Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
quinta-feira, 21 de dezembro de 2006
TELEVISÃO: DAS AUDIÊNCIAS AOS PÚBLICOS
O livro teve origem num colóquio - cursos da Arrábida - organizado em Agosto de 2001. A edição contou com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.
No texto de apresentação, José Carlos Abrantes, um dos organizadores da obra conjuntamente com Daniel Dayan, questiona o conceito de audiência enquanto retrato fiel dos espectadores de televisão. É exactamente o perfil constante em todo o livro. Dayan escreve quase-público [ver minha mensagem, colocada no passado dia 4], Esquenazi recenseia não-público. Em todo o livro, pois, perpassa a distinção entre público e audiência. É o que acontece com o americano Todd Gitlin, para quem a medida das audiências não passa de um dado estatístico e justifica a sua criação por sociólogos e programadores de televisão e anunciantes.
No blogue, já fiz alusão ao texto de Dayan. Para além deste, destaco as colaborações de Jean-Pierre Esquenazi e Dominique Mehl, Todd Gitlin e John Fiske, bem como Jostein Gripsrud e Eliseo Véron. Mas outros textos, como o de Cintra Torres, merecem igual distinção.
Esquenazi - cuja recente tradução de Sociologia dos públicos se sauda - toma partido inerente pela palavra público (p. 86), que sugere ligação ao espaço público. Público, diz, é "comunidade humana visível e reconhecida, consciente da sua própria visibilidade". Público, escreve pouco à frente, é "um grupo de pessoas que têm algo em comum". E conduz-nos logo para o conceito de não-público, aquele espectador que assiste em casa silenciosamente à emissão de televisão e não tem oportunidade de reagir em público mas apenas no círculo fechado da família. Para se ser público tem de, além da apreensão do programa, interpretar, apropriar e participar, algo que não ocorre com a visualização doméstica (p. 88). Não-público é ainda aquela pessoa que assiste a um programa e o esquece de imediato (p. 86). Ou ainda é não-público aquele que procura o mero entretenimento (p. 92). Esquenazi dá, porém, abertura ao não-público quando, por exemplo, uma série televisiva suscita uma comunidade de fãs, que se reunem e promovem um sentimento comum no espaço público (p. 96).
Gitlin é mais determinado, pois começa o seu texto a afirmar que a audiência é uma ficção respeitada, é a palavra sagrada das indústrias culturais (p. 101), que se manifesta nas listas dos livros mais vendidos, nas receitas de bilheteiras, nos ratings de televisão. Reconheço que, aqui no blogue, dou importância a esses dados - pelo que considero radical a posição de Gitlin. A audiência, completa o professor da Universidade de Nova Iorque, é uma ficção, uma simplificação, é a manifestação numérica do desempenho de uma actividade (p. 103). O tom do seu discurso mantém-se duro ao dizer que a audiência manda a juzante e a montante das indústrias culturais (p. 102). Assim, o acto criativo leva em consideração o que se espera do comportamento da audiência. Um autor tem de prever a venda adequada do trabalho que faz, pressão que o condiciona, no que conta com a colaboração da própria audiência (p. 108). E Gitlin estende a crítica a toda a aparelhagem de mensurar as audiências, pois raça, género e classe social não influenciam directamente o que se vê ou ouve nos media.
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