O CENTENÁRIO DE RAYMOND ARON
Confesso que não sou leitor nem apreciador de Raymond Aron. Por não o conhecer e porque as suas preocupações intelectuais não têm sido as minhas. Não estudei duas das suas mais emblemáticas obras, Opium des intellectuels (1955), sobre a tradição antitotalitarista, ou Penser la guerre: Clausewitz (1976), sobre a teoria do conflito e da violência militar. Dele, li apenas - e parcialmente - As etapas do pensamento sociológico. A minha perspectiva da obra e da vida dele é, pois, e culturalmente falando, muito frágil.
Raymond Aron (1905-1983), que se via a si próprio como espectador envolvido (engagé) ou era visto como discreto mas precioso, nasceu faz hoje exactamente um século. "Sociólogo e filósofo, tradutor e editorialista, foi acima de tudo um grande professor da lucidez", escreve-se no Le Monde deste domingo, veículo que suporta a minha mensagem.
O que mais me faz escrever esta nota é que Jean-Paul Sartre teve recentemente honras de páginas de jornais portugueses aquando do centenário do nascimento. Em situação idêntica, Raymond Aron também merece uma nota jornalística. Curiosamente, os dois foram companheiros: em 1924, a fotografia de promoção da École normale supérieure da rua de Ulm mostra Raymond Aron ao lado de Sartre e de Paul Nizan entre outros. Foram anos de grandes e profícuas discussões. Mas os amigos Aron e Sartre acabariam por se separar em campos ideológicos distintos (Front populaire em 1936; Guerra Fria; Maio de 1968; embora com o intervalo de editor do Combat e da fundação da revista Temps modernes, ao lado de Sartre, Simone de Beauvoir, Merleau-Ponty, André Malraux). Para a discussão académica e para a opinião pública, Sartre ficou na memória. Aron fez um trajecto indo do partido socialista para o RPF (Rassemblement du peuple français), após curta passagem ministerial, e, em 1947, começava a fazer comentário político no Le Figaro, um jornal identificado à direita.
Os seus mestres em filosofia eram Léon Brunsvicg e Alain, antes de descobrir Max Weber. Aron estava a estudar na Alemanha quando Hitler assumiu o poder (Setembro de 1930), tendo a intuição que o nazismo não era uma onda passageira mas vinha para ficar. Ele obtivera o lugar de assistente de francês na universidade de Colónia (1930-1931), onde leu, pela primeira vez, O Capital de Karl Marx e descobriu toda a filosofia alemã, em especial Max Weber (aliás, o eixo principal da sua lição inaugural no Collège de France, em 1970). Aron voltaria à Alemanha em 1933.
No totalitarismo alemão, Raymond Aron descobre e defende a sua origem judaica, apesar dos perigos evidentes (muito mais tarde, em 1967, terá um outro choque: a guerra dos seis dias, que opôs Israel aos seus vizinhos árabes). A observação do fenómeno alemão levá-lo-ia a comentar em Opium des intellectuels: "A liberdade é a essência da cultura ocidental, o fundamento do seu êxito, o segredo da sua extensão e da sua influência".
A grande e importante ligação de Aron ao mundo intelectual francês pode provar-se simplesmente por ter ajudado o início da carreira de Pierre Bourdieu, que foi seu assistente na universidade, e por ser o primeiro a comentar e a editar Hannah Arendt na colecção Liberté de l'esprit, que dirigia na editora Calmann-Lévy.
Nota: segui, neste post, como acima observei o Le Monde de hoje, em textos assinados por Marion Van Renterghem, Wolf Lepenies, Jean Birnbaum e Nicolas Baverez, e que ocuparam três páginas do jornal parisiense.
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