Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
sexta-feira, 14 de julho de 2006
DIÁRIOS DA BÓSNIA
É merecido o espaço concedido hoje pelos suplementos "Y" (Público) e "6ª" (Diário de Notícias) ao novo filme (documentário) de Joaquim Sapinho (as imagens em baixo mostram parcialmente as capas dos dois suplementos).
A história conta-se rapidamente. Joaquim Sapinho foi a Sarajevo (lê-se: Sáráiiêva) em 1996, três meses depois do longo cerco a que a cidade esteve sujeita (quatro anos). Em 1998, o realizador voltou à Bósnia. O filme desdobra, assim, duas narrativas temporais: a primeira, a sépia, mostra a destruição; a segunda, a cores, mostra o luto e, também, a vontade de viver. As imagens a sépia pareceram-me efectuadas por um historiador pré-histórico, que mostra as ruínas de uma civilização outrora rica, caso de Conimbriga, ou que foi afectada por uma catástrofe natural, como Pompeia (devido ao vulcão Vesúvio, na Itália). Mas estas ruínas foram feitas há pouco mais de dez anos.
Das histórias do filme que mais me comoveram, contam-se a das muçulmanas, em momento de pausa na fábrica, cantando e rezando, mas também fumando e partilhando uma bebida, e a do homem que levou Joaquim Sapinho a visitar a aldeia que ele e os vizinhos destruiram, temendo ser eliminados pelos habitantes daquela. Há um pudor, salientado aliás pelos textos dos jornais de hoje, em não apresentar mortes ou choros, apenas as marcas de destruição material. Mas também me impressionou a rapariguinha que anda quatro quilómetros de casa à escola e usa um lenço vermelho - tema do cartão postal (primeira imagem), porque a vida precisa de continuar, e a viagem de autocarro de muçulmanos que regressavam a casa, depois de estarem presos por muito tempo.
Sarajevo, pelos acordos de paz, já não tem sérvios. E os sinos das igrejas cristãs que, dantes, pareciam replicar aos chamamentos dos imãs muçulmanos para as orações,mos já não tocam. A uma conseguida maioria muçulmana, após a guerra da década passada, coexiste uma pequena prática cristã. Sapinho, que filmou o interior de uma igreja e a sua prática religiosa, depois de muito procurar, ressalta a espécie de placa tectónica que aquela cidade representa. Foi ali que começou a primeira guerra mundial, por aquelas terras inscreveu-se a federação jugoslava no pós-segunda guerra mundial, por ali, os turcos otomanos trouxeram a religião muçulmana frente à prática mais antiga dos cristãos ortodoxos. O realizador questiona: como foi possível vizinhos de décadas de anos de convívio acabarem por se matar uns aos outros?
Um documentário que se deve ver, até para confrontar com a violência actual que ocorre no Médio Oriente, e que nós, quase sempre, ignoramos, por ficarmos geograficamente longe de mais.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário