sexta-feira, 4 de março de 2005

A SOCIEDADE EM REDE SEGUNDO GUSTAVO CARDOSO

Hoje de manhã, no ISCTE, Gustavo Cardoso defendeu tese de doutoramento, com o título Os media na sociedade em rede. A cidadania entre montras, filtros e notícias. Uma tese classificada com a nota máxima por um júri de luxo: Manuel Castells, Fausto Colombo (italiano), João Caraça, António Firmino da Costa, Paquete de Oliveira (orientador) e João Ferreira Almeida (que presidiu). Ao Gustavo, parabéns duplos: 1) pelo brilhantismo do seu trabalho, e 2) pela "programação", para hoje à tarde, do nascimento da sua filha. Apetece dizer que, numa sociedade em rede, não se brinca em serviço.

Literacia informacional e comunicação sintética

Gustavo Cardoso abordou a questão dos media na sociedade em rede ou a forma como se organizam os meta-sistemas de informação e entretenimento na sua vertente produção (mas também no seu consumo e fruição). Ele destacou as biografias, as dietas e as matrizes dos media para os portugueses, explorando: 1) dimensão geracional da sociedade em rede em termos de informatização e direitos da cidadania, 2) relação entre essa prática de cidadania e os media, 3) contextualização como participação cívica plena e da valorização económica. Colocou a ênfase no domínio da literacia informacional, diferente da tida com a televisão, rádio e jornais.

Segundo o novo doutor, também os media clássicos acabaram por se organizar em rede, modelo dependente das opções dos próprios media mas também dos seus fruidores. Isso não significa que se tenha seguido um quadro de convergência, que foi o discurso dominante durante anos, mas antes uma articulação entre tecnologias diferentes, com uma autonomia das interfaces (caso da comunicação interpessoal que atravessa os novos media, como o SMS, o email e a internet). Tal propósito leva à definição do conceito de comunicação sintética: 1) globalização comunicativa, 2) alteração dos modelos informacionais e de entretenimento, 3) redes articulando a comunicação de massas e a interpessoal.

Os sistemas dos media operam com duas redes: a televisão e a internet, com níveis de interactividade distintos (baixa na tele, alta na internet, embora isso não queira dizer que esta vai "matar" aquela). Para o tecnólogo Gustavo Cardoso (como foi definido por Paquete de Oliveira), a centralidade que a televisão ainda ocupa na nossa informação e entretenimento é também preenchida pelo cinema e pelos jogos multimedia. Ele fala de três gerações de televisão (iniciática, transição e multimedia) e de quatro gerações informacionais (a que nasceu em finais dos anos 1960 e começos da década seguinte ainda combina literacias dos diferentes media).

Relação entre cidadania e media

Cardoso fez trabalho empírico assente em quatro case studies: 1) os media no quadro parlamentar nacional e europeu, 2) o encerramento do portal Terràvista, 3) o fim da RTP2, e 4) o movimento por Timor. Algumas das características destes movimentos sociais (ou acções cívicas) incluem a participação e o protesto, mas ainda incluem o uso de diferentes literacias através de diferentes media.

Tese de sociólogo, como frisou Manuel Castells, o segundo eixo do texto aborda aquilo a que ele designou no subtítulo da tese: montras, filtros, notícias e cidadania. E usou uma polarização conceptual muito feliz, quanto a mim. Assim, partindo da distinção entre "ver montras" e ir às compras", Gustavo Cardoso conclui que navegamos na internet ou vemos televisão com zapping sem um objectivo concreto. É a ideia de "ver montras". Já a participação nas sociedades informacionais implica um conhecimento alargado da realidade mediada.

Pela outra quase metáfora - os filtros - o jovem autor e professor quer dizer que a internet diminuiu o filtro de outras instituições (Igreja, escolas, jornais) para criar outros filtros: os motores de busca. Chamando a atenção para duas questões. A primeira é que a pesquisa através dos motores de busca nos remete para mais informação sobre as instituições (o poder) e menos para a dos indivíduos. A segunda, a que designou de paradoxo, é que poucos usam o espaço simbólico de mediação oferecida pelos meios de massa e também poucos têm literacia para mudar o paradigma da comunicação.

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