segunda-feira, 8 de março de 2021

Telefonistas

Este não é um ensaio sobre a fotografia de dezasseis mulheres telefonistas ao serviço da APT (Anglo-Portuguese Telephone, 1887-1967) no Porto nos primeiros anos da atividade. Pretendo somente pensar como seria o seu quotidiano, cultura, compromissos familiares, posses materiais e até sotaque. Apesar do preto e branco da fotografia, percebe-se logo que o vestuário das telefonistas é escuro, a dar um ar de austeridade no trabalho, com pequenos apontamentos como golas brancas. A fotografia foi feita num ateliê de fotógrafo, por a primeira fila se sentar em cadeiras, quase todas elas voltadas para a objetiva fotográfica, e com um fundo falso de paisagem (julgo descortinarem-se um vaso e planta e uma estatueta). A posição das mãos das mulheres é estudada (previamente indicada), para dar um sentido de harmonia. O trabalho da telefonista usa muito a mão para ligar e desligar cavilhas para a comunicação e, assim, a posição das mãos adquire simbolismo.

A hierarquia está facilmente resolvida na fotografia: a mulher que ocupa o lugar central na fila das telefonistas sentadas. Aliás, a composição fotográfica leva o nosso olhar para ela. Junto mais observações, a posição da cadeira dela é distinta da das outras, há um ar de confiança em que o rosto repousa sobre uma das mãos, ela usa óculos, no que é a única, e veste um conjunto de duas peças, no que é imitada por poucas das outras mulheres. 

Apesar de juntas na profissão, cada telefonista é uma unidade. Apenas duas mulheres se aproximam mais, parecendo amigas de antiga duração, encostando as suas cabeças. No conjunto das mulheres, noto outra similitude: o modo como enrolam o cabelo comprido, uma ou outra deixando cair algumas franjas pela testa. Algumas, mas poucas, têm adereços, como pendentes ou fios em volta do pescoço ou um alfinete com imagem em esmalte.

Todas elas são jovens, diria que nem sequer tinham 30 anos quando foram fotografadas. Encontro duas explicações: a atividade era recente e apenas concorreram jovens; as mulheres mais velhas deixavam a profissão quando se casavam. Mesmo a mulher central na imagem, e que eu designo por chefe das telefonistas, tem um rosto jovem. Reparo em duas jovens, exatamente atrás e de cada lado da chefe. Uma delas possuía ar de bem-disposta, de sorriso contido, com a mão de colega no seu ombro; a outra, com ar ingénuo e fio com cruz ao peito.

Onde morariam? Talvez nas ruas próximas da rua Ferreira Borges, onde ficava a estação telefónica, ou na freguesia da Sé ou do outro lado do rio, atravessando o Douro em manhãs ora com nevoeiro ora com sol, mas sempre com uma brisa vinda do oceano. O rio Douro, com a sua atividade mercantil através de barcos, fizera crescer muitas empresas, quase todas elas clientes da APT. Como a fotografia aponta para cerca de 1899, mesmo no fim do século, o horário devia prolongar-se das oito da manhã até quase à meia-noite, o que implicaria alguma logística de apoio familiar no regresso da profissional. E o trabalho? Então, já existiriam algumas centenas de telefones espalhados até à parte mais alta da cidade, conquanto se designasse de baixa, em torno da praça da Liberdade. Anos depois, em 1925, o serviço da central da rua Ferreira Borges migrava para a rua da Picaria, a mostrar uma nova centralidade urbana, com escritórios, empresas de importação, jornais, comércio vário (vestuário, tecidos, ferragens, brinquedos, alimentar), carros elétricos (carris), a contrastar com os ainda muitos transportes por muares ou bois, como algumas fotografias nos revelam junto ao cais do porto do Douro (designada por Ribeira). E quanto auferiam por mês ou semana de trabalho? Creio que ainda bastante pouco, mas que as ajudava a equilibrar as contas domésticas das suas famílias.

Telefonista é uma profissão feminina; os homens empregados inicialmente foram depressa despedidos por rudes e com pouca paciência numa atividade profundamente comunicativa.
 

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