sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Sobre o desaparecimento da livraria Leitura (Porto)

"Estava ainda em processo de digestão da despedida da sua biblioteca e acervo de arte decretada por “necessidade” quando, esta semana, uma outra notícia chegava para o entristecer. Fernando Fernandes soube por um jornalista do fim da Leitura, a livraria que fundou em 1958, ainda sob o nome de Divulgação, e que por quase 50 anos foi “espaço de resistência” e lugar de culto para quem gostava de livros”. A livraria decretou insolvência no último 15 de janeiro. Os quatro trabalhadores tinham salários em atraso há cerca de um ano.
A minha memória cultural da livraria Leitura remonta à década de 1970. A livraria vinha na sequência da livraria Divulgação (1958), que domiciliava gente da cultura e das artes da cidade, em especial a conotada com a oposição política: José Augusto Seabra, Carlos Porto, João Guedes (ator), Eugénio de Andrade, Egito Gonçalves, Fernando Guimarães, Rebordão Navarro, Óscar Lopes, Ramos de Almeida, Dinis Jacinto e Alves Costa. Sessões de autógrafos de escritores como Aquilino Ribeiro, Rodrigues Miguéis, Ferreira de Castro, Jorge de Sena e Orlando da Costa encheram a livraria até à rua. No mesmo mês de junho de 1958, uma exposição coletiva englobou obras de Amadeu de Sousa-Cardoso, Almada Negreiros, Dórdio Gomes, Carlos Botelho, Júlio Resende, Mário Eloy e outros. Como livreiro, Fernando Fernandes nunca dizia “não temos” ou “está esgotado”.
O jornal, no texto de hoje, fala do livreiro como profissão em extinção. Estou de acordo, mas penso num quadro mais vasto. A livraria Divulgação, depois Leitura, era vizinha dos estúdios de Rádio Clube Português, inaugurados na mesma época, transferidos para a rua de Tenente Valadim no início da década de 1970, e do café Ceuta, espaço de tertúlia e sala de bilhares, hoje uma sombra do passado. E ainda da principal central telefónica da cidade, na esquina da rua da Picaria com a rua de Ceuta. A estação telefónica perdeu impacto. A Faculdade de Letras, não muito longe (junto ao hospital de Santo António), afastou-se dali em meados da década de 1970. Outra livraria, quase junto à Leitura, a Livros do Brasil, fechou há talvez dez ou quinze anos. Agora, a zona não é de indústrias da cultura mas de restauração, de oferta orientada para a francesinha (até a loja dos bolos "éclaires" mudou de perfil). Quem sobe hoje a rua de Ceuta vê edifícios em recuperação, sinal do desinvestimento da zona. A livraria ressentiu-se muito disso.
Entrar nos últimos anos na livraria era uma tarefa triste. Eu recordo a alegria do lançamento de um livro meu em 1997, a inaugurar a coleção Comunicação, dirigida por Mário A. Mesquita, integrada na Editora MinervaCoimbra. E, durante a década de 1980 e parte da década de 1990, onde comprei muitos livros de arte e estética para aulas na Árvore, cooperativa de ensino artístico, realço o atendimento conhecedor dos livreiros e a permanente atualidade. A Leitura chegou mesmo a produzir um catálogo regular com títulos e capas, um grande esforço de divulgação do livro de cultura (literatura, arte, ciências sociais e humanas), mal designado como técnico, como uma fatura de livro que ali comprei e que anexo.



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