sexta-feira, 6 de janeiro de 2006

PROFISSÕES DO LIVRO (II)

[postal continuado de 2 de Janeiro]

Sobre os diversos mediadores

Não me vou, aqui, debruçar em profundidade, sobre o papel dos vários mediadores, como o autor faz. Deixo apenas um pequeno registo. Assim, sobre o editor, Jorge Manuel Martins entende que o mediador é “alguém que intervém, que deixa ou não passar, pela sua porta, a mensagem” (p. 125). Há a clara noção de gatekeeper, de decisor.

jmj.jpgNa leitura diacrónica, elaborada na segunda parte do livro, Jorge Manuel Martins entende ter havido uma ditadura do escritor (segunda metade do século XX), a que se seguiu a ditadura do editor (século XX) e, com as indústrias culturais e o mito do mercado, a ditadura do cliente. Já neste século, parece assistir-se à ditadura de outros mediadores, como o tradutor e o gráfico (p. 155) [fotografia do autor, feita por Raul Cruz e retirada da badana do livro].

No seu trabalho, o autor destaca os críticos (pp. 172-173), que animam o debate público, nas instâncias ligadas à educação e nos media clássicos e electrónicos. Ao assumirem esse papel de influenciadores na difusão dos livros, os críticos são alvo de especial atenção dos restantes mediadores. O blogueiro é testemunha desse interesse e releva a importância da “boa” imprensa para um livro passar. Uma das coisas más que pode acontecer a um livro é a crítica destrutiva (mas também a ignorância total do produto cultural). E Jorge Manuel Martins acrescenta: o jornalismo cultural deve ir além do texto literário e passar a referir o aspecto gráfico, como paginação e ilustração (p. 299).

O autor destaca ainda que as novas tecnologias impõem novas mediações, novos intermediários, diferentes dos empregues nas anteriores tecnologias (p. 93).

O livro em Portugal

Fica aqui um rápido esboço do que o livro contém. Jorge Manuel Martins fala do livro em Portugal (p. 66), em que há cerca de 155 empresas activas, mas nenhuma com a notoriedade das congéneres europeias [questão de dimensão financeira, também]. No nosso país, escreve o autor, ainda se conhecem as caras dos donos das editoras.

Em termos de produção, o livro escolar tem um peso muito grande (cerca de 45% do total), seguindo-se a literatura em geral e a literatura infantil e juvenil. Quanto a canais de distribuição, 46% são de venda porta-a-porta, correspondência e clubes (p. 68), 37% adquiridos nas livrarias e 17% nas grandes superfícies (valores de 1995, os quais devem estar desactualizados, em especial os respeitantes às grandes superfícies).

O alvo de interesse de Jorge Manuel Martins vai também para o livreiro, indicado como motor da edição (p. 229). Contabilizando cerca de 524 estabelecimentos de venda de livros, em Portugal, há uma clara preponderância de circuitos artesanais para esse pequeno conjunto de livrarias e um estatuto social do livreiro com identidade ainda a construir (p. 235).

Considerandos finais

A bibliografia que acompanha a obra é vastíssima e valiosa. Ela não cobre apenas o domínio da sociologia do livro mas também das indústrias culturais em geral, o que torna também esta secção um excelente espaço de consulta. Apesar do registo enciclopédico algo excessivo que se encontra em algumas páginas (o autor parece querer tratar todos os assuntos nas suas páginas, e que possivelmente poderiam ficar de fora para tornar a leitura mais ágil), trata-se, quanto a mim, de um dos livros indispensáveis publicados em 2005.

Acresce-se a carta de Fernando Guedes ao autor, e não um habitual prefácio, o que fica bem a ambos. Fernando Guedes é editor há mais de 50 anos na Verbo, onde Jorge Manuel Martins trabalhou durante muito tempo. Aliás, o autor comprova no seu livro um profundo conhecimento das profissões do livro, indo do editor até ao livreiro. O trabalho agora lançado resulta de uma tese de doutoramento que o autor defendeu no ISCTE, orientada pelo sociólogo António Firmino da Costa.

Jorge Manuel Martins é investigador do CIES-ISCTE (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia) e presidente do IPLB (Instituto Português do Livro e das Bibliotecas) desde Julho de 2005. Publicou, entre outros textos, o livro Marketing do livro, materiais para uma sociologia do editor português (1999).

