sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

CONCEITO DE AUDIÊNCIA EM LACEY (2002)


Nick Lacey (2002: 180-185) trabalhou o conceito de audiência de um modo peculiar. Para alguns media, a audiência é evidente em si, caso do número de unidades vendidas de DVDs ou o número de lugares sentados no cinema ou no teatro. Mas no audiovisual não se sabe quantas pessoas estão a ver televisão por cabo ou por satélite ou a ouvir rádio. Assim, o audiovisual teve necessidade de, logo no começo do século XX, saber que audiência existia e onde estava – atendendo à importância da publicidade no financiamento destas actividades e à quantificação das audiências. Se, para serem quantificadas, as audiências precisam de ser medidas, o que levou a dividi-las em subgrupos.

Lacey apresenta várias categorias de audiências: A) classe social ou profissão, B) estilos de vida ou variáveis sócio-gráficas, C) audiência jovem para os publicitários, D) modo como se consomem os media, e E) códigos postais.

Assim, temos:

A) Um dos modos mais simples mas usual é definido pela classe social ou através da sua profissão. Lacey usa os seguintes agrupamentos, não rigorosamente seguidos desta forma nos estudos de marketing: 1) Grupo A – profissionais (advogados, médicos), cientistas, gestores de grandes organizações, 2) Grupo B – donos de lojas, agricultores, professores, empregados de colarinho branco, 3) Grupo C1 – trabalhadores manuais especializados – nível elevado, como construtores, carpinteiros, enfermeiras, 4) Grupo C2 – trabalhadores manuais de nível mais baixo, como electricistas e canalizadores, 5) Grupo D – trabalhadores semi-especializados, como condutores de autocarros, e 6) Grupo E – trabalhadores sem especialização, como porteiros e empregados de mesa.

Na perspectiva dos media, uma forma simples de definir a classe social das audiências pode fazer-se assim: as classes médias incorporam a chamada ABC1 e as classes trabalhadoras a C2DE. É claro que esta é uma forma crua de definir audiências e classe social mas é útil para caracterizar em textos mediáticos. Por exemplo, um jornal de referência aponta para leitores predominantemente ABC1 enquanto os tablóides se dirigem para uma audiência C2DE. Alguns tablóides sinalizam mesmo aos seus leitores quais os canais de televisão que devem ver, dando mais espaço às histórias desses canais. A preponderância da publicidade nos jornais de qualidade explica porque mantêm saúde financeira mesmo que percam circulação face aos tablóides; muito do rendimento vem da publicidade.

A rigidez da classificação ABC1 levou ao aparecimento de novos sistemas nos últimos anos. A classe social também pode ser classificada em termos da sua envolvente: a estrutura da classe média baseia-se no conceito de propriedade privada, em diferenças sociais de estatuto e riqueza, ao passo que a envolvente da classe trabalhadora assenta no conceito de comunidade ou identidade colectiva, falta comum de propriedade e de riqueza. Claro que esta classificação está datada: durante a década de 1980, as tradicionais comunidades de classes trabalhadoras entraram em declínio à medida que desaparecia a indústria pesada associada a elas.

B) Uma melhor forma de definir as audiências é categorizá-las por valores e atitudes em termos de estilos de vida. São as variáveis psico-gráficas, também apresentadas por Lacey (2002). O melhor sistema dentro desta distinção é a conhecida por Atitudes, Valores e Estilos de Vida (AVEV): 1) realizadores (pessoas com sucesso, ricas e dinâmicas, para quem a imagem é importante como expressão da sua individualidade), 2) cumpridores (pessoas maduras e profissionais bem formados, que valorizam a ordem, o conhecimento e as responsabilidades), 3) empreendedores (pessoas com sucesso e com carreiras orientadas, politicamente conservadores e que valorizam o status quo, considerando importante a imagem e tendendo a comprar produtos de prestígio e bem conhecidos), 4) experimentadores (jovens, impulsivos e rebeldes, que gostam de novos produtos e estilos mas que se cansam e procuram outras novidades. Podem gastar muito dinheiro em roupa, fast food, música e filmes), 5) confiantes (pessoas conservadoras que acreditam em instituições tradicionais, como a família e a escola. O seu estilo de vida tende a ser muito rotineiro, com rendimentos pequenos mas suficientes), 6) esforçados (tendem a ser inseguros e com baixos rendimentos. Tentam obter a aprovação dos outros, que possuem bens que eles aspiram embora não disponham de recursos para atingirem os seus objectivos), 7) criadores (entusiastas em si mesmo e tendem a viver uma vida familiar convencional), e 8) lutadores (têm os rendimentos mais baixos mas tendem a ser leais às suas marcas favoritas).

C) Partindo da definição geral do AVEV, pode definir-se uma audiência jovem para os publicitários: 1) adeptos (ambicionam a admiração dos elementos do seu grupo), 2) egoístas (procuram prazer), 3) puritanos (pretendem ser virtuosos), 4) inovadores (querem deixar uma marca), 5) rebeldes (desejam construir o mundo à sua imagem), 6) agrupados (querem ser aceites), 7) molengões (não sabem muito bem o que querem), 8) os que abandonam os estudos (afastam-se de compromissos de qualquer tipo), 9) tradicionalistas (querem que as coisas estejam num sítio certo e determinado), 10) utópicos (querem que o mundo seja um sítio melhor), 11) cínicos (têm sempre uma queixa a fazer), e 12) cowboys (querem dinheiro fácil).

D) Mais recentemente, as pessoas foram classificadas como membros de uma tribo, e ainda segundo Lacey (2002) definidas pelo seu modo característico de consumir os media: 1) consumidores de televisão [couch potatoes] (ficam agarrados a um programa de televisão ou, no máximo, oscilam entre dois canais), 2) especialistas (devotados a um dado tipo de programas, como Quem quer ser milionário ou Friends), 3) viciados em comédias (caracterizam-se por um comportamento algo rude e centram-se em programas de situação [sitcom] e satíricos), e 4) com insónias (vêem televisão muito para além do prime-time).

E) A audiência também se pode definir por códigos postais, caso dos Estados Unidos: 1) área agrícola, 2) zona residencial de família moderna, 3) zona residencial de estatuto intermédio, 4) zona residencial pobre e antiga, 5) arredores com melhor situação, 6) áreas multi-raciais, 7) áreas de estatuto mais elevado, 8) zonas residenciais suburbanas ricas, e 9) zonas residenciais de reformados com melhores condições. Tais variáveis geográficas e demográficas podem ser úteis para a distribuição de bens por nichos.



[Sobre Lacey, pode encontrar mais textos no blogue, aqui, aqui, aqui e aqui].

Leitura: Nick Lacey (2002). Media institutions and audiences. Key concepts in media studies. Hampshire e Nova Iorque: Palgrave

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