O livro de Alexandra de Carvalho Antunes, Cais da Pedra e Cais Real. Planos Joaninos para a Marinha de Lisboa, foi lançado o mês passado, editado pela Canto Redondo.
Do prefácio de Vítor Serrão, retiro o seguinte: durante séculos, houve estruturas efémeras de desembarque de embaixadas, visitantes e comitivas oficiais na margem direita do rio Tejo, compreendendo o Terreiro do Paço da Ribeira, seu cais de pedra, e o cais real, na Praça de Belém, contíguo ao palácio realengo.
O texto agora publicado integra-se no trabalho de pós-doutoramento e que culminará numa monografia sobre o Cais das Colunas. Alexandra de Carvalho Antunes tem mestrado em Arte, Património e Restauro, com o trabalho A Arquitetura de Veraneio e o Palácio Anjos em Algés, depois publicado em livro e que fiz referência em novembro de 2007 aqui (O veraneio da família Anjos. Diário de Maria Leonor Anjos (1885-1887)). A investigadora concluiria ainda doutoramento em Arquitetura.
Trabalhando com fontes primárias, permitindo reconstituir no seu conjunto os equipamentos urbanos da faixa ribeirinha e revelar as suas formas e funções como melhoramentos portuários, Alexandra de Carvalho Antunes remonta a atual Praça do Comércio ao final do século XII, com aterros e assoreamentos sucessivos (p. 19). O topónimo Terreiro do Paço é devido a D. Manuel I, que trocou o Paço Real da Alcáçova, na colina do Castelo de S. Jorge, pelo Paço da Ribeira (p. 21). A construção de um cais de pedra iniciou-se nesse período. Muito depois, discutiram-se as questões do lançamento de imundícies no cais e a necessidade de reparar o edifício da alfândega do tabaco e relançar o cais já destruído (p. 25).
A designação do termo cais da pedra, em finais do século XVI, identificou cais de cantaria próximos dos Paços da Ribeira (p. 28). O próprio Cais das Colunas, no Terreiro do Paço, acumulou os dois nomes. Os cais de pedra iam de Marvila a Belém (p. 36). O de Belém, desenhado por Carlos Mardel, surge na bela capa do livro, com "uma vasta e formosa praça, com um amplo cais de cantaria sobre o Tejo", como se escrevia num documento da época (p. 44). As obras de construção do novo porto de Lisboa acabariam com o cais da praça de Belém, aliando-se às obras da linha de caminho de ferro Cascais-Lisboa, a funcionar desde 1889-1895 (p. 47).
O livro tem 15 páginas com planos, desenhos e gravuras que revelam a beleza dos cais da pedra junto à margem direita do rio Tejo. Tem ainda dois anexos, referentes a documentos de 1742, onde se elenca um conjunto grande de argumentos para a construção dos cais da pedra, incluindo a segurança, a defesa da cidade e o combate às lixeiras junto do rio e visíveis na maré vaza.
Da leitura deste livro, extraio conclusões, a primeira das quais o fechamento do rio por infraestruturas estatais, como o porto de Lisboa. Um movimento contrário nos anos mais recentes está a permitir, de novo, usufruir o contacto com o rio e numa grande extensão da costa ribeirinha. A segunda conclusão é o reflexo social provocada pela mudança de transportes: se o rio e o navio eram essenciais no transporte de pessoas e bens, a estação de caminho de ferro do Rossio, na baixa da cidade, alterou o uso social no tocante a pessoas. Nas décadas iniciais do século XX, as personalidades mais importantes eram alvo de acolhimento público à saída e chegada do comboio, o que se alterou quando o aeroporto entrou em funcionamento e visível nas fotografias tiradas junto ao avião à partida, para memória futura. Do rio e dos seus cais de embarque ficava então uma ideia ténue. O livro de Alexandra de Carvalho Antunes, numa vertente histórica e de arquitetura, vem situar de novo o tema, a que podemos associar os aspetos sociais, económicos e culturais. Uma terceira questão é a massificação do transporte - as pessoas viajam cada vez mais e as estruturas adaptam-se a essa procura e velocidade.
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