OS MODELOS DAS INDÚSTRIAS CULTURAIS EM BERNARD MIÈGE
Se a ideia central em Adorno foi a da degradação da arte e da perda de carácter próprio, devido à sua entrada no mercado, Miège considera que essa forma mercantil está longe de recobrir todas as actividades de ordem cultural. Uma análise a fileiras diferentes como o disco, o cinema e os novos produtos audiovisuais permite entender que os produtos culturais não são idênticos ou indiferenciados, mas o resultado de condições de produção e valorização diferentes. Eles podem ser ou não facilmente reproduzíveis, implicando ou não a participação directa de artistas na sua concepção (Miège, 2000: 18) [imagem retirada do sítio da Universitatea din Bucuresti, por altura da atribuição do grau de Doctor Honoris Causa 2004 a Miège].
Assim, o sociólogo francês define três tipos de indústrias culturais: 1) os produtos reprodutíveis não se inserem directamente no trabalho dos artistas (ou intelectuais) mas referem-se à gama de aparelhos, aos dispositivos culturais, 2) os produtos reproduzíveis supõem a actividade dos artistas, o centro da mercadoria cultural, incluindo livros, discos e espectáculos cinematográficos, e 3) os produtos semi-reproduzíveis supõem a intervenção de artistas, na concepção e na produção, caso de litografias, reproduções numeradas de obras de artistas plásticos e edição de livros de tiragem limitada (o critério de limitação da reprodução combina com o critério de estratégia e raridade).
Esta definição atribui um lugar central, mas não exclusivo, à reprodutibilidade, considerada como primeira marca da indústria. Além da reprodutibilidade e inserção do artista, enunciam-se outras três proposições: 1) incerteza do sucesso do produto cultural, acompanhada do seu desperdício e obsolescência, com busca permanente de novos talentos e renovação regular das formas, 2) criação, profissões, salários e intermitência do trabalho (há poucos períodos com trabalho estável, geralmente compostos de intermitentes, o que questiona a remuneração de artistas, intelectuais e técnicos), e 3) internacionalização.
Dois modelos de cultura
Miège apoia-se em dois autores: Ramón Zallo e Patrice Flichy. O primeiro (El mercado de la cultura, 1992) – já apresentado neste blogue – coloca as indústrias culturais no centro da análise e mostra as segmentações internas: o processo de trabalho e o processo de valorização. Quanto a Flichy ( Les industries de l'imaginaire, 1991), conclui pela composição de dois tipos de produtos culturais: 1) mercadoria cultural – produtos vendidos nos mercados: produtos editados ou cinema; 2) cultura de fluxo – produtos caracterizados pela continuidade e amplitude da sua difusão, o que implica que diariamente novos produtos tornem obsoletos os de véspera. Miège acaba por estruturar cinco lógicas: 1) edição de mercadorias culturais, 2) produção de fluxo (informativo, distractivo e cultural), 3) informação escrita, 4) produção de programas informatizados, e 5) retransmissão do espectáculo ao vivo (incluindo espectáculos desportivos). Estas lógicas heterogéneas agem entre si e é em volta delas que se desenvolvem as estratégias dos actores, nomeadamente os dominantes (grandes grupos de comunicação, Estado). Dá primazia às três primeiras (embora, posteriormente, alinhe no modo apresentado por Flichy: editorial, de fluxo).
As indústrias culturais emergentes ao longo da história funcionam segundo o modelo editorial: livros, música registada, cinema (Miège, 2000: 45). A imprensa, que começou sob o modelo editorial, tornou-se de fluxo (com os recursos publicitários e as assinaturas). A rádio tornou-se um meio a actuar no modelo de fluxo desde cerca de 1924. Por volta de 1985, segundo Miège, com o lançamento do Canal Plus e das televisões comerciais de massa, dos novos media e da televisão por cabo, deu-se um forte impulso ao modelo de fluxo. O autor francês analisa o caso do cinema, que passa do modelo editorial, na exploração dos filmes de sala, ao modelo em fluxo, com a produção de telefilmes. Os modelos organizam a produção e a distribuição, atravessando as diversas fileiras das indústrias culturais, e esclarecem os comportamentos dos artistas que concorrem na criação bem como as estratégias de pequenas e médias empresas que participam na produção.
Miège explica porque juntou, aos dois modelos de Flichy, o modelo de informação escrita (2000: 55). A imprensa, diária e de revistas, funciona segundo o sistema de “duplo mercado”: o mercado dos leitores e o mercado dos anúncios. A informação escrita aproxima-se, sob muitos aspectos, da edição de livros, como a utilização do papel (aproximações simbólicas e económicas). Mas abandonaria, em artigo de 1987, a terceira lógica, propondo uma nova hipótese: a da existência de dois modelos genéricos, postulando a posição da imprensa junto ao modelo de fluxo e ao modelo editorial.
Observação: Miège trabalha um conjunto de termos aproximados: indústrias culturais, indústrias da informação, indústrias de programas, indústrias de conteúdo, indústrias de multimedia, indústrias do audiovisual (2000: 7).
Leitura: Miège, Bernard (2000). Les industries du contenu face à l’ordre informationnel. Grenoble: PUG
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