terça-feira, 7 de setembro de 2004

NOVAS TECNOLOGIAS E CONSUMO DOMÉSTICO (I)

No discurso dominante, usa-se a expressão novas tecnologias mas sem cuidar muito bem do que se trata. Mas o que é isto?

Tem-se atribuido a designação novas tecnologias aos computadores e às redes de informação estabelecidas entre eles e entre eles e as comunidades humanas. Mas, há uma geração e meia, escreve Eric Hirsch (2003: 158), era a televisão que tinha o estatuto de “nova” tecnologia. Hirsch - que estuda a relação existente entre novas tecnologias e consumo doméstico - defende a existência de um modelo de longa duração de tensão e acomodação entre consumo doméstico e tecnologias. O autor propôs-se analisar a ligação social e histórica, clara para ele, entre os dois elementos ao longo dos últimos 200 anos.

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Mas, antes de irmos lá, queria referir o desconforto de um pensador como Eric Havelock (para mim, juntamente com Harold Innis, um autor mais importante que Herbert Marshall McLuhan) perante a designação de nova tecnologia. Havelock (1996: 76) dissertava sobre o alfabeto grego que provara ser "historicamente único na sua eficiência e distribuição" dentro de todos os sistemas de comunicação usados pelo homem. O alfabeto grego é, de então para cá, a verdadeira nova tecnologia mais importante. Tudo o resto são quase variações desse tema - o alfabeto. Um computador é uma máquina, dotada de ligações (hardware). O conteúdo, a informação, a inteligência, é dada pela lógica do pensamento.

As tecnologias entre o estabelecido e o novo

É a questão do novo que ocupa Hirsch. A novidade [news-ness] coexiste em tensão com o que está já estabelecido (ou mesmo o tradicional); as tecnologias são, simultaneamente, estabelecidas e novas.

As tecnologias não estão isoladas face a esta tensão. Também as formas de consumo doméstico se relacionam de modo análogo entre o estabelecido e o novo. As pessoas evocam as formas velhas e novas de consumo no contexto doméstico. A distinção entre velho e novo torna-se visível na relação da tecnologia com o consumo doméstico enquanto parte da própria auto-conceptualização. É o caso já citado da televisão, que, quando surgiu e se massificou como objecto de uso e consumo doméstico, suplantaria as formas estabelecidas, tornadas tradicionais [Hirsch não diz, mas podemos interpretar como o novo medium tendo eliminado ou reduzido a conversa ou serão oral].

O argumento central de Hirsch é o surgimento da ênfase explícita do consumo doméstico enquanto fenómeno da classe média, como projecto da sua auto-suficiência doméstica (passagem do séc. XVIII para o séc. XIX). Segundo Hirsch (2003: 159), manifesta-se a relação constitutiva entre formas de inovações sócio-culturais (formas de domesticidade) e inovações tecnológicas (formas de tecnologias usadas ou ligadas ao contexto doméstico). Vêem-se as novas tecnologias pelos empreendedores [entrepreneurs] e outros como sendo propostas fazíveis [feasible avenues] para o desenvolvimento social.

[continua]

Imagem: retirada de um livro meu sobre história das telecomunicações [Centro de Estudos de Telecomunicações, 50 anos ao serviço da I&D, 1950-1999 (2000). Aveiro: PT Inovação. Fotografia de Mário Marnoto].

Leituras: 1) Eric A. Havelock (1996). A musa aprende a escrever. Lisboa: Gradiva, 2) Eric Hirsch (2003). “New technologies and domestic consumption”. In Christine Geraghty e David Lusted (eds.) The television studies book. Londres: Arnold

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