Naquele Verão de 1985, o programa Discoteca de Adelino Gonçalves na Rádio Comercial (13:00-15:00) passava todos os dias Kate Bush, Running Up That Hill. O sol, a terra, a água morna do mar e as conversas ao almoço nas férias algures numa praia no centro do país ainda estão na minha memória. Exactamente quando Agosto acabava e Setembro começava.
Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
domingo, 31 de agosto de 2014
Da amplificação sonora
Foi há quase três anos que assisti à representação da ópera Sansão e Dalila, de Camille Saint-Saëns, no Coliseu do Porto. A história baseia-se no "Livro dos Juízes" e narra a exortação de Sansão junto dos hebreus que choram a derrota diante dos filisteus. Depois, aparece Dalila, acompanhada de outras palestinianas, com flores e cânticos a celebrar a chegada da Primavera. Dalila procura seduzir Sansão. Preso numa prisão em Gaza, a Sansão cortam-lhe os cabelos e cegam-no, pelo que perdeu todo o seu poder. No terceiro acto da ópera, passado no interior de um templo, Sansão faz uma prece a Deus, que parece restituir-lhe a força. Mas o templo desaba e morrem Sansão, Dalila, o sacerdote e os outros presentes.
Guardei o bilhete porque quis escrever não sobre a ópera em si mas sobre dois fenómenos que observei. O primeiro foi a atitude de uma espectadora durante quase toda a representação, a consultar o seu telemóvel, a ler a sua página de Facebook. Hoje é ainda mais notória tal actividade em qualquer sítio onde se esteja, no cinema, num concerto. Além das redes sociais, há também a tendência para fazer fotografias. Alguns músicos nos concertos pedem para os seus fãs não fotografarem ou usarem o telemóvel em qualquer situação. Isso aconteceu na semana passada em concerto dado por Kate Bush.
O outro fenómeno analisado nesse dia de Outubro de 2011 foi a distância a que, a partir do balcão popular, me encontrava do palco (ver desenho da sala). O som da orquestra e dos cantores, mesmo que poderosos, chegavam até mim com alguma dificuldade. Pensei - porque não electrificar (amplificar)? No teatro musical, isso já constitui prática, com pequenos microfones no cabelo dos cantores ou junto à boca.
Sei que isto é heterodoxo, inculto mesmo. Mas a leitura de um capítulo do livro de Andrew Crisell (2012), Liveness & Recording in the Media, trouxe de novo a questão à minha cabeça. No que me parecem as melhores páginas do seu livro, Crisell escreve sobre o aparecimento do rock & roll e as mudanças na dimensão dos grupos (bandas, orquestras) e no registo sonoro. A guitarra eléctrica e os seus acessórios (tremolo, fuzz-box, câmara de eco) distorcem a música face à realidade instrumental até aí empregue. A potência da amplificação faz com que quatro a seis músicos tenham um som mais elevado que uma orquestra completa.
Na gravação, o que era registado de uma só vez passou a sê-lo por parcelas, primeiro os instrumentos e depois a voz. Nesta divisão de tarefas, o registo faz-se por fases (takes), ficando o registo final o da melhor fase. Crisell tem uma frase central e que explica bem a transformação: até ao rock & roll, a gravação procurava seguir o mais fielmente possível o concerto ao vivo; depois do rock & roll, o espectáculo ao vivo, que seguia o disco e a sua promoção, nunca consegue atingir a qualidade e a perfeição de som da gravação no estúdio. Crisell ironiza: as bandas rock, tentando mostrar que a sua música tem nível, promovem espectáculos unplugged (acústicos), mas precisam sempre de electricidade para amplificar vozes e instrumentos.
Guardei o bilhete porque quis escrever não sobre a ópera em si mas sobre dois fenómenos que observei. O primeiro foi a atitude de uma espectadora durante quase toda a representação, a consultar o seu telemóvel, a ler a sua página de Facebook. Hoje é ainda mais notória tal actividade em qualquer sítio onde se esteja, no cinema, num concerto. Além das redes sociais, há também a tendência para fazer fotografias. Alguns músicos nos concertos pedem para os seus fãs não fotografarem ou usarem o telemóvel em qualquer situação. Isso aconteceu na semana passada em concerto dado por Kate Bush.
