O BLOGUISTA VAI DE FÉRIAS
Com mais duas semanas de férias a gozar, deixo o blogue em silêncio até cerca do dia 10 de Agosto. Para os que me procuram, consultem os blogues preferidos, indicados aqui ao lado. Mas também encontram matéria séria e divertida (segundo a minha perspectiva) nos seguintes: Ponto media, ContraFactos & Argumentos, Atrium, Blogouve-se, A minha rádio – blog, A montanha mágica, Letras com garfos II, Puta de vida… ou nem tanto, Guilhermina Suggia, O céu sobre Lisboa, Lua, Confidências de uma tocadora de piano, Dias com árvores e Cócegas na língua.
PÚBLICOS DA CULTURA
Decorreu, em 24 e 25 de Novembro de 2003, um encontro sob o nome "Públicos da cultura", promovido pelo Observatório das Actividades Culturais (OAC), aqui destacado nessa altura. Pois, volvido pouco mais de meio ano, as actas do encontro estão já impressas em livro, o que só abona a favor do dinamismo daquela entidade e, em especial, da sua principal responsável, Maria de Lourdes Lima dos Santos.
Do que ouvi - e estive presente em mais de metade do encontro - gostei mais de umas comunicações do que outras. Curiosamente, agora, ao ler o volume, passei a gostar de outras comunicações em detrimento daquelas que, oralmente, me tinham impressionado mais. Isto é: há diferenças emtre a oralidade, e quem diz o quê, e, depois, o que aparece publicado. Nesta mensagem, retenho somente a comunicação de Rui Telmo Gomes, chamada A distinção banalizada? Perfis sociais dos públicos da cultura.
Os perfis dos públicos
Rui Telmo Gomes, membro do próprio OAC, apoia-se, no seu trabalho, em estudos realizados anteriormente, baseados em inquérito, a saber: 1) festival internacional de teatro de Almada, e 2) Porto 2001. Dos factores explicativos das práticas culturais, considera o autor, incluem-se variáveis tais como categoria socioprofissional e grupo ocupacional, nível de escolaridade, idade e género. Apontando para tal sentido, os lugares de classe correspondentes seriam: recursos escolares elevados, elevada qualificação profissional, maior probabilidade de consumo cultural regular, frequência de eventos e equipamentos culturais (p. 32).
Contudo, tem vindo a ser identificadas transformações ao nível da relação entre essas variáveis e as práticas culturais. O autor apoia-se em especial nos inquéritos feitos à população francesa, que têm dado origem a estudos de elevado valor analítico. Essa transformação quer dizer diversificação, esbatendo o primado das práticas culturais legítimas (cultura cultivada) e favorecendo combinatórias entre práticas múltiplas (cultivadas e/ou lúdicas). Tal remete para o que Rui Telmo Gomes chama de segmentação dos perfis sociais dos públicos (p. 34). Assim, define três perfis autónomos.
O primeiro é o dos públicos cultivados, "a parcela do público em que é mais clara a articulação entre elevados recursos qualificacionais e a regularidade das práticas culturais", bem como o seu ecletismo (p. 37). O segundo perfil é o dos públicos retraídos, a que correspondem "recursos qualificacionais relativamente reduzidos e frágeis hábitos culturais". No caso dos públicos do Porto 2001, deu-se um alargamento deste tipo de público. Finalmente, o terceiro perfil é o dos públicos displicentes, com uma representação menos linear, isto porque "se caracteriza por elevadas qualificações, designadamente escolares, hábitos de saída convivial regulares, que se ligam a uma forte juvenilidade, e, ao mesmo tempo, pela rara frequência de eventos e equipamentos culturais". Este tipo, considera Rui Telmo Gomes, pode ser visto como quase-público ou público potencial. E, no Porto 2001, este público displicente terá também sido cativado.
Leitura: Observatório das Actividades Culturais (2004). Públicos da cultura. Lisboa: OAC
Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
sábado, 24 de julho de 2004
sexta-feira, 23 de julho de 2004
SOBRE A RECEPÇÃO DOS MEDIA
Pretendo hoje concluir uma espécie de trilogia sobre a produção e a recepção do discurso televisivo com uma reflexão de um capítulo do livro de Shaun Moores (1993), Interpreting audiences.
Moores começa por referir Stuart Hall, que, no seu texto seminal Codificação e descodificação no discurso televisivo (original de 1973; há uma tradução portuguesa de 2003, em livro que já identifiquei neste espaço), fornece uma perspectiva de consumo activo, combinando contributos semióticos e sociológicos, poder cultural e relações sociais. Hall conclui que a linguagem dos media não é nem uma ferramenta linear em termos de transmissão de ideias nem uma janela transparente do mundo social, mas sim um sistema refractário de signos. Por exemplo, nas notícias sobre assuntos públicos há necessidade de os acontecimentos terem um significado preciso. O trabalho de codificação é moldado em formas textuais estabelecidas, e precisa de enquadramentos interpretativos, que podem ser distintos. Há razões para uma potencial assimetria. Cada texto pode ser polissémico, possuir mais do que uma leitura possível, no que Barthes chamou “segunda ordem” ou significado “conotativo”.
Na sequência do trabalho de Hall, Brundson e Morley (1978) estudaram o programa Nationwide, que ia para o ar no começo da noite na BBC nos anos de 1970. Colocado entre o noticiário e o período do principal período de entretenimento familiar, o programa adoptou um formato de contar estórias de interesse humano a partir de vários locais do Reino Unido. O trabalho dos etnógrafos consistiu em entrevistar grupos provenientes de diferentes níveis educacionais e profissionais, para desenhar uma espécie de “mapa cultural” da audiência, como Hall escrevera em notas preliminares sobre a descodificação.
Em estudo posterior de Morley (1980), intitulado The “Nationwide” audience, o autor verificou que os diversos grupos educacionais e profissionais tinham perspectivas distintas. Seguindo a grelha de leitura proporcionada por Hall (dominante ou preferida, negociada, oposicional), Morley concluiu que aprendizes e estudantes aceitavam melhor a leitura dominante (não questionavam o modo como o programa era editado), ao passo que os professores aceitavam leituras negociadas e os grupos sindicalizados e as minorias étnicas (caso dos negros) produziam mais frequentemente leituras oposicionais (de contestação à linha editorial).
Num outro estudo citado por Moores, Justin Lewis (1985) conduziu entrevistas a 50 “descodificadores”, que deram a sua interpretação do noticiário televisivo da ITN News at Ten. Lewis notou uma diferença abismal entre o que os jornalistas diziam sobre o seu trabalho e as respostas da maioria dos descodificadores. Um item noticioso mostrava um político criticado dentro do congresso do seu próprio partido, mas a sua reacção, com um discurso empolgante, teve um grande impacto, merecendo uma longa ovação por parte dos congressistas. Lewis verificou que apenas doze dos 50 espectadores indicaram que o político fora alvo de uma crítica. Cerca de quatro quintos dos entrevistados considerou que o discurso do político era irrelevante dentro da notícia. Lewis explicaria tal diversidade a partir do conceito de canais de acesso, que se abrem aos telespectadores apenas em algumas partes da mensagem televisiva. Além disso, a estrutura narrativa das notícias é outro factor a ter em conta. Algumas, para não dizer muitas, estórias não são bem contadas (escritas e apresentadas).
Em conclusão, qualquer estudo sobre a recepção dos media tem de catalogar e contrastar as interpretações dos diferentes grupos de consumidores dos media. Isto é, encontrar “quadros de compreensão” capazes de fornecer o resultado dos olhares dos espectadores.
Leitura: Shaun Moores (1993). Interpreting audiences. Londres, Thousand Oaks e Nova Deli: Sage, pp. 16-24
Pretendo hoje concluir uma espécie de trilogia sobre a produção e a recepção do discurso televisivo com uma reflexão de um capítulo do livro de Shaun Moores (1993), Interpreting audiences.
Moores começa por referir Stuart Hall, que, no seu texto seminal Codificação e descodificação no discurso televisivo (original de 1973; há uma tradução portuguesa de 2003, em livro que já identifiquei neste espaço), fornece uma perspectiva de consumo activo, combinando contributos semióticos e sociológicos, poder cultural e relações sociais. Hall conclui que a linguagem dos media não é nem uma ferramenta linear em termos de transmissão de ideias nem uma janela transparente do mundo social, mas sim um sistema refractário de signos. Por exemplo, nas notícias sobre assuntos públicos há necessidade de os acontecimentos terem um significado preciso. O trabalho de codificação é moldado em formas textuais estabelecidas, e precisa de enquadramentos interpretativos, que podem ser distintos. Há razões para uma potencial assimetria. Cada texto pode ser polissémico, possuir mais do que uma leitura possível, no que Barthes chamou “segunda ordem” ou significado “conotativo”.
Na sequência do trabalho de Hall, Brundson e Morley (1978) estudaram o programa Nationwide, que ia para o ar no começo da noite na BBC nos anos de 1970. Colocado entre o noticiário e o período do principal período de entretenimento familiar, o programa adoptou um formato de contar estórias de interesse humano a partir de vários locais do Reino Unido. O trabalho dos etnógrafos consistiu em entrevistar grupos provenientes de diferentes níveis educacionais e profissionais, para desenhar uma espécie de “mapa cultural” da audiência, como Hall escrevera em notas preliminares sobre a descodificação.
Em estudo posterior de Morley (1980), intitulado The “Nationwide” audience, o autor verificou que os diversos grupos educacionais e profissionais tinham perspectivas distintas. Seguindo a grelha de leitura proporcionada por Hall (dominante ou preferida, negociada, oposicional), Morley concluiu que aprendizes e estudantes aceitavam melhor a leitura dominante (não questionavam o modo como o programa era editado), ao passo que os professores aceitavam leituras negociadas e os grupos sindicalizados e as minorias étnicas (caso dos negros) produziam mais frequentemente leituras oposicionais (de contestação à linha editorial).
Num outro estudo citado por Moores, Justin Lewis (1985) conduziu entrevistas a 50 “descodificadores”, que deram a sua interpretação do noticiário televisivo da ITN News at Ten. Lewis notou uma diferença abismal entre o que os jornalistas diziam sobre o seu trabalho e as respostas da maioria dos descodificadores. Um item noticioso mostrava um político criticado dentro do congresso do seu próprio partido, mas a sua reacção, com um discurso empolgante, teve um grande impacto, merecendo uma longa ovação por parte dos congressistas. Lewis verificou que apenas doze dos 50 espectadores indicaram que o político fora alvo de uma crítica. Cerca de quatro quintos dos entrevistados considerou que o discurso do político era irrelevante dentro da notícia. Lewis explicaria tal diversidade a partir do conceito de canais de acesso, que se abrem aos telespectadores apenas em algumas partes da mensagem televisiva. Além disso, a estrutura narrativa das notícias é outro factor a ter em conta. Algumas, para não dizer muitas, estórias não são bem contadas (escritas e apresentadas).
Em conclusão, qualquer estudo sobre a recepção dos media tem de catalogar e contrastar as interpretações dos diferentes grupos de consumidores dos media. Isto é, encontrar “quadros de compreensão” capazes de fornecer o resultado dos olhares dos espectadores.
Leitura: Shaun Moores (1993). Interpreting audiences. Londres, Thousand Oaks e Nova Deli: Sage, pp. 16-24
quinta-feira, 22 de julho de 2004
A FÓRMULA "LULINHA PAZ E AMOR"
Escreveu Antônio Albino Canelas, a propósito da campanha de Lula da Silva em 2002 para presidente do Brasil, que a "construção da imagem não foi um mero produto de marketing" (p. 54). O director de campanha dele, Duda Mendonça, vai mais longe: "Na verdade, o Lula mudou porque o PT mudou". Em que ficamos? Antônio Canelas, professor de comunicação, explica melhor - foi um processo longo, formulado e construído em termos políticos e mediáticos. Isto parece pôr em causa - ou pelos menos critica - o quadro que tracei ontem, a propósito de S&S (ou os comentadores televisivos portugueses investidos em novas funções). O processo de persuasão televisiva parece ser mais prolongado. Mas acompanhemos mais de fundo o texto que proponho apresentar hoje.
No caso de Lula, que perdera três eleições anteriormente, o empreendimento de mudança foi, para além do político, um maior investimento do PT (Partido dos Trabalhadores) no campo da comunicação. Lula, para ser candidato de novo, exigira ter uma estrutura de comunicação mais profissionalizada! Isto é: o desempenho da equipa esteve presente no uso mais estratégico dos horários partidários não eleitorais, em campanhas publicitárias como "No fundo, no fundo, você é um pouco PT".
Lula=moderado e negociador
A fórmula "Lulinha paz e amor" traduz o enfrentamento e a superação da imagem de um Lula radical, que lhe advinha de uma postura agressiva, crítica, negativa, destrutiva, intransigente, oposicionista. Mas, depois de eleito, Lula cativou e tranquilizou o país. Mostrou, continua a escrever Antônio Canelas, carisma, maturidade, moderação, paciência, tolerância e humildade. A construção da imagem "Lulinha paz e amor" - substituindo a imagem do Lula radical - foi produzida por vários elementos, conjugando a moderação do discurso político de Lula e do PT, a aceitação de compromissos herdados de Fernando Henrique Cardoso e o quase abandono da propaganda negativa e do ataque aos candidatos adversários (o uso intensivo de jingles e músicas, como estratégia configurada para o horário eleitoral).
Houve um outro deslocamento fundamental: a construção da imagem pública do Lula negociador, também desenvolvida pelo PT e por Duda Mendonça. O próprio Lula constuma dizer que "o que mais fiz na vida foi negociar" (p. 56). Assim, a campanha petista [do PT] posicionou politicamente a candidatura na cena eleitoral de modo muito preciso e pertinente, face a uma conjuntura de crise socioeconómica. A saída da crise requer uma competência política (e não técnica) de conversar com agentes sociais e obter saídas negociadas e alternativas.
Conclusão minha: a televisão - seja o noticiário, seja o programa de campanha eleitoral - exerce uma influência não negligenciável junto das audiências ou públicos, em especial para os que têm na televisão a sua principal, se não a única, fonte de informação.
[o livro aqui referido teve origem num seminário intensivo dado por Antônio Fausto Neto em Buenos Aires em Novembro de 2002. Entretanto, Eliseo Verón fora convidado pela Universidade de Unisinos, estabelecendo-se um acordo com a Universidad San Andrés]
Leitura: Antônio Albino Canelas Rubim (2003). "As imagens de Lula presidente". In Antônio Fausto Neto e Eliseo Verón (org.) e Antônio Albino Rubim Lula presidente. Televisão e política na campanha eleitoral. São Paulo e São Leopoldo, RS: Hacker e Unisinos
Escreveu Antônio Albino Canelas, a propósito da campanha de Lula da Silva em 2002 para presidente do Brasil, que a "construção da imagem não foi um mero produto de marketing" (p. 54). O director de campanha dele, Duda Mendonça, vai mais longe: "Na verdade, o Lula mudou porque o PT mudou". Em que ficamos? Antônio Canelas, professor de comunicação, explica melhor - foi um processo longo, formulado e construído em termos políticos e mediáticos. Isto parece pôr em causa - ou pelos menos critica - o quadro que tracei ontem, a propósito de S&S (ou os comentadores televisivos portugueses investidos em novas funções). O processo de persuasão televisiva parece ser mais prolongado. Mas acompanhemos mais de fundo o texto que proponho apresentar hoje.
No caso de Lula, que perdera três eleições anteriormente, o empreendimento de mudança foi, para além do político, um maior investimento do PT (Partido dos Trabalhadores) no campo da comunicação. Lula, para ser candidato de novo, exigira ter uma estrutura de comunicação mais profissionalizada! Isto é: o desempenho da equipa esteve presente no uso mais estratégico dos horários partidários não eleitorais, em campanhas publicitárias como "No fundo, no fundo, você é um pouco PT".
Lula=moderado e negociador
A fórmula "Lulinha paz e amor" traduz o enfrentamento e a superação da imagem de um Lula radical, que lhe advinha de uma postura agressiva, crítica, negativa, destrutiva, intransigente, oposicionista. Mas, depois de eleito, Lula cativou e tranquilizou o país. Mostrou, continua a escrever Antônio Canelas, carisma, maturidade, moderação, paciência, tolerância e humildade. A construção da imagem "Lulinha paz e amor" - substituindo a imagem do Lula radical - foi produzida por vários elementos, conjugando a moderação do discurso político de Lula e do PT, a aceitação de compromissos herdados de Fernando Henrique Cardoso e o quase abandono da propaganda negativa e do ataque aos candidatos adversários (o uso intensivo de jingles e músicas, como estratégia configurada para o horário eleitoral).
Houve um outro deslocamento fundamental: a construção da imagem pública do Lula negociador, também desenvolvida pelo PT e por Duda Mendonça. O próprio Lula constuma dizer que "o que mais fiz na vida foi negociar" (p. 56). Assim, a campanha petista [do PT] posicionou politicamente a candidatura na cena eleitoral de modo muito preciso e pertinente, face a uma conjuntura de crise socioeconómica. A saída da crise requer uma competência política (e não técnica) de conversar com agentes sociais e obter saídas negociadas e alternativas.
Conclusão minha: a televisão - seja o noticiário, seja o programa de campanha eleitoral - exerce uma influência não negligenciável junto das audiências ou públicos, em especial para os que têm na televisão a sua principal, se não a única, fonte de informação.
[o livro aqui referido teve origem num seminário intensivo dado por Antônio Fausto Neto em Buenos Aires em Novembro de 2002. Entretanto, Eliseo Verón fora convidado pela Universidade de Unisinos, estabelecendo-se um acordo com a Universidad San Andrés]
Leitura: Antônio Albino Canelas Rubim (2003). "As imagens de Lula presidente". In Antônio Fausto Neto e Eliseo Verón (org.) e Antônio Albino Rubim Lula presidente. Televisão e política na campanha eleitoral. São Paulo e São Leopoldo, RS: Hacker e Unisinos
quarta-feira, 21 de julho de 2004
NOTICIÁRIOS TELEVISIVOS E OPINIÃO PÚBLICA
Num momento em que se recordam S&S, os dois antigos comentadores políticos dominicais da RTP, agora investidos em novas funções (Pedro Santana Lopes em Primeiro-ministro; José Sócrates como presumido dirigente máximo do principal partido da oposição), nada melhor do que seguir um texto teórico pertencente a Arnaud Mercier (Le journal télévisé et l’opinion publique, 2003). Devo acrescentar, o que também se comentou nos últimos dias, que o criador do debate semanal de S&S foi Emídio Rangel, que dizia que a televisão pode fabricar um presidente como vende um sabonete. O então director de programas da SIC implantaria o modelo do frente-a-frente entre S&S na sua mais recente mas menos demorada passagem pela RTP. E uma jornalista da televisão pública, Judite de Sousa, seguiria tais passos ao incluir, nas últimas semanas e sequencialmente, os dois homens no seu programa de entrevistas. Obviamente, o texto - de que apresento aqui uma súmula - não responde a estas questões tão específicas mas lança um olhar científico ao modo como a televisão e os espaços de informação trabalham a gestão da imagem e fabricam candidatos.
Opinião pública
Para Arnaud Mercier, os media desempenham um papel importante: 1) pelo impacto social, 2) pela comunicação entre governantes e governados. Dentro deles, e porque estuda especialmente o noticiário televisivo, encontra três dimensões na sua relação com a opinião pública: 1) lugar que forja a opinião pública, 2) a informação televisiva orienta opiniões e comportamentos, 3) o jornal televisivo liga-se aos que procuram influenciar a opinião pela persuasão.
Ora, o que é a opinião pública? É, para Mercier, uma construção social, uma representação do que se julga que a população pensa sobre as questões da actualidade. Por definição, concebe-se como um agregado de opiniões individuais mais ou menos convergentes, como uma convergência de aspirações de múltiplas categorias de população. Onde os jornalistas têm um lugar importante. Durante muito tempo, os editorialistas foram os verdadeiros barómetros da opinião. Hoje, o seu lugar está, de certo modo, preenchido pelos comentadores políticos e pelas interpretações de sondagens. Por outro lado, a opinião serve como caixa de ressonância numa mobilização colectiva ou serve de meio de pressão sobre os governantes. Mercier sustenta que a opinião pública tem efeitos reais: no caso de uma crise, a tomada de posição de um líder de opinião pode ser decisiva (editoriais, sondagens, entrevistas). A informação proposta pode impor uma agenda de questões face às quais os governantes se posicionam, tomam a palavra ou reagem activamente.
Os media exercem uma série de efeitos directos, forjando a nossa visão da realidade e favorecendo ou não o envolvimento cívico, redefinindo a agenda das nossas prioridades políticas ou persuadindo os eleitores a mudarem as suas preferências políticas. Por isso, a interpretação da relação entre mensagem política e media torna-se central. Passa-se da questão “quem forma a agenda do público” para “quem forma a agenda dos media”, pelo que urge estudar as interacções entre jornalistas e as suas fontes e as campanhas de sedução destas. O fenómeno da telegenia contribui para o desenvolvimento de novos princípios de selecção do pessoal político, em que o primeiro critério é a aptidão de “passar bem” no noticiário televisivo e nas emissões políticas. Os jornalistas são os primeiros marcadores do acontecimento, e eles fazem-no introduzindo uma dimensão humana, designando os “bons” e os “maus”.
[para além do texto citado nesta mensagem, destaco o livro de Arnaud Mercier, editado em 1996 pela Press de Sciences Po, de Paris, com o título Le journal télévisé, uma obra fundamental para a compreensão dos noticiários de televisão]
O jornal televisivo e as estratégias de persuasão
A televisão faz com que os actores sociais e políticos se adaptem as novas exigências impostas pela televisão. O noticiário televisivo torna-se uma ligação de estratégias sedutoras que visam passar uma mensagem persuasiva para o seu público. Além disso, ele tem efeitos sobre a opinião no sentido em que a cenarização e a codificação do modo de apresentação dos factos induz nos actores sociais a obrigação e a possibilidade de adaptação a lógicas mediáticas. Tal adaptação tem três formas: 1) marketing, 2) manipulação da informação, e 3) reorientação da acção pública. A informação televisiva conduz ao fenómeno da personalização do poder, em que a necessidade de criar imagem e audiência leva os jornalistas a personalizar a informação e a procurar “vedetas” políticas, reduzindo os debates de ideias a lutas de pessoas e as campanhas eleitorais a corridas de cavalos. Em busca da notoriedade, por um lado, e do scoop ou audiência, por outro lado, os homens políticos e os jornalistas de televisão entram numa nova lógica de funcionamento, em que o “mediático” ganha valor sobre o “mediatizado”. Resumindo, os media veiculam informação mas mais intenção persuasiva e publicidade, podendo passar mesmo ao lado do essencial da sua missão.
Relevam-se duas tendências, sinteticamente. Por um lado, a acção política torna-se mais “acontecimental”. Face à complexidade da decisão político-administrativa e à dificuldade em avaliar o impacto real da acção política, a política de “fazer conhecer” é um complemento indispensável da acção pública e talvez a sua única realidade. Por outro lado, o choque das temporalidades paralisa a acção política. Através do recurso diário a sondagens, os media impõem a pressão de uma legitimidade do efémero. A pressão conduz alguns governantes, que querem ser reeleitos, a evitar tomar medidas impopulares. Ou seja: o jornal televisivo é um instrumento de governação da opinião pública.
Leitura: Arnaud Mercier (2003). "Le journal télévisé et l’opinion publique". Em Pierre Bréchon (dir.) La gouvernance de l'opinion publique. Paris: L'Harmattan, pp. 169-180 [Actes des 5èmes entretiens de l'IEP de Grenoble, 2-3 Maio de 2000]
Num momento em que se recordam S&S, os dois antigos comentadores políticos dominicais da RTP, agora investidos em novas funções (Pedro Santana Lopes em Primeiro-ministro; José Sócrates como presumido dirigente máximo do principal partido da oposição), nada melhor do que seguir um texto teórico pertencente a Arnaud Mercier (Le journal télévisé et l’opinion publique, 2003). Devo acrescentar, o que também se comentou nos últimos dias, que o criador do debate semanal de S&S foi Emídio Rangel, que dizia que a televisão pode fabricar um presidente como vende um sabonete. O então director de programas da SIC implantaria o modelo do frente-a-frente entre S&S na sua mais recente mas menos demorada passagem pela RTP. E uma jornalista da televisão pública, Judite de Sousa, seguiria tais passos ao incluir, nas últimas semanas e sequencialmente, os dois homens no seu programa de entrevistas. Obviamente, o texto - de que apresento aqui uma súmula - não responde a estas questões tão específicas mas lança um olhar científico ao modo como a televisão e os espaços de informação trabalham a gestão da imagem e fabricam candidatos.
Opinião pública
Para Arnaud Mercier, os media desempenham um papel importante: 1) pelo impacto social, 2) pela comunicação entre governantes e governados. Dentro deles, e porque estuda especialmente o noticiário televisivo, encontra três dimensões na sua relação com a opinião pública: 1) lugar que forja a opinião pública, 2) a informação televisiva orienta opiniões e comportamentos, 3) o jornal televisivo liga-se aos que procuram influenciar a opinião pela persuasão.
Ora, o que é a opinião pública? É, para Mercier, uma construção social, uma representação do que se julga que a população pensa sobre as questões da actualidade. Por definição, concebe-se como um agregado de opiniões individuais mais ou menos convergentes, como uma convergência de aspirações de múltiplas categorias de população. Onde os jornalistas têm um lugar importante. Durante muito tempo, os editorialistas foram os verdadeiros barómetros da opinião. Hoje, o seu lugar está, de certo modo, preenchido pelos comentadores políticos e pelas interpretações de sondagens. Por outro lado, a opinião serve como caixa de ressonância numa mobilização colectiva ou serve de meio de pressão sobre os governantes. Mercier sustenta que a opinião pública tem efeitos reais: no caso de uma crise, a tomada de posição de um líder de opinião pode ser decisiva (editoriais, sondagens, entrevistas). A informação proposta pode impor uma agenda de questões face às quais os governantes se posicionam, tomam a palavra ou reagem activamente.
Os media exercem uma série de efeitos directos, forjando a nossa visão da realidade e favorecendo ou não o envolvimento cívico, redefinindo a agenda das nossas prioridades políticas ou persuadindo os eleitores a mudarem as suas preferências políticas. Por isso, a interpretação da relação entre mensagem política e media torna-se central. Passa-se da questão “quem forma a agenda do público” para “quem forma a agenda dos media”, pelo que urge estudar as interacções entre jornalistas e as suas fontes e as campanhas de sedução destas. O fenómeno da telegenia contribui para o desenvolvimento de novos princípios de selecção do pessoal político, em que o primeiro critério é a aptidão de “passar bem” no noticiário televisivo e nas emissões políticas. Os jornalistas são os primeiros marcadores do acontecimento, e eles fazem-no introduzindo uma dimensão humana, designando os “bons” e os “maus”.
[para além do texto citado nesta mensagem, destaco o livro de Arnaud Mercier, editado em 1996 pela Press de Sciences Po, de Paris, com o título Le journal télévisé, uma obra fundamental para a compreensão dos noticiários de televisão]
O jornal televisivo e as estratégias de persuasão
A televisão faz com que os actores sociais e políticos se adaptem as novas exigências impostas pela televisão. O noticiário televisivo torna-se uma ligação de estratégias sedutoras que visam passar uma mensagem persuasiva para o seu público. Além disso, ele tem efeitos sobre a opinião no sentido em que a cenarização e a codificação do modo de apresentação dos factos induz nos actores sociais a obrigação e a possibilidade de adaptação a lógicas mediáticas. Tal adaptação tem três formas: 1) marketing, 2) manipulação da informação, e 3) reorientação da acção pública. A informação televisiva conduz ao fenómeno da personalização do poder, em que a necessidade de criar imagem e audiência leva os jornalistas a personalizar a informação e a procurar “vedetas” políticas, reduzindo os debates de ideias a lutas de pessoas e as campanhas eleitorais a corridas de cavalos. Em busca da notoriedade, por um lado, e do scoop ou audiência, por outro lado, os homens políticos e os jornalistas de televisão entram numa nova lógica de funcionamento, em que o “mediático” ganha valor sobre o “mediatizado”. Resumindo, os media veiculam informação mas mais intenção persuasiva e publicidade, podendo passar mesmo ao lado do essencial da sua missão.
Relevam-se duas tendências, sinteticamente. Por um lado, a acção política torna-se mais “acontecimental”. Face à complexidade da decisão político-administrativa e à dificuldade em avaliar o impacto real da acção política, a política de “fazer conhecer” é um complemento indispensável da acção pública e talvez a sua única realidade. Por outro lado, o choque das temporalidades paralisa a acção política. Através do recurso diário a sondagens, os media impõem a pressão de uma legitimidade do efémero. A pressão conduz alguns governantes, que querem ser reeleitos, a evitar tomar medidas impopulares. Ou seja: o jornal televisivo é um instrumento de governação da opinião pública.
Leitura: Arnaud Mercier (2003). "Le journal télévisé et l’opinion publique". Em Pierre Bréchon (dir.) La gouvernance de l'opinion publique. Paris: L'Harmattan, pp. 169-180 [Actes des 5èmes entretiens de l'IEP de Grenoble, 2-3 Maio de 2000]
terça-feira, 20 de julho de 2004
NOTÍCIAS SOBRE O COLESTEROL
Na passada sexta-feira, dia 16, intitulava o jornal Público uma notícia: Níveis de colesterol vão baixar. Escrevia-se na mesma que "O nível máximo do «mau» colesterol (de baixa densidade ou LDL) actualmente recomendado para pessoas consideradas como pacientes de alto risco (doença cardíaca, hipertensão ou risco de acidente vascular cerebral) é de 100 mg/dl de sangue. Nos Estados Unidos, o valor recomendado era o mesmo, mas na terça-feira as autoridades de saúde baixaram-no para 70 mg/dl". Como origem da alteração, estavam cinco estudos clínicos que demonstravam que os níveis antigos de colesterol não garantiam a redução de riscos de acidente cardíaco. O jornal ouviu o presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, o qual admitia que as autoridades nacionais seguissem as suas congéneres americanas.
Ontem, dia 19, no Diário de Notícias surgia uma outra notícia sobre o mesmo assunto, assinada por Manuel Ricardo Ferreira, correspondente do jornal em Nova Iorque. O artigo começa do seguinte modo: "Seis dos nove peritos que estiveram na base da redefinição dos níveis de colesterol - em particular os que são aconselhados a pessoas em risco de contrair ataques cardíacos. As acusações surgem porque estes médicos têm ligações a empresas farmacêuticas que produzem os medicamentos anticolesterol que permitem obter esses valores mais baixos". Da notícia também se obtém a seguinte informação: "os media revelaram que os seis peritos visados receberam verbas das farmacêuticas como consultores, por fazerem discursos ou fazerem investigação". Há, neste momento, 36 milhões de americanos a tomar regularmente medicamentos para baixar o colesterol, e os novos níveis levariam mais sete milhões a seguir o mesmo caminho.
Num texto que tenho trabalhado ao longo dos anos por razões académicas, o de Harvey Molotch e Marilyn Lester, As notícias como procedimento intencional: acerca do uso estratégico de acontecimentos de rotina, acidentes e escândalos (no livro de Nelson Traquina, Jornalismo: questões, teorias e "estórias", 1993), os autores falam em promotores que veiculam determinados assuntos por interesses próprios. E o crescente grupo dos que têm colesterol "mau" (maus hábitos alimentares, sedentarização) - ou de qualquer outro problema de saúde - fica refém de tais notícias.
MEDIA, JORNALISMO E DEMOCRACIA
Este foi o título do seminário internacional realizado em Março de 2000, para comemorar os 25 anos da lei de imprensa portuguesa, organizado pelo CIMJ (Centro de Investigação Media & Jornalismo), e editado em livro pela editora Livros Horizonte em 2002.
Recordo aqui alguns dos recortes de imprensa [clipping], editados no Diário de Notícias e no Público, que relatam o acontecimento:
Faço ressaltar aqui algumas palavras de António Sousa Franco, um dos artífices da lei da imprensa e recentemente desaparecido do nosso convívio: "A necessidade de uma lei de imprensa, para que apontava o programa do MFA, foi, de algum modo, questionada logo no primeiro governo provisório, apesar de a comissão ad hoc ter sido constituída pelo segundo governo provisório" (Media, Jornalismo e Democracia, 2002. Lisboa: Livros Horizonte, p. 125, texto publicado mas não revisto por Sousa Franco). Mais à frente, o professor de direito recordava ainda: "Outro ponto relativo à genese da lei é que (e eu vou apenas de algum modo mencionar algo que, se eu contasse, esgotaria a comunicação) assisti, na qualidade de presidente, a várias sessões do Conselho de Ministros, longas e, em alguns casos, tempestuosas, em que o projecto foi discutido. E a discussão de fundo foi bastante mais violenta e alargada daquilo que consta na imprensa. É um relato que valerá a pena um dia desenvolver" (idem, pp. 125-126).
Na passada sexta-feira, dia 16, intitulava o jornal Público uma notícia: Níveis de colesterol vão baixar. Escrevia-se na mesma que "O nível máximo do «mau» colesterol (de baixa densidade ou LDL) actualmente recomendado para pessoas consideradas como pacientes de alto risco (doença cardíaca, hipertensão ou risco de acidente vascular cerebral) é de 100 mg/dl de sangue. Nos Estados Unidos, o valor recomendado era o mesmo, mas na terça-feira as autoridades de saúde baixaram-no para 70 mg/dl". Como origem da alteração, estavam cinco estudos clínicos que demonstravam que os níveis antigos de colesterol não garantiam a redução de riscos de acidente cardíaco. O jornal ouviu o presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, o qual admitia que as autoridades nacionais seguissem as suas congéneres americanas.
Ontem, dia 19, no Diário de Notícias surgia uma outra notícia sobre o mesmo assunto, assinada por Manuel Ricardo Ferreira, correspondente do jornal em Nova Iorque. O artigo começa do seguinte modo: "Seis dos nove peritos que estiveram na base da redefinição dos níveis de colesterol - em particular os que são aconselhados a pessoas em risco de contrair ataques cardíacos. As acusações surgem porque estes médicos têm ligações a empresas farmacêuticas que produzem os medicamentos anticolesterol que permitem obter esses valores mais baixos". Da notícia também se obtém a seguinte informação: "os media revelaram que os seis peritos visados receberam verbas das farmacêuticas como consultores, por fazerem discursos ou fazerem investigação". Há, neste momento, 36 milhões de americanos a tomar regularmente medicamentos para baixar o colesterol, e os novos níveis levariam mais sete milhões a seguir o mesmo caminho.
Num texto que tenho trabalhado ao longo dos anos por razões académicas, o de Harvey Molotch e Marilyn Lester, As notícias como procedimento intencional: acerca do uso estratégico de acontecimentos de rotina, acidentes e escândalos (no livro de Nelson Traquina, Jornalismo: questões, teorias e "estórias", 1993), os autores falam em promotores que veiculam determinados assuntos por interesses próprios. E o crescente grupo dos que têm colesterol "mau" (maus hábitos alimentares, sedentarização) - ou de qualquer outro problema de saúde - fica refém de tais notícias.
MEDIA, JORNALISMO E DEMOCRACIA
Este foi o título do seminário internacional realizado em Março de 2000, para comemorar os 25 anos da lei de imprensa portuguesa, organizado pelo CIMJ (Centro de Investigação Media & Jornalismo), e editado em livro pela editora Livros Horizonte em 2002.
Recordo aqui alguns dos recortes de imprensa [clipping], editados no Diário de Notícias e no Público, que relatam o acontecimento:
Faço ressaltar aqui algumas palavras de António Sousa Franco, um dos artífices da lei da imprensa e recentemente desaparecido do nosso convívio: "A necessidade de uma lei de imprensa, para que apontava o programa do MFA, foi, de algum modo, questionada logo no primeiro governo provisório, apesar de a comissão ad hoc ter sido constituída pelo segundo governo provisório" (Media, Jornalismo e Democracia, 2002. Lisboa: Livros Horizonte, p. 125, texto publicado mas não revisto por Sousa Franco). Mais à frente, o professor de direito recordava ainda: "Outro ponto relativo à genese da lei é que (e eu vou apenas de algum modo mencionar algo que, se eu contasse, esgotaria a comunicação) assisti, na qualidade de presidente, a várias sessões do Conselho de Ministros, longas e, em alguns casos, tempestuosas, em que o projecto foi discutido. E a discussão de fundo foi bastante mais violenta e alargada daquilo que consta na imprensa. É um relato que valerá a pena um dia desenvolver" (idem, pp. 125-126).
segunda-feira, 19 de julho de 2004
NOTAS SOLTAS
Do que li ou vi, mas ainda não incluira nos posts do blogue.
Público, 18 de Julho
"Ler para ouvir melhor" - Adelino Gomes escreveu sobre rádio, a do ciclo inicial dos anos de 1930 (RCP, EN, RR) e a do novo ciclo, o do multimedia, com uma referência muito elogiosa ao blogue de João Paulo Meneses, Blogouve-se. Escreve o jornalista: "O blogue funciona como uma espécie de caderno diário de quem é autor de Tudo o que passa na TSF, um dos poucos livros editados em Portugal sobre jornalismo radiofónico. Dois exemplos actuais: uma polémica com o presidente do Conselho Deontológico dos Jornalistas, Óscar Mascarenhas, a propósito dos aplausos e dos cachecóis nacionais dos repórteres no Euro 2004; e a recente confissão em directo do correspondente da SIC nos EUA de que vai votar John Kerry".
Ainda do Público retiro, do dossier "O novo governo", a análise a um dos sectores que o executivo empossado no sábado terá de reflectir, o da regulação dos media e televisão digital terrestre (TDT). Na questão da TDT, terá de haver articulação com a área económica do Governo. Além disso, o texto do jornal aponta para a necessidade de criar o órgão regulador que substitua a Alta Autoridade e para a importância de implementar os novos apoios aos media locais.
Rita Durão: actriz
Já a vi nos filmes Quaresma (2003), do desaparecido José Álvaro Morais, As bodas de Deus (1999) e Vaivém (2002), do também desaparecido João César Monteiro, e em Capitães de Abril (1999), de Maria de Medeiros. Ainda não a vi em Sansa (2003), de Siegfried, e André Valente, de Catarina Ruivo, este último anunciado para depois do Verão.
Mas Rita Durão trabalha mais frequentemente no teatro. Do seu currículo como actriz, com base em informação que retirei da internet, ela actuou nomeadamente em Romeu e Julieta, de Shakespeare, Despertar da Primavera, de Wedekind, Dia de Marte, de E. Bond [imagem retirada do sítio Artistas Unidos]. No teatro da Cornucópia, participou em espectáculos como Triunfo do Inverno, de Gil Vicente, O sonho, de Strindberg, Quando passaram cinco anos, de Lorca, O colar, de Sophia de Mello Breyner, Barba azul, de Jean Claude Biette, e Hamlet, de Luís Buñuel. No teatro, vi, agora, Rita Durão a fazer de Inês, a jovem apaixonada de Otto, pertencentes a ramos rivais de A família Schroffenstein, de Heinrich von Kleist, uma versão oitocentista do Romeu e Julieta. Aparece frágil, simultaneamente feliz e apreensiva com o desenrolar da situação desavinda. A morte dos jovens apaixonados dá-se às mãos dos próprios pais, num cenário austero onde surge vincada a personagem desempenhada por Luís Miguel Cintra.
Edgar Pêra: fabricante de imagens, português, 43 anos
A entrevista de Carlos Vaz Marques a Edgar Pêra veio no DNA, suplemento do Diário de Notícias à sexta-feira, no dia 9 de Julho. Nele, e a propósito do seu último filme És a nossa fé, Edgar Pêra revela-se. Nascido em 1960, começou por estudar psicologia, mas trocou a área pelo cinema, onde se inscreveu na Escola Superior, que termina em 1984. Escreve ficção para cinema, televisão, rádio, imprensa e publicidade. Em 1990, estreia no "Fantasporto" a sua primeira curta-metragem, rodada nas ruínas do Chiado.
Para além do cinema, a sua outra paixão é a banda desenhada, que deixa marcas no seu trabalho, a nível do enquadramento, com "alguma bidimensionalidade nas personagens". Trabalha em vídeo e não em película devido ao custo desta e do equipamento, em regime de autofinanciamento ou em regime de encomendas. Por isso, talvez, não gosta de se definir como cineasta ou videasta mas antes como "repórter que manipula imagens". A manipulação, esclarece, é "que as pessoas tenham a noção de que estão a ver um espectáculo e que, ao mesmo tempo, estão a participar numa ilusão". É, no fundo, "quando se mexe em tudo, desde pintar sobre a película a alterar um som". E prossegue, ao identificar a arte como próxima de um jogo: "Para mim, montar é um bocado como aqueles jogos de computador".
A cidade de Cassiano (1991), com 23 minutos, sobre o arquitecto modernista Cassiano Branco, e Guittarra com gente lá dentro (2004), de 13 minutos, onde coloca a música de Carlos Paredes, são dois dos seus filmes. Ele, que aceita a "sensação de haver uma relação entre arte e espectáculo", refere que o seu filme És a nossa fé é "um filme quase sem futebol nenhum. É um filme sobre os adeptos de futebol" que, além da mística, têm expectativas.
"Sampler", a caixa que mudou a música
Vinha no caderno "Actual" do Expresso do dia 10 de Julho, ao lado de artigos onde se dava conta dos desaparecimentos de Sophia de Mello Breyner (1919-2004) e Marlon Brando (1924-2004). E referiam-se músicos como Sam The Kid (Beats vol. I - Amor) e Cool Hipnoise, que usam o "sampler" no seu trabalho diário.
O que é isto? Começa Alexandre Costa por referir que "alguns dos instrumentos que estamos a ouvir são virtuais, fruto de sons samplados. Que aquela bateria, viola baixo, flauta ou xilofone é, afinal, «tocada» através de teclas que fazem disparar registos sonoros preexistentes. [...] a intenção é mesmo evidenciar a «pilhagem», jogar com excertos de músicas que nos são familiares, manipulá-los e inseri-los dentro de um novo contexto, um pouco como faziam os dadaístas, no campo da imagem, com as suas fotomontagens".
Há quem se especialize, continua o mesmo artigo, apenas em dominar a caixa mágica, construindo e transformando os sons, caso dos músicos de hip-hop, "uma das áreas onde os «samplers» têm sido mais utilizados". E, dentro da música de dança, surgiriam novos géneros musicais, como o house e o drum'n'bass. É um caso em que as inovações tecnológicas causam um grande efeito no processo de criação artística. Depois de surgirem no mercado algumas máquinas, que permitiram muitos músicos fazerem experiências, é em 1986 que, com o Ajai S900, a preços acessíveis e com potencialidades como o "cross-fading" e o "looping", se expandem as suas aplicações. Alexandre Costa chama a atenção para um problema: os direitos de autor. A criação de músicas com excertos de outras obras necessita da autorização prévia dos autores destas, o que nem sempre ocorre.
Rede Orkut
Primeiro, li o que Daniela Bertocchi escreveu no Intermezzo . Depois, segui o rasto na rede do Orkut e cheguei ao artigo da Reuters, assinado por Alberto Alerigi (São Paulo, Brasil) e com o título Sítio ingês de conversação torna-se português.
Ora, do que se trata? De uma nova “guerra” entre o Brasil e os Estados Unidos, escreve Alerigi. No presente ano, o primeiro destes países desafiou o segundo em tópicos como os subsídios para o algodão e a guerra do Iraque. Agora, a “guerra” passa pela internet. Isto porque milhares de fãs do Orkut , um sítio representativo de uma nova rede social, são brasileiros. O Orkut permite que os seus membros se organizem em comunidades de amigos e de amigos de amigos numa rede, onde se podem discutir temas tão dispersos como o xadrez ou sanduíches.
O curioso é que os brasileiros se apropriaram da rede americana, proliferando mensagens em português – língua que o utilizador [ou usuário] americano em regra desconhece. Os Estados Unidos têm, pelo menos, 153 milhões de utilizadores de internet, ao passo que o Brasil tem apenas 20 milhões. Mas os brasileiros tornaram-se o maior grupo da rede, já no mês passado, ultrapassando os americanos. O sítio Orkut diz ter mais de 769 mil membros, em que os Estados Unidos representam 23,5% e o Brasil 41,2%! Segundo o Ibope/NetRatings, estima-se que os brasileiros tenham “surfado” na internet, em Maio, uma média mensal de 13 horas e 51 minutos, mais oito minutos que os americanos.
