segunda-feira, 3 de maio de 2004

DIA MUNDIAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA

Comemora-se hoje o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. A data marca o aniversário da Declaração de Windhoek, uma declaração de princípios redigida por jornalistas africanos em 1991, que clamava por meios de comunicação sociais livres, independentes e pluralistas naquele continente e em todo mundo.

Este dia recorda os jornalistas mortos no cumprimento do seu dever profissional. Só no primeiro trimestre deste ano morreram 17 jornalistas. Em 2003, haviam falecido em serviço 36 jornalistas. Para a organização não governamental Freedom House, Portugal encontra-se em 18º lugar no ranking de países com mais liberdade de imprensa em 2003. O relatório avaliou meios da imprensa escrita, digital, radiofónica e televisiva, anotando casos graves na Rússia ou a Bolívia. Mas também refere a Itália, onde uma recentíssima lei do senado propôs um reforço do poder mediático do primeiro-ministro Berlusconi.

DEZ ANOS DE HISTÓRIA DA SIC (1992-2002). O QUE MUDOU NO PANORAMA AUDIOVISUAL PORTUGUÊS - II PARTE

[continuação da mensagem de 29 de Abril]

Programação

Uma estação de televisão vive de programas que procuram alcançar o grande público. Muitos programas mantiveram-se durante anos, atestando o sucesso da sua fórmula; outros desapareceram rapidamente de cena. O objectivo deste ponto do artigo não é fazer o levantamento exaustivo dos programas ao longo dos dez anos de história da estação, mas fazer um retrato de alguns deles, bem como referir vários dos seus animadores, identificados com os programas.

Séries, telenovelas brasileiras, primeiro, e portuguesas, já no dobrar do século, concursos, talk-shows e reality-shows encontram-se entre as alavancas da programação que levaram à popularidade da SIC e ao seu contributo para a mudança do panorama audiovisual português. O formato das telenovelas brasileiras vinha já da RTP – basta lembrar o enorme sucesso que o canal público teve com Gabriela, do original de Jorge Amado. A SIC aproveitou a fórmula e, em especial, o contrato estabelecido com a estação brasileira Globo, que possuía um grande conhecimento do formato. Assim, não seria de admirar que, já em 1995, o programa mais visto fosse a telenovela A próxima vítima. Outras telenovelas de grande audiência seriam, ao longo da década, História de Amor, O Rei do Gado, A Indomada, Anjo Mau, Torre de Babel e Terra Nostra.

Várias fórmulas de programas fizeram fama, nomeadamente os de produção nacional, pelo que vale a pena debruçarmo-nos na análise de alguns deles. Um, o Ponto de Encontro seria a oportunidade de homens e mulheres contarem as suas histórias e reencontrarem familiares ou amigos, saindo de cena mais felizes e aliviados (Torres, 1998: 74). O povo que chorava e ria no momento do reencontro era bem tratado no talk-show, ao passo que Henrique Mendes se apagava no papel de entrevistador, o que conferia maior credibilidade às histórias dos convidados. Chuva de Estrelas foi um dos muitos programas emblemáticos da SIC, com apresentação sucessiva de Catarina Furtado e Bárbara Guimarães, dois dos mais conhecidos rostos femininos da estação de televisão. O desenrolar do concurso e a final do programa de cada ano tornaram-se uma festa popular, com detalhes específicos como imagens de mães a chorar, organização de claques e encenação das canções. Para além de apresentar os imitadores de canções internacionais conhecidas e em voga, o programa mostrava os bastidores – as pessoas por detrás dos cantores, as suas vidas, sonhos e projectos. Este lado preenchia um dos objectivos essenciais do canal: emocionar os telespectadores fazia parte do enquadramento social e popular de concursos e reality shows. A cantora Sara Tavares foi uma das grandes revelações do concurso.

Um programa que despertou discussão pública foi A Máquina da Verdade (1995). A polémica chegou logo no primeiro episódio, com o padre Frederico, então suspeito de associação a um escândalo sexual e à morte de um jovem seu protegido. No programa usava-se um detector de mentiras, levando o telespectador a acreditar nas reacções físicas dadas pela máquina. O assunto foi logo discutido na Assembleia da República. Do mesmo modo, a polémica instalou-se em A Cadeira do Poder (1997), animado por Artur Albarran. A primeira emissão referiu-se a um acidente que envolvia um secretário de Estado da Juventude. O Conselho de Ministros discutiu a emissão durante uma hora de reunião!

O desporto e a sua crítica conheceram êxito em Os Donos da Bola, o primeiro talk-show desportivo em directo na televisão, corria o ano de 1994. O programa assumiu uma postura anti-F. C. Porto, na altura em que o clube ganhara vários campeonatos de futebol seguidos. Data também desse período a relação entre SIC e Benfica, primeiro com a chegada ao poder de Manuel Damásio (1994), e, depois, em 1997, com a promoção e presidência de Vale e Azevedo. O entendimento passaria pela transmissão de desafios do Benfica no canal privado, retirando à RTP o monopólio no domínio do futebol. A SIC ligou-se ainda ao Sporting, ao patrocinar as camisolas da sua equipa de futebol sénior, em 1995.