O outro fenómeno analisado nesse dia de Outubro de 2011 foi a distância a que, a partir do balcão popular, me encontrava do palco (ver desenho da sala). O som da orquestra e dos cantores, mesmo que poderosos, chegavam até mim com alguma dificuldade. Pensei - porque não electrificar (amplificar)? No teatro musical, isso já constitui prática, com pequenos microfones no cabelo dos cantores ou junto à boca.
Sei que isto é heterodoxo, inculto mesmo. Mas a leitura de um capítulo do livro de Andrew Crisell (2012), Liveness & Recording in the Media, trouxe de novo a questão à minha cabeça. No que me parecem as melhores páginas do seu livro, Crisell escreve sobre o aparecimento do rock & roll e as mudanças na dimensão dos grupos (bandas, orquestras) e no registo sonoro. A guitarra eléctrica e os seus acessórios (tremolo, fuzz-box, câmara de eco) distorcem a música face à realidade instrumental até aí empregue. A potência da amplificação faz com que quatro a seis músicos tenham um som mais elevado que uma orquestra completa.
Na gravação, o que era registado de uma só vez passou a sê-lo por parcelas, primeiro os instrumentos e depois a voz. Nesta divisão de tarefas, o registo faz-se por fases (takes), ficando o registo final o da melhor fase. Crisell tem uma frase central e que explica bem a transformação: até ao rock & roll, a gravação procurava seguir o mais fielmente possível o concerto ao vivo; depois do rock & roll, o espectáculo ao vivo, que seguia o disco e a sua promoção, nunca consegue atingir a qualidade e a perfeição de som da gravação no estúdio. Crisell ironiza: as bandas rock, tentando mostrar que a sua música tem nível, promovem espectáculos unplugged (acústicos), mas precisam sempre de electricidade para amplificar vozes e instrumentos.
sábado, 30 de agosto de 2014
Fuso
Em entrevista hoje publicada na "Atual" (Expresso), Jean-François Chougnet, antigo director do Museu Berardo e actual director do MuCEM - Musée des Civilisations de l'Europe et de la Mediterranée, falou sobre o financiamento da cultura na Europa. Já fora de Portugal há três anos, sobre o tema do financiamento, concluiu que os jovens "começam a reinventar projectos que não são menores", mesmo sem o apoio do Estado como outrora. No festival FUSO, ele ficou admirado com a vitalidade dos projectos, com mais de 120 candidaturas.
Dos vídeos que eu vi, ao ar livre no Museu da Electricidade, constatei isso mesmo. Gostei de alguns projectos, tendo-me ficado na memória o vídeo de Tiago Afonso, Ruído ou As Troianas (2014, 5:40). Uma torre do bairro do Aleixo (Porto) foi destruída por implosão. A zona, muito perto do rio Douro, é vista como um dos locais de tráfico de drogas. O vídeo mostra durante algum tempo as diversas torres até à queda de uma. Em voz off, ouvem-se gritos, nomeadamente de mulheres, entre os quais as palavras assassino e filho da puta. Depois, já sem esse som off, vêem-se as mulheres (e alguns homens) gesticulando e chorando, movimentando-se num círculo pequeno, indo até à barreira onde estava a polícia. Na parte final do vídeo, Tiago Afonso chama-as de mulheres derrotadas (abaixo: imagem do filme).
Dos vídeos que eu vi, ao ar livre no Museu da Electricidade, constatei isso mesmo. Gostei de alguns projectos, tendo-me ficado na memória o vídeo de Tiago Afonso, Ruído ou As Troianas (2014, 5:40). Uma torre do bairro do Aleixo (Porto) foi destruída por implosão. A zona, muito perto do rio Douro, é vista como um dos locais de tráfico de drogas. O vídeo mostra durante algum tempo as diversas torres até à queda de uma. Em voz off, ouvem-se gritos, nomeadamente de mulheres, entre os quais as palavras assassino e filho da puta. Depois, já sem esse som off, vêem-se as mulheres (e alguns homens) gesticulando e chorando, movimentando-se num círculo pequeno, indo até à barreira onde estava a polícia. Na parte final do vídeo, Tiago Afonso chama-as de mulheres derrotadas (abaixo: imagem do filme).
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
Licenciamento para sincronização
"Hoje em dia, mais que tournées ou venda de discos, o licenciamento para sincronização é uma das principais fontes de receita para o mercado da música. Gera rendas que vão além do licensing fee: há royalties de transmissão, de discos de bandas sonoras, merchandising e performance. Isso fora a exposição da obra do músico, que é outro benefício que se conquista através do licenciamento e que pode gerar novas fontes de renda. Diversos artistas desconhecidos descolaram depois que amantes de música ou mesmo marcas e empresas foram atrás de sua música em função de um filme, comercial, programa de TV ou jogo" (Cultura e Mercado, de hoje).
História da imprensa de língua portuguesa
No caso da imprensa portuguesa, os períodos estudados foram a monarquia, a Primeira República, a Ditadura e o pós-1974. No caso do Brasil, os períodos estudados foram a monarquia e a república. Um terceiro capítulo é dedicado aos jornalistas.
O capítulo sobre a imprensa das antigas colónias, assinado por Antonio Hohlfelft, despertou o meu interesse, dada a falta de bibliografia sobre o tema, como o historiador reconhece (p. 599). Hohlfelft (p. 611) elenca um conjunto de características comuns aos jornais estudados, de que destaco a troca de informação entre os diferentes jornais, com citação e transcrição de artigos, circulação de temas entre os jornais formando uma espécie de opinião pública geral, um jornal proibido era substituído por um novo título com o mesmo editorial e obrigações financeiras e assinantes, por vezes os jornais das colónias opunham-se a empresas coloniais, algumas de capitais ingleses e alemães, julgadas ineficientes, períodos sequenciais de censura, formato tablóide mas permitindo outros tamanhos, exigência inicial da identificação do director e do editor. Antonio Hohlfelft analisou a imprensa colonial em depósito na Biblioteca Municipal do Porto respeitante a Goa, Angola, Cabo Verde, Moçambique, Macau, S. Tomé e Guiné-Bissau.
Leitura: Jorge Pedro Sousa, Helena Lima, Antonio Hohlfelft e Marialva Barbosa (org.) (2014). A History of Press in the Portuguese-Speaking Countries. Ramada e Porto: Media XXI, 692 páginas, 25€
Moda de praia
Curioso o texto editado hoje no jornal Público sobre a moda de praia (aqui). No online, juntamente com os desenhos dos fatos de banho femininos, há um contador do espaço de pele ocupado com a roupa de vestir na praia.
Em 1920, diz o texto: "Nesta década, os banhos de sol começaram a vulgarizar-se e os modelos tornaram-se mais libertadoras. Os fatos de banho eram largos, alguns tinham uma pequena saia mas começaram a ter formas diferentes".
Em 1920, diz o texto: "Nesta década, os banhos de sol começaram a vulgarizar-se e os modelos tornaram-se mais libertadoras. Os fatos de banho eram largos, alguns tinham uma pequena saia mas começaram a ter formas diferentes".
A rádio face ao telemóvel e ao tablet
A BBC Radio está a enfrentar "mudanças sísmicas no comportamento da audição", segundo a responsável da BBC Radio, Helen Boaden (comunicação de Março de 2014, ver vídeo aqui). Para ela, apesar da rádio no Reino Unido estar de boa saúde em termos de audiência, há ameaças como o declínio de horas de audição no caso dos grupos etários mais jovens. Os múltiplos ecrãs exercem um fascínio que a rádio apenas auditiva não tem. Boaden critica as tecnologias de aplicação para a sintonia de rádio nos telemóveis e a baixa duração em termos de tempo das baterias dos aparelhos como algo que precisa de ser melhorado para que não se perca o auditório mais jovem.
Sobre a história da música gravada
A Cosmic and Earthly History of Recorded Music According to Mississippi Records é um filme de 90 minutos a passar no Porto e em Lisboa no próximo mês e que tem por detrás o editor discográfico da Mississippi Records, Eric Isaacson (ver vídeo de apresentação aqui). O filme, que combina com a passagem de imagens, conferência e sons, segundo o texto do vídeo de apresentação, inclui elementos importantes na evolução da música gravada. Dentro desses elementos, o filme destaca a ascensão do blues, do rock and roll e outras formas de música americana e tem 45 minutos de imagens de arquivo de alguns dos maiores músicos como Bo Diddley, Rosetta Tharpe, The Collins Kids, Gary Davis e Staple Singers. Ver mais informações aqui.
José Marmeleira, no "Ípsilon" (Público) de hoje, escreve sobre o tema. Ele cita abundantemente Isaacson, para quem a história da música ainda se faz assente nos discos de vinil, que foi registando ao longo das décadas o que de melhor se fez na música. O editor discográfico refere ainda que muita dessa melhor música feita nos Estados Unidos se deveu à reacção à pobreza e ao racismo.
Comércio de rua
Ontem, na edição impressa do Público, uma notícia dava conta da actual apetência das marcas por lojas de rua. Exemplos: FNAC, Continente, Pingo Doce. O tema era a previsível abertura de lojas da FNAC em Oeiras, Faro e Setúbal. A responsável principal da FNAC diz que, para se aproximar dos clientes, o ideal é instalar lojas de proximidade dos clientes.
Espero que as marcas voltem às avenidas de Roma e Guerra Junqueiro. É a parte mais bonita da cidade.
Espero que as marcas voltem às avenidas de Roma e Guerra Junqueiro. É a parte mais bonita da cidade.
quinta-feira, 28 de agosto de 2014
Cinema Ideal
Após quatro meses de obras de restauro e um investimento de cerca de 500 mil euros, o Cinema Ideal (Lisboa), onde até há pouco se exibiam filmes pornográficos, abre com produções de qualidade para todos os públicos (a partir de Observador). Hoje, estreia o filme de Joaquim Pinto E Agora? Lembra-me.
A sala, que também já se chamou Camões e Paraíso, na rua do Loreto, à Praça Camões, entre o Chiado e o Bairro Alto, foi recuperada pela distribuidora Midas Filme e Casa da Imprensa, a proprietária do edifício. Tem 200 lugares. No cinema, vai funcionar ainda uma cafetaria e uma livraria.
A sala, que também já se chamou Camões e Paraíso, na rua do Loreto, à Praça Camões, entre o Chiado e o Bairro Alto, foi recuperada pela distribuidora Midas Filme e Casa da Imprensa, a proprietária do edifício. Tem 200 lugares. No cinema, vai funcionar ainda uma cafetaria e uma livraria.
terça-feira, 26 de agosto de 2014
Audiências de rádio
A Marktest, sobre audiências de rádio na vaga de Junho (3ª de 2014), fez um quadro curioso sobre níveis de idades e preferências de estações de rádio. Os ouvintes mais jovens sintonizam a Rádio Comercial. Depois, à medida que vão envelhecendo, escutam sucessivamente a RFM, a Renascença e a Antena 1. Do líder, é expressiva a preferência da juventude.
Diário de Notícias
A notícia já tem uns dias, mas eu não falei sobre a saída de João Marcelino de director do Diário de Notícias, cargo para o qual fora nomeado há sete anos. Vindo do vencedor Correio da Manhã, que dirigia, esperava-se dele uma melhoria a nível de vendas. O modelo de notícias mais curtas foi aplicado ao Diário de Notícias, o jornal parecia mais colorido, mas as vendas não descolaram. Recentemente, o jornal mudou de accionistas e foi noticiado um despedimento de muitos profissionais do grupo Controlinveste. O director do Jornal de Notícias saiu e foi ocupar um lugar de destaque no Porto Canal, canal de televisão a cabo com sede no Porto, agora seguiu-se o director do Diário de Notícias.
A meu ver não está em causa uma questão de carácter do jornalista mas um modelo de meio de comunicação com grandes dificuldades económicas. Na transição da ditadura para o regime democrático, em 1974-1975, houve também uma profunda alteração nos media impressos. Jornais antigos como O Século, Jornal do Comércio e As Novidades, vindos do século XIX, desapareceram. Ficou o Diário de Notícias. Mas há 40 anos, havia confiança numa nova geração e numa nova vontade social e cultural. Agora, parece não haver. Além de que os media digitais trazem outras perspectivas.
A meu ver não está em causa uma questão de carácter do jornalista mas um modelo de meio de comunicação com grandes dificuldades económicas. Na transição da ditadura para o regime democrático, em 1974-1975, houve também uma profunda alteração nos media impressos. Jornais antigos como O Século, Jornal do Comércio e As Novidades, vindos do século XIX, desapareceram. Ficou o Diário de Notícias. Mas há 40 anos, havia confiança numa nova geração e numa nova vontade social e cultural. Agora, parece não haver. Além de que os media digitais trazem outras perspectivas.