3 comentários:

Anónimo disse...

Tenho, uma vez mais, o prazer de encontrar na sua casa virtual matérias de grande interesse, pelo qual agradeço.
Como alguém dedicado aos Estudos Editoriais, fiquei bastante contente quando o prof. Jorge Martins publicou no passado mês de Setembro a sua tese. No entanto, julgo que algumas das questões por si descritas acerca do livro poderia beneficiar de acrescentos saudáveis à discussão.

A visão sistémica agora apresentada é válida porque coloca em causa uma visão anterior notoriamente ultrapassada. Não concordando em absoluto com a visão proposta, realço somente que o impacto de certos intervenientes não pode ser convenientemente mensurável – tratando-se mais de valor perceptivo –, nem estes serem colocados a par enquanto mediadores do Livro.

Como já alguém disse, editar não é pegar num manuscrito já existente, paginá-lo e enviá-lo para a gráfica, comercializando-o posteriormente. Se assim fosse, qualquer gráfico faria um melhor trabalho (se excluirmos o poder da marca editorial).
Editar (publicar) é hoje um trabalho de criação de um produto económico com impacto cultural. Tal como um escritor escreve tendo em conta os segmentos de público, os mediatismos, os formatos estabelecidos de escrita e formas de inovação, ao editor compete fazer exactamente o mesmo. O próprio Print-on-Demand é já um fenómeno posterior à edição, enquadrando-se mais numa comercialização que inclui a materialização de um produto já criado e em fase de venda (em formato digital), por vezes na sequência de uma edição não lucrativa ou esgotada.
A noção de editor, entendida na sua forma executiva, tem o poder de criar, condicionar, ou alterar de acordo com as regras propostas os produtos em fase de edição, e exceptuando nos raríssimos casos de criadores tão capacitados que se tornam nos seus melhores editors, a edição compreende muitas vezes também a fase de concepção e escrita. Tal como Jorge Martins indica, a imagem e o trabalho de uma editora vê-se no seu fundo editorial, na forma como trabalhou e consolidou os públicos e correspondeu às expectativas que foi criando. A resposta às necessidades dos públicos não é uma ditadura dos mercados, mas sim a oferta a uma procura real ou provocada socialmente, e sempre condicionada aos resultados propostos para o produto-livro.
Com o avolumar da oferta é natural que se aprimorem os gostos e, consequentemente, que se correspondam com novas e mais direccionadas ofertas.
Quanto ao poder dos prescritores, e exceptuando o caso da publicação institucional ou ligada às instituição existentes (como a escolar) que se revestem de um carácter de aquisição obrigatório, o impacto dos mesmos não é – segundo os estudos efectuados em diversos países ocidentais – de grande monta. Os motivos de regem a venda de livros passam, em larga medida, pela divulgação orelha-a-ouvido (direi mesmo que o aconselhamento online de um livro – revestido ainda de um tom pessoal e directo e permitindo a comunicação interpessoal – resulta mais directamente na venda de uma obra que uma coluna no Público/Milfolhas.
As características globais, a rotatividade e o mercado direccionam hoje o editor para ser um gestor não de um produto-livro, mas sim de conteúdos moldáveis que se materializarão nos mais diversos formatos (físicos ou digitais).

Esperando que o meu contributo possa de alguma forma ajudar à discussão,

Nuno Seabra Lopes (nuno_seabralopes@clix.pt)

Anónimo disse...

Não percebo bem a adaptação do conceito de post para postal.... um postal não é uma coisa que se envia pelo correio, normalmente com uma imagem turística? Há certas coisas que se calhar ficam mais correctas no original.... mas é só uma opinião....
Parabéns pelo IC!

Luis F Silva disse...

Apesar de talvez despropositado o seguinte comentário junto a este post(al), mas uma vez que se interessa pela influência da internet na publicação, encontro-me a desenvolver uma experiência de "um conto por dia" (originais) na internet, na tentativa de ficcionar momentos/efemérides relevantes no dia-a-dia (passagem de ano, actos eleitorais, etc). Fica o convite: cadernodecontos.blogspot.com. Obrigado