Dulce Maria Cardoso (1964) foi para Angola em tenra idade, saindo de lá em 1975, quando diferentes movimentos políticos encetaram uma violenta guerra para controlo do poder político.
O romance O Retorno narra uma vinda precipitada de uma família branca no seu êxodo.
A autora coloca um narrador a contar a história da vinda, em três momentos, de muita rapidez de ocorrências mas de grande lentidão a apresentar essas ocorrências. Trata-se de um permanente diálogo interno de um adolescente de quinze anos (até aos dezoito), das conversas tidos com familiares e amigos, e da interpretação desses diálogos. O livro, bem escrito, é, assim, constituído por um enorme monólogo, onde se veem as forças e as fragilidades de um conjunto de indivíduos perante um momento de vida social que não dirigem mas gostariam de liderar. Um dos momentos interessantes e mais perspicazes é a distinção entre Angola – de largos horizontes – e a metrópole – de ruas estreitinhas e gente de pequenas invejas.
Rui, o narrador, a irmã, pouco mais velha, a mãe, sempre doente com espíritos, e o pai, homem que fazia transporte de mercadorias em Angola, preso mesmo quando fazia a mala para sair do país, são o mundo mais íntimo. Mas o romance tem mais personagens, com fino recorte social e cultural.
Se a primeira parte trata a partida, a segunda parte narra a vida no hotel no Estoril, onde os retornados em si discutem um cada vez menos provável regresso às colónias, com os homens com um fumo negro na manga do casaco em sinal de luto, e Rui e a família esperam o pai preso em Luanda. A terceira parte, mais pequena, é a do reencontro do pai, regressado depois de torturado e com muitas cicatrizes no corpo devido a essa violência.
No livro, há três referências à rádio. Uma, na p. 166, revela o excesso de canções revolucionárias em 1975 nas rádios nacionais. As outras duas referências, nas páginas 27 e 196, com alusão à radionovela Simplesmente Maria. A irmã Maria de Lurdes, ou Milucha, sonhava que a personagem Alberto a esperava à sua chegada ao aeroporto da metrópole. Rui admirou-se de a irmã contar algo tão infantil. Antes e depois da novela, a estação dava o nome completo dos desaparecidos na mortandade de Sanza Pombo.
A radionovela passou em Portugal em 1973 e 1974. Com a revolução de abril de 1974, os produtores pensaram que ela podia ser eliminada, como acontecera com o concurso de misses de Portugal, a que Vera Lagoa, depois diretora do semanário O Diabo, dava tanta colaboração.
Tomé Barros Queirós foi o produtor da radionovela. Ele abandonara uma carreira de sucesso de cantor de opereta em 1960 e passou a dedicar-se a atividades publicitárias, que incluíam a rádio. No romance de Dulce Maria Cardoso, a radionovela é deslocada para 1975. Não sei se ela foi também transmitida em Angola ou se é um artifício de ficção. O importante no livro é a colocação de uma informação importante – a lista de pessoas que teriam morrido em ataques guerrilheiros. Tal dá conta da dimensão da tragédia.
O primeiro romance de Dulce Maria Cardoso, Campo de Sangue (2001), recebeu o Grande Prémio Acontece. Seguiram-se os romances Os Meus Sentimentos (2005), Prémio da União Europeia para a Literatura, e O Chão dos Pardais (2009), Prémio Pen Club, O Retorno é de 2011.
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