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
Só lhes falta falar
António de Almeida Coutinho e Lemos e Carolina Rosa Ribeiro de Faria, barões do Seixo, aparecem nestas pinturas de Auguste Roquemont (executadas à volta de 1845-1851). De cada vez que vou ao museu Soares dos Reis (Porto), fico minutos a ver estas obras e a da família Pacheco Pereira (executada à volta de 1835-1840), que estão juntos na primeira sala de pintura do museu. Todas estas obras pertencem aquele pintor nascido em Genebra mas fixado no Porto. E penso: como seria a voz do barão? E da baronesa?
O fonógrafo de Edison ainda não tinha sido inventado. O rosto e o perfil dos retratados ficou para a eternidade (até ao fim da durabilidade da tela), mas perdeu-se inexoravelmente a voz. A gravação dos sons e a sua transmissão constituíram dos maiores avanços tecnológicos de finais do século XIX, princípios do século XX.
domingo, 24 de agosto de 2014
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
terça-feira, 19 de agosto de 2014
Gravação da voz
Em 1902, na monografia alemã sobre Care and Usage of Modern Speaking Machines (Phnograph, Graphophone and Gramophone), Alfred Parzer-Mülhbacher prometia que os grafófonos seriam capazes de construir "arquivos e colecções" para possíveis "memórias". Amigos ou familiares falecidos ficariam com as suas vozes registadas em cilindros, que transportariam para todo o futuro os dias felizes da juventude desses entes queridos. O cinema representava o olhar sem o corpo, o telefone a voz sem corpo, o gramofone arquivaria a voz humana. Telefone e gramofone cruzavam-se na transmissão (e memória) da voz.
Em 1916, Salomo Friedlaender escreveu Goethe Fala para o Fonógrafo, no qual o professor Abnossah Pschorr se propôs refazer a voz de Goethe estudando o seu crânio e a linha da sua faringe. O pedido seria feito por uma jovem e ingénua estudante do professor, Anna Pomke, com o qual casaria no final da história: "se o fonógrafo existisse em 1800, poderíamos gravar a voz do mestre".
A voz tornava-se imortal, como se escreveu em 1877 na Scientific American, quando Edison inventou o fonógrafo. Para isso, eram precisos o microfone e o amplificador com válvulas electrónicas (Lieben, 1906; De Forest, 1907), na electrificação do gramofone. Em 19 de Maio de 1900, Otto Wiener apresentava uma conferência sobre a extensão dos sentidos através dos instrumentos, 64 anos antes de McLuhan escrever sobre isso.
O fonógrafo, segundo Edison, seria usado para ditar, dar testemunho no tribunal, discursos, reprodução de música vocal, ensino de línguas, distribuição de canções. Para assegurar a a realização destas possibilidades, Edison mandou representantes à Europa e recolheu registos do primeiro ministro inglês Gladstone, de Bismarck e de Brahms na Alemanha. Em 1897, a Alemanha já registava sons em cilindro. Ernst von Wildenbruch escreveu um poema para ficar registado: For the Phonographic Recording of his Voice. Graças ao fonógrafo, pela primeira vez a ciência possuía uma máquina que gravasse ruídos independentemente do seu significado.