Toda esta excitação começou quando Orkut Buyukkokten, turco de 29 anos [imagem obtida no sítio Intermezzo ], engenheiro de software da Google, arrancou com a sua rede, em testes experimentais em Janeiro. Uma das características de adesão ao sistema é que cada pessoa pode convidar uma outra qualquer pessoa. Diz a professora Beth Saad, da Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo – de quem eu já escrevi neste blogue: “os mapas da Orkut privilegiam o prestígio social de cada um, e os brasileiros são naturalmente gregários”. Eu, por exemplo, já faço parte de cinco redes, sendo que a maior tem 531 colegas. Duas são brasileiras, duas portuguesas e uma espanhola [depois de escrever o post aderi a mais uma rede portuguesa].
Do que li ou vi, mas ainda não incluira nos posts do blogue.
Público, 18 de Julho
"Ler para ouvir melhor" - Adelino Gomes escreveu sobre rádio, a do ciclo inicial dos anos de 1930 (RCP, EN, RR) e a do novo ciclo, o do multimedia, com uma referência muito elogiosa ao blogue de João Paulo Meneses, Blogouve-se. Escreve o jornalista: "O blogue funciona como uma espécie de caderno diário de quem é autor de Tudo o que passa na TSF, um dos poucos livros editados em Portugal sobre jornalismo radiofónico. Dois exemplos actuais: uma polémica com o presidente do Conselho Deontológico dos Jornalistas, Óscar Mascarenhas, a propósito dos aplausos e dos cachecóis nacionais dos repórteres no Euro 2004; e a recente confissão em directo do correspondente da SIC nos EUA de que vai votar John Kerry".
Ainda do Público retiro, do dossier "O novo governo", a análise a um dos sectores que o executivo empossado no sábado terá de reflectir, o da regulação dos media e televisão digital terrestre (TDT). Na questão da TDT, terá de haver articulação com a área económica do Governo. Além disso, o texto do jornal aponta para a necessidade de criar o órgão regulador que substitua a Alta Autoridade e para a importância de implementar os novos apoios aos media locais.
Rita Durão: actriz
Já a vi nos filmes Quaresma (2003), do desaparecido José Álvaro Morais, As bodas de Deus (1999) e Vaivém (2002), do também desaparecido João César Monteiro, e em Capitães de Abril (1999), de Maria de Medeiros. Ainda não a vi em Sansa (2003), de Siegfried, e André Valente, de Catarina Ruivo, este último anunciado para depois do Verão.
Mas Rita Durão trabalha mais frequentemente no teatro. Do seu currículo como actriz, com base em informação que retirei da internet, ela actuou nomeadamente em Romeu e Julieta, de Shakespeare, Despertar da Primavera, de Wedekind, Dia de Marte, de E. Bond [imagem retirada do sítio Artistas Unidos]. No teatro da Cornucópia, participou em espectáculos como Triunfo do Inverno, de Gil Vicente, O sonho, de Strindberg, Quando passaram cinco anos, de Lorca, O colar, de Sophia de Mello Breyner, Barba azul, de Jean Claude Biette, e Hamlet, de Luís Buñuel. No teatro, vi, agora, Rita Durão a fazer de Inês, a jovem apaixonada de Otto, pertencentes a ramos rivais de A família Schroffenstein, de Heinrich von Kleist, uma versão oitocentista do Romeu e Julieta. Aparece frágil, simultaneamente feliz e apreensiva com o desenrolar da situação desavinda. A morte dos jovens apaixonados dá-se às mãos dos próprios pais, num cenário austero onde surge vincada a personagem desempenhada por Luís Miguel Cintra.
Edgar Pêra: fabricante de imagens, português, 43 anos
A entrevista de Carlos Vaz Marques a Edgar Pêra veio no DNA, suplemento do Diário de Notícias à sexta-feira, no dia 9 de Julho. Nele, e a propósito do seu último filme És a nossa fé, Edgar Pêra revela-se. Nascido em 1960, começou por estudar psicologia, mas trocou a área pelo cinema, onde se inscreveu na Escola Superior, que termina em 1984. Escreve ficção para cinema, televisão, rádio, imprensa e publicidade. Em 1990, estreia no "Fantasporto" a sua primeira curta-metragem, rodada nas ruínas do Chiado.
Para além do cinema, a sua outra paixão é a banda desenhada, que deixa marcas no seu trabalho, a nível do enquadramento, com "alguma bidimensionalidade nas personagens". Trabalha em vídeo e não em película devido ao custo desta e do equipamento, em regime de autofinanciamento ou em regime de encomendas. Por isso, talvez, não gosta de se definir como cineasta ou videasta mas antes como "repórter que manipula imagens". A manipulação, esclarece, é "que as pessoas tenham a noção de que estão a ver um espectáculo e que, ao mesmo tempo, estão a participar numa ilusão". É, no fundo, "quando se mexe em tudo, desde pintar sobre a película a alterar um som". E prossegue, ao identificar a arte como próxima de um jogo: "Para mim, montar é um bocado como aqueles jogos de computador".
A cidade de Cassiano (1991), com 23 minutos, sobre o arquitecto modernista Cassiano Branco, e Guittarra com gente lá dentro (2004), de 13 minutos, onde coloca a música de Carlos Paredes, são dois dos seus filmes. Ele, que aceita a "sensação de haver uma relação entre arte e espectáculo", refere que o seu filme És a nossa fé é "um filme quase sem futebol nenhum. É um filme sobre os adeptos de futebol" que, além da mística, têm expectativas.
"Sampler", a caixa que mudou a música
Vinha no caderno "Actual" do Expresso do dia 10 de Julho, ao lado de artigos onde se dava conta dos desaparecimentos de Sophia de Mello Breyner (1919-2004) e Marlon Brando (1924-2004). E referiam-se músicos como Sam The Kid (Beats vol. I - Amor) e Cool Hipnoise, que usam o "sampler" no seu trabalho diário.
O que é isto? Começa Alexandre Costa por referir que "alguns dos instrumentos que estamos a ouvir são virtuais, fruto de sons samplados. Que aquela bateria, viola baixo, flauta ou xilofone é, afinal, «tocada» através de teclas que fazem disparar registos sonoros preexistentes. [...] a intenção é mesmo evidenciar a «pilhagem», jogar com excertos de músicas que nos são familiares, manipulá-los e inseri-los dentro de um novo contexto, um pouco como faziam os dadaístas, no campo da imagem, com as suas fotomontagens".
Há quem se especialize, continua o mesmo artigo, apenas em dominar a caixa mágica, construindo e transformando os sons, caso dos músicos de hip-hop, "uma das áreas onde os «samplers» têm sido mais utilizados". E, dentro da música de dança, surgiriam novos géneros musicais, como o house e o drum'n'bass. É um caso em que as inovações tecnológicas causam um grande efeito no processo de criação artística. Depois de surgirem no mercado algumas máquinas, que permitiram muitos músicos fazerem experiências, é em 1986 que, com o Ajai S900, a preços acessíveis e com potencialidades como o "cross-fading" e o "looping", se expandem as suas aplicações. Alexandre Costa chama a atenção para um problema: os direitos de autor. A criação de músicas com excertos de outras obras necessita da autorização prévia dos autores destas, o que nem sempre ocorre.
Rede Orkut
Primeiro, li o que Daniela Bertocchi escreveu no Intermezzo . Depois, segui o rasto na rede do Orkut e cheguei ao artigo da Reuters, assinado por Alberto Alerigi (São Paulo, Brasil) e com o título Sítio ingês de conversação torna-se português.
Ora, do que se trata? De uma nova “guerra” entre o Brasil e os Estados Unidos, escreve Alerigi. No presente ano, o primeiro destes países desafiou o segundo em tópicos como os subsídios para o algodão e a guerra do Iraque. Agora, a “guerra” passa pela internet. Isto porque milhares de fãs do Orkut , um sítio representativo de uma nova rede social, são brasileiros. O Orkut permite que os seus membros se organizem em comunidades de amigos e de amigos de amigos numa rede, onde se podem discutir temas tão dispersos como o xadrez ou sanduíches.
O curioso é que os brasileiros se apropriaram da rede americana, proliferando mensagens em português – língua que o utilizador [ou usuário] americano em regra desconhece. Os Estados Unidos têm, pelo menos, 153 milhões de utilizadores de internet, ao passo que o Brasil tem apenas 20 milhões. Mas os brasileiros tornaram-se o maior grupo da rede, já no mês passado, ultrapassando os americanos. O sítio Orkut diz ter mais de 769 mil membros, em que os Estados Unidos representam 23,5% e o Brasil 41,2%! Segundo o Ibope/NetRatings, estima-se que os brasileiros tenham “surfado” na internet, em Maio, uma média mensal de 13 horas e 51 minutos, mais oito minutos que os americanos.
Toda esta excitação começou quando Orkut Buyukkokten, turco de 29 anos [imagem obtida no sítio Intermezzo ], engenheiro de software da Google, arrancou com a sua rede, em testes experimentais em Janeiro. Uma das características de adesão ao sistema é que cada pessoa pode convidar uma outra qualquer pessoa. Diz a professora Beth Saad, da Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo – de quem eu já escrevi neste blogue: “os mapas da Orkut privilegiam o prestígio social de cada um, e os brasileiros são naturalmente gregários”. Eu, por exemplo, já faço parte de cinco redes, sendo que a maior tem 531 colegas. Duas são brasileiras, duas portuguesas e uma espanhola [depois de escrever o post aderi a mais uma rede portuguesa].
domingo, 18 de julho de 2004
INDÚSTRIAS CULTURAIS EM THEODOR ADORNO - O SEU PENSAMENTO (II)
[Continuação do texto sobre o pensamento de Adorno iniciado no post de 9 de Julho]
Elementos constantes da obra de Adorno
1) Denúncia e recuperação
2) Situação aporética da sociedade (que inclui a arte e a cultura)
3) Teoria do mundo administrado
4) Indústria cultural (Kulturindustrie)
Lêem-se as obras de Adorno na perspectiva da denúncia (Jimenez, 1977: 31). A produção artística é manipulada, segundo Adorno, que se insurge contra os meios ideológicos que permitem e “justificam” essa manipulação (recuperação). A arte está num impasse – é a situação aporética. Após se libertar das funções cultuais, religiosas e morais, a arte entra nos circuitos económicos. E, para além de entrar nos circuitos das mercadorias (indústria cultural), a arte serve também de veículo ideológico à dominação do mundo administrado, sociedade tecnocrática onde tudo se mede, etiqueta, vende e consome.
O entendimento dado por Adorno à dimensão psicossexual do totalitarismo toma normalmente outras formas, mas destaca a libido. Contrariamente a Erich Fromm, que redefine sadismo e masoquismo em termos essencialmente não sexuais, Adorno insiste no significado psicanalítico original (Jay, 1984: 93). Na Dialética do Iluminismo, ele e Horkheimer desenvolvem uma complicada análise das ligações entre o anti-semitismo, a paranóia das massas, ilusões projectivas e homossexualidade, que ajudam a explicar a “mentalidade dos rótulos” da era pós-guerra, quando os judeus já não eram objecto de paranóia. “Elementos de anti-semitismo”, a secção teórica da Dialética do Iluminismo, escrita com a ajuda de Leo Lowenthal, foi completada indirectamente pelo trabalho do Instituto num projecto ambicioso.
Para Adorno, o dadaísmo e o surrealismo não tiveram as consequências libertadoras esperadas. A nova sujeição da arte ao mundo das mercadorias e ao papel de porta-voz da ideologia dominante (confrontar o actual papel desempenhado pelo mecenato cultural) constituem escravidão idêntica ao antigo jugo teológico (Teoria estética, p. 284) [não incluo aqui as suas análises sobre o cinema e a rádio. A edição de 2003 da Angelus Novus, com os textos todos de Adorno, Sobre a indústria da cultura, e a introdução de António Sousa Ribeiro ajudam a compreender o seu pensamento]. O único movimento moderno que teve a total simpatia de Adorno seria o expressionismo (Jay, 1984: 130), corrente poderosa na Alemanha e na Áustria da sua juventude. Embora não se tenha envolvido tanto como Bloch, que manteve um debate com Lukács sobre as implicações do expressionismo nos anos 30, Adorno defendia o mesmo modelo. Idêntica posição era tomada por Horkheimer.
Podemos detectar quatro pontos fundamentais em Adorno sobre a arte (Jay, 1984: 155)
1) Momento mimético na arte e relação com a beleza natural
2) Desestatização da arte e relação com a modernidade
3) Ideia da experiência estética e relação com a teoria
4) Conteúdo real da arte e relação com a autonomia
Para Adorno, há duas possibilidades de mimese: imitação da realidade social corrente; realidade natural transformada pelo social (Jay, 1984: 156). Ele considera que a arte genuína contém os dois tipos de mimese. A mimese estética contém também um momento utópico, o que leva Adorno a afastar-se da superação hierárquica hegeliana da arte pela religião e pela filosofia. E, apesar do seu cepticismo perante o gosto e juízo subjectivo kantiano, Adorno sente-se atraído pela beleza natural, que Hegel considerava inferior ao ideal de beleza artificial. A beleza natural representava a dependência do homem num objecto que não é da sua criação; é um paradigma da não-identidade baseado na relação homem e natureza. O projecto emancipador da humanidade, sob os auspícios do materialismo dialéctico, aparecia igualmente na concepção benjaminiana da cultura de massa (Jimenez, 1983: 87).
Contrariamente a Adorno e Horkheimer, para quem a indústria cultural e a produção de bens culturais constituem uma esfera da reificação total, Benjamin – que ignorava os trabalhos que deram origem à Dialética do Iluminismo – acreditava na função progressista, politicamente falando, dos meios de reprodução mecanizados aplicados ao domínio da arte. Desligando-se do tipo de discurso de que há apenas uma única forma de falar de arte e de estética, Benjamin leva-nos a uma interrogação sobre outros discursos, sistemas, teorias e doutrinas, críticas ou não, inseridas no mecanismo de reprodução e acumulação culturais, mecanismo de produção e difusão de um saber estético (Jimenez, 1983: 88).
Durante mais de dois séculos, a estética foi “positiva”, talvez porque os estetas não tinham ainda dispositivos críticos elaborados para pôr em causa a coerência do sistema. A estética e a filosofia eram “positivas” e “afirmativas”: “positiva” no sentido em que pretendia um saber cuja matriz se traçava com a ajuda de conceitos; “afirmativa” porque, elemento de uma cultura que não podia negar a legitimidade, participava no seu desenvolvimento e expansão (Jimenez, 1983: 89). Estas duas determinações – positividade e afirmação – impõem-se como tais na filosofia ocidental na época da Aufklärung, e são contemporâneas do surgimento do termo “estética”, definido como a ciência da beleza e da arte. A produção industrial dos bens culturais, na sociedade moderna, aparece como uma confirmação definitiva da crise de autonomia burguesa da arte (Jimenez, 1983: 185). A Dialéctica da razão parece antecipar as aporias da Teoria estética: a ideia de uma obra de arte avançada cujo carácter progressista dependia da evolução das forças produtivas técnicas entra em contradição com a concepção da racionalidade como geradora da reificação e do domínio.
A Dialéctica da razão deixa uma estreita margem à construção da estética, principalmente na elaboração de uma estética da modernidade. O episódio das Sereias prefigura a aventura da arte moderna e anuncia o que será o seu modo de existência específica na época contemporânea. Ulisses possui o privilégio de perceber a beleza do canto e de poder decifrar, para além do fascínio que exerce sem poder comunicar, o seu verdadeiro significado. A arte moderna é hermética, e o seu esoterismo exige o pleno mergulho na coisa em si (Jimenez, 1983: 186). Qualquer atitude para além da atitude contemplativa, irremediavelmente separada da prática, mostra-se inadequada. Nostalgia, recordação da natureza, imagens idílicas de um passado acabado dificilmente rompem a máscara cínica da dominação. A industrialização da arte e da cultura testemunha a crise da autonomia burguesa e da “regressão” irreversível da “razão na ideologia” (Dialética do esclarecimento, p. 19).
Leitura principal: Max Horkheimer e Theodor W. Adorno (1985). Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. Segui também a edição francesa: La dialectique de la raison, 1989, Paris: Gallimard
[Continuação do texto sobre o pensamento de Adorno iniciado no post de 9 de Julho]
Elementos constantes da obra de Adorno
1) Denúncia e recuperação
2) Situação aporética da sociedade (que inclui a arte e a cultura)
3) Teoria do mundo administrado
4) Indústria cultural (Kulturindustrie)
Lêem-se as obras de Adorno na perspectiva da denúncia (Jimenez, 1977: 31). A produção artística é manipulada, segundo Adorno, que se insurge contra os meios ideológicos que permitem e “justificam” essa manipulação (recuperação). A arte está num impasse – é a situação aporética. Após se libertar das funções cultuais, religiosas e morais, a arte entra nos circuitos económicos. E, para além de entrar nos circuitos das mercadorias (indústria cultural), a arte serve também de veículo ideológico à dominação do mundo administrado, sociedade tecnocrática onde tudo se mede, etiqueta, vende e consome.
O entendimento dado por Adorno à dimensão psicossexual do totalitarismo toma normalmente outras formas, mas destaca a libido. Contrariamente a Erich Fromm, que redefine sadismo e masoquismo em termos essencialmente não sexuais, Adorno insiste no significado psicanalítico original (Jay, 1984: 93). Na Dialética do Iluminismo, ele e Horkheimer desenvolvem uma complicada análise das ligações entre o anti-semitismo, a paranóia das massas, ilusões projectivas e homossexualidade, que ajudam a explicar a “mentalidade dos rótulos” da era pós-guerra, quando os judeus já não eram objecto de paranóia. “Elementos de anti-semitismo”, a secção teórica da Dialética do Iluminismo, escrita com a ajuda de Leo Lowenthal, foi completada indirectamente pelo trabalho do Instituto num projecto ambicioso.
Para Adorno, o dadaísmo e o surrealismo não tiveram as consequências libertadoras esperadas. A nova sujeição da arte ao mundo das mercadorias e ao papel de porta-voz da ideologia dominante (confrontar o actual papel desempenhado pelo mecenato cultural) constituem escravidão idêntica ao antigo jugo teológico (Teoria estética, p. 284) [não incluo aqui as suas análises sobre o cinema e a rádio. A edição de 2003 da Angelus Novus, com os textos todos de Adorno, Sobre a indústria da cultura, e a introdução de António Sousa Ribeiro ajudam a compreender o seu pensamento]. O único movimento moderno que teve a total simpatia de Adorno seria o expressionismo (Jay, 1984: 130), corrente poderosa na Alemanha e na Áustria da sua juventude. Embora não se tenha envolvido tanto como Bloch, que manteve um debate com Lukács sobre as implicações do expressionismo nos anos 30, Adorno defendia o mesmo modelo. Idêntica posição era tomada por Horkheimer.
Podemos detectar quatro pontos fundamentais em Adorno sobre a arte (Jay, 1984: 155)
1) Momento mimético na arte e relação com a beleza natural
2) Desestatização da arte e relação com a modernidade
3) Ideia da experiência estética e relação com a teoria
4) Conteúdo real da arte e relação com a autonomia
Para Adorno, há duas possibilidades de mimese: imitação da realidade social corrente; realidade natural transformada pelo social (Jay, 1984: 156). Ele considera que a arte genuína contém os dois tipos de mimese. A mimese estética contém também um momento utópico, o que leva Adorno a afastar-se da superação hierárquica hegeliana da arte pela religião e pela filosofia. E, apesar do seu cepticismo perante o gosto e juízo subjectivo kantiano, Adorno sente-se atraído pela beleza natural, que Hegel considerava inferior ao ideal de beleza artificial. A beleza natural representava a dependência do homem num objecto que não é da sua criação; é um paradigma da não-identidade baseado na relação homem e natureza. O projecto emancipador da humanidade, sob os auspícios do materialismo dialéctico, aparecia igualmente na concepção benjaminiana da cultura de massa (Jimenez, 1983: 87).
Contrariamente a Adorno e Horkheimer, para quem a indústria cultural e a produção de bens culturais constituem uma esfera da reificação total, Benjamin – que ignorava os trabalhos que deram origem à Dialética do Iluminismo – acreditava na função progressista, politicamente falando, dos meios de reprodução mecanizados aplicados ao domínio da arte. Desligando-se do tipo de discurso de que há apenas uma única forma de falar de arte e de estética, Benjamin leva-nos a uma interrogação sobre outros discursos, sistemas, teorias e doutrinas, críticas ou não, inseridas no mecanismo de reprodução e acumulação culturais, mecanismo de produção e difusão de um saber estético (Jimenez, 1983: 88).
Durante mais de dois séculos, a estética foi “positiva”, talvez porque os estetas não tinham ainda dispositivos críticos elaborados para pôr em causa a coerência do sistema. A estética e a filosofia eram “positivas” e “afirmativas”: “positiva” no sentido em que pretendia um saber cuja matriz se traçava com a ajuda de conceitos; “afirmativa” porque, elemento de uma cultura que não podia negar a legitimidade, participava no seu desenvolvimento e expansão (Jimenez, 1983: 89). Estas duas determinações – positividade e afirmação – impõem-se como tais na filosofia ocidental na época da Aufklärung, e são contemporâneas do surgimento do termo “estética”, definido como a ciência da beleza e da arte. A produção industrial dos bens culturais, na sociedade moderna, aparece como uma confirmação definitiva da crise de autonomia burguesa da arte (Jimenez, 1983: 185). A Dialéctica da razão parece antecipar as aporias da Teoria estética: a ideia de uma obra de arte avançada cujo carácter progressista dependia da evolução das forças produtivas técnicas entra em contradição com a concepção da racionalidade como geradora da reificação e do domínio.
A Dialéctica da razão deixa uma estreita margem à construção da estética, principalmente na elaboração de uma estética da modernidade. O episódio das Sereias prefigura a aventura da arte moderna e anuncia o que será o seu modo de existência específica na época contemporânea. Ulisses possui o privilégio de perceber a beleza do canto e de poder decifrar, para além do fascínio que exerce sem poder comunicar, o seu verdadeiro significado. A arte moderna é hermética, e o seu esoterismo exige o pleno mergulho na coisa em si (Jimenez, 1983: 186). Qualquer atitude para além da atitude contemplativa, irremediavelmente separada da prática, mostra-se inadequada. Nostalgia, recordação da natureza, imagens idílicas de um passado acabado dificilmente rompem a máscara cínica da dominação. A industrialização da arte e da cultura testemunha a crise da autonomia burguesa e da “regressão” irreversível da “razão na ideologia” (Dialética do esclarecimento, p. 19).
