Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
quinta-feira, 8 de maio de 2008
UM PROJECTO DE PÓS-DOUTORAMENTO – QUE ME LEMBREI DE ESBOÇAR HOJE MAS NÃO VOU FAZER (4)
[continuação do texto dos dias 6, 9 e 25 de Abril]
A carta e o seu substituto, o correio electrónico (ou email) e a passagem da fotografia analógica para a digital são duas outras alterações sobre as quais pouco pensamos sobre como seria antes. Ao correio tradicional (correio caracol, a partir do snail mail inglês) veio o email (na designação igualmente inglesa). Na carta, escrevíamos à mão ou, quando muito, à máquina de escrever. A velocidade lenta da carta associava-se à reflexão desse tempo. A carta marcava um ritmo biológico: carta para lá, carta para cá. Esperava-se o carteiro como hoje se liga o computador e abre no programa de correio: se havia cartas, separavam-se e liam-se de acordo com a importância ou expectativa de cada uma das missivas.
Com o correio electrónico, usam-se sinais, de prioridade quando se envia, para ler depois quando se pretende retomar mais tarde. A carta permitia signos escritos, usando-se poucos elementos visuais; o email permite agregar texto, imagem e som, o que torna mais próxima a ideia de galáxia Marconi, de reequilíbrio sensorial, como falava McLuhan. O email (e os programas de troca de mensagens em tempo real ou comunicação síncrona) permite recuperar alguma tradição da escrita, que se julgava perdida quando o uso massificado do telefone tornou a comunicação mais oral. A escrita automática das mensagens em tempo real (caso do Messenger) é mais da ordem da estenografia e da voragem do tempo, da fragmentação pós-moderna; o correio electrónico permite o armazenamento, com possíveis recuperações de mensagens mais tarde, é da ordem do ficheiro no arquivo.
Passaram já 14 anos que uso o email, em contas profissionais ou gratuitas (houve um momento de hesitação das empresas de telecomunicações, querendo taxar esse serviço, mas rapidamente se convenceram da dificuldade, dada a oferta simultânea de várias pequenas empresas usando a internet). Já não faço ideia do tempo em que ele não existia. Trata-se de um hábito novo já antigo, se quisermos. Mesmo em férias, não consigo suportar muitos dias sem ver que mensagens recebi. O email destruiu praticamente outra tecnologia, o fax. Mais japonesa, pelo papel fino que usava lembrando a tradição da pintura e do desenho oriental, o fax era uma tecnologia da família da fotocópia, mas à distância, usando processos electroquímicos aparentados. Do mesmo modo que um negócio ou combinação se fechava recorrendo à expressão “mande-me um fax”, hoje diz-se “mande-me um email”.
De todas as mudanças acima identificadas – e o computador e a tecnologia digital andaram por elas todas – a que mais me impressiona pela sua versatilidade é a máquina digital de imagens (combinando imagem fixa e em movimento, com possibilidades de registar igualmente o som) e que pode existir só por si ou acoplado a um telefone celular, máquina multifunções por excelência do nosso tempo. A máquina digital de imagem, em especial desde que alojadores como o YouTube, o Vimeo ou o Flickr permitiram guardar imagens, tornou possível uma produção astronómica de imagens, como nunca acontecera antes. Vivemos numa era de abundância, como um texto de Anthony Smith explicava – e que eu já prometi aqui falar dele –, podendo reproduzir em cadeia graças igualmente às redes sociais, muito populares em especial pelos mais jovens e nos últimos cinco anos, e que servem de álbum de família ou de amigos e montra das suas vidas, com relações de amizade ou de mais intimidade, numa mistura do privado e do público. Redes como o hi5 ou o Facebook alargam quase geometricamente por cada dia que passam, cruzando amigos com amigos de amigos com amigos de amigos de amigos. Talvez isto traga ruído mas são formas novas de comunicação, já não o conhecimento real mas o virtual, com vantagens e defeitos.
[continua]
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