quarta-feira, 24 de novembro de 2004

Lazarsfeld visto por David Morrison (II)

[continuação da mensagem de 22 de Novembro último]

Quantificação na Europa e na América e ascensão da sociologia de Columbia

Olhando para as mudanças no conhecimento, imagina-se que a quantificação seja uma história apenas americana. As suas origens são europeias, do séc. XVII, mas falharam e não desenvolveram um ramo regular da sociologia profissional. Caso dos métodos de amostra, análises de factor, pesquisas realçando a quantificação, aplicação de modelos matemáticos à votação. Em lado nenhum, na Europa antes de 1933, a investigação empírica ganhou prestígio.

A quantificação na Europa está associada à América, mas como reexportação trazida pelos exilados regressados à Europa. Assume-se que a tradição austríaca da investigação em ciências sociais é muito diferente da alemã, mas tal é um erro contextual porque parte do trabalho de Lazarsfeld. O facto é que este desenvolveu a investigação empírica fora do sistema universitário principal.

lazarsfeld.gifLazarsfeld nasceu de uma família judaica de classe média de Viena em 1901. Entrar na universidade para um judeu era uma tarefa de sorte. Igual para arranjar emprego. Viena era a universidade mais anti-semita da Áustria. O que vemos em Lazarsfeld é criatividade numa marginalidade e a vários níveis: ao bloqueio universitário juntava-se o não reconhecimento da actividade de pesquisa empírica. Além disso, fazer trabalho empírico requeria organização e financiamento. Porfiadamente, Lazarsfeld conseguiu instalar um centro de investigação austríaco de Economia e Psicologia, fora da universidade, mas com uma ligação ténue ao Instituto de Psicologia.

Depois do estudo dos desempregados de Marienthal, seguiram-se outros estudos mais ao nível do que chamamos estudos de mercado – como é que uma pessoa escolhe um produto e não outro. Mas isto alimentou um dos interesses de Lazarsfeld, o estudo empírico da acção; como é que as pessoas agem e decidem foi o seu principal interesse metodológico. Este interesse vê-se nos estudos de votação como o The people’s choice (Lazarsfeld e outros, 1944). Contudo, a ideia principal do centro de investigação era o dinheiro vindo das investigações de marketing subsidiar mais trabalho académico (embora Lazarsfeld, um grande gestor, administrasse mal).

O modelo de investigação que ele desenvolveu em Viena foi transplantado para os Estados Unidos e tornou-se o paradigma para outros centros de investigação que nasciam nas universidades americanas. O centro na universidade de Columbia dominou a investigação em comunicação de massa mas também a sociologia americana em geral. A sua organização – e em especial a formação – teve um grande impacto na sociologia americana.













[imagem de habitantes de Marienthal e fotografia de Marie Jahoda, uma das participantes do estudo liderado por Lazarsfeld em 1931]

Podemos concluir que a decadência da sociologia de Chicago – após uma década de 1920 com figuras notáveis como Robert Park – se explica pela ausência de organização formal que alargasse a influência dada pelos grandes líderes. Mas houve um factor mais que contribuiu para o seu declínio – a redução do interesse no tipo de problemas colocados, caso das dificuldades associadas com a imigração, a natureza desordenada da vida urbana e a marginalização de grupos dentro da cidade. Nos anos 1940, estes problemas eram bem menores.

Mass communication research (investigação da comunicação de massa)

É neste ponto que David Morrison acha ser importante na estruturação da história da pesquisa em comunicação. O começo da moderna investigação da comunicação de massa não é difícil de detectar. Em 1937, a Fundação Rockfeller deu um apoio de 67 mil dólares à universidade de Princeton para examinar “o valor da rádio para os ouvintes”. Foi conhecido como o Princeton Radio Research Project. Mas Hadley Cantril, da universidade, não estava interessado no projecto, pelo que este foi oferecido a Frank Stanton, então um jovem investigador da CBS. Também Stanton não quis ficar com o projecto, aceitando-o o imigrante Lazarsfeld. Cantril e Stanton ficaram como co-directores. O responsável pela Fundação para o projecto era John Marshall, que cunhou a frase “investigação de comunicação de massa”. Além disso, durante uma série de seminários em 1941, organizados por Marshall, para clarificar o trabalho entregue a Lazarsfeld, um dos participantes, Harold Lasswell, desenvolveu o seu famoso modelo de comunicação de massa – quem diz o quê a quem por que canal e com que efeito.

Lazarsfeld nunca passou uma noite em Princeton. Depois, localizou o projecto na universidade de Columbia, quando renegociou o apoio da fundação em 1939. Em 1944, renomeou-o como centro de investigação social aplicada. O modo como construiu o centro seria muito semelhante ao do centro na Áustria. Acrescente-se que Nova Iorque se tornara o principal centro de indústrias de comunicação e da publicidade e sede de empresas de marketing. Lazarsfeld foi o pioneiro nos inquéritos usando amostras, o que lhe permitiu falar com representantes de milhões de pessoas – todo o mundo era passível de ser entrevistado. O desenvolvimento do computador, se já existisse, permitiria o desenvolvimento das suas técnicas.

[continua]

1 comentário:

Anónimo disse...

poxa,

muito boa a sua discussão sobre o lazarsfeld. Confesso que cultivava um certo preconceito em relação a ele. A leitura de Bourdieu criou esta resistência em mim. No entanto, depois da leitura dos posts em seu blog, fiquei curioso para conhecer este criativo pensador austríaco.

Você comenta que as pesquisas quantitativas nas áreas sociais surgem na europa e são desenvolvidas na América. Você pode me falar um pouquinho mais sobre isso!? Aonde eu encontro material bibliográfico sobre esta herança europeia das pesquisas quantitativas?
att.
daniel menezes
danielgmenezes@hotmail.com