Além da transmissão de acontecimentos desportivos, também as actividades musicais e as ligadas à moda fizeram parte dos objectivos da SIC nos anos de crescimento (1992-1994) e liderança (1995-1998). O canal esteve na Volta a Portugal em Bicicleta, no Rally de Portugal e transmitiu as marchas populares de Lisboa, quando a entidade organizadora – a Câmara Municipal – decidiu pôr a transmissão a concurso, bem como a festa das Noivas de Santo António (1996 em diante). Em 1997, a SIC gravou os espectáculos Aida, Pedro Abrunhosa e Delfins e, em 1998, produziu e realizou dois eventos mundiais que circularam em várias estações do mundo - Super Model of the World e Mister World – e transmitiu a Cimeira Ibero-Americana. Beleza e moda foram duas áreas de sucesso na SIC. Os concursos de misses atingiram grandes audiências. Também o mundo das vedetas do cinema e da música internacional tiveram cobertura por parte da programação da SIC. Felipa Garnel e Paulo Pires, aos sábados em horário nobre, apresentaram o programa Mundo VIP e entrevistaram Tom Cruise, Jodie Foster, Brian Adams, Woody Allen, Tina Turner e Michael Douglas, entre outros.

Como na informação, os programas de produção nacional produziram caras conhecidas do grande público. Algumas das mais notáveis estrelas da estação seriam Bárbara Guimarães, Catarina Furtado, Júlia Pinheiro, Fátima Lopes e Marina Mota. A sua notoriedade era visível no número de capas de jornais tablóides e revistas, em especial as de cor-de-rosa, com as fotografias e as histórias da intimidade das vedetas. Henrique Mendes, um outro rosto conhecido da SIC, fora estrela da rádio e da televisão pública muito tempo antes. Júlia Pinheiro teve a seu cargo dois dos programas que atingiram a maior das popularidades na SIC: Praça Pública e A Noite da Má-Língua. Embora distintos nas abordagens, um e outro juntavam a crítica social ao humor corrosivo sobre as questões actuais. Da fase mais popular da SIC no período entre 1992 e 1999, destaco ainda o programa Na Cama Com…, protagonizado pela actriz Alexandra Lencastre, o qual recebeu comentários de todo o país, favoráveis ou negativos. O programa de Alexandra Lencastre era um conjunto de entrevistas em que a animadora do programa, sentada na cama e de pijama, conversava com o seu convidado.

O sucesso do formato levou a actriz ao programa Parabéns, de Herman José, ainda na RTP, a 11 de Junho de 1994, em que o mote seria o programa da SIC. Curiosamente, numa troca constante de galhardetes entre canal público e SIC, e envolvendo sempre o entertainer Herman José, este apareceria no programa de Miguel Sousa Tavares, 20 Anos, 20 Nomes (SIC), e Francisco Pinto Balsemão (SIC) seria o entrevistado de Herman José, no mesmo programa Parabéns, a 1 de Outubro de 1994.

A programação infantil, embora incipiente no começo das emissões (Traquina, 1997: 65), passou a ser cuidadosamente desenhada, dado o perfil dos espectadores mais assíduos – as crianças. O Buéréré, apresentado por Ana Marques, compunha-se de dois momentos: as séries de animação e a participação de crianças em jogos e passatempos. Outros programas de elevada audiência foram as séries estrangeiras de desenhos animados. Em 1996, Dragon Ball bateu o recorde de audiências, enquanto Power Rangers e o Homem Aranha conheciam também a fama. Apesar da má qualidade dos bonecos, dos diálogos e da narrativa, o êxito do Dragon Ball tornou-se alvo de múltiplos estudos. Dragon Ball foi uma série repleta de combates intermináveis, onde os heróis morrem e ressuscitam, e que provocou uma longa discussão na imprensa e na internet e teve campanhas massivas de marketing (Miranda, 2000: 67). As campanhas em torno das séries de desenhos animados incluíam o merchandising, área em que o canal apostou dada a popularidade dos “bonecos” junto dos jovens espectadores com poder de compra.

Por virtude do interesse por parte do Estado em promover o cinema português, a SIC celebrou um valioso acordo de cooperação com o ministério da Cultura e o IPACA (posterior ICAM). Neste pacote, negociou-se a produção e realização de filmes como Tentação, Mortinho por chegar a casa e Afirma Pereira. Já no decurso de 1998, a SIC entrava na produção da grande ficção em português, com a realização da série Médico de Família. Outras séries marcantes seriam a do Século XX Português, onde se mostrou a história do século no nosso país, e Capitão Roby.

Assinalo ainda a importância dos produtores. Um deles é a Endemol, empresa associada a concursos (Chuva de Estrelas) e reality-shows (o mais famoso seria o Big Brother, que a concorrente TVI comprou). Um produtor oriundo do Brasil, Ediberto Lima, esteve ligado a programas de grande audiência, tais como Big Show SIC, Roda dos Milhões e Buéréré. Mais tarde, com o insucesso e as críticas em torno do Bar da Televisão, deixaria a SIC, mas regressou em 2002. O sucesso destes produtos televisivos (concursos, talk-shows, reality-shows) interessa aos canais de televisão porque representa custos baixos face a outros formatos, como as reportagens de investigação ou as séries de ficção nacional. A questão de orçamentos curtos está também na elevada compra de filmes e séries americanos (enlatados), que preenchem muitas horas de programação de entretenimento dos canais comerciais como a SIC.

[continua]

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