terça-feira, 31 de março de 2015

O Primeiro de Janeiro e a prisão de Álvaro Cunhal em anúncio de classificados (30 de Março de 1949)

Em 1949, três militantes do Partido Comunista Português eram presos: Álvaro Cunhal, o seu secretário-geral, Militão Ribeiro e Sofia Ferreira. Gonçalo Pereira recupera a história no seu blogue ecosferaportuguesa:

"quatro pessoas no Café A Brasileira, da Rua Sá da Bandeira, ponderam as suas opções. Virgínia Moura, Lobão Vital, Manuel de Azevedo e Osvaldo Santos Silva temem que, se o silêncio prevalecer, os detidos possam ser espancados até à morte. Receando os ouvidos indiscretos, saem do café e caminham até à Menina Nua, a estátua da Juventude, de Henrique Moreira, discutindo «várias hipóteses mais ou menos impraticáveis». Acabam por concluir, como n’O Escaravelho de Ouro de Edgar Allan Poe (1843), que o melhor sistema é uma mensagem à vista de todos num jornal que todos leiam: O Janeiro. Redigem por isso uma mensagem que, do ponto de vista da encriptação, possa ter dupla valência: por um lado, não desperte o alerta dos empregados do jornal que processam os classificados; por outro, que possa ser descodificada após publicação. Escrevem então um anúncio de 8 centímetros por cinco: «Álvaro Cunhal Duarte Advogado (Rua do Heroísmo) Vem por este meio agradecer a todos os seus Amigos os cuidados manifestados pelo seu estado de saúde, na impossibilidade de o fazer pessoalmente»". Duarte era o nome porque Cunhal era conhecido na clandestinidade e a sede portuense da PIDE (hoje museu militar) funcionava na rua do Heroísmo, mesmo junto ao cemitério do Prado do Repouso.


No mesmo texto, Gonçalo Pereira escreve: "O Primeiro de Janeiro, alma da cidade, orgulho dos homens de letras do Porto e paixão contínua da vida de Manuel Pinto de Azevedo Júnior (1905-1978). Pinto de Azevedo herdou o jornal do pai, que o comprara com outros sócios em 1919. Ao contrário do pai, porém, o seu coração pulsa sobretudo com as vicissitudes do Janeiro. Até final da década, viverá a dois passos da redacção, no n.º 326. Toda a sua vida concentra-se naquele quarteirão. Nem os negócios da vinha, nem as fábricas alguma vez o motivaram. É o jornal que o faz mexer e assim será até à sua morte. Inova e moderniza o jornal: O Primeiro de Janeiro é a primeira redacção do país onde se escreve à máquina ao invés da caneta e tinteiro que fazem escola nas restantes. Experimenta novas soluções, abre o jornal à cultura: em 1946, foi composta uma marcha sobre o jornal por António João de Brito e desde o ano anterior que os mais importantes pintores do país expõem no piso térreo do edifício do jornal (Pequena História de um Grande Jornal, 1948). Generoso e dedicado, marca os jornalistas que com ele convivem. Nuno Rocha, que teve n’O Primeiro de Janeiro a sua primeira grande experiência jornalística, lembra «o bravo lutador antifascista» nas suas Memórias de um Ano de Revolução, contando que, quando foi a Paris pela primeira vez, o director do jornal despediu-se dele e meteu-lhe no bolso, comovido, dois mil escudos para ajudar às despesas".

Gonçalo Pereira é director da edição portuguesa da National Geographic, autor de A Quercus nas Notícias (Porto Editora) e tem o doutoramento em Sociologia pelo ISCTE.

1 comentário:

Gonçalo Pereira disse...

Muito obrigado pelo estupendo destaque.
Manuel Pinto de Azevedo Júnior foi uma figura ímpar no jornalismo do Porto. Há uma frase muito bonita dele em 1976, quando passa o testemunho ao sucessor por motivos de saúde. Dá-lhe uma vela e uma caixa de fósforos. «Isto é para o alumiar, se tudo se apagar cá na casa», diz-lhe. «Um director do Janeiro nunca pode ficar às escuras!»
Cumprimentos.