segunda-feira, 15 de março de 2021

Empregados da APT

De cima para baixo, apresento os seguintes empregados da APT (Anglo-Portuguese Telephone, cerca de 1940): senhor Freitas, enfermeiro, dona Aline Aguiar, chefe da secção de chamadas locais, senhor F. Casal Ribeiro (assistente do engenheiro Smart), donas Alice Leote, Maria do Carmo Meirelles e Josefa Dingle no novo gabinete, e senhor Joaquim Antunes David (imagens do arquivo da FPC).

Parto do princípio de que a fotografia representa a realidade. Mas acrescento outro princípio, a de que a fotografia é uma construção social. Explico melhor: o fotógrafo escolhe o que quer captar. Dou o exemplo de um enfermeiro hoje, de máscara a tapar nariz e boca e a inocular num paciente uma vacina contra o covid. O enfermeiro Freitas aparece no seu território, sentado à secretária, com telefone, caneta e tinteiro para a caneta. Não há um único instrumento médico ou um penso rápido ou um frasco de tintura de iodo para um pequeno curativo. Apenas uns montinhos de impressos bem arrumados, como se fosse um administrativo. E o laço no pescoço dá-lhe um ar de aristocrata.
A imagem das datilógrafas mostra um mau fotógrafo, com erros de palmatória. O gabinete de apoio a um diretor ou administrador estava equipado com máquinas de escrever, possivelmente da marca Remington. Uma das datilógrafas está bem instalada, mas a outra não. A Remington quase que não cabe na minúscula mesa. Ela foi colocada lá apenas para dar a ideia de um polo moderno de datilografia. E a terceira empregada parecia estar em casa a combinar pelo telefone um encontro amoroso ou uma ida à praia, tal a posição displicente em que se encontra, quase encostada à janela. Lembro-me de ter trabalhado com fotógrafos, nos TLP e depois na PT, que me davam cabo da paciência, pois faziam a primeira imagem depois de vinte minutos de ensaio: medir a luz, pôr ou retirar objetos, ver o modo como o empregado a fotografar estava vestido, voltar a medir a luz, pôr o fotografado de frente, de lado e do outro lado. Era uma autêntica encenação, mas a fotografia saia um brinquinho. O fotógrafo das Remington não – passou por lá e premiu o botão da máquina.
Aprecio a posição serena de Aline Aguiar, mulher talvez com quarenta anos e já bem conhecedora do seu metier. Mas rodeada por muitos livros e papéis. Lembro-me de um chefe meu, quando me ausentava em horas de serviço, me aconselhar a deixar livros abertos e papéis a indicar que eu estava em grandes trabalhos e me ausentara por motivo maior. De igual modo, Casal Ribeiro, assistente do engenheiro Smart, olha para papéis, e igualmente de caneta. Vejo ainda um carimbo ou chancela, a mostrar que o trabalho dele era despachado com assinatura. Noto também dois telefones aptofone com marcador, a indicar que a fotografia foi tirada depois de 1930. Ele é um homem ainda novo e aparentemente sentado numa cadeira de telefonista, a rodar sobre o eixo central.
A imagem que me oferece mais dificuldade de interpretação é a de Joaquim Antunes David, homem pesado e de ar triste e distante. Talvez no dia de se reformar, embora a porta de saída pareça estar atrás de si. Ou apenas o adeus a umas instalações abandonadas pela APT? Com boné e farda de trabalho, não sei se era guarda-fios ou contínuo. Mas não possui qualquer elemento de trabalho, sejam os papéis dos outros sejam as máquinas de escrever.







Sem comentários: