"quatro pessoas no Café A Brasileira, da Rua Sá da Bandeira, ponderam as suas opções. Virgínia Moura, Lobão Vital, Manuel de Azevedo e Osvaldo Santos Silva temem que, se o silêncio prevalecer, os detidos possam ser espancados até à morte. Receando os ouvidos indiscretos, saem do café e caminham até à Menina Nua, a estátua da Juventude, de Henrique Moreira, discutindo «várias hipóteses mais ou menos impraticáveis». Acabam por concluir, como n’O Escaravelho de Ouro de Edgar Allan Poe (1843), que o melhor sistema é uma mensagem à vista de todos num jornal que todos leiam: O Janeiro. Redigem por isso uma mensagem que, do ponto de vista da encriptação, possa ter dupla valência: por um lado, não desperte o alerta dos empregados do jornal que processam os classificados; por outro, que possa ser descodificada após publicação. Escrevem então um anúncio de 8 centímetros por cinco: «Álvaro Cunhal Duarte Advogado (Rua do Heroísmo) Vem por este meio agradecer a todos os seus Amigos os cuidados manifestados pelo seu estado de saúde, na impossibilidade de o fazer pessoalmente»". Duarte era o nome porque Cunhal era conhecido na clandestinidade e a sede portuense da PIDE (hoje museu militar) funcionava na rua do Heroísmo, mesmo junto ao cemitério do Prado do Repouso.
No mesmo texto, Gonçalo Pereira escreve: "O Primeiro de Janeiro, alma da cidade, orgulho dos homens de letras do Porto e paixão contínua da vida de Manuel Pinto de Azevedo Júnior (1905-1978). Pinto de Azevedo herdou o jornal do pai, que o comprara com outros sócios em 1919. Ao contrário do pai, porém, o seu coração pulsa sobretudo com as vicissitudes do Janeiro. Até final da década, viverá a dois passos da redacção, no n.º 326. Toda a sua vida concentra-se naquele quarteirão. Nem os negócios da vinha, nem as fábricas alguma vez o motivaram. É o jornal que o faz mexer e assim será até à sua morte.
Inova e moderniza o jornal: O Primeiro de Janeiro é a primeira redacção do país onde se escreve à máquina ao invés da caneta e tinteiro que fazem escola nas restantes. Experimenta novas soluções, abre o jornal à cultura: em 1946, foi composta uma marcha sobre o jornal por António João de Brito e desde o ano anterior que os mais importantes pintores do país expõem no piso térreo do edifício do jornal (Pequena História de um Grande Jornal, 1948). Generoso e dedicado, marca os jornalistas que com ele convivem. Nuno Rocha, que teve n’O Primeiro de Janeiro a sua primeira grande experiência jornalística, lembra «o bravo lutador antifascista» nas suas Memórias de um Ano de Revolução, contando que, quando foi a Paris pela primeira vez, o director do jornal despediu-se dele e meteu-lhe no bolso, comovido, dois mil escudos para ajudar às despesas".
Gonçalo Pereira é director da edição portuguesa da National Geographic, autor de A Quercus nas Notícias (Porto Editora) e tem o doutoramento em Sociologia pelo ISCTE.
1 comentário:
Muito obrigado pelo estupendo destaque.
Manuel Pinto de Azevedo Júnior foi uma figura ímpar no jornalismo do Porto. Há uma frase muito bonita dele em 1976, quando passa o testemunho ao sucessor por motivos de saúde. Dá-lhe uma vela e uma caixa de fósforos. «Isto é para o alumiar, se tudo se apagar cá na casa», diz-lhe. «Um director do Janeiro nunca pode ficar às escuras!»
Cumprimentos.
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