terça-feira, 23 de março de 2021

Livro meu apresentado por meio virtual

 Oportunamente, será fornecida a ligação ao Zoom para seguir o programa abaixo indicado (14 de abril, 18 horas).



terça-feira, 16 de março de 2021

Central telefónica da rua Ferreira Borges, Porto

O postal inicial desta vista aérea do Porto era colorido, isto é, por cima do original um artista pintou cores. Gosto desta parte da cidade, bem conservada, de modo a identificar-se arquitetura gótica, barroca, neoclássica e mesmo "art nouveau". Durante séculos, o rio Douro foi a via franca de importações e exportações (Lisboa teve um percurso semelhante, mas o terramoto de 1755 destruiu a baixa da cidade e, em vez de muitos séculos de história, legou-nos uma arquitetura moderna, de régua e esquadro, e uma praça fabulosa voltada para o rio, uma das mais bonitas do mundo).

Ora, no Porto, a Edison Gower Bell em 1 de julho de 1882 inaugurava o seu serviço telefónico, na rua Ferreira Borges (uma placa colocada no edifício contém uma data errada). O postal acima referido mostra o local da central telefónica manual, com a estrutura metálica de entrada de fios e cabos (mais bem visível noutra das imagens). A imagem atual do Google Maps revela-nos uma claraboia e equipamentos de ar condicionado em vez dessa estrutura. A porta do número 88 fica ao lado de um bar na atualidade (à data da imagem do Google Maps), sinal da mudança de ramo de atividade. A central ficaria ativa até pouco depois da entrada em funcionamento da central da Picaria (1925).
No conjunto destas imagens a mais impressionante é a tirada no interior da sala de telefonistas, presumivelmente no dia da sua inauguração, um sábado de tarde bastante quente, de acordo com os jornais do dia. A imagem, de péssima qualidade (nunca conheci uma de melhor resolução), identifica doze pessoas, dois homens (certamente os responsáveis técnicos e comerciais) e o resto mulheres. Destas, pela sua posição, presumo haver sete telefonistas, duas encarregadas e uma chefe da estação. Do pouco que se consegue ver da fotografia, há solenidade e receio. Existem reposteiros, aquilo que me parece ser a bandeira inglesa à esquerda e, talvez, a bandeira da monarquia portuguesa à direita. Umas grinaldas de folhas a descer do teto conferem um ar surreal à imagem. E todo o equipamento telefónico é um quase mistério para mim, pois parece uma escrivaninha (secretária) comprida e com um painel vertical para as entradas das ligações telefónicas.
Foi, não tenho dúvida, um começo muito humilde desta enorme atividade que é a telefónica. A APT compraria a Edison Gower Bell quatro anos depois, já com outros objetivos expansionistas.






segunda-feira, 15 de março de 2021

Empregados da APT

De cima para baixo, apresento os seguintes empregados da APT (Anglo-Portuguese Telephone, cerca de 1940): senhor Freitas, enfermeiro, dona Aline Aguiar, chefe da secção de chamadas locais, senhor F. Casal Ribeiro (assistente do engenheiro Smart), donas Alice Leote, Maria do Carmo Meirelles e Josefa Dingle no novo gabinete, e senhor Joaquim Antunes David (imagens do arquivo da FPC).

Parto do princípio de que a fotografia representa a realidade. Mas acrescento outro princípio, a de que a fotografia é uma construção social. Explico melhor: o fotógrafo escolhe o que quer captar. Dou o exemplo de um enfermeiro hoje, de máscara a tapar nariz e boca e a inocular num paciente uma vacina contra o covid. O enfermeiro Freitas aparece no seu território, sentado à secretária, com telefone, caneta e tinteiro para a caneta. Não há um único instrumento médico ou um penso rápido ou um frasco de tintura de iodo para um pequeno curativo. Apenas uns montinhos de impressos bem arrumados, como se fosse um administrativo. E o laço no pescoço dá-lhe um ar de aristocrata.
A imagem das datilógrafas mostra um mau fotógrafo, com erros de palmatória. O gabinete de apoio a um diretor ou administrador estava equipado com máquinas de escrever, possivelmente da marca Remington. Uma das datilógrafas está bem instalada, mas a outra não. A Remington quase que não cabe na minúscula mesa. Ela foi colocada lá apenas para dar a ideia de um polo moderno de datilografia. E a terceira empregada parecia estar em casa a combinar pelo telefone um encontro amoroso ou uma ida à praia, tal a posição displicente em que se encontra, quase encostada à janela. Lembro-me de ter trabalhado com fotógrafos, nos TLP e depois na PT, que me davam cabo da paciência, pois faziam a primeira imagem depois de vinte minutos de ensaio: medir a luz, pôr ou retirar objetos, ver o modo como o empregado a fotografar estava vestido, voltar a medir a luz, pôr o fotografado de frente, de lado e do outro lado. Era uma autêntica encenação, mas a fotografia saia um brinquinho. O fotógrafo das Remington não – passou por lá e premiu o botão da máquina.
Aprecio a posição serena de Aline Aguiar, mulher talvez com quarenta anos e já bem conhecedora do seu metier. Mas rodeada por muitos livros e papéis. Lembro-me de um chefe meu, quando me ausentava em horas de serviço, me aconselhar a deixar livros abertos e papéis a indicar que eu estava em grandes trabalhos e me ausentara por motivo maior. De igual modo, Casal Ribeiro, assistente do engenheiro Smart, olha para papéis, e igualmente de caneta. Vejo ainda um carimbo ou chancela, a mostrar que o trabalho dele era despachado com assinatura. Noto também dois telefones aptofone com marcador, a indicar que a fotografia foi tirada depois de 1930. Ele é um homem ainda novo e aparentemente sentado numa cadeira de telefonista, a rodar sobre o eixo central.
A imagem que me oferece mais dificuldade de interpretação é a de Joaquim Antunes David, homem pesado e de ar triste e distante. Talvez no dia de se reformar, embora a porta de saída pareça estar atrás de si. Ou apenas o adeus a umas instalações abandonadas pela APT? Com boné e farda de trabalho, não sei se era guarda-fios ou contínuo. Mas não possui qualquer elemento de trabalho, sejam os papéis dos outros sejam as máquinas de escrever.