Leitura principal: Max Horkheimer e Theodor W. Adorno (1985). Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. Segui também a edição francesa: La dialectique de la raison, 1989, Paris: Gallimard
sábado, 17 de julho de 2004
A SEMIÓTICA E PEIRCE
[texto inicial de 27.10.2003 produzido para o blogue Teorias da Comunicação e que serve, agora, de apoio ao conceito de interpretante, incluido na mensagem de ontem]
Enquanto teoria, a semiótica realça a comunicação como geradora de significação. Com ela, constitui-se um novo conjunto de conceitos: signo, significação, ícone, índice, denotação, conotação. No centro está o signo. Ao estudo do signo chama-se semiótica ou semiologia. A semiótica – que compreende: 1) signo, 2) códigos ou sistemas, 3) cultura – presta atenção ao texto; considera o receptor ou leitor como possuidor de um papel activo. O signo é algo físico, perceptível aos nossos sentidos.
Para o filósofo e lógico Charles Sanders Peirce (1839-1914), o signo envolve uma tripla relação entre signo, objecto e interpretante. O signo ou “representamen” é aquilo que substitui qualquer coisa por alguém, isto é, significa na ausência. O interpretante é o conceito mental do utente do signo, seja orador ou ouvinte. Descodificar é uma actividade tão importante como codificar. Peirce (Écrits sur le signe, 1978: 147-165) produziu três tipos de signo: ícone, índice, símbolo (1978: 148-165). O ícone é um substituto de uma coisa a que se assemelha. Uma mensagem material como um quadro é um elemento convencional no seu modo de representação. As fotografias são elementos icónicos. A fotografia no BI é um elemento icónico que me representa.
Já o índice é um elemento de autenticidade. Um relógio indica-nos as horas. Um barómetro com baixa pressão e o ar húmido são índices de chuva próxima. Diz-se que não há fumo (índice) sem fogo (realidade). Um índice é uma representação que reenvia para o seu objecto não pela semelhança ou analogia, mas porque há uma ligação dinâmica. Finalmente, o símbolo é uma réplica ou materialização de uma palavra pronunciada. A bandeira nacional ou um sinal do código de estrada são símbolos. Um símbolo é um signo próprio para declarar que o conjunto de objectos denotados por um conjunto de índices que se lhe associam. Um símbolo não indica uma coisa em particular, denota um género de coisa.
A MINHA SEMANA
Seminário de Thomas Patterson
O professor da Universidade de Harvard esteve, na segunda-feira e terça-feira, em Lisboa, a ministrar um seminário sobre metodologias para ciências sociais, a convite do CIMJ (Centro de Investigação Media e Jornalismo).
O que leccionou Patterson? Falou demoradamente sobre a investigação através de questionários, da amostra aos problemas de não resposta, do desenhar as perguntas ao pré-teste do questionário, do acompanhamento deste por trabalho de grupos-foco, da preparação dos dados para análise até à apresentação dos resultados e às questões éticas em torno de um questionário. Como bibliografia de estudo, Patterson aconselhara o livro de J. Fowler Floyd Jr., Survey research methods.
Patterson é especialista em pesquisas de campanhas eleitorais, mas frisou também a importância das pesquisas em marketing. E, se no começo da massificação dos inquéritos, se usou o método da entrevista pessoal face-a-face, hoje está vulgarizado o método através do telefone (e começa-se a empregar a internet). Em termos de trabalho prático, pôs os participantes no seminário a desenharem um inquérito destinado a jornalistas para se percepcionar as alterações na sala de redacção onde a presença das mulheres tem sido cada vez maior. E enfatizou a importância da amostra e da sua construção. Já no desenho das perguntas, ele realçou a compreensão dos significados – cada pergunta deve ser o menos ambígua possível; daí o interesse dos grupos-foco, em ajuizar tais significados. Por outro lado, defendeu a ideia de que cada pergunta deve possuir uma escala de respostas, indo do muito bom/importante ao muito mau/nada importante.
Provas públicas de Mário Mesquita
Decorreram durante três dias, na Escola Superior de Comunicação Social. Assisti à sessão do segundo dia, na quarta-feira. Dentro da sua linha de investigação, ele observou os funerais televisivos, ou as telecerimónias, como diz mais apropriadamente, apresentou a sua análise ao funeral de Francisco Sá Carneiro, em 1980, no mosteiro dos Jerónimos. Sá Carneiro era então Primeiro-Ministro, falecendo por acidente de aviação, quando participava na campanha eleitoral para Presidente da República (com ele morreram o ministro da Defesa, Amaro da Costa, e outros acompanhantes).
Como material de análise, Mário Mesquita partiu de sete horas de directo televisivo (ainda não havia canais privados; logo, o trabalho baseou-se na transmissão da RTP, que começara a emitir recentemente a cores), especialmente a missa, que demorou uma hora e 34 minutos. Daqui partiu para a análise de dois fragmentos, a homilia e a comunhão. O autor interpretou essa observação com base em três princípios: 1) coerência da missa presencial, reconstruída na televisão, 2) articulação das instâncias do poder religioso e político, e 3) mediação da televisão e do jornalismo.
A sua tese assenta na passagem de um ritual religioso (relação dos crentes com Deus) para um ritual mediático (inscrito no anterior, mas reconfigurado através do espectáculo). Isto é, a igreja transforma-se num estúdio de televisão, em que o padre oficiante se apaga e adquire uma função no lugar da passagem. No espectáculo, os celebrantes tornam-se em actores. E conclui, naquilo que me interessa, em ver a telecerimónia como dispositivo de comunicação: 1) o jornalista (que sussurra ao ouvido do telespectador) e o padre são os agentes que asseguram o contacto com o destinatário, 2) recria-se o enquadramento original, com alterações substanciais da ordem, com o altar a deixar de ser olhado de frente, pois a câmara foca também a audiência e segue ainda o protocolo do Estado (planos específicos das figuras públicas, quer políticas quer religiosas quer ainda os familiares do Primeiro-Ministro). Para Mário Mesquita, a câmara televisiva retalha o espaço. E termina ao conceder dúvidas sobre a ideia, então discutida, de que a cerimónia fúnebre – em tempo lento e recorrendo a um grande dramatismo – poderia beneficiar o PSD, de que Sá Carneiro era líder, e canalizar votos para o seu candidato. Porém, tal não aconteceu e Eanes, que aparece na cerimónia, acabaria por ser reeleito.
Assim, a telecerimónia é, para o autor, o oposto do registo do jornalista, que trata da informação, da notícia, e que procura satisfazer a ideia do conflito. Curioso é que o realizador da transmissão, entrevistado por Mário Mesquita, veria aquele trabalho como uma mera reportagem.
Como fazer uma tese de mestrado
Foi na quinta-feira, com os alunos do mestrado de Comunicação da UCP, organizado pelo seu director, Fernando Ilharco. Os quatro alunos que já defenderam tese deram o testemunho do seu trabalho aos alunos que encetam agora essa tarefa. Um dos novos mestres falou a partir do Brasil, de onde é natural, através da internet.
OS JORNAIS DE HOJE
No caderno "Babelia", do El Pais de hoje, vem um texto de António Lobo Antunes, La armonía del mundo.
Já no caderno de "Economia" do Expresso, há dois artigos que me chamaram a atenção. O primeiro é sobre o aumento do número de mensagens SMS ao longo dos últimos anos. Desde cedo, escreve Manuel Posser de Andrade, as indústrias culturais (audiovisuais) aplicaram o SMS para votações em concursos e programas. O Big Brother foi o primeiro programa televisivo, já em 2001, a adoptar votações por SMS, cedo transformado em SMS de valor acrescentado. A linguagem usada, em especial pelos mais jovens, é transposta dos chats da internet. O segundo texto que destaco do Expresso é sobre a nova imagem da EDP, em artigo de Catarina Nunes. O novo símbolo da empresa de electricidade é um sorriso em fundo de quadrado vermelho, desenhado pela equipa de MyBrand. A partir de 29 de Julho, a nova imagem acompanhará a volta a Portugal em bicicleta, que a EDP patrocina.
[texto inicial de 27.10.2003 produzido para o blogue Teorias da Comunicação e que serve, agora, de apoio ao conceito de interpretante, incluido na mensagem de ontem]
Enquanto teoria, a semiótica realça a comunicação como geradora de significação. Com ela, constitui-se um novo conjunto de conceitos: signo, significação, ícone, índice, denotação, conotação. No centro está o signo. Ao estudo do signo chama-se semiótica ou semiologia. A semiótica – que compreende: 1) signo, 2) códigos ou sistemas, 3) cultura – presta atenção ao texto; considera o receptor ou leitor como possuidor de um papel activo. O signo é algo físico, perceptível aos nossos sentidos.
Para o filósofo e lógico Charles Sanders Peirce (1839-1914), o signo envolve uma tripla relação entre signo, objecto e interpretante. O signo ou “representamen” é aquilo que substitui qualquer coisa por alguém, isto é, significa na ausência. O interpretante é o conceito mental do utente do signo, seja orador ou ouvinte. Descodificar é uma actividade tão importante como codificar. Peirce (Écrits sur le signe, 1978: 147-165) produziu três tipos de signo: ícone, índice, símbolo (1978: 148-165). O ícone é um substituto de uma coisa a que se assemelha. Uma mensagem material como um quadro é um elemento convencional no seu modo de representação. As fotografias são elementos icónicos. A fotografia no BI é um elemento icónico que me representa.
Já o índice é um elemento de autenticidade. Um relógio indica-nos as horas. Um barómetro com baixa pressão e o ar húmido são índices de chuva próxima. Diz-se que não há fumo (índice) sem fogo (realidade). Um índice é uma representação que reenvia para o seu objecto não pela semelhança ou analogia, mas porque há uma ligação dinâmica. Finalmente, o símbolo é uma réplica ou materialização de uma palavra pronunciada. A bandeira nacional ou um sinal do código de estrada são símbolos. Um símbolo é um signo próprio para declarar que o conjunto de objectos denotados por um conjunto de índices que se lhe associam. Um símbolo não indica uma coisa em particular, denota um género de coisa.
A MINHA SEMANA
Seminário de Thomas Patterson
O professor da Universidade de Harvard esteve, na segunda-feira e terça-feira, em Lisboa, a ministrar um seminário sobre metodologias para ciências sociais, a convite do CIMJ (Centro de Investigação Media e Jornalismo).
O que leccionou Patterson? Falou demoradamente sobre a investigação através de questionários, da amostra aos problemas de não resposta, do desenhar as perguntas ao pré-teste do questionário, do acompanhamento deste por trabalho de grupos-foco, da preparação dos dados para análise até à apresentação dos resultados e às questões éticas em torno de um questionário. Como bibliografia de estudo, Patterson aconselhara o livro de J. Fowler Floyd Jr., Survey research methods.
Patterson é especialista em pesquisas de campanhas eleitorais, mas frisou também a importância das pesquisas em marketing. E, se no começo da massificação dos inquéritos, se usou o método da entrevista pessoal face-a-face, hoje está vulgarizado o método através do telefone (e começa-se a empregar a internet). Em termos de trabalho prático, pôs os participantes no seminário a desenharem um inquérito destinado a jornalistas para se percepcionar as alterações na sala de redacção onde a presença das mulheres tem sido cada vez maior. E enfatizou a importância da amostra e da sua construção. Já no desenho das perguntas, ele realçou a compreensão dos significados – cada pergunta deve ser o menos ambígua possível; daí o interesse dos grupos-foco, em ajuizar tais significados. Por outro lado, defendeu a ideia de que cada pergunta deve possuir uma escala de respostas, indo do muito bom/importante ao muito mau/nada importante.
Provas públicas de Mário Mesquita
Decorreram durante três dias, na Escola Superior de Comunicação Social. Assisti à sessão do segundo dia, na quarta-feira. Dentro da sua linha de investigação, ele observou os funerais televisivos, ou as telecerimónias, como diz mais apropriadamente, apresentou a sua análise ao funeral de Francisco Sá Carneiro, em 1980, no mosteiro dos Jerónimos. Sá Carneiro era então Primeiro-Ministro, falecendo por acidente de aviação, quando participava na campanha eleitoral para Presidente da República (com ele morreram o ministro da Defesa, Amaro da Costa, e outros acompanhantes).
Como material de análise, Mário Mesquita partiu de sete horas de directo televisivo (ainda não havia canais privados; logo, o trabalho baseou-se na transmissão da RTP, que começara a emitir recentemente a cores), especialmente a missa, que demorou uma hora e 34 minutos. Daqui partiu para a análise de dois fragmentos, a homilia e a comunhão. O autor interpretou essa observação com base em três princípios: 1) coerência da missa presencial, reconstruída na televisão, 2) articulação das instâncias do poder religioso e político, e 3) mediação da televisão e do jornalismo.
A sua tese assenta na passagem de um ritual religioso (relação dos crentes com Deus) para um ritual mediático (inscrito no anterior, mas reconfigurado através do espectáculo). Isto é, a igreja transforma-se num estúdio de televisão, em que o padre oficiante se apaga e adquire uma função no lugar da passagem. No espectáculo, os celebrantes tornam-se em actores. E conclui, naquilo que me interessa, em ver a telecerimónia como dispositivo de comunicação: 1) o jornalista (que sussurra ao ouvido do telespectador) e o padre são os agentes que asseguram o contacto com o destinatário, 2) recria-se o enquadramento original, com alterações substanciais da ordem, com o altar a deixar de ser olhado de frente, pois a câmara foca também a audiência e segue ainda o protocolo do Estado (planos específicos das figuras públicas, quer políticas quer religiosas quer ainda os familiares do Primeiro-Ministro). Para Mário Mesquita, a câmara televisiva retalha o espaço. E termina ao conceder dúvidas sobre a ideia, então discutida, de que a cerimónia fúnebre – em tempo lento e recorrendo a um grande dramatismo – poderia beneficiar o PSD, de que Sá Carneiro era líder, e canalizar votos para o seu candidato. Porém, tal não aconteceu e Eanes, que aparece na cerimónia, acabaria por ser reeleito.
Assim, a telecerimónia é, para o autor, o oposto do registo do jornalista, que trata da informação, da notícia, e que procura satisfazer a ideia do conflito. Curioso é que o realizador da transmissão, entrevistado por Mário Mesquita, veria aquele trabalho como uma mera reportagem.
Como fazer uma tese de mestrado
Foi na quinta-feira, com os alunos do mestrado de Comunicação da UCP, organizado pelo seu director, Fernando Ilharco. Os quatro alunos que já defenderam tese deram o testemunho do seu trabalho aos alunos que encetam agora essa tarefa. Um dos novos mestres falou a partir do Brasil, de onde é natural, através da internet.
OS JORNAIS DE HOJE
No caderno "Babelia", do El Pais de hoje, vem um texto de António Lobo Antunes, La armonía del mundo.
Já no caderno de "Economia" do Expresso, há dois artigos que me chamaram a atenção. O primeiro é sobre o aumento do número de mensagens SMS ao longo dos últimos anos. Desde cedo, escreve Manuel Posser de Andrade, as indústrias culturais (audiovisuais) aplicaram o SMS para votações em concursos e programas. O Big Brother foi o primeiro programa televisivo, já em 2001, a adoptar votações por SMS, cedo transformado em SMS de valor acrescentado. A linguagem usada, em especial pelos mais jovens, é transposta dos chats da internet. O segundo texto que destaco do Expresso é sobre a nova imagem da EDP, em artigo de Catarina Nunes. O novo símbolo da empresa de electricidade é um sorriso em fundo de quadrado vermelho, desenhado pela equipa de MyBrand. A partir de 29 de Julho, a nova imagem acompanhará a volta a Portugal em bicicleta, que a EDP patrocina.
sexta-feira, 16 de julho de 2004
[esta é a mensagem nº 200 do blogue]
PALEOTELEVISÃO E NEOTELEVISÃO
Em texto editado em 2003, Elisio Verón parte dos conceitos desenvolvidos por Umberto Eco (1983), e sua superação filosófica, importantes para a compreensão do dispositivo televisivo desde os seus primórdios até à actualidade.
Ora o que são a paleo- e a neotelevisão? Escrevia Eco que, na paleotelevisão, a televisão operava com a distinção fundamental entre informação e ficção. No caso da informação, o público esperava que a televisão: a) falasse verdade, b) segundo critérios de importância e proporção, c) e separando a informação dos comentários. Já nos espectáculos de imaginação ou ficção (dramas, comédias, ópera, filmes, telefilmes), o espectador aceitava o efeito da constução fantástica. Assim, os programas de informação tinham importância política e os de ficção importância cultural. Por seu lado, a característica principal da neotelevisão é o facto de ela falar cada vez menos do mundo exterior (o que a paleotelecisão fazia ou fingia fazer) e referir-se mais a si mesma e ao contacto com o seu público.
Mais tarde, em 1990, e em número especial (nº 51) da revista Communications, organizado por Francesco Casetti e Roger Odin (Télévisions mutations), é revisto o conceito de paleotelevisão, a partir de dois aspectos fundamentais: 1) contrato de comunicação, 2) maneira como se estrutura o fluxo de oferta. O contrato de comunicação é pedagógico. Os programas diferenciam-se uns dos outros, por géneros: ficção, desportos, programas culturais, infantis, etc. A entrada da neotelevisão implica uma mudança do modelo relacional. De pedagógica, a televisão torna-se próxima e acessível. Os principais géneros da neotelevisão são os talk-shows e os jogos. O ecrã torna-se um espaço de conversas e a vida quotidiana passa a ser o referente da televisão. Multiplicam-se os programas omnibus que misturam os géneros (informação, jogos, variedades, ficção, debate). Aparecem referências de um programa para outros e nos noticiários, em que, por exemplo, se antecipa o programa que vem a seguir. Há também montagens mais rápidas. Na neotelevisão, escrevem Casetti e Odin, não há contrato. O papel dos contratos de comunicação é convidar os espectadores a efectuar o mesmo conjunto de operações de sentido que na realização. Chamam a isto"terceiro simbolizante" (Peirce chamaria de interpretante) [amanhã, colocarei um texto sobre Peirce, inicialmente publicado nas Teorias da Comunicação]. Se a paleotelevisão tinha um contrato, a neotelevisão funciona na base de um contacto. Dito de outro modo, se, na paleotelevisão, assistir à televisão era um acto de socialização, na neotelevisão passa a ser um acto individualista.
Perspectiva (histórica) de Verón e campanhas eleitorais
Verón não usa as palavras paleotelevisão e neotelevisão, pois acha que se está a entrar numa terceira etapa. Assim, na etapa inicial, ao longo dos anos 1950 e até finais dos anos 1970, o interpretante fundamental é o contexto social-insitucional extratelevisivo. É a ideia da metáfora da "janela aberta para o mundo exterior". Os anos 1980 marcam a passagem para a segunda etapa, em que a própria televisão se torna a instituição interpretante. Surgem os programas de jogos e os talk-shows. A televisão afasta-se definitivamente do campo político. Na passagem para o novo milénio, o interpretante é a configuração complexa de colectivos definidos como exteriores à instituição televisão e atribuídos ao mundo individual, não mediatizado, do destinatário. Dá-se a explosão dos reality-shows, para além da crise de credibilidade dos meios informativos. Os participantes dos reality-shows são os alienígenas do planeta televisão, seleccionados como num casting de um produto de ficção televisiva.
Verón analisa duas campanhas eleitorais bastante mediatizadas: a de 1981, em França, opondo Giscard a Mitterrand, e a de 2002, no Brasil, opondo Serra a Lula. Um dos aspectos mais interessantes neste texto é - a partir de trabalhos de Antônio Fausto Neto, um dos organizadores do livro que me serve de referência para a mensagem, abaixo indicado - a análise às entrevistas individuais aos candidatos às presidenciais organizadas pelos noticiários televisivos. No caso do Brasil (2002), cada candidato sentava-se na bancada onde estavam os apresentadores do programa, com destaque para a estrutura do programa "Bom dia, Brasil" [que eu não conheço]: numa espécie de sala de estar [living-room], bastante ampla, sentavam-se dois jornalistas e o candidato. Este ocupava uma poltrona junto a um dos jornalistas e tinha na sua frente o outro jornalista. A estrutura complicava-se com a presença de um terceiro jornalista, por videoconferência, a partir da capital Brasília.
Para concluir o seu texto, Verón destaca o debate final da mesma campanha brasileira (segunda volta ou turno), e que sintetiza a terceira etapa do percurso do dispositivo televisivo: o debate com a presença de eleitores indecisos, seleccionados pelo principal instituto de pesquisa, o IBOPE, representando as principais regiões do país e os diferentes níveis socioeconómicos, e que fazem as perguntas aos dois candidatos. Ou seja, os eleitores estão investidos no papel central do programa de televisão, não havendo intercâmbio entre os candidatos e com reduzida intervenção do jornalista-mediador.
Leitura: Elisio Verón (2003). "Televisão e política: história da televisão ecampanhas presidenciais". In Antônio Fausto Neto e Eliseo Verón (org.) e Antonio Albino Rubim Lula presidente, televisão e política na campanha eleitoral. São Paulo e São Leopoldo, RS: Hacker e Unisinos, pp. 15-42 [agradeço à Juliana Iorio, que me comprou o livro na sua deslocação este mês a Campinas, SP, Brasil, por um preço admirável: perto de €7]
AUDIÊNCIAS DE TELEVISÃO NA SEMANA DE 28/6 a 4/7
Segundo a Marktest.com, de 15 de Julho, a RTP1 obteve, na semana de 28/6 a 4/7, 34,9% de share de audiência, seguindo-se a SIC com 25,9%, a TVI com 22,7%, a 2: com 4,5% e o vídeo e outros canais 12%. O maior crescimento face à semana anterior deu-se na RTP1, sendo a lista de programas mais vistos dominada pelo Euro 2004, encabeçada pelo jogo das meias-finais do Euro 2004, que opôs Portugal e Holanda (40,9% de audiência média e 87,2% de share de audiência!), transmitido pela RTP1 a 30 de Junho. O segundo lugar foi ocupado pelo jogo da final, entre Portugal e a Grécia, também transmitido pela RTP1 (37,7% de audiência média e 89,7% de share de audiência).
PALEOTELEVISÃO E NEOTELEVISÃO
Em texto editado em 2003, Elisio Verón parte dos conceitos desenvolvidos por Umberto Eco (1983), e sua superação filosófica, importantes para a compreensão do dispositivo televisivo desde os seus primórdios até à actualidade.
Ora o que são a paleo- e a neotelevisão? Escrevia Eco que, na paleotelevisão, a televisão operava com a distinção fundamental entre informação e ficção. No caso da informação, o público esperava que a televisão: a) falasse verdade, b) segundo critérios de importância e proporção, c) e separando a informação dos comentários. Já nos espectáculos de imaginação ou ficção (dramas, comédias, ópera, filmes, telefilmes), o espectador aceitava o efeito da constução fantástica. Assim, os programas de informação tinham importância política e os de ficção importância cultural. Por seu lado, a característica principal da neotelevisão é o facto de ela falar cada vez menos do mundo exterior (o que a paleotelecisão fazia ou fingia fazer) e referir-se mais a si mesma e ao contacto com o seu público.
Mais tarde, em 1990, e em número especial (nº 51) da revista Communications, organizado por Francesco Casetti e Roger Odin (Télévisions mutations), é revisto o conceito de paleotelevisão, a partir de dois aspectos fundamentais: 1) contrato de comunicação, 2) maneira como se estrutura o fluxo de oferta. O contrato de comunicação é pedagógico. Os programas diferenciam-se uns dos outros, por géneros: ficção, desportos, programas culturais, infantis, etc. A entrada da neotelevisão implica uma mudança do modelo relacional. De pedagógica, a televisão torna-se próxima e acessível. Os principais géneros da neotelevisão são os talk-shows e os jogos. O ecrã torna-se um espaço de conversas e a vida quotidiana passa a ser o referente da televisão. Multiplicam-se os programas omnibus que misturam os géneros (informação, jogos, variedades, ficção, debate). Aparecem referências de um programa para outros e nos noticiários, em que, por exemplo, se antecipa o programa que vem a seguir. Há também montagens mais rápidas. Na neotelevisão, escrevem Casetti e Odin, não há contrato. O papel dos contratos de comunicação é convidar os espectadores a efectuar o mesmo conjunto de operações de sentido que na realização. Chamam a isto"terceiro simbolizante" (Peirce chamaria de interpretante) [amanhã, colocarei um texto sobre Peirce, inicialmente publicado nas Teorias da Comunicação]. Se a paleotelevisão tinha um contrato, a neotelevisão funciona na base de um contacto. Dito de outro modo, se, na paleotelevisão, assistir à televisão era um acto de socialização, na neotelevisão passa a ser um acto individualista.
Perspectiva (histórica) de Verón e campanhas eleitorais
Verón não usa as palavras paleotelevisão e neotelevisão, pois acha que se está a entrar numa terceira etapa. Assim, na etapa inicial, ao longo dos anos 1950 e até finais dos anos 1970, o interpretante fundamental é o contexto social-insitucional extratelevisivo. É a ideia da metáfora da "janela aberta para o mundo exterior". Os anos 1980 marcam a passagem para a segunda etapa, em que a própria televisão se torna a instituição interpretante. Surgem os programas de jogos e os talk-shows. A televisão afasta-se definitivamente do campo político. Na passagem para o novo milénio, o interpretante é a configuração complexa de colectivos definidos como exteriores à instituição televisão e atribuídos ao mundo individual, não mediatizado, do destinatário. Dá-se a explosão dos reality-shows, para além da crise de credibilidade dos meios informativos. Os participantes dos reality-shows são os alienígenas do planeta televisão, seleccionados como num casting de um produto de ficção televisiva.
Verón analisa duas campanhas eleitorais bastante mediatizadas: a de 1981, em França, opondo Giscard a Mitterrand, e a de 2002, no Brasil, opondo Serra a Lula. Um dos aspectos mais interessantes neste texto é - a partir de trabalhos de Antônio Fausto Neto, um dos organizadores do livro que me serve de referência para a mensagem, abaixo indicado - a análise às entrevistas individuais aos candidatos às presidenciais organizadas pelos noticiários televisivos. No caso do Brasil (2002), cada candidato sentava-se na bancada onde estavam os apresentadores do programa, com destaque para a estrutura do programa "Bom dia, Brasil" [que eu não conheço]: numa espécie de sala de estar [living-room], bastante ampla, sentavam-se dois jornalistas e o candidato. Este ocupava uma poltrona junto a um dos jornalistas e tinha na sua frente o outro jornalista. A estrutura complicava-se com a presença de um terceiro jornalista, por videoconferência, a partir da capital Brasília.
Para concluir o seu texto, Verón destaca o debate final da mesma campanha brasileira (segunda volta ou turno), e que sintetiza a terceira etapa do percurso do dispositivo televisivo: o debate com a presença de eleitores indecisos, seleccionados pelo principal instituto de pesquisa, o IBOPE, representando as principais regiões do país e os diferentes níveis socioeconómicos, e que fazem as perguntas aos dois candidatos. Ou seja, os eleitores estão investidos no papel central do programa de televisão, não havendo intercâmbio entre os candidatos e com reduzida intervenção do jornalista-mediador.
Leitura: Elisio Verón (2003). "Televisão e política: história da televisão ecampanhas presidenciais". In Antônio Fausto Neto e Eliseo Verón (org.) e Antonio Albino Rubim Lula presidente, televisão e política na campanha eleitoral. São Paulo e São Leopoldo, RS: Hacker e Unisinos, pp. 15-42 [agradeço à Juliana Iorio, que me comprou o livro na sua deslocação este mês a Campinas, SP, Brasil, por um preço admirável: perto de €7]
AUDIÊNCIAS DE TELEVISÃO NA SEMANA DE 28/6 a 4/7
Segundo a Marktest.com, de 15 de Julho, a RTP1 obteve, na semana de 28/6 a 4/7, 34,9% de share de audiência, seguindo-se a SIC com 25,9%, a TVI com 22,7%, a 2: com 4,5% e o vídeo e outros canais 12%. O maior crescimento face à semana anterior deu-se na RTP1, sendo a lista de programas mais vistos dominada pelo Euro 2004, encabeçada pelo jogo das meias-finais do Euro 2004, que opôs Portugal e Holanda (40,9% de audiência média e 87,2% de share de audiência!), transmitido pela RTP1 a 30 de Junho. O segundo lugar foi ocupado pelo jogo da final, entre Portugal e a Grécia, também transmitido pela RTP1 (37,7% de audiência média e 89,7% de share de audiência).
quinta-feira, 15 de julho de 2004
OS MEUS BLOGUES PREFERIDOS
Observação prévia: a mensagem que se segue faz referência a um artigo publicado na revista MediaXXI, em número acabado de sair. Sendo o seu director da publicação, é óbvio o meu interesse na sua existência. Se entender que se trata de publicidade, por favor não leia o post.
Viagem pelos diários da internet
O que fiz foi um inquérito a alguns dos blogues que conheço e visito diariamente (ou quase) e traçar uma radiografia deste novo medium. Responderam, por email, 19 (de um total de 40). Não se trata de um trabalho exaustivo, mas dá algumas pistas.
Pedi ainda a três académicos que definissem os blogues. Como a dimensão do texto era reduzida (seis mil caracteres), tive de encurtar essas expressões. Aqui, não tendo tal constrangimento, coloco tais definições na sua totalidade:
1) Manuel Pinto (Universidade do Minho): "Telegraficamente, diria que: 1. os blogues talvez se continuem a transformar (e a sofisticar) bastante no que diz respeito às ferramentas, mas talvez se preserve a ideia de base: a auto-edição acessível e barata, aplicada de forma cada vez mais séria a um cada vez vez mais vasto leque de sectores. 2. Receio que a sofisticação a que aludi atrás venha a criar uma nova forma de exclusão: as elites que têm facilidade de manejar com mestria as ferramentas prosseguirão e uma boa parte ficará pelo caminho, de roda de formas de expressão ultrapassadas. Será possível atender a este "fosso digital" virtual?"
2) Beth Saad Corrêa (Universidade de São Paulo, Brasil): "Espaço virtual de troca de experiências em torno de um determinado tema. Para isso é fundamental que o blogue tenha um controlo de seu conjunto de colaboradores, da manutenção da linha editorial das discussões e de uma acção contínua de fomento das postagens no blogue".
3) José Luis Orihuela (Universidade de Navarra, Espanha): "Los weblogs están contribuyendo de manera decisiva a impulsar el nuevo ecosistema mediático que nació con la Web. El poder de publicar se extiende a los lectores, y los medios tradicionales pierden el privilegio de ser los intermediarios exclusivos en los procesos de comunicación pública. pero, aunque la Web había abierto, por primera vez en la historia, un cauce para la publicación de información a escala global sin editores, lo cierto es que una serie de obstáculos se interponían entre el usuario medio y la publicación de contenidos en línea: era necesario acceder a un dominio para publicar, se requería cierta destreza en el uso del lenguaje de programación HTML y, al menos, algunos rudimentos de diseño gráfico. Los weblogs han simplificado todo este proceso y han convertido a la publicación en línea en una tarea tan intuitiva y amigable como el uso del correo electrónico.
"El acceso del público a un medio global sin editores y la consecuente popularización de blogs de opinión política y crítica mediática ha provocado que uno de los debates centrales en la blogosfera siga siendo la relación entre weblogs y periodismo, sistemáticamente mal planteada bajo preguntas como "¿son los weblogs periodismo?", "¿hay periodismo sin periodistas?", etc. Para decirlo claramente: a) los weblogs pueden ser periodismo, pero no por ser weblogs, y b) El periodismo sin periodistas es como la medicina sin médicos: deberíamos llamarla brujería o curanderismo.
"Los weblogs aportan a los periodistas, frente a los medios tradicionales, la posibilidad de extender sus horizontes de libertad (opinión, selección de temas, frecuencia de publicación, extensión y auto-edición) y subjetividad (expresarse con su propia voz y dotar de textura personal a los temas). A los medios, la blogosfera les sirve como un sistema de alerta temprana, fuente de temas, expertos y críticas; mientras que los propios weblogs, en cuanto formato, pueden utilizarse para acercar el medio a los lectores, desarrollar coberturas de continuidad sobre catástrofes, eventos deportivos y procesos políticos, incluso para hacer público el proceso de toma de decisiones editoriales.
"La blogosfera es un sistema complejo, autoregulado, extraordinariamente dinámico y especialmente sensible a la información que producen los medios tradicionales, en particular la referida a asuntos políticos y tecnológicos. Las funciones de la blogosfera en el nuevo escenario comunicativo son múltiples: es un filtro social de opiniones y noticias, es un factor de movilización social, es un nuevo canal para las fuentes reconvertidas en medios, es un gigantesco archivo que opera como memoria de la Web, es el alimento privilegiado de los buscadores por su renovación constante y su alta densidad de enlaces de entrada y de salida, y finalmente es la gran conversación de múltiples comunidades cuyo anclaje común es el conocimiento compartido".
Agradecimentos: aos 19 responsáveis dos blogues que me responderam. Contudo, e pela admiração ou amizade que já adquiri com alguns deles, quero destacar (sem ordem de preferência), os blogues Janela Indiscreta, Nocturnos com gatos, Blog "A Minha Rádio" e Puta de vida... ou nem tanto.
Observação prévia: a mensagem que se segue faz referência a um artigo publicado na revista MediaXXI, em número acabado de sair. Sendo o seu director da publicação, é óbvio o meu interesse na sua existência. Se entender que se trata de publicidade, por favor não leia o post.
Viagem pelos diários da internet
O que fiz foi um inquérito a alguns dos blogues que conheço e visito diariamente (ou quase) e traçar uma radiografia deste novo medium. Responderam, por email, 19 (de um total de 40). Não se trata de um trabalho exaustivo, mas dá algumas pistas.
Pedi ainda a três académicos que definissem os blogues. Como a dimensão do texto era reduzida (seis mil caracteres), tive de encurtar essas expressões. Aqui, não tendo tal constrangimento, coloco tais definições na sua totalidade:
1) Manuel Pinto (Universidade do Minho): "Telegraficamente, diria que: 1. os blogues talvez se continuem a transformar (e a sofisticar) bastante no que diz respeito às ferramentas, mas talvez se preserve a ideia de base: a auto-edição acessível e barata, aplicada de forma cada vez mais séria a um cada vez vez mais vasto leque de sectores. 2. Receio que a sofisticação a que aludi atrás venha a criar uma nova forma de exclusão: as elites que têm facilidade de manejar com mestria as ferramentas prosseguirão e uma boa parte ficará pelo caminho, de roda de formas de expressão ultrapassadas. Será possível atender a este "fosso digital" virtual?"
2) Beth Saad Corrêa (Universidade de São Paulo, Brasil): "Espaço virtual de troca de experiências em torno de um determinado tema. Para isso é fundamental que o blogue tenha um controlo de seu conjunto de colaboradores, da manutenção da linha editorial das discussões e de uma acção contínua de fomento das postagens no blogue".
3) José Luis Orihuela (Universidade de Navarra, Espanha): "Los weblogs están contribuyendo de manera decisiva a impulsar el nuevo ecosistema mediático que nació con la Web. El poder de publicar se extiende a los lectores, y los medios tradicionales pierden el privilegio de ser los intermediarios exclusivos en los procesos de comunicación pública. pero, aunque la Web había abierto, por primera vez en la historia, un cauce para la publicación de información a escala global sin editores, lo cierto es que una serie de obstáculos se interponían entre el usuario medio y la publicación de contenidos en línea: era necesario acceder a un dominio para publicar, se requería cierta destreza en el uso del lenguaje de programación HTML y, al menos, algunos rudimentos de diseño gráfico. Los weblogs han simplificado todo este proceso y han convertido a la publicación en línea en una tarea tan intuitiva y amigable como el uso del correo electrónico.
"El acceso del público a un medio global sin editores y la consecuente popularización de blogs de opinión política y crítica mediática ha provocado que uno de los debates centrales en la blogosfera siga siendo la relación entre weblogs y periodismo, sistemáticamente mal planteada bajo preguntas como "¿son los weblogs periodismo?", "¿hay periodismo sin periodistas?", etc. Para decirlo claramente: a) los weblogs pueden ser periodismo, pero no por ser weblogs, y b) El periodismo sin periodistas es como la medicina sin médicos: deberíamos llamarla brujería o curanderismo.
"Los weblogs aportan a los periodistas, frente a los medios tradicionales, la posibilidad de extender sus horizontes de libertad (opinión, selección de temas, frecuencia de publicación, extensión y auto-edición) y subjetividad (expresarse con su propia voz y dotar de textura personal a los temas). A los medios, la blogosfera les sirve como un sistema de alerta temprana, fuente de temas, expertos y críticas; mientras que los propios weblogs, en cuanto formato, pueden utilizarse para acercar el medio a los lectores, desarrollar coberturas de continuidad sobre catástrofes, eventos deportivos y procesos políticos, incluso para hacer público el proceso de toma de decisiones editoriales.
"La blogosfera es un sistema complejo, autoregulado, extraordinariamente dinámico y especialmente sensible a la información que producen los medios tradicionales, en particular la referida a asuntos políticos y tecnológicos. Las funciones de la blogosfera en el nuevo escenario comunicativo son múltiples: es un filtro social de opiniones y noticias, es un factor de movilización social, es un nuevo canal para las fuentes reconvertidas en medios, es un gigantesco archivo que opera como memoria de la Web, es el alimento privilegiado de los buscadores por su renovación constante y su alta densidad de enlaces de entrada y de salida, y finalmente es la gran conversación de múltiples comunidades cuyo anclaje común es el conocimiento compartido".
Agradecimentos: aos 19 responsáveis dos blogues que me responderam. Contudo, e pela admiração ou amizade que já adquiri com alguns deles, quero destacar (sem ordem de preferência), os blogues Janela Indiscreta, Nocturnos com gatos, Blog "A Minha Rádio" e Puta de vida... ou nem tanto.
quarta-feira, 14 de julho de 2004
LEITORES ACTIVOS E CRÍTICOS, PRECISAM-SE
Não, desta vez não vou escrever mal dos provedores dos leitores. Pelo contrário: proponho, ainda que sumariamente, analisar o que escreveram os provedores do Público, Jornal de Notícias (Porto) e Diário de Notícias nas suas colunas mais recentes, domingo e segunda-feira.
Primeiro, os títulos: "Os terroristas também lêem os jornais" (Público), "A cobertura jornalística da crise política (I)" (Jornal de Notícias) e "A crítica aos media" (Diário de Notícias). Títulos interessantes, todos eles.
Segundo: o número de cartas de leitores que serviram de base para o trabalho dos provedores: uma no Público, em que Joaquim Furtado acompanha as interrogações do leitor Paulo Leandro sobre um texto intitulado "Polícia segue árabes suspeitos de prepararem atentado no Algarve". Na sua página, o provedor colhe os comentários do jornalista que escreveu a peça (José Amaro) e um outro colega (Adelino Gomes). A meu ver, o texto do provedor segue uma linha correcta: parte das dúvidas do leitor e tenta esclarecer com o ponto de vista dos jornalistas, ocupando toda a coluna. Já no Jornal de Notícias, o provedor Manuel Pinto refere dois leitores (Manuel P. e André Nunes), mas apenas numa caixa à direita. O tema de fundo do seu trabalho é a análise da crise política vivida nos últimos quinze dias. O provedor deixa um conjunto de reflexões e promete voltar mais tarde, convidando "os leitores, os agentes políticos, os estudiosos do jornalismo e, naturalmente, os editores e jornalistas - particularmente os directamente envolvidos na cobertura da crise a pronunciar[em]-se". Já o provedor do Diário de Notícias, José Carlos Abrantes, destaca um texto de Joli Jensen, autora americana por quem eu também tenho uma particular atenção, mas de cartas de leitor nada surge. Aliás, é curiosa a posição expressa no último parágrafo: a propósito de questões levantadas sobre a actuação de alguns jornalistas no recente Euro2004, escreve o provedor: "No DN, os leitores não protestaram para o provedor, o que é bom sinal".
Terceiro, a questão estética: para mim, a coluna do Diário de Notícias é a mais apelativa e a do Público a mais clássica. No caso do primeiro, a coluna horizontal "Bloco-notas", que vem do tempo de Mário Mesquita, mas Diogo Pires Aurélio não seguiu, com recuperação de Estrela Serrano e, agora, de José Carlos Abrantes, é um espaço interessante, o equivalente à relação de notícias breves com os artigos ou notícias. Tem um lado pedagógico, que o provedor do Notícias do Porto também usa com a mesma eficácia.
Quarto, o contacto com o provedor. No jornal do Porto, surgem todos os contactos com o provedor, no Diário de Notícias apenas o endereço electrónico, e nada no Público. Ou seja, neste último jornal, na versão paga em papel, não existe qualquer incentivo para o leitor escrever. Quinto, o espaço: somente no Público é que a página não é totalmente coberta com a escrita do provedor. Sexto e último ponto é o da ligação dos provedores aos blogues, casos de Manuel Pinto e Jornalismo e Comunicação e José Carlos Abrantes e As Imagens e nós, ilustrando a pertença dos mesmos à modernidade dos media e alargando o seu âmbito de intervenção social e cultural.
Porque não há cartas?
O que a análise das três colunas me traz é que não há cartas suficientes para que os provedores escrevam sobre elas. Quanto eu sei, há leitores que escrevem cartas a destacarem que este ou aquele brinde não tem qualidade, mas existem poucos textos de leitor sobre o conteúdo das notícias. Isso significa pouca participação cívica de nós leitores. Podia dizer-se que os jornais têm melhores provedores de leitores do que leitores, o que é laudativo para os jornais e extremamente crítico para nós leitores.
Dava uma sugestão aos provedores: porque não canalizam para si - ou pelo menos para a sua análise semanal - as cartas ao director (as publicadas e as não publicadas)? No espaço público, em que editoriais, cartas ao director e ao provedor se interrelacionam, o provedor parece-me ser, até porque vem de fora, quem melhor pode olhar holisticamente.
Aliás, isso pode observar-se na coluna de anteontem do blogue Intermezzo, a propósito das notícias serem escritas por homens e mulheres, onde se escreve: "Tive a oportunidade de debater o tema abaixo diretamente com o ombudsman da FSP, Marcelo Beraba, e agora reitero aqui: a reflexão sobre se a imprensa tem uma feição mais masculinizada do que afeminada - de acordo com a rara ou a forte participação de mulheres na mesma - vale não somente para os (as) que fazem jornal como para os (as) que o lêem. Vamos aos excertos da coluna do amigo publicada neste último domingo (11): O jornal [FSP] publicou 57 cartas no seu "Painel do Leitor", sendo 43 assinadas por homens (75%) e 14 (25%) por mulheres. Pesquisei nos dois concorrentes diretos, e o resultado foi bem parecido. No mesmo período [uma semana completa, de sábado, dia 3, à sexta, dia 9], "O Estado" publicou 87 cartas nas suas duas seções, "Fórum dos Leitores" e "Fórum de Debate": 65 assinadas por homens (75%) e 22 por mulheres (25%). No "Globo", foram 137 cartas, sendo 108 de homens (79%) e 29 (21%) de mulheres" [foi respeitada a ortografia original].
Citar de passagem os leitores ou escrever que eles nada disseram ao provedor pode ser contraproducente para este, levando o patrão a dispensar os seus serviços. Os provedores têm de fazer o seu trabalho e nós os leitores temos de escrever ao provedor. Mas assuntos úteis. Só há uma boa democracia se nós leitores tivermos um comportamento e uma participação cívica dignos desse nome.
Concluindo, o que escreveram os provedores foi importante para mim, pois aprendi bastante. Mas eles não se podem esquecer do assunto nuclear - as cartas dos leitores. Nem que tenham de procurar as cartas ao director, afinal uma rubrica muito mais antiga que as cartas ao provedor.
Não, desta vez não vou escrever mal dos provedores dos leitores. Pelo contrário: proponho, ainda que sumariamente, analisar o que escreveram os provedores do Público, Jornal de Notícias (Porto) e Diário de Notícias nas suas colunas mais recentes, domingo e segunda-feira.
