quarta-feira, 29 de março de 2006

UM MILHÃO, DOIS MILHÕES OU TRÊS MILHÕES?

Os temas comuns destacados nas capas das edições de hoje do Público e do Diário de Notícias são: 1) o jogo de futebol em que o Benfica foi interveniente frente ao Barcelona, 2) a vitória do partido Kadima nas eleições de Israel, 3) a providência cautelar de Margarida Rebelo Pinto sobre a edição de um livro que diz mal dos seus romances, e 4) as manifestações em França contra a proposta governamental do CPE (Contrato Primeiro Emprego).



É sobre este último destaque que quero frisar a minha opinião. No Público, a margem de erro vai de 1 a 3 milhões, conforme os olhos pertencem às autoridades (que minimizam estas manifestações) ou aos sindicatos (que maximizam tais acções). O texto de Ana Navarro Pedro começa assim: "A demonstração de força nas ruas foi impressionante: três milhões de pessoas, segundo os sindicatos, ou «mais de um milhão», segundo o Ministério do Interior". Já o lead do texto de Fernando de Sousa, do Diário de Notícias, diz que "A luta contra as propostas de contrato para os jovens mobilizou mais de dois milhões de pessoas nas principais cidades de França".

Certamente que não se exige do jornalista que controle o número de manifestantes, dada a dificuldade inerente. Fácil é contar espectadores numa sala de cinema a partir do número de bilhetes vendidos, já menos fácil é contabilizar as entradas num estádio, e muito mais difícil saber quantas pessoas encheram o Terreiro do Paço ou entre a Place d'Italie e a Place de la République ontem em Paris. Mas a discrepância entre um milhão e três milhões é muito grande. Muito grande mesmo - como se eu dissesse que o blogueiro cá de casa são, afinal, três blogueiros. Tentar objectivar aquilo que é subjectivo - uma apreciação da multidão que se manifesta transformada em dado numérico ou estatístico - não é um bom princípio jornalístico. Por isso, recordo uma mensagem que aqui escrevi, intitulada "Os trabalhos do provedor de leitor do El Pais (19 e 26 de Junho)", em 28 de Junho de 2005, onde o provedor daquele jornal explica como o El Pais utiliza mapas dos locais por onde circula uma manifestação e aplica técnicas digitais para obter uma superfície com um dado número de metros quadrados. A partir daí, estima-se o número máximo de assistentes por metro quadrado.

A mim não me interessa saber quem fez uma melhor contabilidade, mesmo servindo-se dos porta-vozes que dão estes números, pois os jornalistas dos dois jornais são séniores e merecem ambos o meu respeito. A pergunta que eu faço é: não seria possível os jornalistas pouparem-se a este esforço (efabulatório, no fim de contas), libertando-se da pressão de fontes oficiais antagónicas, e não darem conta dos números?

1 comentário:

Anónimo disse...

Recordo-me desse texto do Provedor do El Pais, mas no caso da notícia em causa havia um problema inultrapassável: houve não uma, mas dezenas de manifestações por toda a França. Não bastava contabilizar a de Paris. Assim, como é habitual fazer o The New York Times, por exemplo, parece-me boa política citar os números da polícia e o dos manifestantes. Mas devo dizer que, por experiência própria, a polícia costuma aproximar-se mais da verdade (como aliás sucedera na manifestação em Espanha a que se referia o texto do provedor do El Pais). Mas como daí a assumir os seus números como certos vai uma distância...