- UMA MEMÓRIA JORNALÍSTICA: A REDACÇÃO DAS NOVIDADES (1ª SÉRIE: 1885-1913)
Às cinco horas da tarde, no momento crítico do fabrico da gazeta, é quando mais afluem os flaneurs; quando aparecem os boletins das Câmaras, as informações dos ministérios, as participações da polícia, as catástrofes do hospital, os telegramas da última hora, o relatório dos tribunais. É quando o chefe da oficina declara que não pode receber mais original; quando se torna necessário proceder à selecção das provas do que deve ficar para o número imediato, porque as quatro ou seis páginas estão cheias.
O jornal está pronto, falta o artigo de fundo. Então Navarro, que caturrou, discutiu, jogou o xadrez, falou de assuntos militares e contou anedotas; num desses repentes, que só o talento desperta, no meio de um barulho ensurdecedor, ouvindo em torno de si as opiniões mais controversas para salvar ou derrubar a situação, ao som dos debates sobre a mudança de uma torre, retorquindo às interrogações mais complexas, opinando sobre o ensejo de um lance, soltando uma frase zombeteira ou atilada, inicia um ataque impetuoso ou esboça a primeira parte de uma defesa, num desses artigos admiráveis que desnorteia o antagonista e surpreende os adversários. Vai de um jacto, sem hesitações, rápido, quase sem entrelinhas. A pena desliza, a vozearia continua, o xeque-mate de um parceiro que joga perto é irremediável, o artigo está a meio, o xadrezista está perdido, vaias e chascos dos que ganham; então Navarro levanta-se, encara o tabuleiro, aconselha um movimento, outro e outro, as condições mudam, o vencido de há pouco transforma-se em vencedor, uma gargalhada, explica o motivo da indicação, uma ironia mais, torna a assentar-se, retoma a pena, os quartos enchem-se, e, em dez minutos, conclui uma dessas objurgatórias que hão de ficar sempre como um modelo de polémica, cheias de fogo, retumbantes, cinzeladas, vazadas em moldes literários, a revelar as faculdades tipicamente excepcionais do seu autor.
Nota: as gravuras representam três dos elementos principais do jornal: 1) Emídio Navarro, fundador e director das Novidades, 2) Eduardo de Noronha, secretário do jornal, 3) Barbosa Colen, director do jornal num período de ausência de Navarro.
Livro consultado: Eduardo de Noronha (1913). Vinte e cinco anos nos bastidores da política. Porto: Companhia Portuguesa Editora, pp. 293-294.
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