Traduzo parcialmente uma ficha bibliográfica do livro de Friedrich Kittler, assinada por Alexander Magoun:
"A tese de Friedrich Kittler é bastante simples: «Os media determinam a nossa situação, o que merece uma descrição...» (p. xxxix.). E assim ele descreve os ambientes culturais em que a gravação de som, imagem e palavras tiveram lugar entre as décadas de 1860 e 1940. A gravação de som, o cinema e a máquina de escrever, tecnologias definidas em Kittler, mudaram a linguagem da percepção. Ao alterar a linguagem e o comportamento das pessoas que os utilizam, as tecnologias construíram seus usos. Nesta abordagem, Kittler trabalha sobre a ênfase de Marshall McLuhan de «medialidade», descrições de Michel Foucault sobre as relações entre textos impressos e o controlo do corpo e seu próprio trabalho sobre a construção de leitores e famílias na época de Goethe. Aqui, Kittler aplica a análise do discurso dos media na época moderna. Ele define «cultura» através de textos sobre os efeitos do armazenamento de som, imagem e pensamento. A análise desses contos, poemas, cartas, memórias, artigos, comentários e outros tipos de discurso permite que ele defenda a determinismo tecnológico da cultura, se não a história. Os desconfiados das interpretações teóricas estão gratos pela relativa escassez do jargão. Por outro lado, os tradutores levaram vinte e sete páginas a explicar o fundo e as metas de Kittler para os não familiarizados com os debates pós-1960 sobre poder, linguagem e liberdade. Geoffrey Winthrop-Young e Michael Wutz reconhecem um conjunto de causas face às reacções negativas quanto ao método e à agenda de Kittler. Primeiro, Kittler não é um historiador de tecnologia ou de qualquer outra coisa. Ele é o «enfant terrible das humanidades alemães» (p. xxxiii), um pós-estruturalista que vê a história como ferramenta que derruba conceitos do eu. Kittler mistura material de diversa origem e de uma grande variedade de campos, um dos quais é a descontinuidade do desenvolvimento tecnológico. O resultado é um pastiche superficial de fontes secundárias, boatos, literatura e explicações técnicas. Em contraste com os seus estudos cosmopolitas, Kittler mantém uma admiração germânica pelos engenheiros, de Edison a Turing, e entrega-se a um «fetichismo virtual» (p. xxxv) das origens militares das tecnologias de comunicação. Ele justifica o seu escárnio do «chamado Homem» (p. xxxiii) para descrever a tendência das redes de digitalização e de fibra ótica que servem para reunir e reciclar todos os dados sensoriais. Finalmente, há o desafio da estrutura do livro e da escrita de Kittler. Cada tecnologia merece um longo capítulo em forma de narrativa, vagamente cronológica e que oferece poucas pausas ao leitor. Não há índice. Os tradutores fizeram um bom trabalho ao adaptar a complexidade das frases do autor para o inglês. Eles defendem o «gozo estilístico» de Kittler como pretendido «para atacar e chocar sensibilidades académicas convencionais» (p. xxxii), em especial os da tradição académica em que ele trabalha".
Leitura: Friederich A. Kittler (1999). Gramophone, Film, Tipewriter. Standford, CA: Standford University Press, pp. 55-85.
Em 1916, Salomo Friedlaender escreveu Goethe Fala para o Fonógrafo, no qual o professor Abnossah Pschorr se propôs refazer a voz de Goethe estudando o seu crânio e a linha da sua faringe. O pedido seria feito por uma jovem e ingénua estudante do professor, Anna Pomke, com o qual casaria no final da história: "se o fonógrafo existisse em 1800, poderíamos gravar a voz do mestre".
A voz tornava-se imortal, como se escreveu em 1877 na Scientific American, quando Edison inventou o fonógrafo. Para isso, eram precisos o microfone e o amplificador com válvulas electrónicas (Lieben, 1906; De Forest, 1907), na electrificação do gramofone. Em 19 de Maio de 1900, Otto Wiener apresentava uma conferência sobre a extensão dos sentidos através dos instrumentos, 64 anos antes de McLuhan escrever sobre isso.
O fonógrafo, segundo Edison, seria usado para ditar, dar testemunho no tribunal, discursos, reprodução de música vocal, ensino de línguas, distribuição de canções. Para assegurar a a realização destas possibilidades, Edison mandou representantes à Europa e recolheu registos do primeiro ministro inglês Gladstone, de Bismarck e de Brahms na Alemanha. Em 1897, a Alemanha já registava sons em cilindro. Ernst von Wildenbruch escreveu um poema para ficar registado: For the Phonographic Recording of his Voice. Graças ao fonógrafo, pela primeira vez a ciência possuía uma máquina que gravasse ruídos independentemente do seu significado.
