De começo, não percebemos como as coisas se vão resolver, a não ser a habilidade da velha mulher em cozinhar bolos de feijão de creme azuki. A pastelaria ganha súbito sucesso graças aos bolos de feijão e perde a clientela quando se conhece a doença da velha cozinheira e a sua morada - uma leprosaria. Mas os laços destas personagens que representam três gerações - a saída da II Guerra Mundial, a nascida no boom económico da década de 1960 e a geração do século XXI - começam a estreitar-se. Se quisermos, há uma passagem de sabedoria e testemunhos, em que um simples canário [lê-se do mesmo modo em japonês e português] também serve de ligação. O olhar e a palavra são dádivas e preenchem a existência uns dos outros: a velha vê o gerente da loja (a que chama carinhosamente patrão) como o filho que não teve; o gerente vê nela a mãe com quem não manteve conversas; a jovem em busca de um lar com familiares estruturados. E ainda pelo estreitamento com a natureza, caso da compreensão de Tokue quanto à vida de cada feijão - o sol, a humidade - como se cada vegetal tivesse uma vida própria. Ou da cerejeira, a árvore da vida da velha doente.
Há dois pormenores suplementares vislumbrados por um ocidental apaixonado pela cultura oriental. Numa conversa entre Tokue e a jovem estudante, ouve-se em fundo uma oração budista. Quando a proprietária da loja (atriz Miyoko Asada) vem falar com o gerente e lhe impõe o despedimento da velha cozinheira, a expressão e enquadramento lembram as máscaras do teatro clássico japonês bunraku.
[como pequena homenagem à realizadora, deixo uma imagem da sua cidade natal, Nara, que tirei em junho de 2016]
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