Primeiro, os títulos: "Os terroristas também lêem os jornais" (Público), "A cobertura jornalística da crise política (I)" (Jornal de Notícias) e "A crítica aos media" (Diário de Notícias). Títulos interessantes, todos eles.
Segundo: o número de cartas de leitores que serviram de base para o trabalho dos provedores: uma no Público, em que Joaquim Furtado acompanha as interrogações do leitor Paulo Leandro sobre um texto intitulado "Polícia segue árabes suspeitos de prepararem atentado no Algarve". Na sua página, o provedor colhe os comentários do jornalista que escreveu a peça (José Amaro) e um outro colega (Adelino Gomes). A meu ver, o texto do provedor segue uma linha correcta: parte das dúvidas do leitor e tenta esclarecer com o ponto de vista dos jornalistas, ocupando toda a coluna. Já no Jornal de Notícias, o provedor Manuel Pinto refere dois leitores (Manuel P. e André Nunes), mas apenas numa caixa à direita. O tema de fundo do seu trabalho é a análise da crise política vivida nos últimos quinze dias. O provedor deixa um conjunto de reflexões e promete voltar mais tarde, convidando "os leitores, os agentes políticos, os estudiosos do jornalismo e, naturalmente, os editores e jornalistas - particularmente os directamente envolvidos na cobertura da crise a pronunciar[em]-se". Já o provedor do Diário de Notícias, José Carlos Abrantes, destaca um texto de Joli Jensen, autora americana por quem eu também tenho uma particular atenção, mas de cartas de leitor nada surge. Aliás, é curiosa a posição expressa no último parágrafo: a propósito de questões levantadas sobre a actuação de alguns jornalistas no recente Euro2004, escreve o provedor: "No DN, os leitores não protestaram para o provedor, o que é bom sinal".
Terceiro, a questão estética: para mim, a coluna do Diário de Notícias é a mais apelativa e a do Público a mais clássica. No caso do primeiro, a coluna horizontal "Bloco-notas", que vem do tempo de Mário Mesquita, mas Diogo Pires Aurélio não seguiu, com recuperação de Estrela Serrano e, agora, de José Carlos Abrantes, é um espaço interessante, o equivalente à relação de notícias breves com os artigos ou notícias. Tem um lado pedagógico, que o provedor do Notícias do Porto também usa com a mesma eficácia.
Quarto, o contacto com o provedor. No jornal do Porto, surgem todos os contactos com o provedor, no Diário de Notícias apenas o endereço electrónico, e nada no Público. Ou seja, neste último jornal, na versão paga em papel, não existe qualquer incentivo para o leitor escrever. Quinto, o espaço: somente no Público é que a página não é totalmente coberta com a escrita do provedor. Sexto e último ponto é o da ligação dos provedores aos blogues, casos de Manuel Pinto e Jornalismo e Comunicação e José Carlos Abrantes e As Imagens e nós, ilustrando a pertença dos mesmos à modernidade dos media e alargando o seu âmbito de intervenção social e cultural.
Porque não há cartas?
O que a análise das três colunas me traz é que não há cartas suficientes para que os provedores escrevam sobre elas. Quanto eu sei, há leitores que escrevem cartas a destacarem que este ou aquele brinde não tem qualidade, mas existem poucos textos de leitor sobre o conteúdo das notícias. Isso significa pouca participação cívica de nós leitores. Podia dizer-se que os jornais têm melhores provedores de leitores do que leitores, o que é laudativo para os jornais e extremamente crítico para nós leitores.
Dava uma sugestão aos provedores: porque não canalizam para si - ou pelo menos para a sua análise semanal - as cartas ao director (as publicadas e as não publicadas)? No espaço público, em que editoriais, cartas ao director e ao provedor se interrelacionam, o provedor parece-me ser, até porque vem de fora, quem melhor pode olhar holisticamente.
Aliás, isso pode observar-se na coluna de anteontem do blogue Intermezzo, a propósito das notícias serem escritas por homens e mulheres, onde se escreve: "Tive a oportunidade de debater o tema abaixo diretamente com o ombudsman da FSP, Marcelo Beraba, e agora reitero aqui: a reflexão sobre se a imprensa tem uma feição mais masculinizada do que afeminada - de acordo com a rara ou a forte participação de mulheres na mesma - vale não somente para os (as) que fazem jornal como para os (as) que o lêem. Vamos aos excertos da coluna do amigo publicada neste último domingo (11): O jornal [FSP] publicou 57 cartas no seu "Painel do Leitor", sendo 43 assinadas por homens (75%) e 14 (25%) por mulheres. Pesquisei nos dois concorrentes diretos, e o resultado foi bem parecido. No mesmo período [uma semana completa, de sábado, dia 3, à sexta, dia 9], "O Estado" publicou 87 cartas nas suas duas seções, "Fórum dos Leitores" e "Fórum de Debate": 65 assinadas por homens (75%) e 22 por mulheres (25%). No "Globo", foram 137 cartas, sendo 108 de homens (79%) e 29 (21%) de mulheres" [foi respeitada a ortografia original].
Citar de passagem os leitores ou escrever que eles nada disseram ao provedor pode ser contraproducente para este, levando o patrão a dispensar os seus serviços. Os provedores têm de fazer o seu trabalho e nós os leitores temos de escrever ao provedor. Mas assuntos úteis. Só há uma boa democracia se nós leitores tivermos um comportamento e uma participação cívica dignos desse nome.
Concluindo, o que escreveram os provedores foi importante para mim, pois aprendi bastante. Mas eles não se podem esquecer do assunto nuclear - as cartas dos leitores. Nem que tenham de procurar as cartas ao director, afinal uma rubrica muito mais antiga que as cartas ao provedor.
terça-feira, 13 de julho de 2004
RELATÓRIO SOBRE ENTRETENIMENTO E MEDIA GLOBAIS PARA 2004-2008
Editado pela PriceWaterhouseCoopers, saiu o Global Entertainment and Media Outlook: 2004-2008. Nele, consideram-se que as indústrias culturais (media e entretenimento) irão crescer, nos próximos anos, mais que a economia mundial (aumento médio anual de 6,3%, face a um crescimento económico global de 5,7%, segundo previsões do Banco Mundial, da PriceWaterhouseCoopers e da Wilkofsky Gruen Associates). O estudo engloba 14 segmentos, como os media (jornais, revistas, rádio), acesso à internet e os ligados à cultura (cinema e indústria fonográfica). A PriceWaterhouseCoopers, que inclui áreas que eu neste blogue não tenho dado importância – casos dos parques temáticos e do desporto –, divide o mundo nas seguintes áreas comerciais: Estados Unidos, EMOA (Europa, Médio Oriente e África), Ásia/Pacífico, América Latina e Canadá. A consultora aponta uma região e uma actividade como os grandes motores: 1) Ásia, e 2) videojogos. A China e a Índia crescerão 9,8% anuais nos próximos cinco anos. Já os videojogos subirão 20,1% anualmente, indo dos cerca de €22,3 milhões para perto de €56 milhões em 2008.
Cinema e redes de televisão terrestre e por cabo
No caso do mercado do cinema, o relatório considera os consumos em cinema de sala, compra e aluguer de vídeos (DVD e VHS), distribuição de filmes através de serviços de assinatura e com aluguer on-line (mas não inclui os vídeos musicais, englobados no capítulo de música gravada). Neste mercado, e a nível mundial, a PriceWaterhouseCoopers projecta um aumento de 75,3 biliões de dólares, em 2003, para 108 biliões de dólares, em 2008. A região EMOA será a de maior crescimento (10,3% anuais). O principal motor mundial é o da venda de DVD em detrimento do aluguer. A transição do VHS para o DVD permite evidenciar, para breve, a maior aquisição de filmes em DVD face à tecnologia mais antiga. Isso terá maior impacto nas áreas da Ásia/Pacífico e América Latina. O relatório aponta ainda para a reformulação das salas de cinema, com novos ecrãs e projecção digital, em especial nos mercados da Ásia/Pacífico, América Latina e EMOA.
Quanto ao mercado de televisão, ele insere a publicidade nas redes de sinal aberto e por cabo. O relatório projecta uma alteração nos valores de publicidade que passam das redes de televisão de sinal aberto para os meios de televisão a pagamento. Inclui ainda o sistema de pay-per-view e video-on-demand.
Música gravada (indústria fonográfica), rádio e internet
Engloba os formatos clássicos (CD, cassetes, vinil e DVD) assim como os novos formatos (distribuição on-line e música digital com licenças). Das previsões, a PriceWaterhouseCoopers aponta um crescimento das vendas de distribuição digital autorizada de $13 milhões em 2002 e de $71 milhões em 2003 para $2,2 biliões em 2008, tornando-se o principal motor do crescimento de toda a indústria musical, isto apenas para o mercado dos Estados Unidos. Por outro lado, acentua-se a transição das cassetes de baixo custo para os CD de mais elevado preço na Europa de Leste e Médio Oriente/África.
Nos Estados Unidos e na rádio, prevê-se que haja um incremento de publicidade, em termos de marcas nacionais, e um aumento da concorrência nos mercados locais. Por seu lado, na Europa ocidental estima-se um aumento de 2,8% anuais, na Europa de Leste um crescimento de 8,7% e no Médio Oriente/África um valor de 7,9%.
Quanto à internet, prevê que a banda larga seja o motor de desenvolvimento nos Estados Unidos, mas também na área da EMOA, com queda acentuada de preços, e apesar da expansão da 3G de telemóveis (ainda muito longe da massificação). A internet inclui também a publicidade classificada gerada nos sítios, dado que tal rubrica não aparece na rubrica “jornais”. Os investimentos nas infra-estruturas de telecomunicações na Índia e na China levarão a um rápido desenvolvimento no uso da internet, ao passo que na América Latina se espera uma expansão mais moderada, acompanhada pela emergência da banda larga, o que estimulará a publicidade on-line.
Videojogos
O mercado de videojogos inclui jogos de consola, de computador, on-line e sem fios, para além do hardware e dos acessórios para jogar os jogos. Nos Estados Unidos, é o segmento dos jogos sem fios que conhece o maior crescimento, indo dos $562 milhões em 2003 para os $6,2 biliões em 2008. Mas também se projecta o mesmo para os países da EMOA enquanto a alta taxa de penetração da banda larga representa num futuro próximo no Japão, China e Coreia do Sul um aumento de grande intensidade nos jogos de múltiplos jogadores, que serão o motor dos jogos on-line. Já na América Latina, prevê-se o crescimento nos jogos de computador.
Mercado de edição de revistas, jornais e livros
Apesar da concorrência da televisão, estima-se um crescimento das revistas. No caso da Europa, os três maiores mercados (França, Alemanha e Reino Unido) atingiram $7,7 biliões, $6,7 biliões e $6,4 biliões respectivamente, em 2003, constituindo 58% do total do continente. Já para os jornais, estima-se o arranque de uma campanha para atrair jovens leitores nos diários, nos Estados Unidos, ao passo que, nos países da EMOA, se julga que leis e políticas governamentais influenciarão e criarão alterações necessárias na indústria da informação.
Incluo nesta secção, ao contrário do relatório, a edição de livros. De entre as áreas comerciais do mundo, a PriceWaterhouseCoopers entende que, para o mercado norte-americano, a edição de livros começará a ser uma indústria da vanguarda, concluídas as mudanças nas dinâmicas dos editores e no aumento da importância dos distribuidores, ao passo que na EMOA se estima que a edição de livros digitais (e-books) conheça um desenvolvimento apreciável.
Outros segmentos
Os parques temáticos e o desporto representam novas áreas de interesse no relatório agora publicado.
PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DA LEI DA RÁDIO
Segundo refere a newsletter Media & Publicidade de hoje, e citando uma nota da Associação Portuguesa de Radiodifusão, fica sem efeito a alteração prevista para a lei da rádio, devido à situação política actual. A mesma nota continua: «No que respeita aos restantes diplomas constantes do processo de Reforma da Comunicação Social Regional e Local, não sofrem qualquer alteração com esta situação, uma vez que foram já aprovados em conselho de Ministros, pelo que resta apenas aguardar a sua publicação e respectiva entrada em vigor». Entre eles encontram-se os diplomas respeitantes ao Sistema de Apoios do Estado aos órgãos de Comunicação Social Regional e Local, a distribuição da Publicidade do Estado e o Porte Pago.
Editado pela PriceWaterhouseCoopers, saiu o Global Entertainment and Media Outlook: 2004-2008. Nele, consideram-se que as indústrias culturais (media e entretenimento) irão crescer, nos próximos anos, mais que a economia mundial (aumento médio anual de 6,3%, face a um crescimento económico global de 5,7%, segundo previsões do Banco Mundial, da PriceWaterhouseCoopers e da Wilkofsky Gruen Associates). O estudo engloba 14 segmentos, como os media (jornais, revistas, rádio), acesso à internet e os ligados à cultura (cinema e indústria fonográfica). A PriceWaterhouseCoopers, que inclui áreas que eu neste blogue não tenho dado importância – casos dos parques temáticos e do desporto –, divide o mundo nas seguintes áreas comerciais: Estados Unidos, EMOA (Europa, Médio Oriente e África), Ásia/Pacífico, América Latina e Canadá. A consultora aponta uma região e uma actividade como os grandes motores: 1) Ásia, e 2) videojogos. A China e a Índia crescerão 9,8% anuais nos próximos cinco anos. Já os videojogos subirão 20,1% anualmente, indo dos cerca de €22,3 milhões para perto de €56 milhões em 2008.
Cinema e redes de televisão terrestre e por cabo
No caso do mercado do cinema, o relatório considera os consumos em cinema de sala, compra e aluguer de vídeos (DVD e VHS), distribuição de filmes através de serviços de assinatura e com aluguer on-line (mas não inclui os vídeos musicais, englobados no capítulo de música gravada). Neste mercado, e a nível mundial, a PriceWaterhouseCoopers projecta um aumento de 75,3 biliões de dólares, em 2003, para 108 biliões de dólares, em 2008. A região EMOA será a de maior crescimento (10,3% anuais). O principal motor mundial é o da venda de DVD em detrimento do aluguer. A transição do VHS para o DVD permite evidenciar, para breve, a maior aquisição de filmes em DVD face à tecnologia mais antiga. Isso terá maior impacto nas áreas da Ásia/Pacífico e América Latina. O relatório aponta ainda para a reformulação das salas de cinema, com novos ecrãs e projecção digital, em especial nos mercados da Ásia/Pacífico, América Latina e EMOA.
Quanto ao mercado de televisão, ele insere a publicidade nas redes de sinal aberto e por cabo. O relatório projecta uma alteração nos valores de publicidade que passam das redes de televisão de sinal aberto para os meios de televisão a pagamento. Inclui ainda o sistema de pay-per-view e video-on-demand.
Música gravada (indústria fonográfica), rádio e internet
Engloba os formatos clássicos (CD, cassetes, vinil e DVD) assim como os novos formatos (distribuição on-line e música digital com licenças). Das previsões, a PriceWaterhouseCoopers aponta um crescimento das vendas de distribuição digital autorizada de $13 milhões em 2002 e de $71 milhões em 2003 para $2,2 biliões em 2008, tornando-se o principal motor do crescimento de toda a indústria musical, isto apenas para o mercado dos Estados Unidos. Por outro lado, acentua-se a transição das cassetes de baixo custo para os CD de mais elevado preço na Europa de Leste e Médio Oriente/África.
Nos Estados Unidos e na rádio, prevê-se que haja um incremento de publicidade, em termos de marcas nacionais, e um aumento da concorrência nos mercados locais. Por seu lado, na Europa ocidental estima-se um aumento de 2,8% anuais, na Europa de Leste um crescimento de 8,7% e no Médio Oriente/África um valor de 7,9%.
Quanto à internet, prevê que a banda larga seja o motor de desenvolvimento nos Estados Unidos, mas também na área da EMOA, com queda acentuada de preços, e apesar da expansão da 3G de telemóveis (ainda muito longe da massificação). A internet inclui também a publicidade classificada gerada nos sítios, dado que tal rubrica não aparece na rubrica “jornais”. Os investimentos nas infra-estruturas de telecomunicações na Índia e na China levarão a um rápido desenvolvimento no uso da internet, ao passo que na América Latina se espera uma expansão mais moderada, acompanhada pela emergência da banda larga, o que estimulará a publicidade on-line.
Videojogos
O mercado de videojogos inclui jogos de consola, de computador, on-line e sem fios, para além do hardware e dos acessórios para jogar os jogos. Nos Estados Unidos, é o segmento dos jogos sem fios que conhece o maior crescimento, indo dos $562 milhões em 2003 para os $6,2 biliões em 2008. Mas também se projecta o mesmo para os países da EMOA enquanto a alta taxa de penetração da banda larga representa num futuro próximo no Japão, China e Coreia do Sul um aumento de grande intensidade nos jogos de múltiplos jogadores, que serão o motor dos jogos on-line. Já na América Latina, prevê-se o crescimento nos jogos de computador.
Mercado de edição de revistas, jornais e livros
Apesar da concorrência da televisão, estima-se um crescimento das revistas. No caso da Europa, os três maiores mercados (França, Alemanha e Reino Unido) atingiram $7,7 biliões, $6,7 biliões e $6,4 biliões respectivamente, em 2003, constituindo 58% do total do continente. Já para os jornais, estima-se o arranque de uma campanha para atrair jovens leitores nos diários, nos Estados Unidos, ao passo que, nos países da EMOA, se julga que leis e políticas governamentais influenciarão e criarão alterações necessárias na indústria da informação.
Incluo nesta secção, ao contrário do relatório, a edição de livros. De entre as áreas comerciais do mundo, a PriceWaterhouseCoopers entende que, para o mercado norte-americano, a edição de livros começará a ser uma indústria da vanguarda, concluídas as mudanças nas dinâmicas dos editores e no aumento da importância dos distribuidores, ao passo que na EMOA se estima que a edição de livros digitais (e-books) conheça um desenvolvimento apreciável.
Outros segmentos
Os parques temáticos e o desporto representam novas áreas de interesse no relatório agora publicado.
PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DA LEI DA RÁDIO
Segundo refere a newsletter Media & Publicidade de hoje, e citando uma nota da Associação Portuguesa de Radiodifusão, fica sem efeito a alteração prevista para a lei da rádio, devido à situação política actual. A mesma nota continua: «No que respeita aos restantes diplomas constantes do processo de Reforma da Comunicação Social Regional e Local, não sofrem qualquer alteração com esta situação, uma vez que foram já aprovados em conselho de Ministros, pelo que resta apenas aguardar a sua publicação e respectiva entrada em vigor». Entre eles encontram-se os diplomas respeitantes ao Sistema de Apoios do Estado aos órgãos de Comunicação Social Regional e Local, a distribuição da Publicidade do Estado e o Porte Pago.
segunda-feira, 12 de julho de 2004
SONIA DELAUNAY (1885-1979)
Afinal, a exposição a que eu me referia ontem foi mais recente do que imaginava. Depois de procurar os meus catálogos, descobri o dessa exposição, que decorreu no Museu Soares dos Reis (Porto), entre 13 de Dezembro de 2001 e 24 de Fevereiro de 2002, com o título Sonia Delaunay - Tecidos simultâneos.
Do texto assinado pela comissária da exposição, Petra Timmer, retiro o seguinte extracto: "No Verão de 1915, um jovem casal de Paris, Sonia e Robert Delaunay, chegou a Portugal. Estabeleceram-se na povoação costeira de Vila do Conde, uma aldeia de pescadores a cerca de vinte quilómetros do Porto. Os Delaunay faziam parte do movimento de vanguarda francês e, em Portugal, entraram em contacto com artistas portugueses que estavam muito interessados nas ideias modernistas internacionais.
"No total, os Delaunay ficaram em Portugal um ano e meio, enquanto a Primeira Guerra arrasava a Europa. Os anos restantes passaram-nos em Espanha. No entanto, o tempo que passou em Portugal foi o período mais feliz da sua vida, como Sonia, mais velha, recorda nas suas memórias. Portugal inspirou-a - a luz atlântica, as cores intensas, e a simples e encantadora vida rural. Toda a sua vida associou Portugal ao sol, à luz e à liberdade".
A fixação do casal Delaunay devera-se ao pintor Eduardo Viana, e também às indicações de Amadeu de Souza-Cardoso. E, como o mesmo catálogo refere, em artigo de Raquel Henriques da Silva, Sonia adaptou a estética do simultaneismo - elaborada pelo marido Robert por volta de 1910 - a objectos têxteis: bordados, capas de livros, almofadas, vestidos e outros adereços. Nascida e educada na Rússia, aprendera a não considerar incompatíveis as práticas femininas com a pintura. Após o regresso definitivo a Paris, em 1922, ela apresentaria os célebres "robes poèmes" e lança-se na produção de tecidos para uma empresa têxtil de Lyon, enquanto uma boutique parisiense, Simultanée, se torna a imagem de marca do estilo de Sonia.
Afinal, a exposição a que eu me referia ontem foi mais recente do que imaginava. Depois de procurar os meus catálogos, descobri o dessa exposição, que decorreu no Museu Soares dos Reis (Porto), entre 13 de Dezembro de 2001 e 24 de Fevereiro de 2002, com o título Sonia Delaunay - Tecidos simultâneos.
Do texto assinado pela comissária da exposição, Petra Timmer, retiro o seguinte extracto: "No Verão de 1915, um jovem casal de Paris, Sonia e Robert Delaunay, chegou a Portugal. Estabeleceram-se na povoação costeira de Vila do Conde, uma aldeia de pescadores a cerca de vinte quilómetros do Porto. Os Delaunay faziam parte do movimento de vanguarda francês e, em Portugal, entraram em contacto com artistas portugueses que estavam muito interessados nas ideias modernistas internacionais.
"No total, os Delaunay ficaram em Portugal um ano e meio, enquanto a Primeira Guerra arrasava a Europa. Os anos restantes passaram-nos em Espanha. No entanto, o tempo que passou em Portugal foi o período mais feliz da sua vida, como Sonia, mais velha, recorda nas suas memórias. Portugal inspirou-a - a luz atlântica, as cores intensas, e a simples e encantadora vida rural. Toda a sua vida associou Portugal ao sol, à luz e à liberdade".