Traduzo parcialmente uma ficha bibliográfica do livro de Friedrich Kittler, assinada por Alexander Magoun:
"A tese de Friedrich Kittler é bastante simples: «Os media determinam a nossa situação, o que merece uma descrição...» (p. xxxix.). E assim ele descreve os ambientes culturais em que a gravação de som, imagem e palavras tiveram lugar entre as décadas de 1860 e 1940. A gravação de som, o cinema e a máquina de escrever, tecnologias definidas em Kittler, mudaram a linguagem da percepção. Ao alterar a linguagem e o comportamento das pessoas que os utilizam, as tecnologias construíram seus usos. Nesta abordagem, Kittler trabalha sobre a ênfase de Marshall McLuhan de «medialidade», descrições de Michel Foucault sobre as relações entre textos impressos e o controlo do corpo e seu próprio trabalho sobre a construção de leitores e famílias na época de Goethe. Aqui, Kittler aplica a análise do discurso dos media na época moderna. Ele define «cultura» através de textos sobre os efeitos do armazenamento de som, imagem e pensamento. A análise desses contos, poemas, cartas, memórias, artigos, comentários e outros tipos de discurso permite que ele defenda a determinismo tecnológico da cultura, se não a história. Os desconfiados das interpretações teóricas estão gratos pela relativa escassez do jargão. Por outro lado, os tradutores levaram vinte e sete páginas a explicar o fundo e as metas de Kittler para os não familiarizados com os debates pós-1960 sobre poder, linguagem e liberdade. Geoffrey Winthrop-Young e Michael Wutz reconhecem um conjunto de causas face às reacções negativas quanto ao método e à agenda de Kittler. Primeiro, Kittler não é um historiador de tecnologia ou de qualquer outra coisa. Ele é o «enfant terrible das humanidades alemães» (p. xxxiii), um pós-estruturalista que vê a história como ferramenta que derruba conceitos do eu. Kittler mistura material de diversa origem e de uma grande variedade de campos, um dos quais é a descontinuidade do desenvolvimento tecnológico. O resultado é um pastiche superficial de fontes secundárias, boatos, literatura e explicações técnicas. Em contraste com os seus estudos cosmopolitas, Kittler mantém uma admiração germânica pelos engenheiros, de Edison a Turing, e entrega-se a um «fetichismo virtual» (p. xxxv) das origens militares das tecnologias de comunicação. Ele justifica o seu escárnio do «chamado Homem» (p. xxxiii) para descrever a tendência das redes de digitalização e de fibra ótica que servem para reunir e reciclar todos os dados sensoriais. Finalmente, há o desafio da estrutura do livro e da escrita de Kittler. Cada tecnologia merece um longo capítulo em forma de narrativa, vagamente cronológica e que oferece poucas pausas ao leitor. Não há índice. Os tradutores fizeram um bom trabalho ao adaptar a complexidade das frases do autor para o inglês. Eles defendem o «gozo estilístico» de Kittler como pretendido «para atacar e chocar sensibilidades académicas convencionais» (p. xxxii), em especial os da tradição académica em que ele trabalha".
Leitura: Friederich A. Kittler (1999). Gramophone, Film, Tipewriter. Standford, CA: Standford University Press, pp. 55-85.
Lassie
Em 2012, a DreamWorks Animation adquiriu a Classic Media e, com a compra, os direitos de autor de Lassie. De modo lento, o estúdio está a reintroduzir a figura da cadela, outrora uma grande estrela de Hollywood, nomeadamente em série de televisão (1954-1974) , através de apresentações públicas e nos media e das reacções em grupos de foco (a partir de notícia no The New York Times).
Animação em praças e jardins de Lisboa
Entre 21 de Agosto e 20 de Setembro, jardins e praças de Lisboa vão ser palco de concertos, mostras de cinema e fotografia e outras artes visuais, na sexta edição do Lisboa na Rua, organizado pela Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) [a partir de notícia do Público].
domingo, 17 de agosto de 2014
Museu da Imagem em Movimento
O Museu da Imagem em Movimento (m|i|mo), em Leiria, nasceu em 1996, por ocasião da comemoração do centenário do cinema em Portugal. Então, ele foi adaptado ao espaço do Teatro José Lúcio da Silva. Mais tarde, transferiu-se para um conjunto edificado de três volumes dentro da antiga cerca medieval, junto à Igreja de S. Pedro, que já tinham acolhido as cavalariças dos Paços Reais, o Celeiro da Mitra e o Regimento de Artilharia n.º 4.
Tem uma colecção interessante de máquinas fotográficas, de filmar e de projectar. Um conjunto de painéis ilustra a evolução da imagem, incluindo as sombras chinesas.
Tem uma colecção interessante de máquinas fotográficas, de filmar e de projectar. Um conjunto de painéis ilustra a evolução da imagem, incluindo as sombras chinesas.
