conhecido como entrevistador, mais como comentador do que escritor do que dizem os entrevistados, com capacidade de ler os acontecimentos, como que antecipando a evolução política ditatorial espanhola, italiana, alemã e turca.
Por seu lado, Jorge Ramos do Ó olhou António Ferro como dividido entre a modernidade e a tradição e defendeu a ideia que o dispositivo cultural do Estado, em termos de ministério da Cultura em Portugal, se forjou com aquele jornalista, intelectual e político, modelo que não é distinto no regime democrático. Ferro enquanto homem de propaganda igual a instrumento de poder, em que só existe o que o público sabe que existe (retirado de Salazar), procurou juntar governantes e governados através das imagens da tradição. E, seguindo os pilares ideológicos do ditador, Ferro mobilizou as indústrias culturais e criativas da época (cinema, imprensa, arte, teatro e rádio). Ferro foi mais hábil na atracção de artistas plásticos que artistas, propiciando prémios e exposições. O orador, que distinguiu a preponderância do pintor-decorador na obra do Secretariado da Propaganda Nacional, depois tornado Secretariado Nacional da Informação, referiu-se também à decadência de Ferro, a partir do momento em que os artistas plásticos se mudaram para a oposição política, no pós-II Guerra Mundial. À política de espírito (de Ferro) seguiu-se, na expressão de Ramos do Ó, a política da restrição, com a atribuição da actividade da censura ao SNI, responsável pelas licenças de exibição de cinema e de espectáculo do teatro.
Raquel Henriques da Silva foi a oradora que eu mais gostei de ouvir. Apesar de se afirmar não especialista em Ferro, a sua leitura sobre o Museu de Arte Popular, uma das iniciativas preparadas pelo intelectual orgânico (à Gramsci), capaz da produção de design de comunicação de grande eficácia. A docente de história da arte fez, a meu ver, duas revelações importantes. A primeira, relacionada com artefactos rurais como os barros de Barcelos, como os de Rosa Ramalho, cuja descoberta coube a arquitectos do Porto (Fernando Lanhas e Alexandre Alves Costa), cuja atmosfera era distinta da de Lisboa, onde surrealistas e neo-realistas se digladiavam politicamente. Ferro aproveitou depois para o seu museu essas peças quase primitivas e de aparência simples ou brutal. A segunda revelação foi a da diferente concepção de Museu de Arte Popular. Francisco Lage queria um museu de etnografia e António Ferro um pavilhão de arte popular.
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