Marcas que marcam. Tatuagens, body piercing e culturas juvenis é um texto de Vítor Sérgio Ferreira que corresponde a versão da tese de doutoramento que ele apresentou no ISCTE em 2006. O ponto central desta interessante investigação é o das marcas feitas/deixadas na juventude, numa mobilização radical do corpo manifestada em tatuagens e piercings aliada a valores e representações sociais. O autor fez pesquisa de terreno, procurando captar os portadores de corpos marcados (p. 21), entre 1999 e 2003. Os 15 entrevistados foram recrutados em estúdios de tatuagem e body piercing de Lisboa, com recolha de informação que durou entre três horas e meia e seis horas. Os entrevistados tinham uma trajectória identificada com grupos de estilo motard/byke, rock'a'billy, heavy metal, black metal, punk, skinhead, gótico, hardcore, straithedge, skinhead e techno (p. 26).
Prestei maior atenção a um subcapítulo, intitulado "Da contestação à celebração: éticas e pragmáticas de um estilo de vida escapatório" (pp. 211-225), onde se procura perceber que estilos e valores de vida desses indivíduos. Vítor Sérgio Ferreira indica que o modelo de corporeidade deixado nos projectos de marcação corporal correspondem a uma estética de divergência, a uma ética de dissidência e ao valor da autenticidade, como se fosse uma remoralização da vida quotidiana, por oposição, por exemplo, à família e aos progenitores. Com liberdade e quebra de padrões, reconhecimento da diferença, uma certa anarquia radical de valores misturada com direitos culturais particularistas (p. 212) e uma deriva por "rotas exóticas" de experimentação.
A perspectiva caótica ou niilista perante o futuro social, continua o sociólogo, alia-se à consciência da transitoriedade inerente à condição juvenil - e aos considerados atributos de inconformismo e irreverência. A ética da celebração é isso mesmo: hedonismo, gozar intensivamente, experimentar, ir ao limite. Os tempos de lazer convocam práticas diversas: ouvir música, consumir drogas leves e álcool dentro de uma forte solidariedade convivial fundada em redes de afinidades (p. 216). A música é, dos consumos juvenis, a mais importante linha de afectos e experiências, conforme os entrevistados de Vítor Sérgio Ferreira respondem, em termos de marcas de comunidades de gosto. Além disso, as modalidades de apropriação musical dos jovens não se esgotam em torno da escuta mas também no pólo da produção, na performance criativa em torno de projectos musicais vividos mais de modo convivial que em busca de uma profissionalização (p. 220).
A partir do mundo da música, os jovens orientam o seu universo estético, com influências dos grupos de que são fãs, e que servem para marcar o seu próprio corpo. A transição para a vida adulta e os marcadores sociais que estão associados (entrada no mercado de trabalho, autonomia habitacional, conjugalidade e parentalidade) conduzem a uma menor frequência de espaços nocturnos e ao abrandamento da vivência celebratória da vida e da dimensão exodomiciliar (p. 224). Quando regressam a esses locais, há uma evidente nostalgia dos tempos passados [o vídeo seguinte mostra o corpo de uma jovem e a história das suas tatuagens, e que já coloquei noutro local do blogue. Ver ainda o post de 24 de Abril último].
Leitura: Vítor Sérgio Ferreira (2008). Marcas que marcam. Tatuagens, body piercing e culturas juvenis. Lisboa: ICS
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