domingo, 14 de março de 2021

Central telefónica da Trindade, Lisboa

A APT comprava o edifício onde construiria a central telefónica da Trindade (Lisboa) em 1920, inaugurando esta em 1925. Cinco anos depois, a central telefónica manual dava lugar à automática, a primeira do país. Quem conhece o exterior do edifício, identifica a grande pujança da arquitetura. Mas quando se olham as fotografias do seu interior, o espanto é maior. A sala da central é enorme, com um grande pé direito, grandes janelas, candeeiros de teto de vidro e possivelmente de latão bastante elegantes, teto trabalhado e colunas de suporte do edifício a lembrar o estilo dórico da arquitetura da Grécia clássica.

Após a automatização, a sala foi transformada no escritório principal da APT, conforme toda a publicidade produzida na época o indica. A fotografia que aqui coloco mostra uma sala de grande requinte no atendimento, com um balcão enorme a servir os assinantes que lá se deslocassem. Havia um problema: o serviço funcionava num terceiro andar, a provocar a subida e a descida de quem lá se deslocasse, mesmo que existisse um elevador. A fotografia revela outro pormenor: o pessoal da APT era constituído por homens.
Numa fase posterior, quando a APT passa a sede de Lisboa para a rua Andrade Corvo, junto à central telefónica Norte, ocupando crescentemente edifícios num dos lados da rua, o que leva mesmo à destruição de uma garagem muito antiga, houve mudanças significativas quanto ao atendimento. Isto ocorreu durante a década de 1950. O serviço de atendimento ocupa o rés-do-chão, igualmente com um grande balcão, já dentro do conceito de loja de rua e montras com os produtos mais recentes e cartazes de informação.
O atendimento passa a ser feito por pessoal feminino, simpático, jovem, mais culto, identificado por uma indumentária própria (na fotografia, de cor azul) e com acesso a serviços de retaguarda, como processamento de contas, centrais telefónicas e armazéns. Cada empregada tem um grupo de assinantes (ou clientes, na nomenclatura posterior) a si distribuído, com telefone na sua secretária, a agilizar qualquer processo.
Eu não tenho memória deste escritório, pois o meu conhecimento é da década de 1980. Mas lembro-me da grande azáfama, com sinais luminosos a indicar que chegara a vez da senha daquele cliente. E, no conjunto, estas profissionais constituíam um grupo importante na empresa. Elas eram as verdadeiras relações públicas da empresa, o ponto a partir do qual se formava a opinião do cliente.
Observação: as imagens não têm muita qualidade; duas pertencem ao arquivo da FPC.






sábado, 13 de março de 2021

Guarda-fios

A fotografia parece mostrar os concorrentes a concurso da maior bigodaça da cidade. O bigode que mete mais medo é o do terceiro homem sentado a partir da esquerda; até faz lembrar os que assaltam velhinhas que estão a ver o Big Brother em direto. Mas o do bigode à esquerda deste não parece melhor, com cara de poucos amigos, talvez com um facalhão escondido. Eles não seriam Zés dos Telhados, que roubavam ricos para dar aos pobres? O bigode mais elegante é o jovem no centro da primeira fila de pé, mas talvez o mais tímido de todos. Ao lado deste, à esquerda, está um bigode a lembrar o do artista António Silva.

Na fila dos que estão de pé, mesmo à esquerda, vê-se um homem mais baixo do que os outros, a lembrar o ditado que diz que os homens não se medem aos palmos - ele era baixo mas possuía um bigode farfalhudo. Falta apenas um daqueles bigodes que dá para enrolar e fazer um caracol. O chefe ou o mais respeitado do grupo fica no centro, de calças e sapatos diferentes, com chapéu à cowboy e um pingalim. Mais perto de nós, o general Spínola, além do monócolo no olho direito, usava um pingalim. No século XIX, os cavalheiros usavam uma bengala; quando se zangavam mandavam umas bengaladas.
Mas não, a fotografia parece representar uma banda musical, talvez da GNR. Aqueles botões dourados todos alinhados nos casacos, a que falta um debruado nas calças, apontam para um dia importante na vida do grupo. Imagino que o grupo sentado toque sopros, como flautas, clarinetes ou fagotes, os do grupo em pé metais maiores e os do grupo no estrado arrastem instrumentos grandes como trombones ou tubas. Ao homem pequeno da esquerda, reservo-lhe uma bateria ao seu tamanho.
Puro engano. A legenda que acompanha a fotografia no livro de onde a tirei diz secamente: guarda-fios. O livro revela pormenores sobre o uniforme de trabalho. Em 1912, vestiam jaqueta, colete e calça de pano cinzento; em 1927, boné, casaco de botões e calça de cotim. Cá está: casaco de botões.
Da fotografia, parecia haver duas regras não escritas para a admissão dos guarda-fios: serem baixinhos e usarem bigode de família.


segunda-feira, 8 de março de 2021

Telefonistas

Este não é um ensaio sobre a fotografia de dezasseis mulheres telefonistas ao serviço da APT (Anglo-Portuguese Telephone, 1887-1967) no Porto nos primeiros anos da atividade. Pretendo somente pensar como seria o seu quotidiano, cultura, compromissos familiares, posses materiais e até sotaque. Apesar do preto e branco da fotografia, percebe-se logo que o vestuário das telefonistas é escuro, a dar um ar de austeridade no trabalho, com pequenos apontamentos como golas brancas. A fotografia foi feita num ateliê de fotógrafo, por a primeira fila se sentar em cadeiras, quase todas elas voltadas para a objetiva fotográfica, e com um fundo falso de paisagem (julgo descortinarem-se um vaso e planta e uma estatueta). A posição das mãos das mulheres é estudada (previamente indicada), para dar um sentido de harmonia. O trabalho da telefonista usa muito a mão para ligar e desligar cavilhas para a comunicação e, assim, a posição das mãos adquire simbolismo.

A hierarquia está facilmente resolvida na fotografia: a mulher que ocupa o lugar central na fila das telefonistas sentadas. Aliás, a composição fotográfica leva o nosso olhar para ela. Junto mais observações, a posição da cadeira dela é distinta da das outras, há um ar de confiança em que o rosto repousa sobre uma das mãos, ela usa óculos, no que é a única, e veste um conjunto de duas peças, no que é imitada por poucas das outras mulheres. 

Apesar de juntas na profissão, cada telefonista é uma unidade. Apenas duas mulheres se aproximam mais, parecendo amigas de antiga duração, encostando as suas cabeças. No conjunto das mulheres, noto outra similitude: o modo como enrolam o cabelo comprido, uma ou outra deixando cair algumas franjas pela testa. Algumas, mas poucas, têm adereços, como pendentes ou fios em volta do pescoço ou um alfinete com imagem em esmalte.

Todas elas são jovens, diria que nem sequer tinham 30 anos quando foram fotografadas. Encontro duas explicações: a atividade era recente e apenas concorreram jovens; as mulheres mais velhas deixavam a profissão quando se casavam. Mesmo a mulher central na imagem, e que eu designo por chefe das telefonistas, tem um rosto jovem. Reparo em duas jovens, exatamente atrás e de cada lado da chefe. Uma delas possuía ar de bem-disposta, de sorriso contido, com a mão de colega no seu ombro; a outra, com ar ingénuo e fio com cruz ao peito.

Onde morariam? Talvez nas ruas próximas da rua Ferreira Borges, onde ficava a estação telefónica, ou na freguesia da Sé ou do outro lado do rio, atravessando o Douro em manhãs ora com nevoeiro ora com sol, mas sempre com uma brisa vinda do oceano. O rio Douro, com a sua atividade mercantil através de barcos, fizera crescer muitas empresas, quase todas elas clientes da APT. Como a fotografia aponta para cerca de 1899, mesmo no fim do século, o horário devia prolongar-se das oito da manhã até quase à meia-noite, o que implicaria alguma logística de apoio familiar no regresso da profissional. E o trabalho? Então, já existiriam algumas centenas de telefones espalhados até à parte mais alta da cidade, conquanto se designasse de baixa, em torno da praça da Liberdade. Anos depois, em 1925, o serviço da central da rua Ferreira Borges migrava para a rua da Picaria, a mostrar uma nova centralidade urbana, com escritórios, empresas de importação, jornais, comércio vário (vestuário, tecidos, ferragens, brinquedos, alimentar), carros elétricos (carris), a contrastar com os ainda muitos transportes por muares ou bois, como algumas fotografias nos revelam junto ao cais do porto do Douro (designada por Ribeira). E quanto auferiam por mês ou semana de trabalho? Creio que ainda bastante pouco, mas que as ajudava a equilibrar as contas domésticas das suas famílias.

Telefonista é uma profissão feminina; os homens empregados inicialmente foram depressa despedidos por rudes e com pouca paciência numa atividade profundamente comunicativa.