sábado, 9 de julho de 2016

Constelações


A história é simples mas não contada de modo linear. Dois jovens (Mariana e Rodrigo) encontram-se, conhecem-se e apaixonam-se e resolvem casar. Um dia, ela tem um problema grave de saúde. Ela é cosmologista, introduz dados científicos em computador e trabalha na universidade; ele é apicultor e vive profissionalmente do trabalho do mel. Ambos trabalham com assuntos da natureza.

A narrativa é permanentemente desconstruída. Parece que se trata de um ensaio, onde se tem de voltar a repetir. Mas há sempre pequenas alterações, uma espécie de variações dentro de um tema, como a música barroca nos ensinou. Ou diversos pontos de vista. Um assunto tem sempre interpretações diferentes. Mesmo o espectador vê uma representação de modo distinto. Eu, sentado na cadeira 20, vi a representação do lado esquerdo da plateia, observando melhor quando a cena decorria deste lado e tendo alguma dificuldade em entender toda a gestualidade do outro lado do palco, apesar da boa expressão do par de intérpretes.

Compreende-se melhor a história quando se lê a razão do autor para escrever a peça. O pai dele morrera pouco antes e ele, na procura de significados para a perda, encontrou um texto sobre teoria da física moderna, em especial a teoria do multiverso quântico, que postula a existência de múltiplos universos e dimensões de tempo-espaço, em que cada indivíduo pode estar em várias situações. Por exemplo, John Lennon ainda estar vivo e continuar a compor e a cantar ou David Cameron a não conseguir entrar na universidade (e, por isso, a não desempenhar o papel de condutor do Brexit). Cada elemento do casal, antes de se conhecer, vinha de experiências amorosas mas percebeu que existiam um para o outro. Ou talvez a história tivesse outro desfecho.

Por isso, o dispositivo cénico foi dividido em três palcos redondos onde as repetições dos diálogos se representavam, de modo ao espectador entender que havia outras interpretações ou significados para além do mais óbvio. Algumas vezes, voltava-se quase ao princípio, como em alguns jogos ou em propostas de crianças quando trabalham o reconhecimento de uma ação.

Gostei muito do diálogo da declaração de amor de Rodrigo a Mariana, com a leitura de um texto sobre a vida das abelhas, e da linguagem gestual, cuja estrutura dialógica conhecíamos de cena anterior, quando ela está cansada da doença e ele sugere uma viagem. Achei pesada a cena de amor, pela dificuldade formal do assunto e pelo desgaste físico no chão do palco. Apeteceu-me sair do lugar e vir-me embora nessa ocasião. O desempenho esteve sempre bem, na minha leitura, nomeadamente a distinção entre momentos de alegria e de confidências e momentos de mágoa e pesadelo.

Por vezes, o diálogo sobre a morte sobrepunha-se ao da vida. Possivelmente porque a morte é uma certeza biológica e a vida um passo para a morte. A peça é também sobre o tempo. Como escreveu a dramaturga, há muitos tempos: chega-se com tempo, falta o tempo, tempos mortos, tempo dourado (ou época dourada), tempos sem fim, tempos que chegam ao fim. O tempo associa~se à morte, concluo.

Constelações (2012) é uma peça de Nick Payne, versão de João Lourenço (que encenou) e Vera San Payo de Lemos (que fez a dramaturgia), com cenário de António Casimiro e João Lourenço e vídeo de Luís Soares, e interpretação de Joana Brandão (1977) e Pedro Laginha (1971). No Teatro Aberto.


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