O
programa Página 1 nasceu em 2 de
janeiro de 1968, a emitir na Rádio Renascença. Certamente o programa mais
importante da história da rádio em Portugal, Página 1 resultou de parceria entre a Rádio Renascença e a revista católica
Flama.
Em
horário nobre (19:30-21:00), atingiu um vasto auditório jovem e com consciência
política, através de música pop, soul
e baladeiros (Manuel Freire, António Macedo, Fausto Bordalo Dias), crónicas de rádios internacionais e
rubricas sobre automobilismo, cinema e teatro. O programa, com indicativo musical composto por Miguel Graça Moura (Pop Five Music
Incorporated), deu ainda a conhecer a música espanhola de
Patxi Andion, Joaquín Díaz e Manolo Díaz. Deste último, o programa passou
regularmente La Juventud Tiene Razón (1969),
proibida pela televisão espanhola, uma espécie de hino de revolta política.
O
programa organizou iniciativas de grande projeção pública. Uma delas foi o
acampamento da juventude nas Caldas da Rainha (junho de 1970). Os milhares de
participantes a ouvir música de Adriano Correia de Oliveira, Fausto e José
Jorge Letria foram vigiados à distância por elementos da Guarda Nacional
Republicana montados a cavalo. Outra iniciativa foi o espetáculo na Escola dos Salesianos
(Estoril), em agosto de 1970. Sob pretexto da não autorização oficial, a polícia
invadiu o perímetro da festa e bateu em quem encontrou, incluindo o filho do
primeiro-ministro Marcelo Caetano. O inquérito oficial reconheceu exagero nas
agressões [imagem em baixo retirada do Jornal de Notícias, 5 de setembro de 1970]. Das emissões ao vivo, destacou-se a realizada em novembro de 1971 no
cinema Roma (Lisboa), a estrear discos de José Mário Branco e Sérgio Godinho. Como
os músicos viviam exilados em Paris, no palco colocou-se um gravador de música em
vez de cadeiras e microfones.
O
núcleo do programa foi constituído por José Manuel Nunes (realizador e locutor),
Adelino Gomes (jornalista), Homero Cardoso (diretor comercial da Flama e
produtor do programa) e Moreno Pinto (técnico), depois
substituído por José Videira. Duas colaborações fundamentais foram Fernando
Tenente (Porto), angariador de música ainda não editada e lançada pelo programa, e
Viriato Dias, repórter parlamentar que registou intervenções do grupo
parlamentar liberal [imagem abaixo retirada da revista Rádio & Televisão, 22 de abril de 1972)].
A
entrada do jornalista Adelino Gomes para o programa foi significativa, com
muitas reportagens e apontamentos noticiosos. Ele recebeu também convite para
organizar o serviço noticioso da estação. Mas, a 6 de setembro de 1972, Página 1 seria proibido pela censura (e o
programa Tempo Zip, dirigido por João
Paulo Guerra). O jornalista comentara na véspera o massacre de atletas
israelitas por comando palestiniano nos Jogos Olímpicos de Munique, repetido no
segundo programa. No texto, o jornalista afirmou
que se tratava de um episódio da guerra do Médio Oriente, que começara em 1948
com a expulsão dos palestinianos árabes do território em que viviam. No
apontamento, Adelino Gomes citava uma notícia em que o presidente Nixon chamava
ignominioso ao ato, embora autorizasse que aviões bombardeassem aldeias, diques
e hospitais do Vietname do Norte nessa mesma noite.
Muitas
das chamadas recebidas que entupiram os telefones de Rádio Renascença seriam
para felicitar o jornalista. Mas a reação da Secretaria de Estado da Informação
e Turismo foi a suspensão imediata do programa (e Tempo Zip), atitude marcante na história da rádio portuguesa. A
condição para a retomada dos programas implicou o despedimento de Adelino Gomes
e de João Paulo Guerra. Foi ainda imposta a criação de um serviço de censura externo
na estação.
O
conselho de gerência, em documento interno de 26 de setembro de 1972, condenara
o texto de Adelino Gomes, por não permitir intervenções em oposição ou
desacordo com a política do Estado e por o jornalista se subtrair ao trabalho de
fiscalização (eufemismo a cobrir a palavra censura). Logo depois, surgia um
documento de normas de procedimento de censura, determinando aprovação da
gerência e tempo de antecedência a apresentar apontamentos e reportagens.
Página 1
recebera um prémio de rádio pela Casa da Imprensa (1971). A título excecional,
a mesma Casa da Imprensa atribuiu o prémio de Reportagem Radiofónica a Adelino
Gomes (1972). A cerimónia de entrega do prémio decorreu em espetáculo promovido
no Coliseu dos Recreios apenas a 30 de março de 1974. Segundo o relatório da
Polícia de Segurança Pública de Lisboa, a sala estava superlotada, predominando
a juventude e elementos conhecidos da CDE. Na ocasião, o jornalista diria:
“tive o prémio do melhor locutor da rádio, mas fui despedido por ter dito
algumas coisas e por pretender dizer muitas coisas que vocês deviam saber”.
Depois
da saída do programa Página 1, Adelino
Gomes trabalhou na Deutsche Welle. Regressado no final do verão de 1973, foi
substituído na rádio alemã por José Manuel Nunes, também a sofrer pressões políticas.
Luís Paixão Martins ficou como locutor de Página
1 até março de 1975, quando o programa acabou.