Este é um dos mais importantes livros que li no presente ano. Comunicação, economia e poder, volume organizado por Helena Sousa, docente da Universidade do Minho, aborda um tema, a economia política, consolidado em países como o Reino Unido e o Canadá e por entidades como a International Association for Media and Communication Research (IAMCR), de que Helena Sousa faz parte. O cosmopolitismo e o peso da investigação científica na área facilitam a produção de textos de membros bem conhecidos da comunicação internacional (Graham Murdock, Janet Wasco, Vincent Mosco) e outros reflectindo perspectivas diferentes (Edgard Rebouças, Marcial Murciano), sem perder de vista o texto de apresentação da organizadora do volume.
O que se encontra aqui? Helena Sousa di-lo no começo do livro – é “o essencial do pensamento científico sobre a relação entre o poder económico e o poder político, nos processos de permanente reconfiguração das estruturas mediáticas em diversos contextos científicos” (pág. 5). E, logo depois, enuncia os objectivos da economia política: relações de poder na produção, distribuição e consumo dos media.
Por razões distintas, destaco os textos de Murdock e de Wasco, os de maior consistência científica e visão ampla dos problemas colocados pela economia política. Também destaco os de Rebouças, sobre a realidade da investigação da América latina, e de Murciano, num texto de maior visualidade, quiçá o mais optimista na boa relação entre Estado e actividades comerciais. A que se opõe o mais pessimista (ou realista), de Murdock, que, após apresentar os pontos de vista de entusiastas do mercado livre e economistas políticos críticos (pp. 16-17), chama a atenção para cinco maiores intervenções políticas que representam a presente desresponsabilização do serviço público do Estado: privatização, liberalização, comercialização, reorientação da regulação, corporativismo (grupos económicos).
As preocupações de Murdock seguem duas áreas que me são particularmente familiares: indústrias culturais e reconfiguração do espaço público. Por um lado, faz o percurso do conceito de indústria cultural, do peso ideológico em Adorno e Horkheimer, ao esvaziamento do conteúdo crítico e à ideia de grupos de indústrias que se tornam um centro da nova economia, com trabalho criativo contínuo de modo a produzir impacto no mercado global (pág. 19), em que indústria cultural e indústria criativa se associam. Por outro lado, segue o pensamento de Habermas sobre a refeudalização da esfera pública (embora termine com a esperança da deliberação crítica e aberta dirigida pelos interesses do poder colectivo e governamental) (pág. 27).
Janet Wasko tem oportunidade de mostrar as bases históricas e teóricas da economia política e as suas relações com outras áreas de investigação como a comunicação e os cultural studies [curiosamente, um texto sobre este tema saiu em outro volume da mesma colecção]. Acentua a perspectiva dos cultural studies, que consideram a economia política como determinista e economicista (pág. 51), apesar do desenvolvimento da economia política.
O brasileiro Rebouças nota a apropriação dos latino-americanos das teorias europeias (escola de Frankfurt, Gramsci) e da sociologia empírica norte-americana (mass communication research). O que conduziu à necessidade de efectuar um caminho independente, dada a dificuldade de aplicação da teoria à realidade do continente, pelo que se adoptaram novos conceitos, apoiados na teoria da dependência, teologia da libertação e pedagogia dos oprimidos (pág. 75). Os estudos de recepção (efeitos das telenovelas nas classes populares) e da comunicação nas comunidades seriam resultados dessas especificidades latino-americanas. Isabel Ferin, actualmente a leccionar na Universidade de Coimbra, é a representante lusa dessa aplicação brasileira.
Murciano tem um discurso mais próximo das preocupações dos trabalhos da Universidade do Minho (em que Helena Sousa se integra): os valores das políticas de comunicação têm de assegurar o pluralismo, o acesso e a democracia social (pág. 115), apontando ainda a diversidade cultural e a defesa da excepção cultural, aos quais eu sou igualmente sensível, embora não tenha trabalhado esses conceitos ao longo dos anos mais recentes.
O texto que mais se distancia das minhas simpatias é o de Vincent Mosco, que já foi dirigente da IAMCR (como Murdock e Wasko). Mais panfletário e misturando discurso científico e jornalístico, repetindo ideias ao longo do texto (mito do ciberespaço, concentração) e não definindo bem o seu objecto de trabalho enquanto aceita, sem os ligar, trabalhos como os de Naomi Klein (pág. 96), acaba por representar a visão mais crítica (e radical) da economia política.
A introdução de Helena Sousa é serena, pedagógica e de contextualização, estimulando a leitura de um livro que tem a dimensão habitual de páginas da colecção.
Recomendo vivamente a leitura do livro. A meu ver, constitui um dos três livros mais importantes da colecção. Os outros são os de Érik Neveu (Sociologia do jornalismo) e de Armand Mattelart e Érik Neveu (Introdução aos cultural studies), que constituem um justo contraponto, em originais de língua francesa, aos textos originais em inglês da obra organizada por Helena Sousa.
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