sábado, 29 de setembro de 2007

ECONOMIA DA CULTURA

  • a produção cultural alterou-se, tal como a natureza da cultura e o papel do Estado. Os antigos meios de gerir a cultura já não se aplicam; precisamos de novos. [...] A política tem de ir para além do instrumentalismo, ou dos simples subsídios, é necessária uma abordagem política inteligente e matizada (Andy C. Pratt, "O estado da economia cultural: o crescimento da economia e os desafios da definição de uma política cultural", In Homi K. Bhabha et al. (2007) A urgência da teoria. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 215).
A imprensa de hoje traz duas peças que contribuem para a discussão da economia da cultura. Uma resulta da conversa da ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, com jornalistas do Expresso (Nuno Saraiva, Cândida Pinto e Luciana Leiderfarb). A peça ocupa uma página inteira, mas a grande ironia como o texto foi construido deixa uma imagem não muito agradável da ministra. Sobre os "casos" Paolo Pinamonti e Dalila Rodrigues, afastados respectivamente do Teatro Nacional de São Carlos e do Museu Nacional de Arte Antiga, o artigo dá conta da irritação da ministra. O mesmo quando ela encara a hipótese de saída de Mega Ferreira, se este se não entender com Joe Berardo, e do custo do pólo lisboeta do Museu Hermitage de São Petersburgo. O colar de contas de vidro que trazia partiu-se, depois de tanto o apertar. Com uma auto-avaliação muito positiva da sua acção como ministra, ela quer ainda concretizar, nomeadamente, a construção da segunda torre da Biblioteca Nacional, a abertura do Museu Mar da Língua e o lançamento do Museu de Etnologia do Porto. Neste espaço, já mostrei a minha tristeza e indignação pela saída do Museu de Arte Popular e sua transformação num museu de ecrãs. Mas também a minha estranheza pelo lançamento do Museu de Etnologia do Porto. Lembro que escrevi o seguinte a 27 de Novembro de 2006:

  • Primeiro, num ano de rigor financeiro, a promessa de tantos projectos novos é possivelmente exagerada - ou há processos que vêm de trás e, logo, existe continuidade de investimento. Ainda dentro deste primeiro ponto, confesso que fiquei perplexo ao ler que ia haver um novo museu no Palácio de São Novo no Porto. Ele já existe há dezenas de anos, pois o frequentei amiudes vezes quando era adolescente. O que aconteceu foi o seu fecho devido a problemas de segurança (humidade, entre outras coisas).
O segundo texto foi o de José Pacheco Pereira sobre cultura europeia, a propósito da reunião em Lisboa do Fórum Cultural para a Europa. Diz ele que a definição da política da UE para a cultura resulta num modelo muito dependente do Estado, com peso significativo de redes de casas de cultura, animadores, agentes, produtores, artistas, e com uma versão liofilizada politicamente. O articulista entende que estas ideias correspondem ao modelo (francês) Malraux-Lang e não a um mais eficaz e independente modelo anglo-saxónico (falha: não indicou nomes actuantes como no outro modelo). Muito lúcido, como na grande parte da sua produção intelectual, creio que este artigo de Pacheco Pereira é injusto para com a economia da cultura, pelo menos quando se lê a literatura recente sobre a matéria. No texto, apontam-se a França e a Espanha (e também a Bélgica e Portugal) como países intervencionistas, mas não se refere ao conceito de excepção cultural (que comentei em 27 de Agosto de 2004) nem dá qualquer relevância ao modelo menos intervencionista, que será o seu modelo.

Os textos (ou as questões) acima referidos(as) perdem espessura quando os comparo com a conferência de Andy C. Pratt, dada na Gulbenkian em
27 de Maio de 2007 e agora editada no livro A urgência da teoria. Pratt, que associa economia e cultura, entende que esta relação se alterou, pelo que o domínio da política pública tem de mudar. O autor escreve sobre indústrias culturais e criativas, talvez o texto mais importante sobre a matéria este ano publicado. Se tradicionalmente a cultura esteve na agenda dos Estados, regida por um conjunto de regulamentos, Pratt aponta as mudanças presentes em três vertentes: cultura, criação da cultura e governância da cultura, com um enfoque nas actividades de produção, distribuição e consumo. Ele distingue as artes das outras actividades económicas. Por exemplo, "o desempenho de um quarteto de cordas não pode alcançar ganhos em termos de eficiência com a poupança de tempo ou de trabalho; o custo da mão-de-obra, contudo, aumenta" (p. 197). A isto chama a Doença de Baumol: ao longo dos anos, o quarteto de cordas precisa do mesmo tempo para ensaiar e tocar uma peça; não há qualquer melhoria de eficiência que altere esse tempo, pois não se pode introduzir uma outra rotina ou máquina que viabilize uma execução mais rápida. O que torna tal actividade menos económica e necessite de subsídio. O refazer as indústria culturais significa compreender que elas são: 1) dominadas por grandes empresas multinacionais, com a dependência de pequeníssimas ou micro-empresas, 2) com processos de trabalho em permanente alteração, o que conduz a reciclagem e evolução e a um formato económico baseado no projecto e na equipa existente para fazer esse projecto e desaparecer após a sua conclusão, e 3) cuja rotatividade (novidade, moda) implica incerteza sobre o sucesso desses produtos de circulação curta em termos de tempo. Importância do design, da cultura e das linguagens da arte, necessidade de preparação de indivíduos que dialoguem entre o Estado e a cultura (criação de um terceiro sector de organizações) e compreensão da inevitável e desejável mudança do quadro laboral de trabalhadores precários ou freelancers - são alguns temas que Andy C. Pratt se propõe continuar a investigar.

Com este texto, verifica-se quão distantes estão os pensamentos de Isabel Pires de Lima e José Pacheco Pereira, ambos com preocupações de Estado, mesmo que digam o contrário. O olhar a cultura e a sua economia apenas em termos dos grandes projectos (posição da ministra) ou do grande irmão que é a política cultural do conjunto de Estados da UE (posição do historiador e antigo deputado europeu) precisa de discussão.

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