A fixação do casal Delaunay devera-se ao pintor Eduardo Viana, e também às indicações de Amadeu de Souza-Cardoso. E, como o mesmo catálogo refere, em artigo de Raquel Henriques da Silva, Sonia adaptou a estética do simultaneismo - elaborada pelo marido Robert por volta de 1910 - a objectos têxteis: bordados, capas de livros, almofadas, vestidos e outros adereços. Nascida e educada na Rússia, aprendera a não considerar incompatíveis as práticas femininas com a pintura. Após o regresso definitivo a Paris, em 1922, ela apresentaria os célebres "robes poèmes" e lança-se na produção de tecidos para uma empresa têxtil de Lyon, enquanto uma boutique parisiense, Simultanée, se torna a imagem de marca do estilo de Sonia.
domingo, 11 de julho de 2004
MÁRIO BOTAS - 20 ANOS DEPOIS
Mário Botas (1952-1983) deixou uma obra notável no domínio da pintura. A mensagem de hoje recorda a primeira exposição póstuma da sua obra, efectuada na cooperativa Árvore (Porto), entre 24 de Fevereiro e 11 de Março de 1984.
Nunca o conheci em vida, mas trata-se de alguém da minha geração e que eu aprecio muito. Do mesmo modo que Amadeu Souza-Cardoso, no começo do século XX, também Mário Botas morreu cedo. Se o primeiro morreu de tuberculose, o segundo seria vítima de uma leucemia. Mas ambos marcaram a sua época, em cada extremo do século. De Souza-Cardoso, vi uma magnífica exposição na galeria que funcionava no rés-do-chão do edíficio do Jornal de Notícias (Porto), agora transformado em escritórios. Parte do seu acervo encontra-se no museu de Amarante, cidade muito bonita que já não visito há bastante tempo. Na sua curta vida, Souza-Cardoso ainda conseguiu trazer o casal Delaunay para Portugal, durante a Primeira Guerra Mundial, podendo Sonia verificar a proximidade das cores vivas do folclore russo com os matizes do Minho (para além da pintura, Sonia Delaunay marcou o período com o desenho de tecidos, que pude apreciar numa outra exposição há relativamente poucos anos no Museu Soares dos Reis, no Porto).
A exposição de Botas impressionou-me muito. O pintor havia desaparecido há pouco e eu começava a debutar como professor na escola da Árvore (Teorias da Arte, Estética, Teorias da Comunicação), numa altura em que os cursos superiores ainda não estavam homologados. Foi um tempo de grandes discussões e experimentalidade, por vezes à volta da lareira no bar que existia no edifício. Depois, por força do novo código cooperativo, a Árvore Ensino separou-se da Árvore Actividades Artísticas e tornou-se mais tarde a Escola Superior Artística do Porto. Colaborei com aquela escola entre 1983 e 1989. Do mesmo modo que com a exposição de Souza-Cardoso levei os alunos a ver e comentar os trabalhos de Botas.
Não posso dizer que as obras de Mário Botas se inscrevam nas indústrias culturais, atendendo a que estas se definem como "produção e circulação de produtos - ou textos - que se traduzem por uma influência ou compreensão do mundo" (David Hesmondhalgh, 2002, The cultural industries. Sage: Londres, p. 3). Ou, como define Bernard Miège, as indústrias culturais implicam: 1) reprodutibilidade e inserção do artista; 2) incerteza do sucesso do produto cultural, desperdício, obsolescência; 3) criação de profissões, disputa de salários, intermitência no trabalho (Miège, 2000. Les industries du contenu face à l'ordre informationnel. Grenoble: PUG, pp. 18-27).
Os trabalhos de Mário Botas são da ordem da arte, do trabalho artesanal, da pintura e da aguarela. A primeira exposição individual fê-la em 1971, na sua cidade natal (Nazaré), expondo depois em Lisboa (1973). Mais tarde, em 1978, já doente, apresenta-se na galeria Martin Sumers, em Nova Iorque (Recent drawings) e, em 1979, na Aeolian Palace Gallery, em Pocopson (Pensilvânia) (Drawings). Regressado a Lisboa, dedica-se febrilmente à criação, fazendo pintura, ilustração, desenho e outras actividades, como a direcção da peça O marinheiro de Fernando Pessoa. Mas Mário Botas também participou na ilustração de romances, de que destaco os de Almeida Faria. Licenciado em medicina, em 1975, mas ligado fundamentalmente à arte, servira-se daquela para compreender a sua doença, vindo a falecer em 1983.
Do catálogo da exposição de 1984 retiro uma citação do texto do professor e escritor Arnaldo Saraiva: Mário Botas "pintava sabendo que a morte o seguia não do horizonte vago ou longínquo em que a pressente o comum dos mortais, mas da distância que só aos íntimos se concede". De um diário de Almeida Faria - sobre Mário Botas - também inserido no mesmo catálogo: "18 de Junho - [...] Contou que calcorreara [Nova Iorque], com o pai, muitas livrarias à procura do livro esgotado da Mary McCarthy que eu lhe encomendara e lhe iam enviar para a Nazaré. Trouxe-nos um enorme álbum do Richard Lindner e, em casa, mostrou-me um Richard Müller que trocara por dois desenhos seus e que tem algo do mundo dele [...]".
A pintura de Mário Botas tem influências, entre outras, do expressionismo e do fauvisme, sem contar com uma zoologia imaginária obtida a partir dos contos populares. E, devido à sua condição física com que trabalhou nos últimos anos, a escatologia do corpo humano.
Para procurar mais informação, clicar em Fundação Casa-Museu Mário Botas, que funciona na Rua Luciano Freire, 3-4º - 1800 Lisboa.
Mário Botas (1952-1983) deixou uma obra notável no domínio da pintura. A mensagem de hoje recorda a primeira exposição póstuma da sua obra, efectuada na cooperativa Árvore (Porto), entre 24 de Fevereiro e 11 de Março de 1984.
Nunca o conheci em vida, mas trata-se de alguém da minha geração e que eu aprecio muito. Do mesmo modo que Amadeu Souza-Cardoso, no começo do século XX, também Mário Botas morreu cedo. Se o primeiro morreu de tuberculose, o segundo seria vítima de uma leucemia. Mas ambos marcaram a sua época, em cada extremo do século. De Souza-Cardoso, vi uma magnífica exposição na galeria que funcionava no rés-do-chão do edíficio do Jornal de Notícias (Porto), agora transformado em escritórios. Parte do seu acervo encontra-se no museu de Amarante, cidade muito bonita que já não visito há bastante tempo. Na sua curta vida, Souza-Cardoso ainda conseguiu trazer o casal Delaunay para Portugal, durante a Primeira Guerra Mundial, podendo Sonia verificar a proximidade das cores vivas do folclore russo com os matizes do Minho (para além da pintura, Sonia Delaunay marcou o período com o desenho de tecidos, que pude apreciar numa outra exposição há relativamente poucos anos no Museu Soares dos Reis, no Porto).
A exposição de Botas impressionou-me muito. O pintor havia desaparecido há pouco e eu começava a debutar como professor na escola da Árvore (Teorias da Arte, Estética, Teorias da Comunicação), numa altura em que os cursos superiores ainda não estavam homologados. Foi um tempo de grandes discussões e experimentalidade, por vezes à volta da lareira no bar que existia no edifício. Depois, por força do novo código cooperativo, a Árvore Ensino separou-se da Árvore Actividades Artísticas e tornou-se mais tarde a Escola Superior Artística do Porto. Colaborei com aquela escola entre 1983 e 1989. Do mesmo modo que com a exposição de Souza-Cardoso levei os alunos a ver e comentar os trabalhos de Botas.
Não posso dizer que as obras de Mário Botas se inscrevam nas indústrias culturais, atendendo a que estas se definem como "produção e circulação de produtos - ou textos - que se traduzem por uma influência ou compreensão do mundo" (David Hesmondhalgh, 2002, The cultural industries. Sage: Londres, p. 3). Ou, como define Bernard Miège, as indústrias culturais implicam: 1) reprodutibilidade e inserção do artista; 2) incerteza do sucesso do produto cultural, desperdício, obsolescência; 3) criação de profissões, disputa de salários, intermitência no trabalho (Miège, 2000. Les industries du contenu face à l'ordre informationnel. Grenoble: PUG, pp. 18-27).
Os trabalhos de Mário Botas são da ordem da arte, do trabalho artesanal, da pintura e da aguarela. A primeira exposição individual fê-la em 1971, na sua cidade natal (Nazaré), expondo depois em Lisboa (1973). Mais tarde, em 1978, já doente, apresenta-se na galeria Martin Sumers, em Nova Iorque (Recent drawings) e, em 1979, na Aeolian Palace Gallery, em Pocopson (Pensilvânia) (Drawings). Regressado a Lisboa, dedica-se febrilmente à criação, fazendo pintura, ilustração, desenho e outras actividades, como a direcção da peça O marinheiro de Fernando Pessoa. Mas Mário Botas também participou na ilustração de romances, de que destaco os de Almeida Faria. Licenciado em medicina, em 1975, mas ligado fundamentalmente à arte, servira-se daquela para compreender a sua doença, vindo a falecer em 1983.
Do catálogo da exposição de 1984 retiro uma citação do texto do professor e escritor Arnaldo Saraiva: Mário Botas "pintava sabendo que a morte o seguia não do horizonte vago ou longínquo em que a pressente o comum dos mortais, mas da distância que só aos íntimos se concede". De um diário de Almeida Faria - sobre Mário Botas - também inserido no mesmo catálogo: "18 de Junho - [...] Contou que calcorreara [Nova Iorque], com o pai, muitas livrarias à procura do livro esgotado da Mary McCarthy que eu lhe encomendara e lhe iam enviar para a Nazaré. Trouxe-nos um enorme álbum do Richard Lindner e, em casa, mostrou-me um Richard Müller que trocara por dois desenhos seus e que tem algo do mundo dele [...]".
A pintura de Mário Botas tem influências, entre outras, do expressionismo e do fauvisme, sem contar com uma zoologia imaginária obtida a partir dos contos populares. E, devido à sua condição física com que trabalhou nos últimos anos, a escatologia do corpo humano.
Para procurar mais informação, clicar em Fundação Casa-Museu Mário Botas, que funciona na Rua Luciano Freire, 3-4º - 1800 Lisboa.
sábado, 10 de julho de 2004
MATTOTTI
Neste espaço, a 10 de Abril, fiz referência a Lorenzo Mattotti, nascido há precisamente 50 anos. Volto ao autor, que estudou arquitectura em Veneza mas se decidiu desde muito cedo dedicar-se à banda desenhada. Hoje, ele vive entre Paris e Udine e publica quer em Itália quer em França.
No volume organizado por altura da exposição em Lisboa da obra de Mattotti (1998), o seu coordenador, João Paulo Cotrim, interrogava-se: "Isto é mesmo bd ou é um laboratório? Pois é mesmo banda desenhada, mas não é cega e tem memória. Não é cega às influências do seu tempo, à vontade de pintura do seu autor, às reflexões políticas e literárias. E tem uma memória que se enraiza em Feiniger, mas passa por Renato Calligaro, Alberto Breccia e José Muñoz. Isto para não nos perdermos em Bonnard ou Pasolini, Michaux ou Wenders, Di Chirico ou Tarkowski".
Já Antonio Faeti, professor de História de Literatura para a Infância da Universidade de Bolonha, situa Mottotti no expressionismo, mas vai além disso. Escreve Faeti que o imaginário do artista se socorre de muitos elementos, que recolhem variados "fragmentos do imaginário numa formulação unificante, onde a banda desenhada, a publicidade, a ilustração, o cartoon, o grafismo [se encontram] numa condensação plena e coerente". E destaca influências da pop-art, da art-nouveau, mesmo da pintura espanhola inspiradora do seu Sebastian Caboto, exactamente o volume que observei em Abril passado.
Foi em 1976 que Mattiotti publicaria o seu primeiro trabalho profissional, com adaptação de Tettamanti, o Huckleberry Finn, de Mark Twain. Com ele, vence um prémio e passa a ser conhecido pelo público e pelos críticos. Já em 1983, funda com outros o movimento Valvoline e edita um suplemento em Alter Alter, durante sete meses. E participa na publicação de um jornal de distribuição autónoma, o Nemo. Após o álbum Fuochi (1984), decide colaborar com a revista Vanity. Diz o próprio autor: "quando percebi que podia aprender a profissão de ilustrador de moda aproveitei a oportunidade de imediato". Em 1992, publica L'Uomo alla finestra, romance poético com texto de Lilia Ambrosi, sua ex-mulher. Curiosa esta colaboração nascida depois da separação do casal! Ainda nesse ano realiza um dos cinco cartazes oficiais da Exposição Universal de Sevilha. Em 1993, ilustra o clássico Pinóquio.
Leitura: Arti Grafiche Friulane e Bedeteca de Lisboa (1998). Mattotti. Lisboa: Bedeteca (a exposição decorreu entre 23 de Abril e 6 de Junho de 1998).
POLÍTICA E TELEVISÃO
Ontem, após as 21:30, a televisão proporcionou um momento ímpar da sua importância na comunicação pública. Foi, como sabem, a decisão do Presidente da República em dar continuidade governamental à maioria eleitoral conseguida no pós-eleições de 2002. Este blogue tem uma linha editorial, que não pretendo desvirtuar [há outros sítios para a intervenção cívica]. Por isso, o presente post não envereda pela análise política, mas tão só na análise do meio comunicacional.
Em Sampaio há um conhecido estilo retórico e argumentativo, que lhe advém da sua profissão de advogado. O que não passa bem na televisão, meio do efémero e do instantâneo. A sua mensagem estava entendida ao fim de quatro ou cinco frases, mas ele continuou por tempo quase infinito o seu discurso.
Sem qualquer sentido ofensivo, lembrei-me, enquanto escutava Sampaio, de um seu antecessor no cargo: o marechal Carmona, sufragado entre a Ditadura de 1926 e o Estado Novo de 1933 e que se manteve no cargo durante muitos anos. Tenho as imagens de Carmona muito presentes, pois, há poucas semanas – como disse neste local –, passei a pente fino o arquivo fotográfico do jornal O Século durante os anos de 1930, com um objectivo editorial em vista. Carmona era frequentemente requisitado para cerimónias. Como militar, ele andava sempre com farda, cheia de galões e medalhas e chapéu. Mas tinha um sinal anacrónico: as luvas brancas que vestia em todas essas cerimónias. Como cumprimentaria os presentes? De luvas? Ou tirava-as a todo o momento? Em Sampaio, o anacronismo chama-se o pouco à-vontade com o dispositivo televisivo – fala excessivamente.
O mais interessante de ontem veio depois: as reacções dos líderes partidários. De um deles o simbolismo exagerado do local: a Assembleia da República. De outro o excessivo ar solene, a rondar o teatral. Do líder do principal partido da oposição, a apresentação em directo da demissão, seguindo o estilo peculiar da neotelevisão: os programas destinados a públicos populares, como o “Perdoa-me” ou o “Ponto de encontro” [irónica e infelizmente, um dos apresentadores de um desses programas morrera horas antes, Henrique Mendes]. Em dois dos líderes, vimos que leram os seus textos. Com certeza que tinham preparado textos alternativos para cada uma das decisões do PR, fazendo lembrar a recente campanha da Sagres para o Europeu de Futebol, caso Portugal ganhasse ou perdesse, género "Estamos com um pé na final, mas temos as mãos na cerveja". Dos partidos da maioria parlamentar, ouviu-se o soundbite, o tempo devido em televisão da pequena frase – curta e incisiva. A contaminação dos géneros televisivos e da publicidade chegou aos políticos.
E do lado das televisões? Pelo que vi - e íamos fazendo zapping - os jornalistas âncoras apoiaram-se em comentários de colegas jornalistas, o que é frouxo. Além disso, estes pareceram-me pouco convincentes do seu papel, apagados e desconcentrados. Só escapou Carlos Magno, mas este jornalista é um cultor de metáforas e trocadilhos, outra forma de soundbite ou da pequena frase que passa bem em televisão. E o frenesim da passagem de local de permanência (newsbeat) - de sede de partido para outra sede de partido - criou um ritmo quase de telenovela. Ou a velha estratégia televisiva de ouvir quem ganha e quem perde. Ontem, a noite foi como se houvesse eleições, exactamente com vitoriosos e derrotados, e assunção das consequências. Todos os agentes sociais em acção comportaram-se como se os factos se passassem apenas na televisão. Como leitura final, concluo que o dispositivo televisivo é fundamental na comunicação pública. O resto é acessório.
Neste espaço, a 10 de Abril, fiz referência a Lorenzo Mattotti, nascido há precisamente 50 anos. Volto ao autor, que estudou arquitectura em Veneza mas se decidiu desde muito cedo dedicar-se à banda desenhada. Hoje, ele vive entre Paris e Udine e publica quer em Itália quer em França.
No volume organizado por altura da exposição em Lisboa da obra de Mattotti (1998), o seu coordenador, João Paulo Cotrim, interrogava-se: "Isto é mesmo bd ou é um laboratório? Pois é mesmo banda desenhada, mas não é cega e tem memória. Não é cega às influências do seu tempo, à vontade de pintura do seu autor, às reflexões políticas e literárias. E tem uma memória que se enraiza em Feiniger, mas passa por Renato Calligaro, Alberto Breccia e José Muñoz. Isto para não nos perdermos em Bonnard ou Pasolini, Michaux ou Wenders, Di Chirico ou Tarkowski".
Já Antonio Faeti, professor de História de Literatura para a Infância da Universidade de Bolonha, situa Mottotti no expressionismo, mas vai além disso. Escreve Faeti que o imaginário do artista se socorre de muitos elementos, que recolhem variados "fragmentos do imaginário numa formulação unificante, onde a banda desenhada, a publicidade, a ilustração, o cartoon, o grafismo [se encontram] numa condensação plena e coerente". E destaca influências da pop-art, da art-nouveau, mesmo da pintura espanhola inspiradora do seu Sebastian Caboto, exactamente o volume que observei em Abril passado.
Foi em 1976 que Mattiotti publicaria o seu primeiro trabalho profissional, com adaptação de Tettamanti, o Huckleberry Finn, de Mark Twain. Com ele, vence um prémio e passa a ser conhecido pelo público e pelos críticos. Já em 1983, funda com outros o movimento Valvoline e edita um suplemento em Alter Alter, durante sete meses. E participa na publicação de um jornal de distribuição autónoma, o Nemo. Após o álbum Fuochi (1984), decide colaborar com a revista Vanity. Diz o próprio autor: "quando percebi que podia aprender a profissão de ilustrador de moda aproveitei a oportunidade de imediato". Em 1992, publica L'Uomo alla finestra, romance poético com texto de Lilia Ambrosi, sua ex-mulher. Curiosa esta colaboração nascida depois da separação do casal! Ainda nesse ano realiza um dos cinco cartazes oficiais da Exposição Universal de Sevilha. Em 1993, ilustra o clássico Pinóquio.
Leitura: Arti Grafiche Friulane e Bedeteca de Lisboa (1998). Mattotti. Lisboa: Bedeteca (a exposição decorreu entre 23 de Abril e 6 de Junho de 1998).
POLÍTICA E TELEVISÃO
Ontem, após as 21:30, a televisão proporcionou um momento ímpar da sua importância na comunicação pública. Foi, como sabem, a decisão do Presidente da República em dar continuidade governamental à maioria eleitoral conseguida no pós-eleições de 2002. Este blogue tem uma linha editorial, que não pretendo desvirtuar [há outros sítios para a intervenção cívica]. Por isso, o presente post não envereda pela análise política, mas tão só na análise do meio comunicacional.
Em Sampaio há um conhecido estilo retórico e argumentativo, que lhe advém da sua profissão de advogado. O que não passa bem na televisão, meio do efémero e do instantâneo. A sua mensagem estava entendida ao fim de quatro ou cinco frases, mas ele continuou por tempo quase infinito o seu discurso.
Sem qualquer sentido ofensivo, lembrei-me, enquanto escutava Sampaio, de um seu antecessor no cargo: o marechal Carmona, sufragado entre a Ditadura de 1926 e o Estado Novo de 1933 e que se manteve no cargo durante muitos anos. Tenho as imagens de Carmona muito presentes, pois, há poucas semanas – como disse neste local –, passei a pente fino o arquivo fotográfico do jornal O Século durante os anos de 1930, com um objectivo editorial em vista. Carmona era frequentemente requisitado para cerimónias. Como militar, ele andava sempre com farda, cheia de galões e medalhas e chapéu. Mas tinha um sinal anacrónico: as luvas brancas que vestia em todas essas cerimónias. Como cumprimentaria os presentes? De luvas? Ou tirava-as a todo o momento? Em Sampaio, o anacronismo chama-se o pouco à-vontade com o dispositivo televisivo – fala excessivamente.
O mais interessante de ontem veio depois: as reacções dos líderes partidários. De um deles o simbolismo exagerado do local: a Assembleia da República. De outro o excessivo ar solene, a rondar o teatral. Do líder do principal partido da oposição, a apresentação em directo da demissão, seguindo o estilo peculiar da neotelevisão: os programas destinados a públicos populares, como o “Perdoa-me” ou o “Ponto de encontro” [irónica e infelizmente, um dos apresentadores de um desses programas morrera horas antes, Henrique Mendes]. Em dois dos líderes, vimos que leram os seus textos. Com certeza que tinham preparado textos alternativos para cada uma das decisões do PR, fazendo lembrar a recente campanha da Sagres para o Europeu de Futebol, caso Portugal ganhasse ou perdesse, género "Estamos com um pé na final, mas temos as mãos na cerveja". Dos partidos da maioria parlamentar, ouviu-se o soundbite, o tempo devido em televisão da pequena frase – curta e incisiva. A contaminação dos géneros televisivos e da publicidade chegou aos políticos.
E do lado das televisões? Pelo que vi - e íamos fazendo zapping - os jornalistas âncoras apoiaram-se em comentários de colegas jornalistas, o que é frouxo. Além disso, estes pareceram-me pouco convincentes do seu papel, apagados e desconcentrados. Só escapou Carlos Magno, mas este jornalista é um cultor de metáforas e trocadilhos, outra forma de soundbite ou da pequena frase que passa bem em televisão. E o frenesim da passagem de local de permanência (newsbeat) - de sede de partido para outra sede de partido - criou um ritmo quase de telenovela. Ou a velha estratégia televisiva de ouvir quem ganha e quem perde. Ontem, a noite foi como se houvesse eleições, exactamente com vitoriosos e derrotados, e assunção das consequências. Todos os agentes sociais em acção comportaram-se como se os factos se passassem apenas na televisão. Como leitura final, concluo que o dispositivo televisivo é fundamental na comunicação pública. O resto é acessório.
sexta-feira, 9 de julho de 2004
INDÚSTRIAS CULTURAIS EM THEODOR ADORNO - O SEU PENSAMENTO (I)
O texto que se segue foi produzido por mim há um bom par de anos (1986? 1992?). Tem, por isso, a patine do tempo - e a bibliografia de apoio é antiga. Mas acho apropriado para este blogue. Afinal, a História que conclui na Faculdade de Letras da Universidade do Porto serve para alguma coisa. Tenho um texto maior, mas ele encontra-se noutro computador portátil e noutro programa de texto, que comecei a usar em meados dos anos 80 - o DW4, da IBM -, e já não o consigo reconverter, pelo que precisarei de o passar todo (um dia fá-lo-ei).
Coordenadas do pensamento adorniano
O pensamento adorniano é adverso à ideia de sistema fechado. É o caso da Teoria estética, que sofre o desmembramento próprio da fragmentação – tem uma construção paratática (a parataxe ou coordenação é uma construção em que os membros se ordenam numa sequência mas não se conjugam como se se tratasse de um sintagma. Na parataxe cada termo vale por si). A forma de apresentação paratática reforça a forma aporética da obra (aporia é a dificuldade ou mesmo ausência de saída, podendo constituir até uma dificuldade lógica insuperável).
Daí a construção da última obra de Theodor Adorno (1903-1969), a Teoria estética, editada postumamente em 1970 (em Portugal, pelas Edições 70), e que seria dedicada a Samuel Beckett. O carácter fragmentário da obra (Marc Jimenez, Theodor W.-Adorno: art, idéologie et théorie de l´art, tradução portuguesa também seguida: Para ler Adorno, Rio de Janeiro: Francisco Alves, Ed, 1977, p. 13) deve entender-se do seguinte modo: 1) constitui-se por textos muito curtos, 2) é um imenso fragmento. Tal carácter possibilita a leitura em múltiplas entradas.
[na fotografia: Adorno à direita, Horkheimer à esquerda, Habermas atrás à direita. Heidelberg, 1964]
Segundo Martin Jay (1984. Adorno. Cambridge, MA: Harvard University Press. pp. 15-22. Também usei a tradução portuguesa, saida em 1984: As idéias de Adorno. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo), o pensamento adorniano tem as seguintes coordenadas (cfr pp. 14-15):
1) Marxismo – o da tradição heterodoxa do pensamento marxista ocidental (escola de Frankfurt, Instituto de Pesquisas Sociais, 1924)
2) Modernismo estético – para além de filósofo e sociólogo, Adorno foi músico e compositor, absorvendo a moderna música atonal de Schoenberg, durante a sua estada em Viena, nos anos 20
3) Conservadorismo cultural – apesar das suas inclinações marxistas e modernistas, Adorno conserva uma distanciação profunda para com a cultura de massa e olha com aversão a razão tecnológica, instrumental. Critica o jazz e os blues. Faz parte do designado declínio dos mandarins (senhores feudais) alemães. O seu pensamento é negativo. Para além disso, Adorno mantém uma apreciação de figuras reaccionárias, o que põe em causa o modernismo que defende
4) Influência do pensamento judaico – embora não tão envolvido no judaísmo como Walter Benjamin, há uma certa influência do seu pensamento. Meio judeu por nascimento, embora identificado com o catolicismo da mãe, no exílio Adorno toma conhecimento profundo da sua herança judaica. Costumava citar: “Escrever poesia depois de Auschwitz é bárbaro”. Como Horkheimer, Adorno não falará na alternativa utópica (cara a Marcuse, cuja última obra se debruça sobre estética), pela referência à proibição judaica de pintar Deus ou o paraíso. Articula, desde o holocausto nazi, os pensamentos anti-semita e totalitário
5) Desconstrucionismo (movimento que emerge com os pós-estruturalistas, em 1967. Adorno morre em 1969) – há ligações, talvez fortuitas, entre ele e a amizade que une Walter Benjamin ao círculo de proto-descontrucionismo do colégio de sociologia (Georges Bataille, Pierre Klossowski, Roger Caillois). Em Adorno, a sua antecipação do descontrucionismo vem da apreciação de Nietzsche. Divergindo de outros marxistas – como Lukács, que via em Nietzsche um perigoso e irracional precursor do fascismo – Adorno gostava dele pela crítica à cultura e política de massas e a crítica à dialéctica das luzes (Aufklärung).
6) Experiência pessoal e política, com a ascensão do nazismo. Nele há influências pessimistas, de Schopenhauer, Nietzshe e Kierkgaard
Leitura principal: Max Horkheimer e Theodor W. Adorno (1985). Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. Segui também a edição francesa: La dialectique de la raison, 1989, Paris: Gallimard
[continua]
O texto que se segue foi produzido por mim há um bom par de anos (1986? 1992?). Tem, por isso, a patine do tempo - e a bibliografia de apoio é antiga. Mas acho apropriado para este blogue. Afinal, a História que conclui na Faculdade de Letras da Universidade do Porto serve para alguma coisa. Tenho um texto maior, mas ele encontra-se noutro computador portátil e noutro programa de texto, que comecei a usar em meados dos anos 80 - o DW4, da IBM -, e já não o consigo reconverter, pelo que precisarei de o passar todo (um dia fá-lo-ei).
Coordenadas do pensamento adorniano
O pensamento adorniano é adverso à ideia de sistema fechado. É o caso da Teoria estética, que sofre o desmembramento próprio da fragmentação – tem uma construção paratática (a parataxe ou coordenação é uma construção em que os membros se ordenam numa sequência mas não se conjugam como se se tratasse de um sintagma. Na parataxe cada termo vale por si). A forma de apresentação paratática reforça a forma aporética da obra (aporia é a dificuldade ou mesmo ausência de saída, podendo constituir até uma dificuldade lógica insuperável).
Daí a construção da última obra de Theodor Adorno (1903-1969), a Teoria estética, editada postumamente em 1970 (em Portugal, pelas Edições 70), e que seria dedicada a Samuel Beckett. O carácter fragmentário da obra (Marc Jimenez, Theodor W.-Adorno: art, idéologie et théorie de l´art, tradução portuguesa também seguida: Para ler Adorno, Rio de Janeiro: Francisco Alves, Ed, 1977, p. 13) deve entender-se do seguinte modo: 1) constitui-se por textos muito curtos, 2) é um imenso fragmento. Tal carácter possibilita a leitura em múltiplas entradas.
[na fotografia: Adorno à direita, Horkheimer à esquerda, Habermas atrás à direita. Heidelberg, 1964]
Segundo Martin Jay (1984. Adorno. Cambridge, MA: Harvard University Press. pp. 15-22. Também usei a tradução portuguesa, saida em 1984: As idéias de Adorno. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo), o pensamento adorniano tem as seguintes coordenadas (cfr pp. 14-15):
1) Marxismo – o da tradição heterodoxa do pensamento marxista ocidental (escola de Frankfurt, Instituto de Pesquisas Sociais, 1924)
2) Modernismo estético – para além de filósofo e sociólogo, Adorno foi músico e compositor, absorvendo a moderna música atonal de Schoenberg, durante a sua estada em Viena, nos anos 20
3) Conservadorismo cultural – apesar das suas inclinações marxistas e modernistas, Adorno conserva uma distanciação profunda para com a cultura de massa e olha com aversão a razão tecnológica, instrumental. Critica o jazz e os blues. Faz parte do designado declínio dos mandarins (senhores feudais) alemães. O seu pensamento é negativo. Para além disso, Adorno mantém uma apreciação de figuras reaccionárias, o que põe em causa o modernismo que defende
4) Influência do pensamento judaico – embora não tão envolvido no judaísmo como Walter Benjamin, há uma certa influência do seu pensamento. Meio judeu por nascimento, embora identificado com o catolicismo da mãe, no exílio Adorno toma conhecimento profundo da sua herança judaica. Costumava citar: “Escrever poesia depois de Auschwitz é bárbaro”. Como Horkheimer, Adorno não falará na alternativa utópica (cara a Marcuse, cuja última obra se debruça sobre estética), pela referência à proibição judaica de pintar Deus ou o paraíso. Articula, desde o holocausto nazi, os pensamentos anti-semita e totalitário
5) Desconstrucionismo (movimento que emerge com os pós-estruturalistas, em 1967. Adorno morre em 1969) – há ligações, talvez fortuitas, entre ele e a amizade que une Walter Benjamin ao círculo de proto-descontrucionismo do colégio de sociologia (Georges Bataille, Pierre Klossowski, Roger Caillois). Em Adorno, a sua antecipação do descontrucionismo vem da apreciação de Nietzsche. Divergindo de outros marxistas – como Lukács, que via em Nietzsche um perigoso e irracional precursor do fascismo – Adorno gostava dele pela crítica à cultura e política de massas e a crítica à dialéctica das luzes (Aufklärung).
6) Experiência pessoal e política, com a ascensão do nazismo. Nele há influências pessimistas, de Schopenhauer, Nietzshe e Kierkgaard
Leitura principal: Max Horkheimer e Theodor W. Adorno (1985). Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. Segui também a edição francesa: La dialectique de la raison, 1989, Paris: Gallimard
[continua]
quinta-feira, 8 de julho de 2004
RADIOAMADORES E RADIODIFUSÃO
O texto de hoje procura reflectir uma realidade já longínqua do nosso conhecimento mas muito curiosa: o mundo das ondas hertzianas, como ainda se falava há anos, isto é, a actividade da rádio, em duas vertentes: o radioamador e o radiodifusor. Com a particularidade de eu juntar dois mundos diferentes: o brasileiro e o português (este também visto por espanhóis). Para mim, resultou numa mistura feliz. É só acompanhar o texto.
1) Radioamadores
"Todos os que se interessam pelo rádio conhecem o papel admirável dos amadores no desenvolvimento dessa ciência. [...] Constantemente, há sempre uma pessoa, muitas pessoas, diante de sua pequena emissora, interrogando o espaço. É a isso que eles, na sua linguagem figurada, chamam de «corujar». Um italiano do Brás ou do Belenzinho
diria: stregare... Seu número no mundo inteiro é incontável. Em São Paulo, os radioamadores montam a centenas.
"Por isso, todas as noites, o céu sereno ou tempestuoso é cruzado pelos diálogos que se travam entre os pontos mais afastados do planeta.
"- Quien habla?
"- É (vem uma série de letras do alfabeto) São Paulo Brasil. E aí?
"- Zeta, cota, ix Valparaiso... Chile...
"- Ah! Sim... Que tempo está fazendo no Pacífico?
"- Muy lindo. Y alli?
"- Garoa. Compreende?
"- Si, señor; nosotros tenimos la garua. Es lo mismo...
"E a conversinha prossegue nesse tom. Termina:
"- Boa-noite.
"- Buenas noches.
"Depois, o «coruja» paulista faz uma chamada geral. Chamada geral! Chamada geral! Quem deseja falar com São Paulo? Prefixos perdidos se cruzam no éter. São estações do país, da Itália, da Dinamarca, da França, dos Estados Unidos, da Rússia, da China, do inferno. Todas as línguas que se falam na terra fazem-se ouvidas. Homens, mulheres, crianças. Vozes cristalinas, vozes roucas, vozes de falsete. São os «corujas» do universo.
"Os radioamadores constituem uma família internacional. O ministro, o advogado, o operário, o poeta, diante de uma caixa, tratam-se com intimidade. É você para cá, você para lá. Um sujeito de Cantão pergunta a outro de São Paulo:
"- Sua filha Araci já está melhor da gripe?
"Um de São Paulo pergunta a outro de Belveder:
"- Você gostou do weekend em Diamante?
"- Quem lhe falou do nosso passeio?
"- XPLK, de San Juan, Argentina...
"Tudo gente conhecida, íntima. O sobrenome dessa família é constituída por prefixos. IJPXM interessa-se por WSVH. E lá, como aqui, esses «corujas» dedicam-se de corpo e alma aos seus aparelhos. Fazem estudos especializados. E comunicam mutuamente as suas descobertas. É aos amadores que o rádio deve, em boa parte, seu progresso nos últimos tempos [...]".
Leitura: Afonso Schmidt (2003). São Paulo de meus amores. São Paulo: Paz e Terra, pp. 223-224. Reedição do original de 1954. As duas capas vêm a seguir:
2) Impresiones de un viaje a través de las emisoras portuguesas
"Aquí Ear-268 que llega a Portugal y se dispone a hablarnos de nuestros colegas CT1 entre quienes estuvo veinte días, que saturado de atenciones, obsequios y cariño, es portador para todos los EAR's de sus «saudacoes muito amigas, muito sinceras e muito leaes».
"[...] Recuerdo que uno (creo que el CT1-HD) al serme presentado me decía señalando su solapa, donde tenía el emblema de nuestra antigua asociacón «Soy EAR-HD, Hombre Diabo» - añadía -, pues los portugueses matizan sus indicativos com algo gracioso.
"En la frontera me esperaba CT1-ED, D. Hernani de Sá, propietario de una superestación en Matosinhos y otra en Covelinhas, que es una joya, y fué allí a donde nos dirigimos.
"[...] El receptor, muy lindo, com las lámparas, condensadores, etc., todo aisladamente blindado y empleando un sistema de conexiones con un hilo aislado y luego recubierto de una funda metálica en espiral con el objeto de que todas las conexiones hagan tierra y así no haya manera posible de tener inducciones en ningún lado. Tomad nota cómo se las gasta el amigo CT1-ED.
"Después me enseña su fabrica de Vino de Oporto, y al igual que su emisora, veo que aquellos lagares y recipientes subterráneos, de cemento y forrados de cristal por donde escurre un vino transparente y de color caramelo, indican una escrupulosidad y una perfección admirables".
Leitura: Boletín U.R.E. (Unión de Radioemisores Españoles), incluído em Radio Sport, 1933, nº 11 [a Radio Sport foi a primeira revista de rádio em Espanha].
3) CT1AA - o emissor do homem dos Armazéns do Chiado
CT1AA começou a emitir em 1924 (ondas médias) e deixou de o fazer em 1938 (ondas curtas; as ondas médias em CT1AA já tinham acabado em 31 de Março de 1934). No começo do regime da Ditadura e do Estado Novo, o emissor de Abílio Nunes dos Santos Júnior (1892-1970) transmitiu frequentes palestras dos ministros da Agricultura sobre a "Campanha do trigo", objectivo que visava tornar o país autosuficiente em matéria de cereais. Muitas vezes, havia um camião com um enorme altifalante estacionado na praça principal de uma vila ou aldeia ribatejana ou alentejana, para que, através das ondas da rádio, a população ouvisse a prelecção (ainda não havia receptores domésticos nessas paragens).
Numa carta datada de 23 de Janeiro de 1933, o director do jornal O Século, João Pereira da Rosa, escrevia para o Director de Serviços Técnicos dos CTT, em papel timbrado:
"Desejando o Século, a exemplo do que tem feito com os desafios internacionais anteriores, transmitir por intermédio da T.S.F. a informação relativa ao encontro de foot-ball entre as selecções representativas de Portugal e da Hungria, que se realiza no próximo domingo, 29, solicitamos de V. Exa. a fineza de autorizar que o posto emissor C.T.1A.A. possa funcionar no próximo domingo, das 15 às 18 horas, a fim de poder retransmitir o noticiário daquele acontecimento desportivo" (ortografia actualizada).
Então, os horários de emissão de radiodifusão eram espartilhados - e, em caso de alterações, deviam ter aprovação do Estado. Curiosamente, os radioamadores (fonia e grafia) não tinham essa restrição. A qual surgiu em 1939. Mas essa história fica para outra vez.
Créditos: a António Silva (A Minha Rádio), por ter alojado as imagens no seu servidor, e à colega blogueira paulista já referida cinco dias atrás, pelo livro de Schmidt.
O texto de hoje procura reflectir uma realidade já longínqua do nosso conhecimento mas muito curiosa: o mundo das ondas hertzianas, como ainda se falava há anos, isto é, a actividade da rádio, em duas vertentes: o radioamador e o radiodifusor. Com a particularidade de eu juntar dois mundos diferentes: o brasileiro e o português (este também visto por espanhóis). Para mim, resultou numa mistura feliz. É só acompanhar o texto.
1) Radioamadores
"Todos os que se interessam pelo rádio conhecem o papel admirável dos amadores no desenvolvimento dessa ciência. [...] Constantemente, há sempre uma pessoa, muitas pessoas, diante de sua pequena emissora, interrogando o espaço. É a isso que eles, na sua linguagem figurada, chamam de «corujar». Um italiano do Brás ou do Belenzinho
diria: stregare... Seu número no mundo inteiro é incontável. Em São Paulo, os radioamadores montam a centenas.
"Por isso, todas as noites, o céu sereno ou tempestuoso é cruzado pelos diálogos que se travam entre os pontos mais afastados do planeta.
"- Quien habla?
"- É (vem uma série de letras do alfabeto) São Paulo Brasil. E aí?
"- Zeta, cota, ix Valparaiso... Chile...
"- Ah! Sim... Que tempo está fazendo no Pacífico?
"- Muy lindo. Y alli?
"- Garoa. Compreende?
"- Si, señor; nosotros tenimos la garua. Es lo mismo...
"E a conversinha prossegue nesse tom. Termina:
"- Boa-noite.
"- Buenas noches.
"Depois, o «coruja» paulista faz uma chamada geral. Chamada geral! Chamada geral! Quem deseja falar com São Paulo? Prefixos perdidos se cruzam no éter. São estações do país, da Itália, da Dinamarca, da França, dos Estados Unidos, da Rússia, da China, do inferno. Todas as línguas que se falam na terra fazem-se ouvidas. Homens, mulheres, crianças. Vozes cristalinas, vozes roucas, vozes de falsete. São os «corujas» do universo.
"Os radioamadores constituem uma família internacional. O ministro, o advogado, o operário, o poeta, diante de uma caixa, tratam-se com intimidade. É você para cá, você para lá. Um sujeito de Cantão pergunta a outro de São Paulo:
"- Sua filha Araci já está melhor da gripe?
"Um de São Paulo pergunta a outro de Belveder:
"- Você gostou do weekend em Diamante?
"- Quem lhe falou do nosso passeio?
"- XPLK, de San Juan, Argentina...
"Tudo gente conhecida, íntima. O sobrenome dessa família é constituída por prefixos. IJPXM interessa-se por WSVH. E lá, como aqui, esses «corujas» dedicam-se de corpo e alma aos seus aparelhos. Fazem estudos especializados. E comunicam mutuamente as suas descobertas. É aos amadores que o rádio deve, em boa parte, seu progresso nos últimos tempos [...]".
Leitura: Afonso Schmidt (2003). São Paulo de meus amores. São Paulo: Paz e Terra, pp. 223-224. Reedição do original de 1954. As duas capas vêm a seguir:
2) Impresiones de un viaje a través de las emisoras portuguesas
"Aquí Ear-268 que llega a Portugal y se dispone a hablarnos de nuestros colegas CT1 entre quienes estuvo veinte días, que saturado de atenciones, obsequios y cariño, es portador para todos los EAR's de sus «saudacoes muito amigas, muito sinceras e muito leaes».
"[...] Recuerdo que uno (creo que el CT1-HD) al serme presentado me decía señalando su solapa, donde tenía el emblema de nuestra antigua asociacón «Soy EAR-HD, Hombre Diabo» - añadía -, pues los portugueses matizan sus indicativos com algo gracioso.
"En la frontera me esperaba CT1-ED, D. Hernani de Sá, propietario de una superestación en Matosinhos y otra en Covelinhas, que es una joya, y fué allí a donde nos dirigimos.
"[...] El receptor, muy lindo, com las lámparas, condensadores, etc., todo aisladamente blindado y empleando un sistema de conexiones con un hilo aislado y luego recubierto de una funda metálica en espiral con el objeto de que todas las conexiones hagan tierra y así no haya manera posible de tener inducciones en ningún lado. Tomad nota cómo se las gasta el amigo CT1-ED.
"Después me enseña su fabrica de Vino de Oporto, y al igual que su emisora, veo que aquellos lagares y recipientes subterráneos, de cemento y forrados de cristal por donde escurre un vino transparente y de color caramelo, indican una escrupulosidad y una perfección admirables".
Leitura: Boletín U.R.E. (Unión de Radioemisores Españoles), incluído em Radio Sport, 1933, nº 11 [a Radio Sport foi a primeira revista de rádio em Espanha].
3) CT1AA - o emissor do homem dos Armazéns do Chiado
CT1AA começou a emitir em 1924 (ondas médias) e deixou de o fazer em 1938 (ondas curtas; as ondas médias em CT1AA já tinham acabado em 31 de Março de 1934). No começo do regime da Ditadura e do Estado Novo, o emissor de Abílio Nunes dos Santos Júnior (1892-1970) transmitiu frequentes palestras dos ministros da Agricultura sobre a "Campanha do trigo", objectivo que visava tornar o país autosuficiente em matéria de cereais. Muitas vezes, havia um camião com um enorme altifalante estacionado na praça principal de uma vila ou aldeia ribatejana ou alentejana, para que, através das ondas da rádio, a população ouvisse a prelecção (ainda não havia receptores domésticos nessas paragens).
Numa carta datada de 23 de Janeiro de 1933, o director do jornal O Século, João Pereira da Rosa, escrevia para o Director de Serviços Técnicos dos CTT, em papel timbrado:
"Desejando o Século, a exemplo do que tem feito com os desafios internacionais anteriores, transmitir por intermédio da T.S.F. a informação relativa ao encontro de foot-ball entre as selecções representativas de Portugal e da Hungria, que se realiza no próximo domingo, 29, solicitamos de V. Exa. a fineza de autorizar que o posto emissor C.T.1A.A. possa funcionar no próximo domingo, das 15 às 18 horas, a fim de poder retransmitir o noticiário daquele acontecimento desportivo" (ortografia actualizada).
Então, os horários de emissão de radiodifusão eram espartilhados - e, em caso de alterações, deviam ter aprovação do Estado. Curiosamente, os radioamadores (fonia e grafia) não tinham essa restrição. A qual surgiu em 1939. Mas essa história fica para outra vez.
Créditos: a António Silva (A Minha Rádio), por ter alojado as imagens no seu servidor, e à colega blogueira paulista já referida cinco dias atrás, pelo livro de Schmidt.
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