Florença
Na edição de hoje no Diário de Notícias, Viriato Soromenho Marques escreve sobre Florença e o seu centro cultural, a Piazza della Signoria. Ele fala de Girolamo Savaranola, o padre dominicano que governou a cidade por um curto período de tempo, entrando em conflito com o papa Alexandre VI e depois condenado à morte por heresia. Mas também sobre o escultor Miguel Ângelo (David, 1501) e Cellini (Perseu, 1554), da colecção Uffizi, doada pela família Medici, onde brilham Botticeli e Leonardo da Vinci. E da ponte Vecchio, construída em 1345. No final da II Guerra Mundial, em 1944, para atrasar o avanço das tropas aliadas, os alemães destruíram as pontes sobre o Arno, excepto a Vecchio. Gerhard Wolf (1896-1971), cônsul alemão na cidade, salvou-a.
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
Emídio Rangel
Emídio Rangel foi um fazedor dos media. Destacam-se a sua liderança na TSF e na SIC. Também trabalhou na RTP igualmente em lugar de topo. No dia do seu desaparecimento, parece justo recordá-lo e esperar uma biografia do seu rico percurso em Portugal (e na sua Angola de nascimento).
Artistas Unidos
Ontem, foi noticiado que a Universidade de Lisboa não vai renovar o contrato com a companhia de teatro Artistas Unidos no espaço da Rua Politécnica, alegando atrasos no pagamento de rendas. No Público de hoje vem uma carta de apoio à manutenção da companhia naquele local e um texto de Luís Miguel Cintra. Eu subscrevo o que na página do jornal vem escrito no apoio a Jorge Silva Melo e aos Artistas Unidos.
domingo, 10 de agosto de 2014
Traviata
No Salone Margherita, Carmela Maffongeli faz de Violetta Valery em La Traviata de Giuseppi Verdi. Na Paris de meados do século XIX, a mundana Violetta encontra Alfredo Germont (Adriano Gentile), um jovem de uma boa família. O amor impossível estaria destinado a acabar em tragédia, com a doença de Violetta, apesar do apoio de Alfredo e de Annina (Marina Tiberi, que também faz o papel de Flora Bervoix).
Antes do último quadro, foi servido um jantar aos espectadores. No final da ópera, os artistas que agradeceram no palco eram apenas os que cantavam no último quadro. Todos os outros tinham ido embora na altura do jantar. Fiquei admirado com este protocolo cultural italiano.
sexta-feira, 8 de agosto de 2014
Sapatos
Salvatore Ferragamo
(1898-1960) foi de Itália para os Estados Unidos, onde consolidou a sua marca de sapateiro. Ele calçou as estrelas de Hollywood, de Pola Negri e Mary Pickford a Audrey Hepburn e Marilyn Monroe e as suas sandálias entraram nos filmes de Cecil B. de Mille sobre a história de Roma. O seu sonho de fazer sapatos manuais mas dentro de uma linha de montagem concretizava-se. Regressado a Itália e quando o regime de Mussolini foi isolado e as matérias-primas escasseavam para produzir os seus sapatos, Ferragamo ensaiou os sapatos de base de cortiça, usados em modelos ortopédicos (imagens do Museu Salvatore Ferragamo, Florença; texto a partir de artigo de Guido Vergani, um dos curadores da exposição sobre o fabricante de sapatos de Florença, em 1985).
quinta-feira, 7 de agosto de 2014
Rádio na revista do CIMJ
Foi agora editado o número 24 da Revista Media & Jornalismo com o título Rádio: Contextos e Linguagens, coordenado por Luís Bonixe.
Wharol
Peter Brandt era ainda jovem quando começou a criar a sua coleção de pintura moderna americana, que acabou por constituir a Fundação Brandt. Ele adquiriu muitas obras de Andy Wharol, desde os seus primeiros desenhos, num total de mais de 160 trabalhos. Agora em exposição no Palácio Cipolla, na Fondazione Roma Museo.
Algumas obras são das mais icónicas de Wharol, como a série de cadeiras elétricas, os retratos de Mao, Marilyn e Liz Taylor, as flores, a série Shot Blue Marilyn (1964), as latas da sopa Campbell. E ainda fotografias.
sexta-feira, 1 de agosto de 2014
Estúdios do Porto da Emissora Nacional (1943)
Na altura, ainda a pensar numa Casa da Rádio, o que nunca se concretizaria, as instalações da Rua Cândido dos Reis teriam um belíssimo estúdio com auditório e cabinas de locutor, além da central técnica e gabinetes para os serviços ali instalados, reunindo ou começando de novo as actividades da rádio pública, o que permitiria a emissão directa de programas.
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