sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Antes que Matem os Elefantes

No início, com o palco escuro, ouvem-se vozes de crianças a falar da sua casa destruída, dos irmãos perdidos, de querer regressar à Síria, ir para a escola, voltar a comer com a família, desejar uma pista de automóveis. Acusam o presidente ditador de destruir tudo. Porquê?

Depois, sete bailarinos (quatro homens e três mulheres) passam pelo palco: dançam, mexem-se, rastejam, enchem-se de poeira, recolhem pedras, fazem-se de mortos. Há uma peça musical que fica no ouvido, a de Dhafer Youssef, um longo lamento que nos leva de imediato à bestialidade dos acontecimentos da Síria. Um país quase inteiro destruído? Como foi possível?

Olga Roriz quis conhecer de perto o grande drama dos sírios e visitou refugiados na Grécia. A sua dança-teatro de cerca de 140 minutos desenrola-se no interior de um apartamento destruído, em Alepo, com um sofá avermelhado onde um casal se contempla sem compreender o que justifica aquela violência, enquanto um frigorífico já velho e roupas e colchões rolam pelo ar. Um casal abraçado é separado, os bailarinos agem em grupo, como se fugissem da catástrofe, gemem, caem, voltam a levantar-se. Em tudo isto, muita poeira, que sai do chão, dos corpos.


Da guerra (da sua violência e do ridículo humano em torno disto) nos falam produções contemporâneas - pelo menos, assim as recebi quase todas ao mesmo tempo - o novo filme de Kusturika, o filme Silêncio, a peça Os Últimos Dias da Humanidade. A que junto o presidente louco e perigoso da maior democracia do mundo, cuja assinatura, para aparecer na televisão, tem quase a dimensão de uma folha A4. Parece que a esperança está a desaparecer.

Intérpretes: Beatriz Dias, Carla Ribeiro, Marta Lobato Faria, André de Campos, Bruno Alexandre, Bruno Alves e Francisco Rolo. Seleção musical de Olga Roriz e João Rapozo com música de Aphex Twin, Ben Frost, Dahfer Youssef, Gavin Brayers, Max Richter e Two Fingers. Cenografia e figurinos de Olga Roriz e Paulo Reis. Imagem retirada da página do Facebook da companhia de Olga Roriz. A dança estreou em final de abril de 2016 no Centro Cultural de Ílhavo. Vi-a agora no Teatro Nacional de S. João (Porto).

Sem comentários: