DOWNLOADS LEGAIS NA MÚSICA
O texto publicado anteontem, dia 28, no Diário de Notícias, e assinado por Nuno Galopim, sobre downloads legais na música é uma peça importante para a compreensão do fenómeno musical dos nossos dias (peça que eu sigo nesta mensagem).
Escreve Nuno Galopim que a venda de downloads de música em 2003 fez com que aumentasse, nos Estados Unidos, o volume de negócios numa área que denunciava fraqueza nos anos recentes. O cenário do futuro do comércio da música passa essencialmente pelo acesso directo a plataformas e servidores on-line. Trata-se, claro, de uma estratégia destinada a estancar a pirataria digital, através da oferta de downloads legais a um preço acessível.
As multinacionais abriram até departamentos de new media, preparando e acompanhando os negócios de venda de música pela internet, para suportes como os ipods, telemóveis ou burning (gravação de ficheiros áudio em CD). E na Europa? O site iTunes espera a aprovação da convenção da "Directiva do direito de autor" e direitos relacionados com a sociedade da informação.
Das multinacionais, a Universal tem 70% do seu catálogo digitalizado e pronto a ceder conteúdos a parceiros (e-partners) ou revendedores (e-tailors). A editora prevê a venda de cada tema a 1,4 euros, baixando para 0,8 euros quando o tema tem seis meses (mid-price) e 0,6 euros quando o tema atinge um ano (budget). No caso do catálogo nacional, estão a ser digitalizadas as gravações no sentido das mais recentes para as mais antigas. Os Madredeus e Mariza estão neste lote. Mas só haverá novidades no final deste ano. A Sony Music e a Warner já têm os seus catálogos totalmente digitalizados, enquanto a BMG ainda não tem uma proposta concreta. A Zona Música vende discos on-line e está a preparar o catálogo para downloads, enquanto a Som Livre prepara a sua proposta e a Loop Recordings reconhece o atraso.
Mas isto não implica o fim do retalho tradicional. É o caso das lojas Valentim de Carvalho, que já mostrou o seu interesse em ter estações de burning (gravação de ficheiros áudio em CD) nos seus espaços de venda.
NOTAS SOBRE A MEDIÇÃO DE AUDIÊNCIAS - PARTE II
O primeiro estudo de audiências em Portugal realizou-se em 1970-1971, por uma empresa chamada IPOP. Até então, não havia simplesmente qualquer informação sobre o comportamento das audiências face aos meios de comunicação. Depois, surgiria uma nova empresa, a Norma, responsável por outros estudos, no período de 1974 a 1980. Nesta altura, surge a Marktest (ver post de 24 de Abril), avançando com o estudo de meios BAREME (Base Regular de Meios), já com o dr. Luís Queirós à frente desta empresa.
Em 1990, funda-se a primeira central de meios, e que se distingue das até então designadas agências de publicidade de serviço completo. Estas tinham duas componentes: 1) criatividade (filmes, spots), 2) planificação dos meios (estratégias: onde colocar, quando, por que custo). A central de meios assume esta segunda componente. Com o aparecimento das televisões privadas (SIC, 1992; TVI, 1993), complexifica-se a necessidade de saber quem vê que programas, para melhor colocação dos anúncios. Até aí, havia apenas dois preços tabelados para a publicidade televisiva: antes e depois das 20 horas. Hoje, a segmentação pode chegar aos 50 preços, atendendo ao horário. Se considerarmos a existência de 200 programas de televisão, cada um com o seu preço, atendendo ao volume da audiência e a sua segmentação por públicos-alvo, depressa se compreende a complexidade e a necessidade de montar um sistema eficaz, para responder aos interesses diferentes dos anunciantes e dos canais de televisão. Ganha corpo o estudo da Audimetria, diferente do BAREME, pois este assenta em entrevistas a pessoas e aquela tem por base uma amostra de lares e um equipamento electrónico (o audímetro).
Dada a sua importância e o controlo, para garantir rigor nas medições, fundou-se em 1993 a CAEM (Comissão de Análise de Estudos de Meios), uma associação que avançou com dois sócios fortes, a APAN (Associação Portuguesa de Anunciantes) e a APAP (Associação Portuguesa de Agências de Publicidade e Comunicação). Esta última envolve centrais de meios e agências criativas. Para a CAEM entrou um terceiro grupo de sócios, os canais de televisão, interessados na audimetria (RTP, SIC, TVI e TV Cabo), a imprensa (representada pela AIND, actualmente Associação Portuguesa de Imprensa) e a rádio, através da APR (Associação Portuguesa de Rádio). A nível individual, e mais recentemente, entraram a Rádio Renascença, a RDP (agora associada à televisão pública, pois estão integradas numa só empresa) e os operadores de outdoors (J C Decaux, Cemusa).
A actividade propriamente dita da CAEM começaria em 1998, como entidade reguladora dos estudos de audiência, ou seja, o trabalho desenvolvido pela Marktest passou a ser acompanhado. Em 2000, foi iniciada uma auditoria pelo consultor Ernst & Young, que apresentou o relatório, em 2001, confirmando o bom funcionamento da audimetria desenvolvido pela Marktest. Comprovou-se a existência dos audímetros e da sua fiabilidade, e elaborou-se um manual de procedimentos (amostra, universo), a cumprir escrupulosamente pela empresa Marktest. Esta empresa, ou grupo de empresas, detém a análise de audiências em regime de exclusividade no país, embora entre 1998 e 1999 houvesse outra empresa também a medir audiências (a resolução, após alguma conflitualidade, foi abrir concurso e atribuir o trabalho à empresa que o está a fazer neste momento).
Refira-se que a atenção concedida à audimetria é feita dado que 66% do investimento publicitário passa pela televisão, valor que baixa para a casa dos 20% na imprensa e 10% na rádio. Frise-se que está em discussão o estudo de audiência nos outdoors. O ano passado, com as audiências televisivas a baixarem, houve pressão pelos canais para alterações no manual de procedimentos que classifica a medição de audiências, mas prevaleceu o bom senso pois mudar implica ajustes muito pequenos mas que podem alterar o equilíbrio existente previamente. Finalmente, está em fase de teste um novo tipo de análise da audiência que, a ser aprovado, será implementado apenas depois de 2006, o PPM (Personal People Meter), espécie de pager, e que alterará a filosofia de medição. Deixará de ser um painel de lares para passar a uma amostra aleatória de, possivelmente, mil a duas mil pessoas (como ocorre com o BAREME).
[A partir de uma aula do dr. José de Freitas, director executivo da CAEM]
José de Freitas por ele próprio
"A CAEM preocupa-se e analisa todos os estudos de meios disponíveis no mercado. Referimo-nos à audimetria e aos estudos de imprensa, rádio e Internet e, num futuro próximo, muito provavelmente, à publicidade exterior. Esta análise incide sobre a concepção dos estudos, construção das amostras representativas dos universos, procedimentos a ter em conta e métodos utilizados na recolha da informação, de modo que os resultados finais disponibilizados sejam a melhor informação possível das audiências dos vários meios.
"Estas discussões e decisões sobre processos técnicos, estatísticos e metodológicos assentam em opiniões, normalmente consensuais, para que a informação final seja fiável, fidedigna e aceite por todos os utilizadores dos estudos.
"[...] Deste modo, julgo que é indispensável que exista a CAEM, órgão regulador - esta expressão neste contexto pode ter uma interpretação desadequada, mas vou mantê-la - das exigências a colocar às empresas fornecedoras desta informação, garantindo que temos audiências «bem medidas»" [José de Freitas, 2003, "Expectativas da CAEM em sede da futura regulação sectorial dos media em Portugal", Observatório, nº 8, Dezembro) [comunicação à conferência internacional "Reflexões sobre a regulação do sector da comunicação em Portugal", em 10 de Dezembro de 2003, realizado pelo Obercom e pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em Lisboa, nesta escola].
[mensagem acrescentada às 14:02]
[actualização a 11 de Setembro de 2008]
Um leitor atento do blogue fez-me chegar as seguintes correcções a esta mensagem, que agradeço e passo a referir:
1. O primeiro estudo de audiência de imprensa foi realizado e publicado, em 1952, pelo Dr. Salviano Cruz, na Revista de Pesquisas Económicas e Sociais (vol.II, Setembro-Dezembro 1952),
2. Entre 1980 e 1982, a Teor instalou um painel semanal de audiência e avaliação dos progamas da RTP,
3. A NORMA realizou Estudos de Audiência de Meios até 1990, criou a primeira base de dados interactiva online, com a audiência de todos os meios de comunicação, para utilização pelas agências de publicidade e outros clientes. Em 1990, instalou o sistema de audimetria para a audiência de televisão.
Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
sexta-feira, 30 de abril de 2004
quinta-feira, 29 de abril de 2004
DEZ ANOS DE HISTÓRIA DA SIC (1992-2002). O QUE MUDOU NO PANORAMA AUDIOVISUAL PORTUGUÊS
[O texto que apresento de seguida foi publicado numa forma mais profunda na revista Observatório, nº 6, de Novembro de 2002, do Obercom. Dada a sua dimensão, o texto é partido em várias parcelas. A bibliografia aqui apontada acompanhará a última mensagem sobre este tema. Como o título indica, cobre o período de 1992 a 2002]
Apresentação
A emissão da SIC iniciava-se a 6 de Outubro de 1992, após um longo período de monopólio da RTP e de discussão sobre a necessidade de haver ou não televisão privada, que animara bastante a opinião pública e os decisores políticos. A segunda metade da década de 1980 e os anos seguintes assistiriam a uma profunda mudança na área da comunicação social em Portugal. Em 1987, o programa eleitoral do PSD propusera a venda da totalidade dos jornais nacionalizados e a existência de um serviço público mínimo na televisão e na rádio. Alguns factores relevantes nesse período – para além da televisão privada – seriam o nascimento do Público (1990) como jornal de referência, a privatização do Diário de Notícias (1991) e sua transformação gráfica e editorial (1992), a privatização da Rádio Comercial e o aparecimento de uma rádio dedicada às notícias (TSF). Grupos empresariais (Lusomundo, Sonae) associavam-se à comunicação social, dentro da onda liberalizadora que percorreu o país governado por Cavaco Silva.
O texto ilustra alguns dos momentos mais importantes da estação de televisão SIC, entre 1992 e 2002. Quotas de mercado, estratificação sócio-cultural dos espectadores da estação, principais períodos da vida da estação, informação, programas e figuras emblemáticas, passagem de canal generalista para a realidade de canais temáticos e relação da estação televisiva com o Estado constituem alguns dos traços a desenvolver nas próximas páginas. Apesar da atenção específica à história da SIC, a vida de um canal faz-se por comparação com outros canais e a sociedade em geral, pelo que algumas notas são produzidas tendo em conta esta compreensão.
A afirmação de um canal de televisão através da informação
Em termos de audiência, a progressão da SIC foi notável. A estação atingia a liderança do mercado em escassos três anos após o seu arranque, com 41,4% de share, contra 38,4% da RTP e 13,8% da TVI (Obercom, 2002). O sucesso deveu-se à existência de uma grelha diversificada em informação, reportagem, documentário, infantis, juvenis, séries, comédias, cinema e entretenimento geral, em que a produção nacional se associou a uma linha de programação popular do canal privado (Lopes, 1995). Gente nova e muito profissional a fazer televisão, uma outra maneira de trabalhar a informação capaz de servir as elites, fartas das notícias que veiculam fontes oficiais e do aparelho de Estado, e a evidente orientação para uma programação de agrado a públicos mais populares – a televisão do povo (Torres, 1998: 75), com uma estratificação cuidada dos grupos-alvo a privilegiar – figuraram nas estratégias dos responsáveis da estação, em especial Emídio Rangel, o que fez rápida mossa numa RTP apática. A estratificação sócio-económica dos telespectadores da SIC trabalhada nos primeiros anos da SIC apontava para as seguintes características: público maioritariamente feminino, pessoas da classe C2 e do grupo etário entre os 4 e os 14 anos. Como pano de fundo, o optimismo e a fé na iniciativa privada vividas na sociedade portuguesa, no princípio da década de 1990, o que estimulou a popularidade da estação recém-aparecida.
Uma grande aposta do canal privado foi a informação, que, por atingir o dobro do tempo dispensado pelos outros canais portugueses, significou a inversão da tendência dominante na Europa (Traquina, 1997: 65). O modelo CNN, de reinventar as notícias, criar histórias a partir de elementos menos visíveis dos acontecimentos e relevar os magazines de grande informação, no sentido dado por Küng-Shankleman (2000: 120), esteve na base do jornalismo da SIC, e que podemos admirar com mais consistência na SIC Notícias. O noticiário da SIC (Jornal da Noite) ultrapassaria o da RTP1 (Telejornal) em Junho de 1995, cederia a seguir à RTP1 mas voltou a liderar a partir de Setembro, assumindo a dianteira definitiva durante anos a fio. Nesse momento (Setembro de 1995), as eleições legislativas foram seguidas na SIC mais do que nas outras estações. A SIC promoveu momentos especiais de informação – os debates políticos entre António Guterres e Fernando Nogueira e entre Jorge Sampaio e Aníbal Cavaco Silva, momentos decisivos para a vitória dos dirigentes socialistas nas eleições que se avizinhavam. A política e a sua discussão faziam-se mais no canal privado do que na empresa pública, constantemente conotada com o poder instituído.
Um documentário polémico, por “parecer contra a SIC” (Mariana Otero, Cette télévision est la vôtre), revelou as razões de sucesso do canal, em especial a componente informativa. Das razões, Otero destacou o profissionalismo de toda a equipa da SIC, dos jornalistas às pessoas da área comercial, a atenção dada aos produtos televisivos, a articulação entre os vários sectores da estação e a medição constante do impacto popular nas audiências (Torres, 1998: 37). A realizadora convencera os responsáveis e colaboradores da SIC a deixarem-na filmar o quotidiano da estação.
Das características iniciais dos noticiários da SIC, ressaltaram o rigor, a credibilidade e a actualidade. Como resultado da qualidade das reportagens, os prémios começaram a ser uma rotina dentro da estação. Assim, em 1996, a reportagem Os meninos de Angola, de Cândida Pinto, obteve um prémio no FIGRA (“Festival International du Grand Reportage et du Document d’Actualité”). Em 1997, a SIC ganharia seis prémios ainda na área de Grande Reportagem. Ao rigor e actualidade juntou-se a mobilidade do estúdio do noticiário. A ideia da mobilidade acompanhou, de certo modo, o modelo de presidência aberta, que Mário Soares inaugurara em 1986, quase desde o princípio da sua Presidência da República, no sentido de conhecer bem a realidade portuguesa (Serrano, 2002: 117). Emprega-se o estúdio móvel em acontecimentos pré-determinados, de grande solenidade ou nível visual e ligados à proximidade. Foi assim que a SIC transmitiu noticiários directamente, por exemplo, da Expo 98, da ponte Vasco da Gama, da Feira do Livro, do Porto (nas festas do S. João, em Junho de 2002). O estúdio móvel foi utilizado, pela primeira vez na história da televisão portuguesa, em 1997. O principal rosto da informação da SIC, José Alberto Carvalho, apresentou o noticiário do Oceanário, na inauguração da Expo 98, e, em Abril de 1998, na inauguração da ponte Vasco da Gama. Nesta ocasião, a SIC passou imagens de helicóptero, mostrando o almoço servido a quinze mil pessoas, objectivo para bater um recorde e entrar no Guiness.
Lentamente, porém, as notícias tenderam para o fait-divers, o crime e a catástrofe (Brandão, 2002), efeito que atravessou os noticiários de todos os canais, numa tematização nuclear de política-sociedade-cultura-desporto-fait-divers (Lopes, 1999). Para contrariar este efeito de erosão, a imagem da informação da SIC foi alterada quando o canal atingiu os cinco anos de actividade. Assim, em 1997, apresentou um novo cenário dos noticiários, bem como o seu aspecto gráfico e um rejuvenescimento do logótipo. O cenário incluía displays de informação ao lado e por detrás do pivô, com informação suplementar, o que criou a imagem de marca do canal. Ainda não era um ecrã idêntico ao das múltiplas janelas da página da internet, com um oráculo a correr no rodapé, como ocorreria já na passagem para o novo século, mas aproximava-se disso. Os dirigentes do canal justificaram o investimento no cenário da informação e símbolos com as quase quatro horas de emissão diária dos noticiários. À espectacularização do cenário e acompanhamento do acontecimento no local correspondeu um maior número de vozes populares, o que produzia um novo efeito nas notícias. Paralelamente, os noticiários aumentavam de duração – acima de uma hora –, enquanto se dava mais tempo à promoção de programas dentro do telejornal numa contaminação de géneros.
As notícias davam conta dos acontecimentos previstos alegres (as inaugurações acima referidas), mas os jornalistas também se deslocavam e faziam trabalhos em directo quando havia acontecimentos imprevistos tristes (morte de Amália Rodrigues, em Outubro de 1999; queda da ponte de Entre-os-Rios, em Março de 2001). O luto das palavras e da roupa foi sinal identificador dos jornalistas da SIC nos dias imediatos à queda da ponte. O trabalho em directo constituiu, aliás, uma imagem de marca distintiva da SIC, origem de muitos prémios aos seus jornalistas, alguns deles atrás assinalados. E também as reportagens a locais longínquos. 1999 foi, por exemplo, um dos anos de mais trabalho em termos de cobertura de acontecimentos nacionais e internacionais, tais como os trabalhos feitos em Timor-Leste, após os tristes acontecimentos que assolaram a antiga colónia portuguesa, nas guerras na Guiné-Bissau e no Kosovo e na transferência de soberania de Macau para a China.
Além de José Alberto Carvalho, emergiram duas outras figuras emblemáticas no domínio da informação: Miguel Sousa Tavares, que apresentava o Jornal da Noite de domingo, e Margarida Marante, que fazia uma entrevista após o noticiário das 20 horas de sábado. Os dois jornalistas tinham ainda um programa comum, à terça-feira, o Crossfire. Um programa de informação muito considerado seria o moderado por Carlos Andrade, Flashback. Composto por deputados de vários partidos (casos de Pacheco Pereira e José Magalhães), era aceso o debate estabelecido. O sucesso passou também nas ondas da rádio TSF. Quanto a outra informação principal da SIC neste período de 1992 a 1999, relevo ainda para os referendos da despenalização do aborto e da regionalização (1998) e entrega a José Saramago do Nobel da Literatura.
Como resultado do crescimento da actividade da estação, quer na informação quer na programação e difusão, os seus recursos humanos cresceram: de 319 em 1994 para 425 em 2000 (SIC, Relatórios de Gestão Referentes aos Exercícios).
[continua]
[O texto que apresento de seguida foi publicado numa forma mais profunda na revista Observatório, nº 6, de Novembro de 2002, do Obercom. Dada a sua dimensão, o texto é partido em várias parcelas. A bibliografia aqui apontada acompanhará a última mensagem sobre este tema. Como o título indica, cobre o período de 1992 a 2002]
Apresentação
A emissão da SIC iniciava-se a 6 de Outubro de 1992, após um longo período de monopólio da RTP e de discussão sobre a necessidade de haver ou não televisão privada, que animara bastante a opinião pública e os decisores políticos. A segunda metade da década de 1980 e os anos seguintes assistiriam a uma profunda mudança na área da comunicação social em Portugal. Em 1987, o programa eleitoral do PSD propusera a venda da totalidade dos jornais nacionalizados e a existência de um serviço público mínimo na televisão e na rádio. Alguns factores relevantes nesse período – para além da televisão privada – seriam o nascimento do Público (1990) como jornal de referência, a privatização do Diário de Notícias (1991) e sua transformação gráfica e editorial (1992), a privatização da Rádio Comercial e o aparecimento de uma rádio dedicada às notícias (TSF). Grupos empresariais (Lusomundo, Sonae) associavam-se à comunicação social, dentro da onda liberalizadora que percorreu o país governado por Cavaco Silva.
O texto ilustra alguns dos momentos mais importantes da estação de televisão SIC, entre 1992 e 2002. Quotas de mercado, estratificação sócio-cultural dos espectadores da estação, principais períodos da vida da estação, informação, programas e figuras emblemáticas, passagem de canal generalista para a realidade de canais temáticos e relação da estação televisiva com o Estado constituem alguns dos traços a desenvolver nas próximas páginas. Apesar da atenção específica à história da SIC, a vida de um canal faz-se por comparação com outros canais e a sociedade em geral, pelo que algumas notas são produzidas tendo em conta esta compreensão.
A afirmação de um canal de televisão através da informação
Em termos de audiência, a progressão da SIC foi notável. A estação atingia a liderança do mercado em escassos três anos após o seu arranque, com 41,4% de share, contra 38,4% da RTP e 13,8% da TVI (Obercom, 2002). O sucesso deveu-se à existência de uma grelha diversificada em informação, reportagem, documentário, infantis, juvenis, séries, comédias, cinema e entretenimento geral, em que a produção nacional se associou a uma linha de programação popular do canal privado (Lopes, 1995). Gente nova e muito profissional a fazer televisão, uma outra maneira de trabalhar a informação capaz de servir as elites, fartas das notícias que veiculam fontes oficiais e do aparelho de Estado, e a evidente orientação para uma programação de agrado a públicos mais populares – a televisão do povo (Torres, 1998: 75), com uma estratificação cuidada dos grupos-alvo a privilegiar – figuraram nas estratégias dos responsáveis da estação, em especial Emídio Rangel, o que fez rápida mossa numa RTP apática. A estratificação sócio-económica dos telespectadores da SIC trabalhada nos primeiros anos da SIC apontava para as seguintes características: público maioritariamente feminino, pessoas da classe C2 e do grupo etário entre os 4 e os 14 anos. Como pano de fundo, o optimismo e a fé na iniciativa privada vividas na sociedade portuguesa, no princípio da década de 1990, o que estimulou a popularidade da estação recém-aparecida.
Uma grande aposta do canal privado foi a informação, que, por atingir o dobro do tempo dispensado pelos outros canais portugueses, significou a inversão da tendência dominante na Europa (Traquina, 1997: 65). O modelo CNN, de reinventar as notícias, criar histórias a partir de elementos menos visíveis dos acontecimentos e relevar os magazines de grande informação, no sentido dado por Küng-Shankleman (2000: 120), esteve na base do jornalismo da SIC, e que podemos admirar com mais consistência na SIC Notícias. O noticiário da SIC (Jornal da Noite) ultrapassaria o da RTP1 (Telejornal) em Junho de 1995, cederia a seguir à RTP1 mas voltou a liderar a partir de Setembro, assumindo a dianteira definitiva durante anos a fio. Nesse momento (Setembro de 1995), as eleições legislativas foram seguidas na SIC mais do que nas outras estações. A SIC promoveu momentos especiais de informação – os debates políticos entre António Guterres e Fernando Nogueira e entre Jorge Sampaio e Aníbal Cavaco Silva, momentos decisivos para a vitória dos dirigentes socialistas nas eleições que se avizinhavam. A política e a sua discussão faziam-se mais no canal privado do que na empresa pública, constantemente conotada com o poder instituído.
Um documentário polémico, por “parecer contra a SIC” (Mariana Otero, Cette télévision est la vôtre), revelou as razões de sucesso do canal, em especial a componente informativa. Das razões, Otero destacou o profissionalismo de toda a equipa da SIC, dos jornalistas às pessoas da área comercial, a atenção dada aos produtos televisivos, a articulação entre os vários sectores da estação e a medição constante do impacto popular nas audiências (Torres, 1998: 37). A realizadora convencera os responsáveis e colaboradores da SIC a deixarem-na filmar o quotidiano da estação.
Das características iniciais dos noticiários da SIC, ressaltaram o rigor, a credibilidade e a actualidade. Como resultado da qualidade das reportagens, os prémios começaram a ser uma rotina dentro da estação. Assim, em 1996, a reportagem Os meninos de Angola, de Cândida Pinto, obteve um prémio no FIGRA (“Festival International du Grand Reportage et du Document d’Actualité”). Em 1997, a SIC ganharia seis prémios ainda na área de Grande Reportagem. Ao rigor e actualidade juntou-se a mobilidade do estúdio do noticiário. A ideia da mobilidade acompanhou, de certo modo, o modelo de presidência aberta, que Mário Soares inaugurara em 1986, quase desde o princípio da sua Presidência da República, no sentido de conhecer bem a realidade portuguesa (Serrano, 2002: 117). Emprega-se o estúdio móvel em acontecimentos pré-determinados, de grande solenidade ou nível visual e ligados à proximidade. Foi assim que a SIC transmitiu noticiários directamente, por exemplo, da Expo 98, da ponte Vasco da Gama, da Feira do Livro, do Porto (nas festas do S. João, em Junho de 2002). O estúdio móvel foi utilizado, pela primeira vez na história da televisão portuguesa, em 1997. O principal rosto da informação da SIC, José Alberto Carvalho, apresentou o noticiário do Oceanário, na inauguração da Expo 98, e, em Abril de 1998, na inauguração da ponte Vasco da Gama. Nesta ocasião, a SIC passou imagens de helicóptero, mostrando o almoço servido a quinze mil pessoas, objectivo para bater um recorde e entrar no Guiness.
Lentamente, porém, as notícias tenderam para o fait-divers, o crime e a catástrofe (Brandão, 2002), efeito que atravessou os noticiários de todos os canais, numa tematização nuclear de política-sociedade-cultura-desporto-fait-divers (Lopes, 1999). Para contrariar este efeito de erosão, a imagem da informação da SIC foi alterada quando o canal atingiu os cinco anos de actividade. Assim, em 1997, apresentou um novo cenário dos noticiários, bem como o seu aspecto gráfico e um rejuvenescimento do logótipo. O cenário incluía displays de informação ao lado e por detrás do pivô, com informação suplementar, o que criou a imagem de marca do canal. Ainda não era um ecrã idêntico ao das múltiplas janelas da página da internet, com um oráculo a correr no rodapé, como ocorreria já na passagem para o novo século, mas aproximava-se disso. Os dirigentes do canal justificaram o investimento no cenário da informação e símbolos com as quase quatro horas de emissão diária dos noticiários. À espectacularização do cenário e acompanhamento do acontecimento no local correspondeu um maior número de vozes populares, o que produzia um novo efeito nas notícias. Paralelamente, os noticiários aumentavam de duração – acima de uma hora –, enquanto se dava mais tempo à promoção de programas dentro do telejornal numa contaminação de géneros.
As notícias davam conta dos acontecimentos previstos alegres (as inaugurações acima referidas), mas os jornalistas também se deslocavam e faziam trabalhos em directo quando havia acontecimentos imprevistos tristes (morte de Amália Rodrigues, em Outubro de 1999; queda da ponte de Entre-os-Rios, em Março de 2001). O luto das palavras e da roupa foi sinal identificador dos jornalistas da SIC nos dias imediatos à queda da ponte. O trabalho em directo constituiu, aliás, uma imagem de marca distintiva da SIC, origem de muitos prémios aos seus jornalistas, alguns deles atrás assinalados. E também as reportagens a locais longínquos. 1999 foi, por exemplo, um dos anos de mais trabalho em termos de cobertura de acontecimentos nacionais e internacionais, tais como os trabalhos feitos em Timor-Leste, após os tristes acontecimentos que assolaram a antiga colónia portuguesa, nas guerras na Guiné-Bissau e no Kosovo e na transferência de soberania de Macau para a China.
Além de José Alberto Carvalho, emergiram duas outras figuras emblemáticas no domínio da informação: Miguel Sousa Tavares, que apresentava o Jornal da Noite de domingo, e Margarida Marante, que fazia uma entrevista após o noticiário das 20 horas de sábado. Os dois jornalistas tinham ainda um programa comum, à terça-feira, o Crossfire. Um programa de informação muito considerado seria o moderado por Carlos Andrade, Flashback. Composto por deputados de vários partidos (casos de Pacheco Pereira e José Magalhães), era aceso o debate estabelecido. O sucesso passou também nas ondas da rádio TSF. Quanto a outra informação principal da SIC neste período de 1992 a 1999, relevo ainda para os referendos da despenalização do aborto e da regionalização (1998) e entrega a José Saramago do Nobel da Literatura.
Como resultado do crescimento da actividade da estação, quer na informação quer na programação e difusão, os seus recursos humanos cresceram: de 319 em 1994 para 425 em 2000 (SIC, Relatórios de Gestão Referentes aos Exercícios).
[continua]
quarta-feira, 28 de abril de 2004
A REVOLUÇÃO ELECTRÓNICA DE BURROUGHS
Já há muito que andava para escrever sobre o livro de William Burroughs. Talvez ficasse melhor no blogue Teorias da Comunicação, mas como me decidi mantê-lo parado, coloco aqui a mensagem sobre este autor.
Burroughs nasceu no Missouri em 1914 e morreu em 1997 [o avó foi o inventor de uma máquina de calcular, e a Burroughs foi, durante décadas, uma empresa ligada à computação, fundindo-se com a Sperry para dar origem à Unisys]. William Burroughs estudou literatura inglesa em Harvard, mas também se interessou pela medicina e pela antropologia. Daí a sua insistência, neste pequeno livro A revolução electrónica, de trabalhar a palavra vírus (com referências médicas, antropológicas, literárias e mesmo escatológicas). Ao chegar a Nova Iorque, em 1943, desenvolve a sua actividade literária no ambiente da geração beat, tornando-se um dos seus principais esteios, ao lado de Allen Ginsberg e Kerouac.
Ora, o que nos diz o livro? É uma proposta de compor, misturando jornais, textos e gravações. Nele, há um reatar das posições de Tristan Tzara e dos surrealistas de André Breton e dos ready-mades de Marcel Duchamp, mundos imaginários, simbólicos e maquínicos. Que Burroughs prolonga e amplifica com a técnica dos cut-up, ou o método da escrita por cortes (hoje seria o cut and paste dos computadores).
A linguagem é um vírus
Sobre Burroughs, escreve um dos tradutores da obra, o professor José Augusto Mourão: "O cut-up introduz num universo cultural fechado, censurado, que é o da América dos anos 50, o absurdo, o perigo. W. B. torna-se um dos maiores encenadores, simuladores da utopia minoritária, da diferença" (p. 9). E o mesmo tradutor aponta à frente: "Contra a linguística, a informática e a cibernética, W. B. propõe-se enlouquecer a maquinaria narrativa, baralhando textos de proveniências várias, ao acaso, distorcendo as suas regras de construção canónicas" (p. 10). Regra: tome-se um escritor qualquer, copiem-se trechos de um texto e, ao copiar, associe outros textos e acrescente-os.
Ao contrário de Mourão, eu penso que Burroughs seguiu o caminho da cibernética, ou melhor, de uma máquina avariada. Como quando se escreve neste espaço e surge uma mensagem da Blogger, anunciando que "não é possível apresentar esta página". Se não tiver guardado a mensagem, ela esvai-se ou fica amputada. Claro que aqui é apenas a entropia do sistema a funcionar, ao passo que Burroughs encomenda o aleatório, o acaso, a participação.
Mas passemos ao texto de Burroughs propriamente dito. O autor ocupou-se do "efeito que poderia obter-se recorrendo a milhares de pessoas com gravadores, portáteis e fixos, a mensagens transmitidas" (p. 39). As fitas pré-gravadas e seleccionadas (cut-up) e trasmitidas nas ruas serviriam para espalhar boatos, o descontrolo e o caos social: "os efeitos sonoros de um motim podem criar um motim verdadeiro em situação de tumulto" (p. 40). Ou, de outro modo, "intercalem-se canções pop com o produto, depois slogans publicitários e banalidades publicitárias de outros produtos e arrecadem-se as vendas" (p. 44). Venderiam? Ou estabeleceriam a confusão? O certo é que se tornariam momentos de profundo impacto e difícil esquecimento.
Ele avisara logo: "Não ocorreria ao nosso velho rato sábio reunir os ratos jovens e passar-lhes os seus conhecimentos numa tradição oral porque todo o conceito de encadeamento do tempo não poderia ocorrer sem a palavra escrita. A palavra escrita é, evidentemente, um símbolo de qualquer coisa" (p. 20). A palavra escrita "é uma imagem, é uma figura" (p. 36). Para Burroughs, a palavra escrita seria um vírus que tornou possível a palavra falada. Robôs, gravadores de Watergate (as escutas ilegais do congresso democrático que conduziriam à demissão de Nixon) e o desvio de testes atómicos estavam na agenda do nosso autor.
E Burroughs faz uma conclusão, mesmo que provisória: "Tire-se uma carta da manga. Na maioria dos casos, não haverá suspeitas acerca da sua origem. Pelo menos é o que acontece com o leitor comum de jornais que recebe a mensagem misturada sem juízo crítico e pressupõe que esta reflecte as suas próprias opiniões independentemente formadas" (p. 48). Eis a técnica da mistura na sua maior pujança. Pergunta-se: de onde veio? Qual o objectivo? Mas já ninguém se lembra, parece que a informação estava ali desde sempre. O vírus de Burroughs, adormecido, espalha-se. Hoje, Castells fala de redes, como anteontem McLuhan falava de aldeia global, significando ainda que todos se vêem e espiam (e quiçá se contagiam - pelas ideias, pelos estereótipos).
Em Burroughs deparamo-nos com uma escrita muito moderna ou de antecipação. Do cut and paste, que evoquei acima, ao vírus do computador, a manipulação das fitas magnéticas (que a música minimalista empregou alegremente, misturando sons e introduzindo outros provenientes de máquinas) [o RM - registo magnético - da rádio], o fragmentário e a escrita automática dos surrealistas. Mas também vejo a técnica de colagem da pop art, o dripping de Jackson Pollock (aliás contemporâneo de Burroughs), o remissivo (isto é, que remete para outro, isto é, o link e o hipertexto). Logo, e ainda, a teoria matemática da informação, do código binário dos zeros e uns, ou do E e do OU (pp. 88-89).
Para concluir mesmo, eis a receita de Burroughs: "Pode começar-se com dois gravadores. O processo mais simples de mistura são tesouras e material para colar. Pode-se começar misturando palavras, fazer toda a espécie de fita magnética, misturá-las e observar os efeitos nos amigos e em si próprio" (p. 63). Culinária tecnológica pura.
[usei a tradução de José Augusto Mourão e Maria Leonor Teles, na edição da Vega]
Já há muito que andava para escrever sobre o livro de William Burroughs. Talvez ficasse melhor no blogue Teorias da Comunicação, mas como me decidi mantê-lo parado, coloco aqui a mensagem sobre este autor.
Burroughs nasceu no Missouri em 1914 e morreu em 1997 [o avó foi o inventor de uma máquina de calcular, e a Burroughs foi, durante décadas, uma empresa ligada à computação, fundindo-se com a Sperry para dar origem à Unisys]. William Burroughs estudou literatura inglesa em Harvard, mas também se interessou pela medicina e pela antropologia. Daí a sua insistência, neste pequeno livro A revolução electrónica, de trabalhar a palavra vírus (com referências médicas, antropológicas, literárias e mesmo escatológicas). Ao chegar a Nova Iorque, em 1943, desenvolve a sua actividade literária no ambiente da geração beat, tornando-se um dos seus principais esteios, ao lado de Allen Ginsberg e Kerouac.
Ora, o que nos diz o livro? É uma proposta de compor, misturando jornais, textos e gravações. Nele, há um reatar das posições de Tristan Tzara e dos surrealistas de André Breton e dos ready-mades de Marcel Duchamp, mundos imaginários, simbólicos e maquínicos. Que Burroughs prolonga e amplifica com a técnica dos cut-up, ou o método da escrita por cortes (hoje seria o cut and paste dos computadores).
A linguagem é um vírus
Sobre Burroughs, escreve um dos tradutores da obra, o professor José Augusto Mourão: "O cut-up introduz num universo cultural fechado, censurado, que é o da América dos anos 50, o absurdo, o perigo. W. B. torna-se um dos maiores encenadores, simuladores da utopia minoritária, da diferença" (p. 9). E o mesmo tradutor aponta à frente: "Contra a linguística, a informática e a cibernética, W. B. propõe-se enlouquecer a maquinaria narrativa, baralhando textos de proveniências várias, ao acaso, distorcendo as suas regras de construção canónicas" (p. 10). Regra: tome-se um escritor qualquer, copiem-se trechos de um texto e, ao copiar, associe outros textos e acrescente-os.
Ao contrário de Mourão, eu penso que Burroughs seguiu o caminho da cibernética, ou melhor, de uma máquina avariada. Como quando se escreve neste espaço e surge uma mensagem da Blogger, anunciando que "não é possível apresentar esta página". Se não tiver guardado a mensagem, ela esvai-se ou fica amputada. Claro que aqui é apenas a entropia do sistema a funcionar, ao passo que Burroughs encomenda o aleatório, o acaso, a participação.
Mas passemos ao texto de Burroughs propriamente dito. O autor ocupou-se do "efeito que poderia obter-se recorrendo a milhares de pessoas com gravadores, portáteis e fixos, a mensagens transmitidas" (p. 39). As fitas pré-gravadas e seleccionadas (cut-up) e trasmitidas nas ruas serviriam para espalhar boatos, o descontrolo e o caos social: "os efeitos sonoros de um motim podem criar um motim verdadeiro em situação de tumulto" (p. 40). Ou, de outro modo, "intercalem-se canções pop com o produto, depois slogans publicitários e banalidades publicitárias de outros produtos e arrecadem-se as vendas" (p. 44). Venderiam? Ou estabeleceriam a confusão? O certo é que se tornariam momentos de profundo impacto e difícil esquecimento.
Ele avisara logo: "Não ocorreria ao nosso velho rato sábio reunir os ratos jovens e passar-lhes os seus conhecimentos numa tradição oral porque todo o conceito de encadeamento do tempo não poderia ocorrer sem a palavra escrita. A palavra escrita é, evidentemente, um símbolo de qualquer coisa" (p. 20). A palavra escrita "é uma imagem, é uma figura" (p. 36). Para Burroughs, a palavra escrita seria um vírus que tornou possível a palavra falada. Robôs, gravadores de Watergate (as escutas ilegais do congresso democrático que conduziriam à demissão de Nixon) e o desvio de testes atómicos estavam na agenda do nosso autor.
E Burroughs faz uma conclusão, mesmo que provisória: "Tire-se uma carta da manga. Na maioria dos casos, não haverá suspeitas acerca da sua origem. Pelo menos é o que acontece com o leitor comum de jornais que recebe a mensagem misturada sem juízo crítico e pressupõe que esta reflecte as suas próprias opiniões independentemente formadas" (p. 48). Eis a técnica da mistura na sua maior pujança. Pergunta-se: de onde veio? Qual o objectivo? Mas já ninguém se lembra, parece que a informação estava ali desde sempre. O vírus de Burroughs, adormecido, espalha-se. Hoje, Castells fala de redes, como anteontem McLuhan falava de aldeia global, significando ainda que todos se vêem e espiam (e quiçá se contagiam - pelas ideias, pelos estereótipos).
Em Burroughs deparamo-nos com uma escrita muito moderna ou de antecipação. Do cut and paste, que evoquei acima, ao vírus do computador, a manipulação das fitas magnéticas (que a música minimalista empregou alegremente, misturando sons e introduzindo outros provenientes de máquinas) [o RM - registo magnético - da rádio], o fragmentário e a escrita automática dos surrealistas. Mas também vejo a técnica de colagem da pop art, o dripping de Jackson Pollock (aliás contemporâneo de Burroughs), o remissivo (isto é, que remete para outro, isto é, o link e o hipertexto). Logo, e ainda, a teoria matemática da informação, do código binário dos zeros e uns, ou do E e do OU (pp. 88-89).
Para concluir mesmo, eis a receita de Burroughs: "Pode começar-se com dois gravadores. O processo mais simples de mistura são tesouras e material para colar. Pode-se começar misturando palavras, fazer toda a espécie de fita magnética, misturá-las e observar os efeitos nos amigos e em si próprio" (p. 63). Culinária tecnológica pura.
[usei a tradução de José Augusto Mourão e Maria Leonor Teles, na edição da Vega]
terça-feira, 27 de abril de 2004
AS INDÚSTRIAS CULTURAIS SEGUNDO A UNESCO
Para a UNESCO, as indústrias culturais incluem a edição, a música, a tecnologia audiovisual (cinema, televisão), a electrónica (multimedia), a indústria fonográfica (discos), os jogos vídeo e a internet. Há quem inclua ainda o design, a arquitectura, as artes visuais e performativas, os desportos, a publicidade e o turismo cultural.
Definição das indústrias culturais
As indústrias culturais combinam criação, produção e comercialização de conteúdos por natureza intangíveis e culturais, adicionam valor aos conteúdos e geram valor individual e social. Baseiam-se em conhecimento e trabalho intensivo, criam emprego e riqueza, alimentam a criatividade e desenvolvem a inovação nos processos de produção e comercialização. São, por regra, protegidas pelos direitos de autor e podem tomar a forma de bens ou serviços. Dependendo do contexto, as indústrias culturais também são referenciadas como “indústrias criativas”, “indústrias orientadas para o futuro” ou que estão a nascer (jargão económico) e indústrias de conteúdo (jargão tecnológico).
A dimensão internacional confere-lhes um papel determinante no futuro em termos de liberdade de expressão, diversidade cultural e desenvolvimento económico. As indústrias culturais são mesmo centrais na promoção e manutenção da diversidade cultural e asseguram o acesso democrático à cultura. A dupla natureza – cultural e económica – instaura um perfil distinto nas indústrias culturais. Na década de 1990, estas cresceram exponencialmente em termos de criação de emprego e de contributo para o produto interno bruto dos países.
A estrutura do mercado internacional das indústrias culturais mostra-nos um processo de internacionalização, realinhamento e concentração progressiva, resultando na formação de um conjunto pequeno de grandes conglomerados. Isto leva à criação de um novo oligopólio global, que alguns analistas comparam com a actividade automobilística no começo do século XX. Por isso, as indústrias culturais estão a criar novos tipos de desigualdade, dado que o mapa mundial das indústrias culturais revela um elevado desnível entre o Norte e o Sul. Tal pode ser contrariado pelo fortalecimento de capacidades locais e facilidades de acesso aos mercados globais a nível nacional através de novas parcerias, conhecimento, controlo da pirataria e aumento da solidariedade internacional.
A excepção cultural
Durante as negociações finais do Uruguay Round, os representantes de diversos países acordaram na necessidade de manter e desenvolver um adequado nível de produção nacional que reflectisse as formas culturais próprias a cada país, evitando a estandardização de gostos e comportamentos. Isto é, concluiu-se que não se podiam aplicar as regras do GATT aos produtos e serviços audiovisuais e do cinema. Tal acordo táctico, não escrito, dá pelo nome de excepção cultural – sobre a qual eu escrevia anteontem, a propósito das novas tendências em Espanha. A excepção cultural quer dizer que a cultura não se pode considerar igual a uma qualquer outra mercadoria. Os produtos e serviços culturais transportam ideias, valores e modos de vida que reflectem a pluralidade de identidades de um país e a diversidade criativa dos seus cidadãos.
Alguns anos depois, em 1999, e seguindo as recomendações do Conferência Inter-governamental sobre Políticas Culturais e Desenvolvimento, realizada em Estocolmo, no ano anterior, a UNESCO organizou um grupo de especialistas para discutir o tema Cultura: uma forma de mercadoria como nenhuma outra? As conclusões desse encontro traduziram-se no entendimento que a “cultura não é apenas uma matéria para a economia ou um conceito de economia”. Embora a França tenha sido a primeira a introduzir o conceito de excepção cultural – como também frisei anteontem –, o princípio da doutrina foi evocado pelos Estados Unidos no começo dos anos 1950, quando aderiu ao primeiro tratado multilateral dos bens culturais – o Acordo de Florença.
A aplicação da excepção cultural na União Europeia leva em conta a natureza sensível das características das suas indústrias culturais. Há a recusa de uma liberalização [ou abertura total dos mercados] dos serviços audiovisuais (cinema, rádio, televisão) ou dos serviços relacionados com bibliotecas, arquivos e museus. Isto permite à União Europeia, e em especial num momento em que se alarga a mais dez países, desenvolver políticas públicas de apoio ao sector audiovisual, tais como quotas na televisão e na rádio, ajuda financeira (para programas de produção e distribuição como o MEDIA), acordos regionais de co-produção (como o Eurimages) e a Directiva “Televisão sem Fronteiras”. O artigo relacionado com o cinema permite quotas de ecrãs para exibição de filmes nacionais (o que nem sempre acontece no nosso país).
A importância dos direitos de autor nas indústrias culturais
A protecção dos direitos de autor garante a este a possibilidade de explorar livremente o seu trabalho numa base comercial/não comercial através dos direitos legais. A legislação dos direitos de autor apoia os artistas (actores, cantores e músicos), os produtores discográficos e as empresas de audiovisuais. Isto é, os direitos de autor sobre o trabalho literário e artístico (livros, composições musicais, pinturas, esculturas, software e trabalhos cinematográficos) são protegidos num mínimo de 50 anos após a morte do autor. Os artistas têm ainda o exclusivo de autorizar a reprodução e a comunicação pública do seu trabalho.
As indústrias culturais – casos da edição, discos, audiovisuais e software – têm enfrentado um problema de difícil resolução: a pirataria. Os esforços das sociedades de autores têm sido insuficientes para debelar o problema das cópias ilegais.
Para a UNESCO, as indústrias culturais incluem a edição, a música, a tecnologia audiovisual (cinema, televisão), a electrónica (multimedia), a indústria fonográfica (discos), os jogos vídeo e a internet. Há quem inclua ainda o design, a arquitectura, as artes visuais e performativas, os desportos, a publicidade e o turismo cultural.
Definição das indústrias culturais
As indústrias culturais combinam criação, produção e comercialização de conteúdos por natureza intangíveis e culturais, adicionam valor aos conteúdos e geram valor individual e social. Baseiam-se em conhecimento e trabalho intensivo, criam emprego e riqueza, alimentam a criatividade e desenvolvem a inovação nos processos de produção e comercialização. São, por regra, protegidas pelos direitos de autor e podem tomar a forma de bens ou serviços. Dependendo do contexto, as indústrias culturais também são referenciadas como “indústrias criativas”, “indústrias orientadas para o futuro” ou que estão a nascer (jargão económico) e indústrias de conteúdo (jargão tecnológico).
A dimensão internacional confere-lhes um papel determinante no futuro em termos de liberdade de expressão, diversidade cultural e desenvolvimento económico. As indústrias culturais são mesmo centrais na promoção e manutenção da diversidade cultural e asseguram o acesso democrático à cultura. A dupla natureza – cultural e económica – instaura um perfil distinto nas indústrias culturais. Na década de 1990, estas cresceram exponencialmente em termos de criação de emprego e de contributo para o produto interno bruto dos países.
A estrutura do mercado internacional das indústrias culturais mostra-nos um processo de internacionalização, realinhamento e concentração progressiva, resultando na formação de um conjunto pequeno de grandes conglomerados. Isto leva à criação de um novo oligopólio global, que alguns analistas comparam com a actividade automobilística no começo do século XX. Por isso, as indústrias culturais estão a criar novos tipos de desigualdade, dado que o mapa mundial das indústrias culturais revela um elevado desnível entre o Norte e o Sul. Tal pode ser contrariado pelo fortalecimento de capacidades locais e facilidades de acesso aos mercados globais a nível nacional através de novas parcerias, conhecimento, controlo da pirataria e aumento da solidariedade internacional.
A excepção cultural
Durante as negociações finais do Uruguay Round, os representantes de diversos países acordaram na necessidade de manter e desenvolver um adequado nível de produção nacional que reflectisse as formas culturais próprias a cada país, evitando a estandardização de gostos e comportamentos. Isto é, concluiu-se que não se podiam aplicar as regras do GATT aos produtos e serviços audiovisuais e do cinema. Tal acordo táctico, não escrito, dá pelo nome de excepção cultural – sobre a qual eu escrevia anteontem, a propósito das novas tendências em Espanha. A excepção cultural quer dizer que a cultura não se pode considerar igual a uma qualquer outra mercadoria. Os produtos e serviços culturais transportam ideias, valores e modos de vida que reflectem a pluralidade de identidades de um país e a diversidade criativa dos seus cidadãos.
Alguns anos depois, em 1999, e seguindo as recomendações do Conferência Inter-governamental sobre Políticas Culturais e Desenvolvimento, realizada em Estocolmo, no ano anterior, a UNESCO organizou um grupo de especialistas para discutir o tema Cultura: uma forma de mercadoria como nenhuma outra? As conclusões desse encontro traduziram-se no entendimento que a “cultura não é apenas uma matéria para a economia ou um conceito de economia”. Embora a França tenha sido a primeira a introduzir o conceito de excepção cultural – como também frisei anteontem –, o princípio da doutrina foi evocado pelos Estados Unidos no começo dos anos 1950, quando aderiu ao primeiro tratado multilateral dos bens culturais – o Acordo de Florença.
A aplicação da excepção cultural na União Europeia leva em conta a natureza sensível das características das suas indústrias culturais. Há a recusa de uma liberalização [ou abertura total dos mercados] dos serviços audiovisuais (cinema, rádio, televisão) ou dos serviços relacionados com bibliotecas, arquivos e museus. Isto permite à União Europeia, e em especial num momento em que se alarga a mais dez países, desenvolver políticas públicas de apoio ao sector audiovisual, tais como quotas na televisão e na rádio, ajuda financeira (para programas de produção e distribuição como o MEDIA), acordos regionais de co-produção (como o Eurimages) e a Directiva “Televisão sem Fronteiras”. O artigo relacionado com o cinema permite quotas de ecrãs para exibição de filmes nacionais (o que nem sempre acontece no nosso país).
A importância dos direitos de autor nas indústrias culturais
A protecção dos direitos de autor garante a este a possibilidade de explorar livremente o seu trabalho numa base comercial/não comercial através dos direitos legais. A legislação dos direitos de autor apoia os artistas (actores, cantores e músicos), os produtores discográficos e as empresas de audiovisuais. Isto é, os direitos de autor sobre o trabalho literário e artístico (livros, composições musicais, pinturas, esculturas, software e trabalhos cinematográficos) são protegidos num mínimo de 50 anos após a morte do autor. Os artistas têm ainda o exclusivo de autorizar a reprodução e a comunicação pública do seu trabalho.
As indústrias culturais – casos da edição, discos, audiovisuais e software – têm enfrentado um problema de difícil resolução: a pirataria. Os esforços das sociedades de autores têm sido insuficientes para debelar o problema das cópias ilegais.
segunda-feira, 26 de abril de 2004
UM FILME - SYLVIA
Realizado por Christine Jeffs, produzido pela BBC Films e com Gwyneth Paltrow e Daniel Craig nos principais papéis, o filme conta a história da relação amorosa mas também trágica dos poetas Sylvia Plath e Ted Hughes, dois autores de grande nomeada no universo de língua inglesa no século XX. O filme foi mal recebido pela crítica quando se estreou no Outono passado. Contudo, vale a pena vê-lo e meditar no universo dramático e pictórico que ele nos oferece.
Sylvia Plath, americana nascida perto de Boston, começa a escrever poesia desde cedo. Vai estudar para Cambridge, com uma bolsa Fullbright, o começo da narrativa fílmica. Aí conhece o britânico Edward (Ted) Hughes, por quem se apaixona e casa. Ambos vão viver para os Estados Unidos. Mas a sorte da inspiração não é igual para os dois. Enquanto um passeio de bicicleta serve para Ted criar hexâmetros na sua cabeça, a Sylvia serve para fazer bolos ou passar o tempo em aulas, como modo de sobrevivência. E o nascimento dos dois filhos provoca uma dificuldade acrescida a Sylvia, angustiada pela infidelidade do marido. No regresso a Inglaterra, e enquanto Ted continua a ter sucesso, Sylvia não recupera a sua antiga capacidade de escrever. Mas publica The colossus em 1960. É após a separação do casal que ela consegue escrever mais proficuamente. De modo dramático - como será o seu suicídio, aos 30 anos, em 1963. Numa altura em que tinha pronto um belo livro para editar, Ariel. Em 1982, Sylvia Plath ganhava postumamente o prémio Pulitzer para a Poesia.
Do filme destaco os planos em que ela lê Chaucer diante de uma manada de vacas [as senhoras vacas são mais inteligentes do que se pensa e teriam de escolher entre Milton e Chaucer], numa língua inglesa ainda muito aparentada ao francês. E saliento a música composta por Gabriel Yared, que me fez pensar nas sinfonias de Mahler (primeira e décima).
UM ARTIGO - SOBRE AS TELENOVELAS
Em artigo assinado por Leonor Figueiredo, o Diário de Notícias de hoje aborda o tema das telenovelas como objecto de estudo. Tendo por base a apresentação de Maria Immacolata Lopes no congresso de comunicação da Covilhã, ocorrido a semana passada, a jornalista descreve como foi feito o estudo da professora da Escola de Artes e Comunicação da Universidade de S. Paulo.
Immacolata Lopes observou o comportamento de quatro famílias [socialmente estratificadas em populares (2), média e média alta] perante a telenovela A indomada (trabalho de 2002). A investigadora concluíu que a telenovela é, no seu país, uma narrativa popular que marca a agenda dos temas enquanto é exibida - casos da homossexualidade, alcoolismo ou genética. As telenovelas são mais do que simples entretenimento; proporcionam uma "identificação sobre as coisas da vida, como se fosse um espelho". A reacção a uma mesma telenovela é diferente conforme o estatuto social.
Curiosamente, no mesmo congresso da Covilhã, uma jovem investigadora portuguesa, Catarina Burnay, apresentava um trabalho que, partindo dos pressupostos de Immacolata Lopes - quotidiano familiar, subjectividade, género ficcional e videotécnica -, analisou como se recepciona uma telenovela em Portugal.
UMA MEMÓRIA - A RÁDIO SEGUNDO FERNANDO MEDEIROS
O blogue A Rádio em Portugal assinalou - e muito bem - a passagem do nonagésimo ano da primeira emissão musical de Fernando Medeiros. Também me associo ao blogue de Jorge Guimarães Silva para chamar a atenção para o evento.
Querendo festejar de modo diferente o seu aniversário, no dia 24 de Abril de 1914, o então estudante universitário Fernando Medeiros arranjou “emprestado um gramofone de campânula e discos, conseguindo, assim, a primeira transmissão de música que se fez em Portugal”, passando música de Wagner, eventualmente ouvida por três ou quatro pessoas (Rádio Semanal, 21 de Agosto de 1937). Para ele, “sempre curioso por tudo quanto se relacionava com a electricidade, e da leitura de um jornal francês que, nesse tempo, publicava artigos sobre TSF, nasceu o meu entusiasmo por essa ciência desconhecida no nosso país”. Nos primeiros tempos, não passou “de ensaios com um microfone em série na antena e entretinha-me a dizer: está lá? Ouve bem? […] O único receptor, por sinal um galena, que eu então conhecia, era propriedade do dr. Lomelino, que a uma distância de 100 metros, ouvia os meus ensaios”.
Mais tarde, quando confrontado com Abílio Nunes dos Santos Júnior (CT1AA) ele reclamava pioneirismo, mas estava obviamente a referir-se a uma época (1914) em que os conhecimentos técnicos eram escassos e o mercado português não dispunha de válvulas electrónicas para aplicar aos emissores. Usar um emissor de faísca, sem dispor de um gerador de alta-frequência constante, elemento essencial da radiodifusão, era apenas uma brincadeira. Havia uma proximidade entre fonia e radiodifusão, que foi o que experimentou Fernando Medeiros, e que se comprova com o passo seguinte dele. Em 1919, fazia uma primeira emissão de ondas extra-curtas, levando por seu “intermédio além fronteiras e pelo éter o nome sacrossanto da pátria Portuguesa”. O seu patriotismo exacerbado transportava-se numa gama de frequências explorada principalmente pela radiofonia. Além disso, adoptou vários indicativos (CS1AA, CS1AB e CS2ZE), prova de um contributo irregular.
Anos depois, Fernando Medeiros emite um “concerto de grafonola”, já em onda média. Estávamos em Maio de 1928. Dividido em três partes, o programa incluiu música de Wagner, Gounod e Schubert mas também fados, tangos e “rondallas” espanholas, aproveitando os dois intervalos, cada um com “15 minutos para receber pelo telefone Norte 72 as indicações que os amadores julgarem por bem dar-lhe sobre esta emissão. Durante esses intervalos, o aludido posto estará à escuta dos emissores que em fonia lhe desejem dar as suas impressões entre 40 e 50 metros de comprimento de onda” (Diário de Notícias, 8 de Maio de 1928). Após se informar da realização do concerto através da leitura do jornal, a audiência fazia chegar a sua opinião acerca da qualidade musical do escutado por duas vias – o telefone e a radiofonia – numa conjugação de todos os meios de comunicação de massa então existentes. Era o começo de CT1BM ou Rádio Hertz. Ao sábado, de colaboração com a Gazeta do Sul, emitia o programa “Meia hora cultural”.
A estação fazia transmissões de concertos do “Café Nacional” e de fados e guitarradas do “Café Mondego”.
Quase dois anos depois, transmitia basicamente música em disco, com títulos de canções como as seguintes: “A alma das touradas”, “A colhida”, “Fado dos milagres”, “Os teus olhos”, “Bilhetes-postais”, “O cego e a Mariana”, “Maldita cocaína”, “A minha terra”, “Chá de parreira” e “Recrutas e sopeiras” (Diário de Notícias, 29 de Março de 1930). A estação assumia um carácter popular. Por essa altura, e segundo o quadro publicado na revista Rádio Programa (Janeiro de 1931), havia mais quatro estações de rádio em actividade na capital: CT1AA (Abílio Nunes Santos Júnior), CT1DH (Luís Raul Sales) CT1IN (Ilídio Neves) e CT1LN (Francisco Lacombe). Mas, e exceptuando CT1AA, que se manterá até 1938, todas as outras estações, incluindo a de Fernando Medeiros, desaparecem rapidamente e para sempre. Fica apenas a memória.
Realizado por Christine Jeffs, produzido pela BBC Films e com Gwyneth Paltrow e Daniel Craig nos principais papéis, o filme conta a história da relação amorosa mas também trágica dos poetas Sylvia Plath e Ted Hughes, dois autores de grande nomeada no universo de língua inglesa no século XX. O filme foi mal recebido pela crítica quando se estreou no Outono passado. Contudo, vale a pena vê-lo e meditar no universo dramático e pictórico que ele nos oferece.
Sylvia Plath, americana nascida perto de Boston, começa a escrever poesia desde cedo. Vai estudar para Cambridge, com uma bolsa Fullbright, o começo da narrativa fílmica. Aí conhece o britânico Edward (Ted) Hughes, por quem se apaixona e casa. Ambos vão viver para os Estados Unidos. Mas a sorte da inspiração não é igual para os dois. Enquanto um passeio de bicicleta serve para Ted criar hexâmetros na sua cabeça, a Sylvia serve para fazer bolos ou passar o tempo em aulas, como modo de sobrevivência. E o nascimento dos dois filhos provoca uma dificuldade acrescida a Sylvia, angustiada pela infidelidade do marido. No regresso a Inglaterra, e enquanto Ted continua a ter sucesso, Sylvia não recupera a sua antiga capacidade de escrever. Mas publica The colossus em 1960. É após a separação do casal que ela consegue escrever mais proficuamente. De modo dramático - como será o seu suicídio, aos 30 anos, em 1963. Numa altura em que tinha pronto um belo livro para editar, Ariel. Em 1982, Sylvia Plath ganhava postumamente o prémio Pulitzer para a Poesia.
Do filme destaco os planos em que ela lê Chaucer diante de uma manada de vacas [as senhoras vacas são mais inteligentes do que se pensa e teriam de escolher entre Milton e Chaucer], numa língua inglesa ainda muito aparentada ao francês. E saliento a música composta por Gabriel Yared, que me fez pensar nas sinfonias de Mahler (primeira e décima).
UM ARTIGO - SOBRE AS TELENOVELAS
Em artigo assinado por Leonor Figueiredo, o Diário de Notícias de hoje aborda o tema das telenovelas como objecto de estudo. Tendo por base a apresentação de Maria Immacolata Lopes no congresso de comunicação da Covilhã, ocorrido a semana passada, a jornalista descreve como foi feito o estudo da professora da Escola de Artes e Comunicação da Universidade de S. Paulo.
Immacolata Lopes observou o comportamento de quatro famílias [socialmente estratificadas em populares (2), média e média alta] perante a telenovela A indomada (trabalho de 2002). A investigadora concluíu que a telenovela é, no seu país, uma narrativa popular que marca a agenda dos temas enquanto é exibida - casos da homossexualidade, alcoolismo ou genética. As telenovelas são mais do que simples entretenimento; proporcionam uma "identificação sobre as coisas da vida, como se fosse um espelho". A reacção a uma mesma telenovela é diferente conforme o estatuto social.
Curiosamente, no mesmo congresso da Covilhã, uma jovem investigadora portuguesa, Catarina Burnay, apresentava um trabalho que, partindo dos pressupostos de Immacolata Lopes - quotidiano familiar, subjectividade, género ficcional e videotécnica -, analisou como se recepciona uma telenovela em Portugal.
UMA MEMÓRIA - A RÁDIO SEGUNDO FERNANDO MEDEIROS
O blogue A Rádio em Portugal assinalou - e muito bem - a passagem do nonagésimo ano da primeira emissão musical de Fernando Medeiros. Também me associo ao blogue de Jorge Guimarães Silva para chamar a atenção para o evento.
Querendo festejar de modo diferente o seu aniversário, no dia 24 de Abril de 1914, o então estudante universitário Fernando Medeiros arranjou “emprestado um gramofone de campânula e discos, conseguindo, assim, a primeira transmissão de música que se fez em Portugal”, passando música de Wagner, eventualmente ouvida por três ou quatro pessoas (Rádio Semanal, 21 de Agosto de 1937). Para ele, “sempre curioso por tudo quanto se relacionava com a electricidade, e da leitura de um jornal francês que, nesse tempo, publicava artigos sobre TSF, nasceu o meu entusiasmo por essa ciência desconhecida no nosso país”. Nos primeiros tempos, não passou “de ensaios com um microfone em série na antena e entretinha-me a dizer: está lá? Ouve bem? […] O único receptor, por sinal um galena, que eu então conhecia, era propriedade do dr. Lomelino, que a uma distância de 100 metros, ouvia os meus ensaios”.
Mais tarde, quando confrontado com Abílio Nunes dos Santos Júnior (CT1AA) ele reclamava pioneirismo, mas estava obviamente a referir-se a uma época (1914) em que os conhecimentos técnicos eram escassos e o mercado português não dispunha de válvulas electrónicas para aplicar aos emissores. Usar um emissor de faísca, sem dispor de um gerador de alta-frequência constante, elemento essencial da radiodifusão, era apenas uma brincadeira. Havia uma proximidade entre fonia e radiodifusão, que foi o que experimentou Fernando Medeiros, e que se comprova com o passo seguinte dele. Em 1919, fazia uma primeira emissão de ondas extra-curtas, levando por seu “intermédio além fronteiras e pelo éter o nome sacrossanto da pátria Portuguesa”. O seu patriotismo exacerbado transportava-se numa gama de frequências explorada principalmente pela radiofonia. Além disso, adoptou vários indicativos (CS1AA, CS1AB e CS2ZE), prova de um contributo irregular.
Anos depois, Fernando Medeiros emite um “concerto de grafonola”, já em onda média. Estávamos em Maio de 1928. Dividido em três partes, o programa incluiu música de Wagner, Gounod e Schubert mas também fados, tangos e “rondallas” espanholas, aproveitando os dois intervalos, cada um com “15 minutos para receber pelo telefone Norte 72 as indicações que os amadores julgarem por bem dar-lhe sobre esta emissão. Durante esses intervalos, o aludido posto estará à escuta dos emissores que em fonia lhe desejem dar as suas impressões entre 40 e 50 metros de comprimento de onda” (Diário de Notícias, 8 de Maio de 1928). Após se informar da realização do concerto através da leitura do jornal, a audiência fazia chegar a sua opinião acerca da qualidade musical do escutado por duas vias – o telefone e a radiofonia – numa conjugação de todos os meios de comunicação de massa então existentes. Era o começo de CT1BM ou Rádio Hertz. Ao sábado, de colaboração com a Gazeta do Sul, emitia o programa “Meia hora cultural”.
A estação fazia transmissões de concertos do “Café Nacional” e de fados e guitarradas do “Café Mondego”.
Quase dois anos depois, transmitia basicamente música em disco, com títulos de canções como as seguintes: “A alma das touradas”, “A colhida”, “Fado dos milagres”, “Os teus olhos”, “Bilhetes-postais”, “O cego e a Mariana”, “Maldita cocaína”, “A minha terra”, “Chá de parreira” e “Recrutas e sopeiras” (Diário de Notícias, 29 de Março de 1930). A estação assumia um carácter popular. Por essa altura, e segundo o quadro publicado na revista Rádio Programa (Janeiro de 1931), havia mais quatro estações de rádio em actividade na capital: CT1AA (Abílio Nunes Santos Júnior), CT1DH (Luís Raul Sales) CT1IN (Ilídio Neves) e CT1LN (Francisco Lacombe). Mas, e exceptuando CT1AA, que se manterá até 1938, todas as outras estações, incluindo a de Fernando Medeiros, desaparecem rapidamente e para sempre. Fica apenas a memória.
domingo, 25 de abril de 2004
A EXCEPÇÃO CULTURAL EM ESPANHA
A nova ministra espanhola da cultura, Carmen Calvo, prepara um projecto de lei para proteger as criações artísticas, escreve hoje Jesús Ruiz Mantilla, no El Pais. Apesar da Organização Mundial do Comércio (OMC) entender a cultura como uma qualquer indústria, sujeita à lei da oferta e da procura, o governo espanhol aposta numa filosofia oposta, considerando que a cultura não é um mero produto ou mercadoria, mas criação. É a essência da chamada excepção cultural.
A lei em preparação no país vizinho pretende ir além da actual consideração pela diversidade cultural, dominante na União Europeia. Ela envolverá os produtos audiovisuais, o mercado do livro e todas as artes. Objectivo: a diversidade e a sobrevivência das culturas alternativas face ao poderio das multinacionais do entretenimento. Para a ministra, deve proteger-se a cultura como um direito para todos e não como um mero objecto de consumo.
O termo excepção cultural foi adoptado por Jack Lang no tempo em que Mitterrand era chefe do governo em França, e traduziu-se num modelo restritivo para as majors, as grandes companhias de cinema de Hollywood. Lang adopta-o a partir de 1989, com a aceitação da directiva comunitária Televisão sem Fronteiras, a qual reconhece o direito de estabelecer quotas de produção nacional ou europeia dentro do espaço da União Europeia. Além disso, Lang idealizou uma rede de fundos regionais de arte contemporânea, potenciando a criatividade plástica. Consolidaram-se as ajudas à tradução, tanto de obras estrangeiras como do francês para outros idiomas. Por exemplo, o livro de um autor que eu aprecio imenso, Patrice Flichy (Une historie de la communication moderne - espace public et vie privée, 1991), viu a sua versão em língua inglesa no ano de 1995 (Dynamics of modern communication - the shaping and impact of new communication technologies), graças ao apoio financeiro do Ministério Francês da Cultura e da Francofonia.
Em 2001, as películas francesas tinham uma quota de mercado de 41,7% (em Espanha, a média de cinema do país ronda os 11,6%). Nos anos 1960 e em Espanha, havia mais de oito mil salas de cinema e 403 milhões de espectadores, números que baixaram para quatro mil salas e 140 milhões de espectadores nos nossos dias, segundo os dados publicados no livro La excepción cultural. El futuro del cine español, coordenado por Javier Maqua e editado pela Sociedad General de Autores y Editores e pela Fundación Autor.
A ministra Carmo Calvo estenderá o apoio para além das salas de cinema, o que levará o Estado até à produção e a uma regulação e controlo do que fazem as televisões. E ao livro, contemplando apoios aos pequenos livreiros, pequenas editoras e matérias de risco. Também a música ficará envolvida na excepção cultural, ainda que a situação não seja tão grave como no cinema.
O modelo francês da excepção cultural recebeu muitas críticas. Entre elas as de propiciar o clientelismo e uma cultura de apaniguados. Trata-se, pois, de uma cultura de Estado, aliás recorrente em França desde Luís XIV e que, mais recentemente, teve em De Gaulle um dos seus defensores, quando este criou um ministério da Cultura em 1959, nomeando-se o escritor André Malraux. À cultura de Estado, os liberais [enquadrados pela Organização Mundial do Comércio] respondem com a cultura do mercado. Mas nem sempre esta funciona bem, caso de países pequenos como Portugal. A criatividade e a produção artística necessitam de incentivos, dada a dimensão de mercados como o nosso. E vivemos uma época em que isso se sente muito. A discussão recente da lei do cinema e do audiovisual, que eu não dei o devido relevo a semana passada, esteve perpassada por esta dicotomia.
A nova ministra espanhola da cultura, Carmen Calvo, prepara um projecto de lei para proteger as criações artísticas, escreve hoje Jesús Ruiz Mantilla, no El Pais. Apesar da Organização Mundial do Comércio (OMC) entender a cultura como uma qualquer indústria, sujeita à lei da oferta e da procura, o governo espanhol aposta numa filosofia oposta, considerando que a cultura não é um mero produto ou mercadoria, mas criação. É a essência da chamada excepção cultural.
A lei em preparação no país vizinho pretende ir além da actual consideração pela diversidade cultural, dominante na União Europeia. Ela envolverá os produtos audiovisuais, o mercado do livro e todas as artes. Objectivo: a diversidade e a sobrevivência das culturas alternativas face ao poderio das multinacionais do entretenimento. Para a ministra, deve proteger-se a cultura como um direito para todos e não como um mero objecto de consumo.
O termo excepção cultural foi adoptado por Jack Lang no tempo em que Mitterrand era chefe do governo em França, e traduziu-se num modelo restritivo para as majors, as grandes companhias de cinema de Hollywood. Lang adopta-o a partir de 1989, com a aceitação da directiva comunitária Televisão sem Fronteiras, a qual reconhece o direito de estabelecer quotas de produção nacional ou europeia dentro do espaço da União Europeia. Além disso, Lang idealizou uma rede de fundos regionais de arte contemporânea, potenciando a criatividade plástica. Consolidaram-se as ajudas à tradução, tanto de obras estrangeiras como do francês para outros idiomas. Por exemplo, o livro de um autor que eu aprecio imenso, Patrice Flichy (Une historie de la communication moderne - espace public et vie privée, 1991), viu a sua versão em língua inglesa no ano de 1995 (Dynamics of modern communication - the shaping and impact of new communication technologies), graças ao apoio financeiro do Ministério Francês da Cultura e da Francofonia.
Em 2001, as películas francesas tinham uma quota de mercado de 41,7% (em Espanha, a média de cinema do país ronda os 11,6%). Nos anos 1960 e em Espanha, havia mais de oito mil salas de cinema e 403 milhões de espectadores, números que baixaram para quatro mil salas e 140 milhões de espectadores nos nossos dias, segundo os dados publicados no livro La excepción cultural. El futuro del cine español, coordenado por Javier Maqua e editado pela Sociedad General de Autores y Editores e pela Fundación Autor.
A ministra Carmo Calvo estenderá o apoio para além das salas de cinema, o que levará o Estado até à produção e a uma regulação e controlo do que fazem as televisões. E ao livro, contemplando apoios aos pequenos livreiros, pequenas editoras e matérias de risco. Também a música ficará envolvida na excepção cultural, ainda que a situação não seja tão grave como no cinema.
O modelo francês da excepção cultural recebeu muitas críticas. Entre elas as de propiciar o clientelismo e uma cultura de apaniguados. Trata-se, pois, de uma cultura de Estado, aliás recorrente em França desde Luís XIV e que, mais recentemente, teve em De Gaulle um dos seus defensores, quando este criou um ministério da Cultura em 1959, nomeando-se o escritor André Malraux. À cultura de Estado, os liberais [enquadrados pela Organização Mundial do Comércio] respondem com a cultura do mercado. Mas nem sempre esta funciona bem, caso de países pequenos como Portugal. A criatividade e a produção artística necessitam de incentivos, dada a dimensão de mercados como o nosso. E vivemos uma época em que isso se sente muito. A discussão recente da lei do cinema e do audiovisual, que eu não dei o devido relevo a semana passada, esteve perpassada por esta dicotomia.
sábado, 24 de abril de 2004
NOTAS SOBRE A MEDIÇÃO DE AUDIÊNCIAS
Em Portugal, quando se fala de análise e medição de audiências de televisão, fala-se da Marktest. Efectivamente, esta empresa produz informação diária sobre audiências, alinhamento de programas televisivos e bases de imagens. A empresa possui arquivos das audiências desde 1990, dos anúncios editados na televisão desde 1998 e conserva frames das emissões diárias durante meses. Duas componentes fortes da análise são a publicidade e a informação noticiosa.
Porquê a necessidade de um sistema de medir as audiências? Porque quem paga os programas, em sistema de mercado, é a publicidade que surge nos ecrãs televisivos e porque os anunciantes precisam de saber o valor das audiências que vêem os programas e os anúncios (a imagem ao lado mostra o melhor minuto de 15 de Abril último, pertencente à SIC, durante a telenovela Chocolate com pimenta) .
Das empresas de análise e medição de audiências, a mais conhecida é a americana Nielsen. Em Espanha, a empresa que mede as audiências é a Sofes. No nosso país, a Marktest opera desde 1980. Inicialmente fez inquéritos pessoas, seguindo-se os inquéritos telefónicos e os diários (até 1990). Desde então, funciona um sistema de audimetria no nosso país (a exemplo de 85 países em todo o mundo). Os sistemas de audimetria têm sofrido evoluções, começando, nos anos de 1950 e nos Estados Unidos, com um set meter, o qual evoluiu para um people meter (ligado ao sintonizador do televisor, para se saber qual o canal ligado). Actualmente, encontra-se em teste em Portugal, como noutros países, o sistema PPM (personal people meter), uma espécie de pager que acompanha o telespectador e permite, através de sinais áudio, detectar o canal sintonizado (ver o sítio da Arbitron).
Fundamental para a medição das audiências é a constituição do painel, recrutado a partir dos lares nacionais. Neste momento, existem mil audímetros em todo o país, sendo o painel renovado anualmente à volta dos 20-25%. O sistema começou com 150 lares em 1990, alargando-se para 400 em Lisboa e Porto no ano de 1992, número que estabilizou nos actuais mil o ano passado. Em estudo, prevê-se o aumento para 1500 lares com audímetro. As fases de análise incluem a produção de resultados, o polling (captura diária), a validação e a ponderação, fazendo-se a sua publicitação para os clientes através de download de bases de dados e de distribuição através da internet e WAP (telemóveis).
No nosso país, a decisão de implementação dos sistemas de medição de audiências cabe a uma entidade constituída por representantes dos operadores de televisão, anunciantes e centrais de meios, a CAEM (Comissão de Análise de Estudos dos Media). Esta organização fiscaliza o sistema de audiências, é o organismo regulador ou entidade independente que garante rigor e fiabilidade técnica, universalidade (aceite por todos os parceiros) e controlo. O sistema é financiado pela televisão e pelos anunciantes.
[A partir de uma aula do dr. Luís Queirós, presidente da Marktest]
Em Portugal, quando se fala de análise e medição de audiências de televisão, fala-se da Marktest. Efectivamente, esta empresa produz informação diária sobre audiências, alinhamento de programas televisivos e bases de imagens. A empresa possui arquivos das audiências desde 1990, dos anúncios editados na televisão desde 1998 e conserva frames das emissões diárias durante meses. Duas componentes fortes da análise são a publicidade e a informação noticiosa.
Porquê a necessidade de um sistema de medir as audiências? Porque quem paga os programas, em sistema de mercado, é a publicidade que surge nos ecrãs televisivos e porque os anunciantes precisam de saber o valor das audiências que vêem os programas e os anúncios (a imagem ao lado mostra o melhor minuto de 15 de Abril último, pertencente à SIC, durante a telenovela Chocolate com pimenta) .
Das empresas de análise e medição de audiências, a mais conhecida é a americana Nielsen. Em Espanha, a empresa que mede as audiências é a Sofes. No nosso país, a Marktest opera desde 1980. Inicialmente fez inquéritos pessoas, seguindo-se os inquéritos telefónicos e os diários (até 1990). Desde então, funciona um sistema de audimetria no nosso país (a exemplo de 85 países em todo o mundo). Os sistemas de audimetria têm sofrido evoluções, começando, nos anos de 1950 e nos Estados Unidos, com um set meter, o qual evoluiu para um people meter (ligado ao sintonizador do televisor, para se saber qual o canal ligado). Actualmente, encontra-se em teste em Portugal, como noutros países, o sistema PPM (personal people meter), uma espécie de pager que acompanha o telespectador e permite, através de sinais áudio, detectar o canal sintonizado (ver o sítio da Arbitron).
Fundamental para a medição das audiências é a constituição do painel, recrutado a partir dos lares nacionais. Neste momento, existem mil audímetros em todo o país, sendo o painel renovado anualmente à volta dos 20-25%. O sistema começou com 150 lares em 1990, alargando-se para 400 em Lisboa e Porto no ano de 1992, número que estabilizou nos actuais mil o ano passado. Em estudo, prevê-se o aumento para 1500 lares com audímetro. As fases de análise incluem a produção de resultados, o polling (captura diária), a validação e a ponderação, fazendo-se a sua publicitação para os clientes através de download de bases de dados e de distribuição através da internet e WAP (telemóveis).
No nosso país, a decisão de implementação dos sistemas de medição de audiências cabe a uma entidade constituída por representantes dos operadores de televisão, anunciantes e centrais de meios, a CAEM (Comissão de Análise de Estudos dos Media). Esta organização fiscaliza o sistema de audiências, é o organismo regulador ou entidade independente que garante rigor e fiabilidade técnica, universalidade (aceite por todos os parceiros) e controlo. O sistema é financiado pela televisão e pelos anunciantes.
[A partir de uma aula do dr. Luís Queirós, presidente da Marktest]
sexta-feira, 23 de abril de 2004
CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA COVILHÃ
A SOPCOM está a promover o seu III Congresso de Ciências da Comunicação, na Covilhã, desdobrado em dois encontros, o VI Lusocom e o II Ibérico, reunindo investigadores portugueses, brasileiros e das línguas da Espanha. De 21 a 24 de Abril, o evento terá cerca de 800 participantes, segundo a organização, o que o torna o mais importante na história portuguesa das ciências da comunicação.
Eu assisti a parte significativa do congresso luso, aglutinando portugueses e brasileiros, e apresentei uma comunicação na mesa de Jornalismo, sobre Alberto Bessa e o seu livro de jornalismo, editado faz agora cem anos [a organização forneceu um CD-ROM, mas o meu texto não aparece. Sei que o enviei a 7 de Março, pelas 19:53, para o endereço electrónico da organização, mas esta deve ter-se aproveitado da minha momentânea desorganização e não o colocou. Mas prometo lutar pela sua publicação].
Do que vi e gostei
A comunicação de abertura de António Fidalgo, professor da Universidade da Beira Interior e responsável pela organização do congresso, foi vigorosa. Parte do seu discurso dirigiu-se para a Fundação da Ciência e Tecnologia, ali representada pela vice-presidente, que tomou muitas notas na ocasião. Referiu-se nomeadamente à questão dos júris de avaliação dos projectos e dos centros de investigação em ciências da comunicação. Se, até 2002, não havia um júri autónomo para a área, tal modificou-se o ano passado. Mas o júri foi constituído por investigadores oriundos do norte da Europa, alheios à realidade das línguas ibéricas. António Fidalgo pediu que o próximo júri tenha elementos das línguas da Península Ibérica, no que foi acarinhado pelos congressistas. Claro que não podemos escamotear a hegemonia dos falantes do inglês, pelo que deve haver uma ponderação de critérios.
Das comunicações em mesas que assisti quero salientar as de Paulo Ferreira e Silva, sobre imprensa regional portuguesa, e de Elizabeth Saad Correia, sobre linguagem da informação digital. Jornalista e a desenvolver uma tese de mestrado na Universidade do Minho sobre a imprensa regional, Paulo Ferreira e Silva demonstrou como pesam os actores nas decisões na imprensa regional. O seu estudo começa em 1974. Para o congressista, haver bons jornais de proximidade (regionais) quer dizer boa informação local. Há, neste momento, 30 diários e cerca de 900 títulos de imprensa local e regional, sendo 2/3 destes últimos subsidiados pelo Estado. O texto de Paulo Ferreira e Silva mergulharia, depois, na política do porte pago e considerou que este é um factor de constrangimento na evolução e desenvolvimento dos jornais, pois tem permitido a sobrevivência de muitos desses títulos.
A apresentação de Elizabeth Saad Correia partiu da análise feita aos sites noticiosos, concluindo que há uma inexistência de padrão editorial, independente da página corporativa, com diferentes hierarquias e emprego de fontes extra-redacção. Elizabeth Saad desvendou alguns dos pressupostos - o que entendemos por linguagem, o que é o campo do jornalismo - e encara que ainda vivemos num estágio de pré-amálgama entre meios e suportes, mas onde se mantêm os valores-notícia e a ética como elementos do ciberespaço mas se perderam já os parâmetros físicos da medição do tempo e do espaço jornalísticos. Elizabeth Saad Correia é professora livre-docente do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA, da Universidade de São Paulo, pesquisadora e consultora na área de comunicação digital, nomeadamente no blog Intermezzo. A docente e comunicadora lançou no congresso um livro seu, mas que me foi impossível assistir dado ter de vir para Lisboa, onde me esperava um compromisso profissional. Espero que tudo tenha corrido bem com ela.
A SOPCOM está a promover o seu III Congresso de Ciências da Comunicação, na Covilhã, desdobrado em dois encontros, o VI Lusocom e o II Ibérico, reunindo investigadores portugueses, brasileiros e das línguas da Espanha. De 21 a 24 de Abril, o evento terá cerca de 800 participantes, segundo a organização, o que o torna o mais importante na história portuguesa das ciências da comunicação.
Eu assisti a parte significativa do congresso luso, aglutinando portugueses e brasileiros, e apresentei uma comunicação na mesa de Jornalismo, sobre Alberto Bessa e o seu livro de jornalismo, editado faz agora cem anos [a organização forneceu um CD-ROM, mas o meu texto não aparece. Sei que o enviei a 7 de Março, pelas 19:53, para o endereço electrónico da organização, mas esta deve ter-se aproveitado da minha momentânea desorganização e não o colocou. Mas prometo lutar pela sua publicação].
Do que vi e gostei
A comunicação de abertura de António Fidalgo, professor da Universidade da Beira Interior e responsável pela organização do congresso, foi vigorosa. Parte do seu discurso dirigiu-se para a Fundação da Ciência e Tecnologia, ali representada pela vice-presidente, que tomou muitas notas na ocasião. Referiu-se nomeadamente à questão dos júris de avaliação dos projectos e dos centros de investigação em ciências da comunicação. Se, até 2002, não havia um júri autónomo para a área, tal modificou-se o ano passado. Mas o júri foi constituído por investigadores oriundos do norte da Europa, alheios à realidade das línguas ibéricas. António Fidalgo pediu que o próximo júri tenha elementos das línguas da Península Ibérica, no que foi acarinhado pelos congressistas. Claro que não podemos escamotear a hegemonia dos falantes do inglês, pelo que deve haver uma ponderação de critérios.
Das comunicações em mesas que assisti quero salientar as de Paulo Ferreira e Silva, sobre imprensa regional portuguesa, e de Elizabeth Saad Correia, sobre linguagem da informação digital. Jornalista e a desenvolver uma tese de mestrado na Universidade do Minho sobre a imprensa regional, Paulo Ferreira e Silva demonstrou como pesam os actores nas decisões na imprensa regional. O seu estudo começa em 1974. Para o congressista, haver bons jornais de proximidade (regionais) quer dizer boa informação local. Há, neste momento, 30 diários e cerca de 900 títulos de imprensa local e regional, sendo 2/3 destes últimos subsidiados pelo Estado. O texto de Paulo Ferreira e Silva mergulharia, depois, na política do porte pago e considerou que este é um factor de constrangimento na evolução e desenvolvimento dos jornais, pois tem permitido a sobrevivência de muitos desses títulos.
A apresentação de Elizabeth Saad Correia partiu da análise feita aos sites noticiosos, concluindo que há uma inexistência de padrão editorial, independente da página corporativa, com diferentes hierarquias e emprego de fontes extra-redacção. Elizabeth Saad desvendou alguns dos pressupostos - o que entendemos por linguagem, o que é o campo do jornalismo - e encara que ainda vivemos num estágio de pré-amálgama entre meios e suportes, mas onde se mantêm os valores-notícia e a ética como elementos do ciberespaço mas se perderam já os parâmetros físicos da medição do tempo e do espaço jornalísticos. Elizabeth Saad Correia é professora livre-docente do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA, da Universidade de São Paulo, pesquisadora e consultora na área de comunicação digital, nomeadamente no blog Intermezzo. A docente e comunicadora lançou no congresso um livro seu, mas que me foi impossível assistir dado ter de vir para Lisboa, onde me esperava um compromisso profissional. Espero que tudo tenha corrido bem com ela.
quinta-feira, 22 de abril de 2004
PEDRO SENA NUNES NO TEATRO CINE DA COVILHÃ
Ao mesmo tempo que arrancava o congresso das ciências da comunicação, organizado pela SOPCOM (Associação Portuguesa das Ciências da Comunicação), o Teatro Cine da Covilhã passava duas curtas-metragens de Pedro Sena Nunes.
Cidade com 40 mil habitantes e cinco mil estudantes universitários, a Covilhã tem um Teatro Cine que foi inaugurado em 31 de Maio de 1954, pela companhia de teatro Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro, segundo uma placa ali colocada. E, em 1957, cantava-se La Traviata, dirigida pelo maestro Frederico de Freitas, conforme outra placa comemorativa. Teatro e ópera num tempo em que a televisão ainda não existia sequer em Lisboa. O Teatro Cine tem uma fachada granítica imponente, numa esquina de ruas do centro da cidade. Pelo ar interior sofreu obras recentes; está impecável, em linguagem simples.
Fui assim movido pela curiosidade ver as duas curtas-metragens de Pedro Sena Nunes. A primeira intitulava-se A morte do cinema e narrava a história de Álvaro Dias, mecânico de automóveis e projeccionista do cinema Avenida, em Aveiro, que recuperara uma máquina de projectar do cinema da Murtosa e passava sessões clandestinas para amigos e curiosos. Especialmente, filmes apimentados (como os de Cicciolina) e para senhoras (como o filme Música no coração). Frequentemente narrado em voz directa pelo antigo mecânico e projeccionista, a curta-metragem fez-me lembrar o filme Cinema Paraíso. Os projeccionistas são homens (ou mulheres) como nós, tem uma ânsia de passar a cultura cinematográfica. Se o personagem de Cinema Paraiso tinha uma memória cinematográfica quase erudita, o personagem real do filme de Sena Nunes está mais próximo da terra e da ria de Aveiro, uma das cidades com que mais me identifico e onde trabalhei gostosamente durante o primeiro semestre de 2000.
A segunda curta-metragem de Pedro Sena Nunes que passou no Teatro Cine da Covilhã intitula-se Cacilheiros - Alerta. Enquanto a primeira película era uma história de vida, muito etnográfica, esta conta a história de um homem e uma mulher que atravessam sem se cruzarem nunca o Tejo, em cacilheiros ou em barcos de alerta e vigilância. Há sonhos que se expressam no rosto do homem e há fantasias na mulher bailarina. Quase não há uma estória mas há um ritmo narrativo que agrada. E quase me chegava ao nariz o cheiro da água do rio Tejo, entre o fétido e o proveniente de algas. A música de Carlos Zíngaro, sincopada, minimalista, ajudava as deambulações e as fantasias dos dois personagens.
Pena que a magnífica sala - que eu pressentia plena de casais a chorarem com as árias da Traviata e a aplaudirem Amélia Rey Colaço e a companhia, há quase cinquenta anos, talvez juntando ainda todos os estudantes universitários para um espectáculo da tuna - tivesse quatro espectadores. Há umas semanas fui ver Goodbye Lenin, no Mundial, onde também estavam quatro espectadores. O cinema fecharia uns dias depois...
Ao mesmo tempo que arrancava o congresso das ciências da comunicação, organizado pela SOPCOM (Associação Portuguesa das Ciências da Comunicação), o Teatro Cine da Covilhã passava duas curtas-metragens de Pedro Sena Nunes.
Cidade com 40 mil habitantes e cinco mil estudantes universitários, a Covilhã tem um Teatro Cine que foi inaugurado em 31 de Maio de 1954, pela companhia de teatro Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro, segundo uma placa ali colocada. E, em 1957, cantava-se La Traviata, dirigida pelo maestro Frederico de Freitas, conforme outra placa comemorativa. Teatro e ópera num tempo em que a televisão ainda não existia sequer em Lisboa. O Teatro Cine tem uma fachada granítica imponente, numa esquina de ruas do centro da cidade. Pelo ar interior sofreu obras recentes; está impecável, em linguagem simples.
Fui assim movido pela curiosidade ver as duas curtas-metragens de Pedro Sena Nunes. A primeira intitulava-se A morte do cinema e narrava a história de Álvaro Dias, mecânico de automóveis e projeccionista do cinema Avenida, em Aveiro, que recuperara uma máquina de projectar do cinema da Murtosa e passava sessões clandestinas para amigos e curiosos. Especialmente, filmes apimentados (como os de Cicciolina) e para senhoras (como o filme Música no coração). Frequentemente narrado em voz directa pelo antigo mecânico e projeccionista, a curta-metragem fez-me lembrar o filme Cinema Paraíso. Os projeccionistas são homens (ou mulheres) como nós, tem uma ânsia de passar a cultura cinematográfica. Se o personagem de Cinema Paraiso tinha uma memória cinematográfica quase erudita, o personagem real do filme de Sena Nunes está mais próximo da terra e da ria de Aveiro, uma das cidades com que mais me identifico e onde trabalhei gostosamente durante o primeiro semestre de 2000.
A segunda curta-metragem de Pedro Sena Nunes que passou no Teatro Cine da Covilhã intitula-se Cacilheiros - Alerta. Enquanto a primeira película era uma história de vida, muito etnográfica, esta conta a história de um homem e uma mulher que atravessam sem se cruzarem nunca o Tejo, em cacilheiros ou em barcos de alerta e vigilância. Há sonhos que se expressam no rosto do homem e há fantasias na mulher bailarina. Quase não há uma estória mas há um ritmo narrativo que agrada. E quase me chegava ao nariz o cheiro da água do rio Tejo, entre o fétido e o proveniente de algas. A música de Carlos Zíngaro, sincopada, minimalista, ajudava as deambulações e as fantasias dos dois personagens.
Pena que a magnífica sala - que eu pressentia plena de casais a chorarem com as árias da Traviata e a aplaudirem Amélia Rey Colaço e a companhia, há quase cinquenta anos, talvez juntando ainda todos os estudantes universitários para um espectáculo da tuna - tivesse quatro espectadores. Há umas semanas fui ver Goodbye Lenin, no Mundial, onde também estavam quatro espectadores. O cinema fecharia uns dias depois...
terça-feira, 20 de abril de 2004
STING E BROKEN MUSIC
O cantor Sting editou agora um livro de memórias, intitulado Broken music, da Simon & Schuster, com 342 páginas [sigo a notícia publicada no El Pais de anteontem, e assinada por Amelia Castilla].
O livro começaria a ser escrito numa noite de inverno de 1987, no Rio de Janeiro. Sting, activista dos direitos das minorias, encontrava-se no Brasil, onde foi assistir a uma cerimónia religiosa em plena selva e provar uma medicina tradicionais que provoca visões alucinantes. No livro, Godon Matthew Summer, ou melhor Sting, conta a sua infância, desde o ajudar o pai a distribuir leite ao domícilio, às desavenças entre o pai e a mãe e ao seu refúgio na música. Aprendeu a tocar piano em casa dos avós mas decidiu-se tocar baixo. Para além da infância, o livro narra a adolescência e o seu êxito com os Police.
Sting começou a gostar de música ouvindo Jimi Hendrix (ao vivo, em Newcastle) e Bob Dylan, de quem memorizou as letras. Também aprendeu a ouvir e tocar jazz. Foi aliás compositor e cantor nessa área, enquanto conciliava aulas de música que dava num colégio de freiras. Depois, deslocou-se para Londres, onde debutava o punk. Num concerto, conheceu Steward Copland, com quem concretizou a banda Police.
O livro Broken Music conclui-se com a narrativa do desaparecimento da banda. Problemas de direitos de autor e os elevados egos dos dois músicos ditaram o fim dos Police. Aliás, este final coincidiu com o divórcio de Sting e da mãe do seu primeiro filho. Hoje, Sting tem 52 anos e quatro filhos.
FAZENDO CUT AND PASTE - UM POST DE DANIELA BERTOCCHI NO BLOG BRASILEIRO INTERMEZZO COMPARANDO O JORNALISMO DE PORTUGAL E DO BRASIL
"LÁ E CÁ
"Coluna do professor uspiano Carlos Chaparro publicada nesta segunda no Comunique-se dá conta do jornalismo impresso em Portugal e no Brasil. Alguns excertos interessantes (que eu não sei se valeriam também para o ciberjornalismo dos dois países):
"# Enquanto, no Brasil, os anúncios preenchem em torno de 65% do espaço impresso, em Portugal, o padrão médio de ocupação do espaço, por anúncios, anda em torno dos 35%. (...) Talvez isso explique a criatividade didática do desenho gráfico brasileiro, um dos melhores do mundo, graças ao qual o noticiário emerge e brilha, apesar do sufoco de “centimetragem” da publicidade.
"# A proximidade cultural dos Estados Unidos, a adesão aos paradigmas do jornalismo americano e a importação de receitas gerenciais da experiência americana têm muito a ver com esse perfil do jornalismo impresso brasileiro. (...) A imprensa portuguesa está histórica e culturalmente vinculada à escola francesa de jornalismo, enraizada na força argumentativa de articulismo. Mais do que os fatos, as idéias dão tom aos jornais mais conceituados. (...) o tempero argumentativo ainda persiste no estilo do jornalismo português. (...)Será que o tom argumentativo e os exageros verborrágicos explicam as baixas tiragens dos diários ditos de referência?
"# A proeminência do esporte (leia-se futebol) constitui uma faceta pouco estudada, e surpreendente, nas preferências jornalísticas dos portugueses. Vejam só: o país tem três jornais diários esportivos, dois deles (A Bola e o Record) com tiragens ao redor dos 100 mil exemplares, o dobro da tiragem média do Público e do Diário de Notícias, os dois jornais de maior prestígio na imprensa portuguesa.
"postado por Daniela Bertocchi às 3:28:54 PM" (19 de Abril) (Intermezzo).
BLOG EM SILÊNCIO
Vou ao congresso de ciências da comunicação, organizado pela SOPCOM, na Covilhã. Haverá um pouco de descanso neste espaço. Até ao meu regresso.
O livro começaria a ser escrito numa noite de inverno de 1987, no Rio de Janeiro. Sting, activista dos direitos das minorias, encontrava-se no Brasil, onde foi assistir a uma cerimónia religiosa em plena selva e provar uma medicina tradicionais que provoca visões alucinantes. No livro, Godon Matthew Summer, ou melhor Sting, conta a sua infância, desde o ajudar o pai a distribuir leite ao domícilio, às desavenças entre o pai e a mãe e ao seu refúgio na música. Aprendeu a tocar piano em casa dos avós mas decidiu-se tocar baixo. Para além da infância, o livro narra a adolescência e o seu êxito com os Police.
Sting começou a gostar de música ouvindo Jimi Hendrix (ao vivo, em Newcastle) e Bob Dylan, de quem memorizou as letras. Também aprendeu a ouvir e tocar jazz. Foi aliás compositor e cantor nessa área, enquanto conciliava aulas de música que dava num colégio de freiras. Depois, deslocou-se para Londres, onde debutava o punk. Num concerto, conheceu Steward Copland, com quem concretizou a banda Police.
O livro Broken Music conclui-se com a narrativa do desaparecimento da banda. Problemas de direitos de autor e os elevados egos dos dois músicos ditaram o fim dos Police. Aliás, este final coincidiu com o divórcio de Sting e da mãe do seu primeiro filho. Hoje, Sting tem 52 anos e quatro filhos.
FAZENDO CUT AND PASTE - UM POST DE DANIELA BERTOCCHI NO BLOG BRASILEIRO INTERMEZZO COMPARANDO O JORNALISMO DE PORTUGAL E DO BRASIL
"LÁ E CÁ
"Coluna do professor uspiano Carlos Chaparro publicada nesta segunda no Comunique-se dá conta do jornalismo impresso em Portugal e no Brasil. Alguns excertos interessantes (que eu não sei se valeriam também para o ciberjornalismo dos dois países):
"# Enquanto, no Brasil, os anúncios preenchem em torno de 65% do espaço impresso, em Portugal, o padrão médio de ocupação do espaço, por anúncios, anda em torno dos 35%. (...) Talvez isso explique a criatividade didática do desenho gráfico brasileiro, um dos melhores do mundo, graças ao qual o noticiário emerge e brilha, apesar do sufoco de “centimetragem” da publicidade.
"# A proximidade cultural dos Estados Unidos, a adesão aos paradigmas do jornalismo americano e a importação de receitas gerenciais da experiência americana têm muito a ver com esse perfil do jornalismo impresso brasileiro. (...) A imprensa portuguesa está histórica e culturalmente vinculada à escola francesa de jornalismo, enraizada na força argumentativa de articulismo. Mais do que os fatos, as idéias dão tom aos jornais mais conceituados. (...) o tempero argumentativo ainda persiste no estilo do jornalismo português. (...)Será que o tom argumentativo e os exageros verborrágicos explicam as baixas tiragens dos diários ditos de referência?
"# A proeminência do esporte (leia-se futebol) constitui uma faceta pouco estudada, e surpreendente, nas preferências jornalísticas dos portugueses. Vejam só: o país tem três jornais diários esportivos, dois deles (A Bola e o Record) com tiragens ao redor dos 100 mil exemplares, o dobro da tiragem média do Público e do Diário de Notícias, os dois jornais de maior prestígio na imprensa portuguesa.
"postado por Daniela Bertocchi às 3:28:54 PM" (19 de Abril) (Intermezzo).
BLOG EM SILÊNCIO
Vou ao congresso de ciências da comunicação, organizado pela SOPCOM, na Covilhã. Haverá um pouco de descanso neste espaço. Até ao meu regresso.
domingo, 18 de abril de 2004
PROGRAMAS DE HUMOR NA RÁDIO
Ouvi ontem o compacto [textos de toda a semana] do programa de humor da Palmilha Dentada, que passa diariamente na Antena 1, antes do noticiário das oito da manhã. Não escutava o programa desde 7 de Janeiro último, quando aqui critiquei o humor dos teatreiros do Porto (Ivo Bastos e Rodrigo Santos). Sem pretender dizer que me reconciliei com o humor do Enigma da Palmilha Dentada, "a primeira rádio-novela com Aloe Vera", reconheço que personagens como a dupla do General e do Cortês estão muito bem trabalhadas. E também a dupla Emilinha e La Salette, caso do diálogo desta semana sobre a fuga de cérebros, referindo-se à intenção ministerial de cativar o regresso ao país de investigadores portugueses (desde que tenham escrito cem artigos em revistas internacionais).
No programa, encontram-se tipos característicos de "non-sense", ou disparate, misturando o género do indivíduo esclarecido ou que se julga esperto em oposição à ingenuidade de outras figuras face ao que acontece no dia-a-dia. Tal construção de diálogos também foi possível encontrar no programa de humor anterior na Antena 1, A Conversa da Treta (António Feio e José Pedro Gomes), embora aqui eu detectasse um humor mais fechado, identificando tipos de pessoas de um meio urbano popular, desenrascados e finórios (ou procurando aparentá-lo).
A Voz dos Ridículos
Claro que o ideal seria traçar uma genealogia do humor radiofónico português. Mas este não é o espaço para um trabalho de tal teor nem a investigação está feita. E seria importante perceber também a relação do humor entre os vários media: hoje na televisão e na rádio (casos de Herman José, os citados António Feio e José Pedro Gomes e o mais recente caso de Nuno Markl); ontem, nos jornais e na rádio (O Senhor Doutor, de Henrique Samorano e de José de Oliveira Cosme, e os diálogos de Olavo d'Eça Leal na Emissora Nacional). Cada meio de comunicação tem características próprias, resultando uma estética específica. Num livro magnífico, Fernando Curado Ribeiro (Rádio-produção-realização-estética, de 1964) tecia comentários interessantes sobre essa estética radiofónica.
Isto vem também a propósito de A Voz dos Ridículos, programa de humor emitido a partir do Porto e que passou 59 anos desde a sua fundação, conforme lembrou anteontem o jornal O Primeiro de Janeiro (texto de Zulmiro Raimundo) e os bloguistas portuenses de rádio aludiram de imediato. Frise-se que Zulmiro Raimundo é colaborador actual do programa e filho de um dos fundadores do mesmo, o que lhe confere respeitabilidade. Sem rebuscar muito nas minhas memórias, e sem procurar desequilibrar o peso dos vários autores, destaco João Manuel, Bê Veludo e Mena Matos. Apesar de tudo, a notícia - cujo tema não mereceu tratamento nos considerados jornais de referência, como Público e Diário de Notícias, o que ilustra a tese da centralidade da capital e da periferia do resto do país - assinalou o aniversário mas não se deteve na análise das personagens e o contexto social, histórico e cultural do programa.
Emissão iniciada em 1945, no Portuense Rádio Clube, passaria por outras rádios [que hoje designaríamos por locais] como a Ideal Rádio (dentro dos Emissores Norte Reunidos), Rádio Comercial Norte e Rádio Festival, onde continua. Sendo uma espécie de porta-voz do jornal humorístico com o mesmo nome (Matos Maia, Telefonia, Círculo dos Leitores, 1995, página 162), no programa sempre se destacaram retratos e estórias de indivíduos e famílias dos bairros mais populares daquela cidade. Para além dessa análise ao quotidiano também feita pelos Parodiantes de Lisboa, nascidos em 1947 e transmitidos nas estações desta cidade, os Ridículos sempre combinaram diálogos com música, onde o acerto vocal era menos importante do que o destaque das situações. As letras eram originais, dizendo respeito a tais situações, mas as músicas eram populares, logo já conhecidas do auditório do programa. Durante muitos anos, A Voz dos Ridículos animou muitos espectáculos, tendo como fins beneficientes, isto é, fazer receitas para apoiar obras sociais. Para completar, Matos Maia, no livro que citei acima, faz alusão aos cortes da censura aos textos dos Ridículos, o que não deixa de ser curioso. É que, mesmo a brincar, se dizem coisas sérias.
O dispositivo radiofónico
Sem querer estabelecer filiações profundas, considero que a Palmilha Dentada bebe bastante desse humor portuense dos Ridículos, ao passo que a dupla da Conversa da Treta recebeu identidade de personagens dos Parodiantes de Lisboa, talvez a marcar as idiossincrasias colectivas das duas cidades de onde provêm os humoristas ou teatreiros.
De qualquer forma, nota-se a montagem de um dispositivo simples - o que sabe um pouco de uma coisa e o que ignora ou confunde tudo sobre essa coisa, o que ensina e o que é ensinado, o mais atinado e o mais "espalha-brasas", o mais urbano e o mais popular. Isso vem do tempo de O Senhor Doutor e do Menino Tonecas (que nasceu nos jornais, transitou para a rádio e, mais recentemente, para a televisão). O humor residia nos trocadilhos mas procurando ensinar. Dito de outra maneira - aprender a partir do humor, género: "Professor: D. Afonso Henriques, desejoso do poder, com o auxílio de D. Paio, arcebispo de Braga, e de balsão desfraldado na Batalha de S. Mamede, derrotou as hostes da sua mãe, Dona Teresa... Vamos! Repita lá isto... Aluno: D. Afonso Henriques, desejoso de comer, atirou-se ao paio do arcebispo de Braga, e com o calção rasgado na Travessa de S. Mamede papou as hóstias da mãe da Teresa" (livro de Matos Maia, p. 77).
O humor combina-se, assim, com educação e reflexão. Mas sem esquecer códigos morais implícitos. Há, no escasso tempo de cada emissão, um traço pictórico impressionista, que caracteriza um dado grupo social. Em O Senhor Doutor vivia-se o esforço da escolarização obrigatória, A Voz dos Ridículos e Os Parodiantes de Lisboa retratam as figuras e tipos populares das cidades de onde emitem, ao passo que a Palmilha Dentada já não reflecte a busca do verismo dos programas anteriores, mas antes uma filosofia de desconstrução. Em que a sátira e o riso estão sempre presentes, como também observamos nos velhos jornais e publicações de Rafael Bordalo Pinheiro, nos finais do século XIX (o burlesco das figuras públicas), e redescobrimos no cinema dos anos de 1930 e 1940, com os seus tipos populares (o desenrascado, o desastrado, a menina que pretende casar, o pinga-amores, os com dotes escondidos ou sublimados e que se revelam eficazes para o sucesso futuro).
Claro que, como escrevo no começo da mensagem, o ideal será estudar longitudinalmente, ao longo do tempo, as personagens criadas nos programas de humor radiofónico, analisar a sua evolução, entrada e saída, em suma, as diversas narrativas em jogo. E ver a importância dos sons - em separadores, jingles, vozes.
Ouvi ontem o compacto [textos de toda a semana] do programa de humor da Palmilha Dentada, que passa diariamente na Antena 1, antes do noticiário das oito da manhã. Não escutava o programa desde 7 de Janeiro último, quando aqui critiquei o humor dos teatreiros do Porto (Ivo Bastos e Rodrigo Santos). Sem pretender dizer que me reconciliei com o humor do Enigma da Palmilha Dentada, "a primeira rádio-novela com Aloe Vera", reconheço que personagens como a dupla do General e do Cortês estão muito bem trabalhadas. E também a dupla Emilinha e La Salette, caso do diálogo desta semana sobre a fuga de cérebros, referindo-se à intenção ministerial de cativar o regresso ao país de investigadores portugueses (desde que tenham escrito cem artigos em revistas internacionais).
No programa, encontram-se tipos característicos de "non-sense", ou disparate, misturando o género do indivíduo esclarecido ou que se julga esperto em oposição à ingenuidade de outras figuras face ao que acontece no dia-a-dia. Tal construção de diálogos também foi possível encontrar no programa de humor anterior na Antena 1, A Conversa da Treta (António Feio e José Pedro Gomes), embora aqui eu detectasse um humor mais fechado, identificando tipos de pessoas de um meio urbano popular, desenrascados e finórios (ou procurando aparentá-lo).
A Voz dos Ridículos
Claro que o ideal seria traçar uma genealogia do humor radiofónico português. Mas este não é o espaço para um trabalho de tal teor nem a investigação está feita. E seria importante perceber também a relação do humor entre os vários media: hoje na televisão e na rádio (casos de Herman José, os citados António Feio e José Pedro Gomes e o mais recente caso de Nuno Markl); ontem, nos jornais e na rádio (O Senhor Doutor, de Henrique Samorano e de José de Oliveira Cosme, e os diálogos de Olavo d'Eça Leal na Emissora Nacional). Cada meio de comunicação tem características próprias, resultando uma estética específica. Num livro magnífico, Fernando Curado Ribeiro (Rádio-produção-realização-estética, de 1964) tecia comentários interessantes sobre essa estética radiofónica.
Isto vem também a propósito de A Voz dos Ridículos, programa de humor emitido a partir do Porto e que passou 59 anos desde a sua fundação, conforme lembrou anteontem o jornal O Primeiro de Janeiro (texto de Zulmiro Raimundo) e os bloguistas portuenses de rádio aludiram de imediato. Frise-se que Zulmiro Raimundo é colaborador actual do programa e filho de um dos fundadores do mesmo, o que lhe confere respeitabilidade. Sem rebuscar muito nas minhas memórias, e sem procurar desequilibrar o peso dos vários autores, destaco João Manuel, Bê Veludo e Mena Matos. Apesar de tudo, a notícia - cujo tema não mereceu tratamento nos considerados jornais de referência, como Público e Diário de Notícias, o que ilustra a tese da centralidade da capital e da periferia do resto do país - assinalou o aniversário mas não se deteve na análise das personagens e o contexto social, histórico e cultural do programa.
Emissão iniciada em 1945, no Portuense Rádio Clube, passaria por outras rádios [que hoje designaríamos por locais] como a Ideal Rádio (dentro dos Emissores Norte Reunidos), Rádio Comercial Norte e Rádio Festival, onde continua. Sendo uma espécie de porta-voz do jornal humorístico com o mesmo nome (Matos Maia, Telefonia, Círculo dos Leitores, 1995, página 162), no programa sempre se destacaram retratos e estórias de indivíduos e famílias dos bairros mais populares daquela cidade. Para além dessa análise ao quotidiano também feita pelos Parodiantes de Lisboa, nascidos em 1947 e transmitidos nas estações desta cidade, os Ridículos sempre combinaram diálogos com música, onde o acerto vocal era menos importante do que o destaque das situações. As letras eram originais, dizendo respeito a tais situações, mas as músicas eram populares, logo já conhecidas do auditório do programa. Durante muitos anos, A Voz dos Ridículos animou muitos espectáculos, tendo como fins beneficientes, isto é, fazer receitas para apoiar obras sociais. Para completar, Matos Maia, no livro que citei acima, faz alusão aos cortes da censura aos textos dos Ridículos, o que não deixa de ser curioso. É que, mesmo a brincar, se dizem coisas sérias.
O dispositivo radiofónico
Sem querer estabelecer filiações profundas, considero que a Palmilha Dentada bebe bastante desse humor portuense dos Ridículos, ao passo que a dupla da Conversa da Treta recebeu identidade de personagens dos Parodiantes de Lisboa, talvez a marcar as idiossincrasias colectivas das duas cidades de onde provêm os humoristas ou teatreiros.
De qualquer forma, nota-se a montagem de um dispositivo simples - o que sabe um pouco de uma coisa e o que ignora ou confunde tudo sobre essa coisa, o que ensina e o que é ensinado, o mais atinado e o mais "espalha-brasas", o mais urbano e o mais popular. Isso vem do tempo de O Senhor Doutor e do Menino Tonecas (que nasceu nos jornais, transitou para a rádio e, mais recentemente, para a televisão). O humor residia nos trocadilhos mas procurando ensinar. Dito de outra maneira - aprender a partir do humor, género: "Professor: D. Afonso Henriques, desejoso do poder, com o auxílio de D. Paio, arcebispo de Braga, e de balsão desfraldado na Batalha de S. Mamede, derrotou as hostes da sua mãe, Dona Teresa... Vamos! Repita lá isto... Aluno: D. Afonso Henriques, desejoso de comer, atirou-se ao paio do arcebispo de Braga, e com o calção rasgado na Travessa de S. Mamede papou as hóstias da mãe da Teresa" (livro de Matos Maia, p. 77).
O humor combina-se, assim, com educação e reflexão. Mas sem esquecer códigos morais implícitos. Há, no escasso tempo de cada emissão, um traço pictórico impressionista, que caracteriza um dado grupo social. Em O Senhor Doutor vivia-se o esforço da escolarização obrigatória, A Voz dos Ridículos e Os Parodiantes de Lisboa retratam as figuras e tipos populares das cidades de onde emitem, ao passo que a Palmilha Dentada já não reflecte a busca do verismo dos programas anteriores, mas antes uma filosofia de desconstrução. Em que a sátira e o riso estão sempre presentes, como também observamos nos velhos jornais e publicações de Rafael Bordalo Pinheiro, nos finais do século XIX (o burlesco das figuras públicas), e redescobrimos no cinema dos anos de 1930 e 1940, com os seus tipos populares (o desenrascado, o desastrado, a menina que pretende casar, o pinga-amores, os com dotes escondidos ou sublimados e que se revelam eficazes para o sucesso futuro).
Claro que, como escrevo no começo da mensagem, o ideal será estudar longitudinalmente, ao longo do tempo, as personagens criadas nos programas de humor radiofónico, analisar a sua evolução, entrada e saída, em suma, as diversas narrativas em jogo. E ver a importância dos sons - em separadores, jingles, vozes.
sexta-feira, 16 de abril de 2004
AUTOPROMOÇÕES
Desde há bastante tempo, decorre uma forte discussão sobre a autopromoção de programas televisivos. A SIC lidera, normalmente, esta iniciativa de publicidade aos seus programas. Mas tem-se omitido as autopromoções dos jornais, que me parecem igualmente gravosas. O Correio da Manhã tem uma campanha nos mupies sobre azulejos que acompanham as suas edições. O Público, ontem, na primeira página, quase constituindo uma manchete [hesito sobre o nome a dar aquele destaque, do meio da página para baixo], sobre um conjunto de discos a acompanhar as suas edições em breve. O texto, acompanhado por uma fotografia, até parece anunciar uma notícia. Contudo, não passa da promoção de discos, mas essa informação não estava devidamente assinalada como publicidade.
O Diário de Notícias de hoje é antológico nesse ponto. Tem 7,5 (sete páginas e meia) em 65 páginas [não conto o caderno de anúncios e os outros suplementos]. São 11,5% do espaço total do jornal ocupados em autopromoções! A concursos de automóveis, enciclopédia (três páginas!), jovens criativos (em parceria com outra empresa), livros (cinema, do 25 de Abril), filme e colecção de discos (em parceria com outra empresa).
Já anteontem me tinha referido ao assunto. As empresas jornalísticas estão a ultrapassar o nível do comedimento, dado o número cada vez maior de produtos que acompanham o jornal. Este deixa de residir num produto essencial - a informação -, mas perene, porque tornado obsoleto pelo jornal do dia seguinte, e passa a ser o canal de distribuição de produtos pretensamente culturais e de coleccionismo. Alienam-nos, porque sentimos necessidade de comprar e possuir. E fazem-nos esquecer os sítios onde eles se compram habitualmente - a discoteca, a livraria, a loja de utensílios decorativos.
SOBRE OS FÃS, DE NOVO
Neste local já escrevi sobre fãs. Hoje, quero voltar a ele e a um texto escrito por Joli Jensen. Para esta autora, a literatura sobre fãs dá-nos, frequentemente, imagens de desvio. Ele, o fã, que aparece como excessivo, perto do comportamento de louco, definido como resposta ao sistema das estrelas. Isto é, numa sociedade plenamente mediatizada, as celebridades ou vedetas funcionam como modelos para os fãs, envolvidos em “relações sociais artificiais” com aquelas.
No começo do séc. XX, termos da sociedade de massa, como alienação e atomização, adquirem uma ressonância profunda nos Estados Unidos urbanizados e industrializados. Ao benefício do progresso, celebrado por tecnocratas e industriais, opunha-se o pensamento de intelectuais e críticos sociais. Estes denunciavam o declínio das comunidades a par do crescente aumento do poderio dos media de massa. As comunidades viam-se como dando identidade, apoio e protecção. O refinamento da publicidade e das campanhas de relações públicas, o sucesso da propaganda no período da I Grande Guerra e o crescimento da popularidade do cinema e da rádio, trouxeram os receios de um poder imenso das técnicas de propaganda e da comunicação. Os públicos tornavam-se multidões e as multidões tornam-se turbas violentas. Assim, define-se a modernidade como uma sociedade de massa fragmentada e desagregada, em que se destaca o fã patológico, cuja vida está dominada pela fixação irracional na vedeta de cinema ou musical.
Depois, nos anos de 1950, associam-se imagens de adolescentes, fãs do rock’n’roll. Ao ler notícias sobre música popular e aos jovens, tornar-se-ia vulgar surgirem imagens de violência, bebidas, droga, sexo e questões raciais. O heavy metal seria um desses géneros de música juvenil violenta, ligando-se a cultos satânicos. Mas a violência incontrolável dos fãs também aparece no desporto, caso do hooliganismo. Caracteriza-se o fã como rápido aderente a comportamentos violentos e destrutivos.
Assim, e para resumir o texto de Jensen, a literatura sobre os fãs, vedetas e influência dos media diz-nos que aqueles sofrem de desadequação psicológica e são particularmente vulneráveis à influência dos media e ao contágio das multidões. O fã procura contacto com vedetas e famosos, sabe tudo sobre os seus gostos e preferências, de modo a compensar vidas desadaptadas.
Leitura: Joli Jensen (1992). “Fandom as pathology: the consequences of characterization”. In Lisa A. Lewis (ed.) The adoring audience. Londres e Nova Iorque: Routledge (edição digitalizada em 2003)
Desde há bastante tempo, decorre uma forte discussão sobre a autopromoção de programas televisivos. A SIC lidera, normalmente, esta iniciativa de publicidade aos seus programas. Mas tem-se omitido as autopromoções dos jornais, que me parecem igualmente gravosas. O Correio da Manhã tem uma campanha nos mupies sobre azulejos que acompanham as suas edições. O Público, ontem, na primeira página, quase constituindo uma manchete [hesito sobre o nome a dar aquele destaque, do meio da página para baixo], sobre um conjunto de discos a acompanhar as suas edições em breve. O texto, acompanhado por uma fotografia, até parece anunciar uma notícia. Contudo, não passa da promoção de discos, mas essa informação não estava devidamente assinalada como publicidade.
O Diário de Notícias de hoje é antológico nesse ponto. Tem 7,5 (sete páginas e meia) em 65 páginas [não conto o caderno de anúncios e os outros suplementos]. São 11,5% do espaço total do jornal ocupados em autopromoções! A concursos de automóveis, enciclopédia (três páginas!), jovens criativos (em parceria com outra empresa), livros (cinema, do 25 de Abril), filme e colecção de discos (em parceria com outra empresa).
Já anteontem me tinha referido ao assunto. As empresas jornalísticas estão a ultrapassar o nível do comedimento, dado o número cada vez maior de produtos que acompanham o jornal. Este deixa de residir num produto essencial - a informação -, mas perene, porque tornado obsoleto pelo jornal do dia seguinte, e passa a ser o canal de distribuição de produtos pretensamente culturais e de coleccionismo. Alienam-nos, porque sentimos necessidade de comprar e possuir. E fazem-nos esquecer os sítios onde eles se compram habitualmente - a discoteca, a livraria, a loja de utensílios decorativos.
SOBRE OS FÃS, DE NOVO
Neste local já escrevi sobre fãs. Hoje, quero voltar a ele e a um texto escrito por Joli Jensen. Para esta autora, a literatura sobre fãs dá-nos, frequentemente, imagens de desvio. Ele, o fã, que aparece como excessivo, perto do comportamento de louco, definido como resposta ao sistema das estrelas. Isto é, numa sociedade plenamente mediatizada, as celebridades ou vedetas funcionam como modelos para os fãs, envolvidos em “relações sociais artificiais” com aquelas.
No começo do séc. XX, termos da sociedade de massa, como alienação e atomização, adquirem uma ressonância profunda nos Estados Unidos urbanizados e industrializados. Ao benefício do progresso, celebrado por tecnocratas e industriais, opunha-se o pensamento de intelectuais e críticos sociais. Estes denunciavam o declínio das comunidades a par do crescente aumento do poderio dos media de massa. As comunidades viam-se como dando identidade, apoio e protecção. O refinamento da publicidade e das campanhas de relações públicas, o sucesso da propaganda no período da I Grande Guerra e o crescimento da popularidade do cinema e da rádio, trouxeram os receios de um poder imenso das técnicas de propaganda e da comunicação. Os públicos tornavam-se multidões e as multidões tornam-se turbas violentas. Assim, define-se a modernidade como uma sociedade de massa fragmentada e desagregada, em que se destaca o fã patológico, cuja vida está dominada pela fixação irracional na vedeta de cinema ou musical.
Depois, nos anos de 1950, associam-se imagens de adolescentes, fãs do rock’n’roll. Ao ler notícias sobre música popular e aos jovens, tornar-se-ia vulgar surgirem imagens de violência, bebidas, droga, sexo e questões raciais. O heavy metal seria um desses géneros de música juvenil violenta, ligando-se a cultos satânicos. Mas a violência incontrolável dos fãs também aparece no desporto, caso do hooliganismo. Caracteriza-se o fã como rápido aderente a comportamentos violentos e destrutivos.
Assim, e para resumir o texto de Jensen, a literatura sobre os fãs, vedetas e influência dos media diz-nos que aqueles sofrem de desadequação psicológica e são particularmente vulneráveis à influência dos media e ao contágio das multidões. O fã procura contacto com vedetas e famosos, sabe tudo sobre os seus gostos e preferências, de modo a compensar vidas desadaptadas.
Leitura: Joli Jensen (1992). “Fandom as pathology: the consequences of characterization”. In Lisa A. Lewis (ed.) The adoring audience. Londres e Nova Iorque: Routledge (edição digitalizada em 2003)
quinta-feira, 15 de abril de 2004
ENCONTRO E ALMOÇO DE BLOGUISTAS
Propõe Letras com garfos,de Orlando Braga, a realização de um encontro e almoço de bloguistas no próximo dia 1 de Maio no Porto. Neste momento, já há 46 blogs inscritos. Não sei o local do encontro, mas o bloguista organizador fala de uma passagem no Lugar Do Desenho - sede da Fundação Júlio Resende, perto do restaurante onde haverá o convívio. Estou com imensa curiosidade em conhecer melhor a tribo bloguista, nesta versão em que se junta o útil ao agradável.
DÚVIDAS METÓDICAS
Perguntava hoje, às 00:26, o bloguista das Luminescências: "O Rogério Santos das Teorias da Comunicação e das Industrias Culturais é da área do jornalismo ou da publicidade?! publicado por Iluminado @ 00:26 - Comentários". Claro que o meu programa está enunciado no cabeçalho, e procuro cumpri-lo. Um abraço ao Iluminado.
A propósito: este sítio foi visitado esta semana por um internauta do Japão. Será um português a trabalhar lá? Ou porque eu coloquei no dia 13 uma imagem da Nana, um dos ídolos virtuais japoneses de maior sucesso?
EVOLUÇÃO
Comentava, na abertura do seu programa Ritornello, na Antena 2, Jorge Rodrigues: "Agora, quando nos referirmos aos acontecimentos em França de 1789, falar-se-á de evolução francesa". Isto a propósito de se ter perdido o r da revolução do 25 de Abril de 1974, de acordo com os outdoors espalhados no país. (R)evoluções!
E, por escrever Antena 2: Eduardo Street, à segunda-feira, no programa Jardim da Música, de Judite Lima, está a falar da história da rádio. Esta semana apresentou notícias de 1934. O programa passa à hora de almoço.
JINGLES DE RÁDIO
Via Jornal Rádio, via Os Dias da Rádio, cheguei a LisbonFM, página de Artur Miguel Dias, professor da Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciência e Tecnologia. Este sitio tem cerca de 50 jingles (em mp3) das estações de rádio de Lisboa, algumas delas que deixaram já de emitir ou mudaram os seus jingles. Particular saudade deixou-me a audição do jingle da "XFM - para uma imensa minoria".
Explica o docente da Nova como fez o trabalho: "On 21/Oct/1995, during the afternoon, I set my 8 years old Panasonic NV-F70 VHS-HIFI video recorder to Long Play mode and Line/Audio mode, introduced a 240m tape, pressed the record button and let the tape run while switching FM channels on my AKAY AT-52 tuner. As each jingle appeared I indexed it using the remote control. This took me six hours. The sampling procedure took me two extra hours".
Propõe Letras com garfos,de Orlando Braga, a realização de um encontro e almoço de bloguistas no próximo dia 1 de Maio no Porto. Neste momento, já há 46 blogs inscritos. Não sei o local do encontro, mas o bloguista organizador fala de uma passagem no Lugar Do Desenho - sede da Fundação Júlio Resende, perto do restaurante onde haverá o convívio. Estou com imensa curiosidade em conhecer melhor a tribo bloguista, nesta versão em que se junta o útil ao agradável.
DÚVIDAS METÓDICAS
Perguntava hoje, às 00:26, o bloguista das Luminescências: "O Rogério Santos das Teorias da Comunicação e das Industrias Culturais é da área do jornalismo ou da publicidade?! publicado por Iluminado @ 00:26 - Comentários". Claro que o meu programa está enunciado no cabeçalho, e procuro cumpri-lo. Um abraço ao Iluminado.
A propósito: este sítio foi visitado esta semana por um internauta do Japão. Será um português a trabalhar lá? Ou porque eu coloquei no dia 13 uma imagem da Nana, um dos ídolos virtuais japoneses de maior sucesso?
EVOLUÇÃO
Comentava, na abertura do seu programa Ritornello, na Antena 2, Jorge Rodrigues: "Agora, quando nos referirmos aos acontecimentos em França de 1789, falar-se-á de evolução francesa". Isto a propósito de se ter perdido o r da revolução do 25 de Abril de 1974, de acordo com os outdoors espalhados no país. (R)evoluções!
E, por escrever Antena 2: Eduardo Street, à segunda-feira, no programa Jardim da Música, de Judite Lima, está a falar da história da rádio. Esta semana apresentou notícias de 1934. O programa passa à hora de almoço.
JINGLES DE RÁDIO
Via Jornal Rádio, via Os Dias da Rádio, cheguei a LisbonFM, página de Artur Miguel Dias, professor da Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciência e Tecnologia. Este sitio tem cerca de 50 jingles (em mp3) das estações de rádio de Lisboa, algumas delas que deixaram já de emitir ou mudaram os seus jingles. Particular saudade deixou-me a audição do jingle da "XFM - para uma imensa minoria".
Explica o docente da Nova como fez o trabalho: "On 21/Oct/1995, during the afternoon, I set my 8 years old Panasonic NV-F70 VHS-HIFI video recorder to Long Play mode and Line/Audio mode, introduced a 240m tape, pressed the record button and let the tape run while switching FM channels on my AKAY AT-52 tuner. As each jingle appeared I indexed it using the remote control. This took me six hours. The sampling procedure took me two extra hours".
quarta-feira, 14 de abril de 2004
QUAL É A NOTÍCIA? QUAL É A PUBLICIDADE?
A edição de hoje do Diário de Notícias tem motivos particulares. Confesso que a minha formação em jornalismo não deve dar para compreender o conteúdo de algumas páginas [o que eu ensino está, pois, fora de moda].
Assim, na página 4, vem um editorial não assinado. Área nobre do jornalismo, uma oportunidade de interpretação e de tomada de posição perante um problema – no caso em apreço o anúncio de um novo modelo de financiamento para a Fundação Ciência e Tecnologia –, não há uma assinatura. Vou ter de reler o que escreveram, pelo menos, Cristina Ponte, Mário Mesquita e Nelson Traquina sobre jornalismo.
Títulos
Provavelmente, será uma posição da direcção do jornal. Mas não fica bem esse anonimato tanto mais que na página seguinte, de publicidade, vem uma assinatura. O grave é que ela seja de um jornalista do próprio Diário de Notícias, Nuno Galopim, o editor do DNMúsica. O texto publicitário tem um título que não fica atrás do da página anterior. Se o editorial se chama “Caça aos «cérebros»”, a publicidade está intitulada “Basta de choro.”. E até tem um lead: “Em tempos de crise na indústria musical, o DN e a TSF arregaçam as mangas e lançam um projecto para dar mais vida à música portuguesa”.
No texto, pode-se ler: “Nos últimos tempos, enfrentando por um lado certas restrições financeiras e por outro alimentando internamente um certo temor perante a ousadia da aposta na novidade, a esmagadora maioria das grandes editoras refrearam a assinatura de novos artistas. É certo que pontualmente temos assistido ao lançamento de novos talentos em disco, mas esta não é mais a postura prioritária em muitos catálogos. Cabe portanto às pequenas estruturas independentes o fundamental papel de renovação do panorama discográfico […]”.
Eu gosto do texto, pois tem qualidade. Mas é apenas publicidade. E o Diário de Notícias assume-se como uma editora discográfica, ou melhor como uma pequena estrutura independente. Tem um canal de distribuição própria, que é o jornal, e um canal de marketing, que continua a ser o jornal. Ou seja, o jornal é um veículo ao serviço da pequena estrutura independente!
Promoção para uma imensa minoria
Mais à frente, na página 32, há um destaque – melhor, publicidade ou promoção – ao primeiro CD do catálogo DN. Com o título “Um CD para uma imensa minoria”, que remete para o slogan da mítica e já desaparecida estação de rádio XFM. Não deixa de ser pertinente percorrer duas outras páginas da mesma edição do jornal. Nas páginas 46 e 47, o jornalista Nuno Galopim assina a entrevista ao compositor inglês Michael Nyman, famoso nomeadamente pela banda sonora do filme O piano [não confundir com dois outros importantes filmes A pianista e O pianista]. Será que, um destes dias, a entrevista se transforma em publicidade de página inteira?
Já na página 54, sob o título “Um príncipe dinamarquês dividido […]” é feita promoção ao filme que acompanha a edição do jornal de amanhã, Hamlet, de Franco Zefirelli. O texto não está assinado e a página não tem a encabeçá-la a indicação de publicidade, mas que ela é, é. Depois, na página 42, mais de um quarto de página a publicitar um livro de cinema DN, Drácula, com a indicação do respectivo preço. E, na página 61, o anúncio ao livro a sair no sábado 24 sobre a comemoração dos 30 anos do 25 de Abril. Isto sem esquecer as páginas 30 e 31 sobre a Mega Enciclopédia DN. Esta publicidade é também curiosa, num momento em que os jornais diários se engalfinham a vender enciclopédias, como há anos nos batiam à porta a vender livros.
Não sei se me escapa algum outro anúncio ou promoção. Mas acho um erro tremendo que um jornal seja alvo de tanta auto-promoção. Na televisão ainda compreendo, por se tratar de um meio que decorre ao longo do tempo, e os espectadores precisam de ser lembrados. Ao invés, um jornal é um meio físico, compacto, onde a informação está sempre disponível à sua leitura. Claro que, se um canal existe, ele deve ser explorado para a máxima exploração e rendimento. O que se lamenta é que existam zonas de não esclarecimento - ou melhor, zonas de interpenetração - em que não se sabe e confunde o que é informação e o que é publicidade. O que se lamenta é que o jornal, elemento de informação e reflexão, formador da opinião pública, seja o camião que transporta os bens produzidos pelas indústrias culturais, sem uma identificação prévia.
A edição de hoje do Diário de Notícias tem motivos particulares. Confesso que a minha formação em jornalismo não deve dar para compreender o conteúdo de algumas páginas [o que eu ensino está, pois, fora de moda].
Assim, na página 4, vem um editorial não assinado. Área nobre do jornalismo, uma oportunidade de interpretação e de tomada de posição perante um problema – no caso em apreço o anúncio de um novo modelo de financiamento para a Fundação Ciência e Tecnologia –, não há uma assinatura. Vou ter de reler o que escreveram, pelo menos, Cristina Ponte, Mário Mesquita e Nelson Traquina sobre jornalismo.
Títulos
Provavelmente, será uma posição da direcção do jornal. Mas não fica bem esse anonimato tanto mais que na página seguinte, de publicidade, vem uma assinatura. O grave é que ela seja de um jornalista do próprio Diário de Notícias, Nuno Galopim, o editor do DNMúsica. O texto publicitário tem um título que não fica atrás do da página anterior. Se o editorial se chama “Caça aos «cérebros»”, a publicidade está intitulada “Basta de choro.”. E até tem um lead: “Em tempos de crise na indústria musical, o DN e a TSF arregaçam as mangas e lançam um projecto para dar mais vida à música portuguesa”.
No texto, pode-se ler: “Nos últimos tempos, enfrentando por um lado certas restrições financeiras e por outro alimentando internamente um certo temor perante a ousadia da aposta na novidade, a esmagadora maioria das grandes editoras refrearam a assinatura de novos artistas. É certo que pontualmente temos assistido ao lançamento de novos talentos em disco, mas esta não é mais a postura prioritária em muitos catálogos. Cabe portanto às pequenas estruturas independentes o fundamental papel de renovação do panorama discográfico […]”.
Eu gosto do texto, pois tem qualidade. Mas é apenas publicidade. E o Diário de Notícias assume-se como uma editora discográfica, ou melhor como uma pequena estrutura independente. Tem um canal de distribuição própria, que é o jornal, e um canal de marketing, que continua a ser o jornal. Ou seja, o jornal é um veículo ao serviço da pequena estrutura independente!
Promoção para uma imensa minoria
Mais à frente, na página 32, há um destaque – melhor, publicidade ou promoção – ao primeiro CD do catálogo DN. Com o título “Um CD para uma imensa minoria”, que remete para o slogan da mítica e já desaparecida estação de rádio XFM. Não deixa de ser pertinente percorrer duas outras páginas da mesma edição do jornal. Nas páginas 46 e 47, o jornalista Nuno Galopim assina a entrevista ao compositor inglês Michael Nyman, famoso nomeadamente pela banda sonora do filme O piano [não confundir com dois outros importantes filmes A pianista e O pianista]. Será que, um destes dias, a entrevista se transforma em publicidade de página inteira?
Já na página 54, sob o título “Um príncipe dinamarquês dividido […]” é feita promoção ao filme que acompanha a edição do jornal de amanhã, Hamlet, de Franco Zefirelli. O texto não está assinado e a página não tem a encabeçá-la a indicação de publicidade, mas que ela é, é. Depois, na página 42, mais de um quarto de página a publicitar um livro de cinema DN, Drácula, com a indicação do respectivo preço. E, na página 61, o anúncio ao livro a sair no sábado 24 sobre a comemoração dos 30 anos do 25 de Abril. Isto sem esquecer as páginas 30 e 31 sobre a Mega Enciclopédia DN. Esta publicidade é também curiosa, num momento em que os jornais diários se engalfinham a vender enciclopédias, como há anos nos batiam à porta a vender livros.
Não sei se me escapa algum outro anúncio ou promoção. Mas acho um erro tremendo que um jornal seja alvo de tanta auto-promoção. Na televisão ainda compreendo, por se tratar de um meio que decorre ao longo do tempo, e os espectadores precisam de ser lembrados. Ao invés, um jornal é um meio físico, compacto, onde a informação está sempre disponível à sua leitura. Claro que, se um canal existe, ele deve ser explorado para a máxima exploração e rendimento. O que se lamenta é que existam zonas de não esclarecimento - ou melhor, zonas de interpenetração - em que não se sabe e confunde o que é informação e o que é publicidade. O que se lamenta é que o jornal, elemento de informação e reflexão, formador da opinião pública, seja o camião que transporta os bens produzidos pelas indústrias culturais, sem uma identificação prévia.
terça-feira, 13 de abril de 2004
BELEZAS DIGITAIS
Tem-se registado, nas duas últimas décadas, um enorme desenvolvimento nas capacidades digitais, que incluem as interfaces gráficas, a produção de ilustrações, a arte, a publicidade e o design. Não foi a forma de criação em si que mudou, mas o processo de trabalho, considera Julius Wiedemann em livro saido este ano, com o título Digital beauties. Em rápida ascensão, os meios de três dimensões (3D) tornar-se-ão o meio preferido da actual geração de computação gráfica.
Aqui, neste sítio, já referi diversas vezes o peso da 3D na produção cinematográfica animada, com a Pixar e a Dreamcast. Para além dos filmes e dos jogos, também apresentações e arquitectura já entraram na fase de produção e interacção digital. As capacidades virtuais reduzem a distância entre o real e o virtual. No Japão, surgiram os ídolos virtuais, personagens criadas por computador. Na maior parte parecem-se com as adolescentes e tornam-se figuras de jogo de computador, cantoras, modelos e actrizes. Em páginas da internet, é já possível fazer downloads de vestuário, acessórios e outros utensílios para os modelos digitais. Estes ídolos virtuais japoneses fazem campanhas publicitárias para automóveis como para servidores da internet. Por outro lado, o desenvolvimento tecnológico digital permite a qualquer pessoa, em casa e com o seu computador portátil, produzir efeitos especiais nas personagens que cria, actividade limitada, até há uns dois anos, aos filmes de Hollywood.
O livro de Wiedemann é a primeira obra mundial de referência de personagens femininas digitais criadas por computação gráfica. Nele expõem-se cerca de 100 artistas em mais de 500 ilustrações sobre a forma feminina. Para Wiedemann, autor do livro que estou a seguir, a arte digital entende-se como a arte produzida com recursos digitais ou através da combinação de métodos digitais e analógicos. Das suas páginas, destaco autores como os japoneses Akihiko Kametaka, que se especializou na construção de modelos de mulheres medievais, e Kakomiki, com as suas estrelas pop eléctricas ciber, em especial o modelo Sayaka, o inglês Andy Simmons, com castelos e paisagens fantásticas (primeira imagem), o americano Glenn Dean, com as suas estrelas de Hollywood. Já o canadiano Daniel Robichaud, que trabalhou no canal televisivo CBC (1984-1993) e se transferiu para a Film & Tape Works, em Chicago, como director de animação, acabou por se mudar para Los Angeles, para a Digital Domain, em projectos como Terminator 2-3D e Titanic. Ele desenhou a Marlene [Dietrich] Digital. O copyright não me permite reproduzir as imagens, de grande beleza e verosimilhança com o real, mas aconselho uma visita ao sítio indicado para ver as obras de Daniel Robichaud.
Quanto a Nana tem sido apresentada como celebridade em revistas e programas de televisão. Pertença da agência de modelos digitais Japan Audio Visual Workshop, sediada em Tóquio, os nomes dos criadores de Nana permanecem em segredo. Ela é uma humanóide, com 17 anos e 1,60 metros, estudante liceal. O seu sonho é ser top model, cantora e actriz, exactamente o padrão dos ídolos virtuais japoneses. Finalmente, o japonês Ino Kaotu trabalha em mangas digitais. A mangas são bandas desenhadas, revistas e livros japoneses publicados com uma periodicidade semanal ou mensal.
Livro: Julius Wiedemann (2004). Digital beauties. 2D and 3D computer generated models. Virtual idols and characters. Köln: Taschen
Aqui, neste sítio, já referi diversas vezes o peso da 3D na produção cinematográfica animada, com a Pixar e a Dreamcast. Para além dos filmes e dos jogos, também apresentações e arquitectura já entraram na fase de produção e interacção digital. As capacidades virtuais reduzem a distância entre o real e o virtual. No Japão, surgiram os ídolos virtuais, personagens criadas por computador. Na maior parte parecem-se com as adolescentes e tornam-se figuras de jogo de computador, cantoras, modelos e actrizes. Em páginas da internet, é já possível fazer downloads de vestuário, acessórios e outros utensílios para os modelos digitais. Estes ídolos virtuais japoneses fazem campanhas publicitárias para automóveis como para servidores da internet. Por outro lado, o desenvolvimento tecnológico digital permite a qualquer pessoa, em casa e com o seu computador portátil, produzir efeitos especiais nas personagens que cria, actividade limitada, até há uns dois anos, aos filmes de Hollywood.
O livro de Wiedemann é a primeira obra mundial de referência de personagens femininas digitais criadas por computação gráfica. Nele expõem-se cerca de 100 artistas em mais de 500 ilustrações sobre a forma feminina. Para Wiedemann, autor do livro que estou a seguir, a arte digital entende-se como a arte produzida com recursos digitais ou através da combinação de métodos digitais e analógicos. Das suas páginas, destaco autores como os japoneses Akihiko Kametaka, que se especializou na construção de modelos de mulheres medievais, e Kakomiki, com as suas estrelas pop eléctricas ciber, em especial o modelo Sayaka, o inglês Andy Simmons, com castelos e paisagens fantásticas (primeira imagem), o americano Glenn Dean, com as suas estrelas de Hollywood. Já o canadiano Daniel Robichaud, que trabalhou no canal televisivo CBC (1984-1993) e se transferiu para a Film & Tape Works, em Chicago, como director de animação, acabou por se mudar para Los Angeles, para a Digital Domain, em projectos como Terminator 2-3D e Titanic. Ele desenhou a Marlene [Dietrich] Digital. O copyright não me permite reproduzir as imagens, de grande beleza e verosimilhança com o real, mas aconselho uma visita ao sítio indicado para ver as obras de Daniel Robichaud.
Quanto a Nana tem sido apresentada como celebridade em revistas e programas de televisão. Pertença da agência de modelos digitais Japan Audio Visual Workshop, sediada em Tóquio, os nomes dos criadores de Nana permanecem em segredo. Ela é uma humanóide, com 17 anos e 1,60 metros, estudante liceal. O seu sonho é ser top model, cantora e actriz, exactamente o padrão dos ídolos virtuais japoneses. Finalmente, o japonês Ino Kaotu trabalha em mangas digitais. A mangas são bandas desenhadas, revistas e livros japoneses publicados com uma periodicidade semanal ou mensal.
Livro: Julius Wiedemann (2004). Digital beauties. 2D and 3D computer generated models. Virtual idols and characters. Köln: Taschen
segunda-feira, 12 de abril de 2004
SOBRE OS FÃS
Já escrevi há alguns dias sobre os fãs, a propósito dos concertos Rock in Rio (mas também o poderia ter feito acerca do Super Rock, Super Bock). E retomo - embora não de modo directo - devido à notícia saída no Público de sábado sobre o primeiro espectáculo programado por Madonna para um domingo na Irlanda, o que provocou críticas por parte dos católicos daquele país. Estes, através do pároco de Slane, onde irá decorrer o concerto, para além de considerarem o domingo como dia de descanso para os católicos e inadequado para espectáculos, centraram-se no conteúdo provocador "do ponto de vista sexual" das propostas musicais da cantora. A notícia recorda ainda que, da última vez que o castelo de Slane foi palco de um concerto ao domingo, em 1984, com Bob Dylan, a actividade acabou com fortes tumultos [acrescenta o Diário de Notícias de hoje que devido a excessos de consumo de álcool].
Fico-me com as palavras-chave fãs e tumultos e associo um texto que ando a ler, de Barbara Ehrenreich, Elizabeth Hess e Gloria Jacobs, intitulado Beatlemania: girls just want to have fun, publicado num livro colectivo em 1992 e recuperado, em 2003, na antologia editada por Will Brooker e Deborah Jermyn, The audiences studies reader. Como aparece agora em versão resumida, torna-se mais fácil trabalhá-lo. Eis o que me proponho fazer.
Barbara Ehrenreich e colegas escreveram sobre o fenómeno dos Beatles, os Fab Four, nos idos anos de 1963 e 1964. A música pop e rock fazia furor, nomeadamente junto das adolescentes, como hoje também se pode constatar nos concertos das actuais bandas (e algumas das mais famosas estarão nesses concertos do Rock in Rio e Super Bock Super Rock). Então, há quarenta anos, as rapariguinhas gritavam pelos seus ídolos musicais, provocando desacatos como se fossem greves, manifestações antigovernamentais ou um movimento social organizado e com objectivos claros. Mas faziam-no tão somente para se aproximarem dos músicos.
Tudo começou com uma reportagem sobre um concerto que os Beatles deram no Palladium londrino em 13 de Outubro de 1963 (p. 181). O movimento não teria envolvido mais de oito raparigas, mas a notícia actuou como uma chamada para a violência. Onze dias depois, um grupo de raparigas muito excitadas acorreram a saudar os Beatles à chegada do aeroporto de Heathrow. No começo de Novembro desse ano, houve uma luta entre a polícia e as fãs que procuravam comprar bilhetes para um espectáculo com a mesma banda. Foram hospitalizadas nove pessoas após a multidão ter entrado pelas janelas do escritório onde se vendiam os preciosos papéis. Mais tarde, quando os Beatles chegaram aos Estados Unidos para uma tournée, rebentaram as críticas: aproximarem-se dos Beatles era como obter uma licença para um grande tumulto. Os Estados Unidos estavam ainda sob o efeito do assassinato do presidente Kennedy. No aeroporto de Nova Iorque, havia uma multidão de quatro mil raparigas (houve quem estimasse serem 10 mil). E centenas de adolescentes esperavam os quatro músicos junto ao hotel Plaza, onde ficariam hospedados. Em 4 de Fevereiro de 1964, os Beatles foram ao programa televisivo "Ed Sullivan Show": nessa noite, 73 milhões de americanos acompanharam a emissão, num recorde de audiência, enquanto que os registos de roubos ficaram em branco. Curiosamente, as almofadas pretensamente usadas no sono dos músicos foram cortadas em 160 mil bocados e vendidas a um dólar cada!
Estávamos no domínio da histeria centrada nas estrelas da música. Ver os ídolos na televisão era uma coisa, mas vê-los de perto - e, de preferência, tocá-los - era outra coisa. Para os adultos, isso tratava-se de uma epidemia. Os Beatles transportavam germes de contaminação, e todas as rapariguinhas estavam dentro do grupo de risco ao contágio. Nessa experimentação de contacto, uma adolescente, mesmo a mais pacífica, transfigurava-se, assaltando e destruindo propriedades, escrevia-se. Mas alguns "sábios" da televisão - que também aparecem nestes momentos - descansavam as populações, dizendo que as rapariguinhas haveriam de crescer e tornar-se mulheres responsáveis. É que, dizia-se numa argumentação válida, os Beatles eram rapazes muito "sexy" e as adolescentes não podiam ficar indiferentes ao momento (p. 184) [imagem retirada do sítio BeatlesCom].
Se, anteriormente, Frank Sinatra e Elvis Presley arrastaram multidões de fãs, o êxito dos Beatles acentuava a tendência e conduzia a mudanças culturais expressivas. Passavam a idolatrar-se músicos e estrelas, mesmo quando desapareciam inesperadamente como o caso de Jim Morrison, da banda Doors. Ou mais tarde, com Kurt Cobain, dos Nirvana, desaparecido há dez anos, mas ainda mais famoso e mítico do que quando vivo.
Já escrevi há alguns dias sobre os fãs, a propósito dos concertos Rock in Rio (mas também o poderia ter feito acerca do Super Rock, Super Bock). E retomo - embora não de modo directo - devido à notícia saída no Público de sábado sobre o primeiro espectáculo programado por Madonna para um domingo na Irlanda, o que provocou críticas por parte dos católicos daquele país. Estes, através do pároco de Slane, onde irá decorrer o concerto, para além de considerarem o domingo como dia de descanso para os católicos e inadequado para espectáculos, centraram-se no conteúdo provocador "do ponto de vista sexual" das propostas musicais da cantora. A notícia recorda ainda que, da última vez que o castelo de Slane foi palco de um concerto ao domingo, em 1984, com Bob Dylan, a actividade acabou com fortes tumultos [acrescenta o Diário de Notícias de hoje que devido a excessos de consumo de álcool].
Fico-me com as palavras-chave fãs e tumultos e associo um texto que ando a ler, de Barbara Ehrenreich, Elizabeth Hess e Gloria Jacobs, intitulado Beatlemania: girls just want to have fun, publicado num livro colectivo em 1992 e recuperado, em 2003, na antologia editada por Will Brooker e Deborah Jermyn, The audiences studies reader. Como aparece agora em versão resumida, torna-se mais fácil trabalhá-lo. Eis o que me proponho fazer.
Barbara Ehrenreich e colegas escreveram sobre o fenómeno dos Beatles, os Fab Four, nos idos anos de 1963 e 1964. A música pop e rock fazia furor, nomeadamente junto das adolescentes, como hoje também se pode constatar nos concertos das actuais bandas (e algumas das mais famosas estarão nesses concertos do Rock in Rio e Super Bock Super Rock). Então, há quarenta anos, as rapariguinhas gritavam pelos seus ídolos musicais, provocando desacatos como se fossem greves, manifestações antigovernamentais ou um movimento social organizado e com objectivos claros. Mas faziam-no tão somente para se aproximarem dos músicos.
Tudo começou com uma reportagem sobre um concerto que os Beatles deram no Palladium londrino em 13 de Outubro de 1963 (p. 181). O movimento não teria envolvido mais de oito raparigas, mas a notícia actuou como uma chamada para a violência. Onze dias depois, um grupo de raparigas muito excitadas acorreram a saudar os Beatles à chegada do aeroporto de Heathrow. No começo de Novembro desse ano, houve uma luta entre a polícia e as fãs que procuravam comprar bilhetes para um espectáculo com a mesma banda. Foram hospitalizadas nove pessoas após a multidão ter entrado pelas janelas do escritório onde se vendiam os preciosos papéis. Mais tarde, quando os Beatles chegaram aos Estados Unidos para uma tournée, rebentaram as críticas: aproximarem-se dos Beatles era como obter uma licença para um grande tumulto. Os Estados Unidos estavam ainda sob o efeito do assassinato do presidente Kennedy. No aeroporto de Nova Iorque, havia uma multidão de quatro mil raparigas (houve quem estimasse serem 10 mil). E centenas de adolescentes esperavam os quatro músicos junto ao hotel Plaza, onde ficariam hospedados. Em 4 de Fevereiro de 1964, os Beatles foram ao programa televisivo "Ed Sullivan Show": nessa noite, 73 milhões de americanos acompanharam a emissão, num recorde de audiência, enquanto que os registos de roubos ficaram em branco. Curiosamente, as almofadas pretensamente usadas no sono dos músicos foram cortadas em 160 mil bocados e vendidas a um dólar cada!
Estávamos no domínio da histeria centrada nas estrelas da música. Ver os ídolos na televisão era uma coisa, mas vê-los de perto - e, de preferência, tocá-los - era outra coisa. Para os adultos, isso tratava-se de uma epidemia. Os Beatles transportavam germes de contaminação, e todas as rapariguinhas estavam dentro do grupo de risco ao contágio. Nessa experimentação de contacto, uma adolescente, mesmo a mais pacífica, transfigurava-se, assaltando e destruindo propriedades, escrevia-se. Mas alguns "sábios" da televisão - que também aparecem nestes momentos - descansavam as populações, dizendo que as rapariguinhas haveriam de crescer e tornar-se mulheres responsáveis. É que, dizia-se numa argumentação válida, os Beatles eram rapazes muito "sexy" e as adolescentes não podiam ficar indiferentes ao momento (p. 184) [imagem retirada do sítio BeatlesCom].
Se, anteriormente, Frank Sinatra e Elvis Presley arrastaram multidões de fãs, o êxito dos Beatles acentuava a tendência e conduzia a mudanças culturais expressivas. Passavam a idolatrar-se músicos e estrelas, mesmo quando desapareciam inesperadamente como o caso de Jim Morrison, da banda Doors. Ou mais tarde, com Kurt Cobain, dos Nirvana, desaparecido há dez anos, mas ainda mais famoso e mítico do que quando vivo.
domingo, 11 de abril de 2004
Telefones entre Lisboa e Porto
No passado dia 23 de Fevereiro coloquei aqui um post sobre a ligação telefónica entre Lisboa e Porto. Nesse dia, fazia-se a primeira ligação entre as duas cidades. Isto tendo em conta que o serviço telefónico foi empregue no fomento das indústrias culturais. Hoje, com uma oferta tão variada de telecomunicações, sorrimos perante tal anacronismo. Mas tudo começa humildemente!
Ora, se a ligação entre as duas cidades se fez nesse longínquo 23 de Fevereiro de 1904, o certo é que oficialmente os serviços começaram faz hoje cem anos, 11 de Abril. Entre a experiência e o acesso público demorou algum tempo. Era objectivo dos responsáveis do Estado inaugurarem o serviço telefónico no dia de Páscoa, a 3 de Abril. Mas as ligações telefónicas oficiais só se dariam uma semana depois (e, cem anos depois, coincidia com o dia da Páscoa!). O Jornal do Comércio, de 7 de Abril, anotava a partida do conselheiro Paulo Benjamim Cabral, inspector-geral dos telégrafos, para o Porto, “a fim de assistir à inauguração da linha telefónica”.
Na sua edição de 8 de Abril, uma sexta-feira, lia-se no Diário de Notícias: “Amanhã e domingo poderá a referida linha ser utilizada gratuitamente para subscritores das redes telefónicas das duas cidades”. E dois dias depois, o mesmo jornal destacava a grande quantidade de “chamadas pedindo a ligação, tanto duma como doutra cidade”. O jornal O Século, de 12 de Abril, indicava que o serviço público se iniciara às oito da manhã do dia anterior, uma segunda-feira, “transmitindo-se pouco depois o primeiro despacho”. Escrevia-se a notícia empregando um vocabulário obtido de empréstimo da linguagem dos telegramas (texto a partir do meu livro Olhos de boneca, editado em 1999, pela Colibri).
Na época em que se anunciavam os preparativos para o arranque da ligação telefónica entre Lisboa e Porto, inaugurava-se o monumento ao médico Sousa Martins no Campo de Santana (Diário de Notícias, 7 de Março de 1904) e os armazéns Grandella faziam grandes descontos (abatimentos), porque chegava a época dos tecidos para o Verão – compravam-se os tecidos para fazer as peças de roupa, o que demorava o seu tempo, pois ainda não havia surgido o pronto-a-vestir. A 6 de Março, Alberto Bessa, jornalista do Diário de Notícias, dava uma conferência sobre a origem e desenvolvimento do jornalismo, a propósito da inauguração da Sociedade Literária Almeida Garrett, à rua da Condeça [já referido neste blogue].
O jornal O Século anunciava o lançamento do romance histórico de António Campos Júnior, A filha do polaco, após o sucesso da sua publicação em folhetim nas páginas do diário. Na mesma altura, uma peça baseada no Amor da Perdição, de Camilo, em representação no teatro D. Maria, era questionada pelo crítico de teatro do Diário de Notícias; para ele, havia outras distracções melhores.
Por seu lado, os comerciantes insurgiam-se contra as propostas da Fazenda (ministério do Comércio), em grandes manifestações por todos os cantos do país. Em causa estava a reforma pautal referente aos direitos de importação e exportação, e que custaram, poucos dias depois, a demissão do ministro Teixeira de Sousa. Interessante é o modo como se reportavam as notícias, muito descritivas e nomeando os principais intervenientes nos protestos. Em Abril, entre os dias 19 e 25, os tipógrafos fariam greve, resultando na suspensão de edição dos jornais durante tal período. No estrangeiro, era a guerra entre a Rússia e o Japão que alarmava a opinião pública. Todos os dias, o jornal O Século incluía desenhos da frente da batalha. A fotografia ainda não entrara nos jornais, embora a Ilustração Portuguesa, pertencente à empresa desse jornal, já a ela recorresse. No jornal, a fotografia era passada a desenho, devido aos processos de impressão ainda utilizados. O mesmo O Século, em Abril de 1904, informava em pormenor a viagem que o monarca espanhol, Alfonso XIII, fazia então por várias cidades do seu país.
Ora, se a ligação entre as duas cidades se fez nesse longínquo 23 de Fevereiro de 1904, o certo é que oficialmente os serviços começaram faz hoje cem anos, 11 de Abril. Entre a experiência e o acesso público demorou algum tempo. Era objectivo dos responsáveis do Estado inaugurarem o serviço telefónico no dia de Páscoa, a 3 de Abril. Mas as ligações telefónicas oficiais só se dariam uma semana depois (e, cem anos depois, coincidia com o dia da Páscoa!). O Jornal do Comércio, de 7 de Abril, anotava a partida do conselheiro Paulo Benjamim Cabral, inspector-geral dos telégrafos, para o Porto, “a fim de assistir à inauguração da linha telefónica”.
Na sua edição de 8 de Abril, uma sexta-feira, lia-se no Diário de Notícias: “Amanhã e domingo poderá a referida linha ser utilizada gratuitamente para subscritores das redes telefónicas das duas cidades”. E dois dias depois, o mesmo jornal destacava a grande quantidade de “chamadas pedindo a ligação, tanto duma como doutra cidade”. O jornal O Século, de 12 de Abril, indicava que o serviço público se iniciara às oito da manhã do dia anterior, uma segunda-feira, “transmitindo-se pouco depois o primeiro despacho”. Escrevia-se a notícia empregando um vocabulário obtido de empréstimo da linguagem dos telegramas (texto a partir do meu livro Olhos de boneca, editado em 1999, pela Colibri).
Na época em que se anunciavam os preparativos para o arranque da ligação telefónica entre Lisboa e Porto, inaugurava-se o monumento ao médico Sousa Martins no Campo de Santana (Diário de Notícias, 7 de Março de 1904) e os armazéns Grandella faziam grandes descontos (abatimentos), porque chegava a época dos tecidos para o Verão – compravam-se os tecidos para fazer as peças de roupa, o que demorava o seu tempo, pois ainda não havia surgido o pronto-a-vestir. A 6 de Março, Alberto Bessa, jornalista do Diário de Notícias, dava uma conferência sobre a origem e desenvolvimento do jornalismo, a propósito da inauguração da Sociedade Literária Almeida Garrett, à rua da Condeça [já referido neste blogue].
O jornal O Século anunciava o lançamento do romance histórico de António Campos Júnior, A filha do polaco, após o sucesso da sua publicação em folhetim nas páginas do diário. Na mesma altura, uma peça baseada no Amor da Perdição, de Camilo, em representação no teatro D. Maria, era questionada pelo crítico de teatro do Diário de Notícias; para ele, havia outras distracções melhores.
Por seu lado, os comerciantes insurgiam-se contra as propostas da Fazenda (ministério do Comércio), em grandes manifestações por todos os cantos do país. Em causa estava a reforma pautal referente aos direitos de importação e exportação, e que custaram, poucos dias depois, a demissão do ministro Teixeira de Sousa. Interessante é o modo como se reportavam as notícias, muito descritivas e nomeando os principais intervenientes nos protestos. Em Abril, entre os dias 19 e 25, os tipógrafos fariam greve, resultando na suspensão de edição dos jornais durante tal período. No estrangeiro, era a guerra entre a Rússia e o Japão que alarmava a opinião pública. Todos os dias, o jornal O Século incluía desenhos da frente da batalha. A fotografia ainda não entrara nos jornais, embora a Ilustração Portuguesa, pertencente à empresa desse jornal, já a ela recorresse. No jornal, a fotografia era passada a desenho, devido aos processos de impressão ainda utilizados. O mesmo O Século, em Abril de 1904, informava em pormenor a viagem que o monarca espanhol, Alfonso XIII, fazia então por várias cidades do seu país.
SOBRE OS WEBLOGS – V
Como resultado suplementar do trabalho aqui produzido, tenho pensado muito na caracterização sociológica da blogosfera. Apesar de se tratar de um terreno recente entre nós – o conhecimento público amplo tem perto de um ano –, já existe bastante material empírico para a caracterização dos próprios blogs. Claro que o ideal é fazer um trabalho sistemático junto dos blogs (inquérito para saber os objectivos de cada bloguista, o seu campo profissional ou académico, expectativas e ligações pessoais ou de interesses a outros blogs.
Trata-se de uma tarefa aliciante que importa desenvolver. Quem sabe se não estão a surgir propostas de teses de mestrado sobre esta matéria? Por mim, gostaria que algum(a) aluno(a) do mestrado de Ciências da Comunicação da Universidade Católica agarrasse este tema fascinante.
Fases da blogosfera
Passada a fase de entusiasmo inicial – os bloguistas pioneiros –, em que entraram e saíram da blogosfera variados entusiastas, assiste-se a um consolidar da actividade, embora em termos amadores (actividade feita em tempos de lazer, não profissional). Provavelmente, alguns dos bloguistas entram numa fase de consolidação de conhecimentos, onde criam um nicho de actividade profissional. Quase em simultâneo, ocorre a terceira fase, a das especializações. Destaco nomeadamente as especialidades ligadas ao jornalismo e media, arte e cultura, e política.
Mas esta definição mais fina do objecto de trabalho dos blogs implica uma quarta etapa, a dos círculos ou redes bloguistas. Por exemplo, o curso de jornalismo e comunicação da Universidade do Porto fomentou a criação de blogs ligados ao cinema e outras áreas, em que os bloguistas se movem em círculos próximos de citações uns dos outros (Arte_factos, Pipoca Blog. Fora deste circuito, mas ainda ligado ao cinema, destaco: Grande Plano e O Tronco da Teia. Aliás, não deixa de ser curioso o acto fundador do blog Grande Plano: "Não gostamos particularmente de blogs, mas neste formato encontramos a facilidade de fazer algo que nos fascina e que temos feito, de uma forma ou de outra, em variados suportes ao longo do tempo: escrever sobre cinema, de forma despretensiosa. Não nos consideramos críticos. Escrevemos com paixão e gostamos de reflectir sobre as imagens que vemos. Tentamos ser honestos e não ser redutores. Afinal, conhecemos também o peso da crítica sobre o resultado do processo criativo. Ficam então as deambulações; sobre os filmes, sobre a indústria, sobre o mercado".
Os blogs de rádio são um exemplo desses círculos (Blogouve-se, Jornal Rádio e A Rádio em Portugal). Tais círculos são concêntricos (citações mútuas de um conjunto de blogs) ou excêntricos (blogs que visitam círculos distintos e intervêm irregularmente nos comentários).
A caracterização dos blogs passa também por rankings (qualidade estética do blog, informação nova), no que defino como blogs de culto ou de referência. (os meus blogs favoritos). Os quadros de referência assumem-se também nos comentários. Distingo dois tipos: um descentralizado ou em roda, com alguém a lançar um comentário, sem interferir posteriormente; outro centrado no responsável ou moderador do blog, em que o bloguista recebe e dá resposta pessoal aos comentários. Dos blogs que mais sigo ultimamente, poderia dizer que a Janela Indiscreta é componente do primeiro modelo, enquanto Nocturno com Gatos pertence ao segundo.
Porque têm uma estrutura leve, os blogs funcionam como veículos produtores de informação e de gostos e posições. Sem um código rígido de ética e normas de marketing e vendas, que inibem ou facilitam perspectivas, o bloguista fica com liberdade de escolher – e de seleccionar. O material elaborado é, assim, com opções mais amplas – no conteúdo como na forma.
Embora sem dados estatísticos, parece-me que grande parte dos blogs é propriedade de uma população urbana, já habituada a redes informais de electrónica, com elevados padrões de consumo de bens culturais (cinema, televisão, exposições, jornalismo). Os blogs indicam, pois, um novo público de cultura.
Dos fãs à transparência
Os blogs constituem um sistema de reconhecimento e identidade dos grupos sociais e culturais, o da constituição de grupos de fãs. Para além da mera definição de aficionado ou coleccionador, o fã dedica muito do seu tempo a acompanhar um movimento ou líder (artista, músico, jogador). No caso da blogosfera, e apesar do menor peso da autoridade quando se fala de um blog, considero que se trata de uma actividade de fãs pela auto-referência e citação simultâneas dentro de uma colecção de blogs, identificados por temas e tendências. Há um sentido de corrente de afinidades e cumplicidades. Apesar do mais baixo índice de autoridade, acima salientado, há alguns blogs de maior ponderação e formação e novos públicos, clubes virtuais de fãs. No caso dos blogs de jornalismo, Jornalismo e Comunicação e Ponto Media são os mais representativos e respeitados. Na área da arte e da cultura, a Janela Indiscreta e a Montanha Mágica são, sem sombra de dúvida, dos blogs mais conceituados, como acentua um texto escrito por Augusto M. Seabra (Público, 4 de Abril de 2004).
Por oposição ao conjunto de blogs considerados sérios, e que eu já elenquei alguns, outros existem pela natural necessidade de conversar e pôr na rede as suas opiniões, sem mais nenhuma condição. Muitos são experimentais ou iniciáticos (de arranque, por ouvir falar de alguém que tem um blog), sem um tipo complexo de aprendizagem. Tal lado experimental indicia o movimento amplo e de liderança difusa, o que torna os blogs uma das formas modernas de comunicação mais amplas e democráticas. Mas, curiosamente, os bloguistas assemelham-se aos editores dos media, pois seleccionam os temas de análise e escolhem dos blogs favoritos. Há, simultaneamente, uma escolha entre o que se põe e o que não se põe no blog e uma dispersão de autoridade, marca distintiva das redes informáticas.
Curiosamente, os blogs têm instrumentos de medida. Um dos mais populares é o “sitemeter”, que quantifica os acessos aos blogs. Assim, há possibilidade de conhecer a origem de quem procura o weblog e quais as páginas de arquivo que se procuram. Posso falar de transparência do sistema, que qualquer bloguista pode ver, disponibilidade oposta à que Turkle falava sobre os computadores em geral.
Como resultado suplementar do trabalho aqui produzido, tenho pensado muito na caracterização sociológica da blogosfera. Apesar de se tratar de um terreno recente entre nós – o conhecimento público amplo tem perto de um ano –, já existe bastante material empírico para a caracterização dos próprios blogs. Claro que o ideal é fazer um trabalho sistemático junto dos blogs (inquérito para saber os objectivos de cada bloguista, o seu campo profissional ou académico, expectativas e ligações pessoais ou de interesses a outros blogs.
Trata-se de uma tarefa aliciante que importa desenvolver. Quem sabe se não estão a surgir propostas de teses de mestrado sobre esta matéria? Por mim, gostaria que algum(a) aluno(a) do mestrado de Ciências da Comunicação da Universidade Católica agarrasse este tema fascinante.
Fases da blogosfera
Passada a fase de entusiasmo inicial – os bloguistas pioneiros –, em que entraram e saíram da blogosfera variados entusiastas, assiste-se a um consolidar da actividade, embora em termos amadores (actividade feita em tempos de lazer, não profissional). Provavelmente, alguns dos bloguistas entram numa fase de consolidação de conhecimentos, onde criam um nicho de actividade profissional. Quase em simultâneo, ocorre a terceira fase, a das especializações. Destaco nomeadamente as especialidades ligadas ao jornalismo e media, arte e cultura, e política.
Mas esta definição mais fina do objecto de trabalho dos blogs implica uma quarta etapa, a dos círculos ou redes bloguistas. Por exemplo, o curso de jornalismo e comunicação da Universidade do Porto fomentou a criação de blogs ligados ao cinema e outras áreas, em que os bloguistas se movem em círculos próximos de citações uns dos outros (Arte_factos, Pipoca Blog. Fora deste circuito, mas ainda ligado ao cinema, destaco: Grande Plano e O Tronco da Teia. Aliás, não deixa de ser curioso o acto fundador do blog Grande Plano: "Não gostamos particularmente de blogs, mas neste formato encontramos a facilidade de fazer algo que nos fascina e que temos feito, de uma forma ou de outra, em variados suportes ao longo do tempo: escrever sobre cinema, de forma despretensiosa. Não nos consideramos críticos. Escrevemos com paixão e gostamos de reflectir sobre as imagens que vemos. Tentamos ser honestos e não ser redutores. Afinal, conhecemos também o peso da crítica sobre o resultado do processo criativo. Ficam então as deambulações; sobre os filmes, sobre a indústria, sobre o mercado".
Os blogs de rádio são um exemplo desses círculos (Blogouve-se, Jornal Rádio e A Rádio em Portugal). Tais círculos são concêntricos (citações mútuas de um conjunto de blogs) ou excêntricos (blogs que visitam círculos distintos e intervêm irregularmente nos comentários).
A caracterização dos blogs passa também por rankings (qualidade estética do blog, informação nova), no que defino como blogs de culto ou de referência. (os meus blogs favoritos). Os quadros de referência assumem-se também nos comentários. Distingo dois tipos: um descentralizado ou em roda, com alguém a lançar um comentário, sem interferir posteriormente; outro centrado no responsável ou moderador do blog, em que o bloguista recebe e dá resposta pessoal aos comentários. Dos blogs que mais sigo ultimamente, poderia dizer que a Janela Indiscreta é componente do primeiro modelo, enquanto Nocturno com Gatos pertence ao segundo.
Porque têm uma estrutura leve, os blogs funcionam como veículos produtores de informação e de gostos e posições. Sem um código rígido de ética e normas de marketing e vendas, que inibem ou facilitam perspectivas, o bloguista fica com liberdade de escolher – e de seleccionar. O material elaborado é, assim, com opções mais amplas – no conteúdo como na forma.
Embora sem dados estatísticos, parece-me que grande parte dos blogs é propriedade de uma população urbana, já habituada a redes informais de electrónica, com elevados padrões de consumo de bens culturais (cinema, televisão, exposições, jornalismo). Os blogs indicam, pois, um novo público de cultura.
Dos fãs à transparência
Os blogs constituem um sistema de reconhecimento e identidade dos grupos sociais e culturais, o da constituição de grupos de fãs. Para além da mera definição de aficionado ou coleccionador, o fã dedica muito do seu tempo a acompanhar um movimento ou líder (artista, músico, jogador). No caso da blogosfera, e apesar do menor peso da autoridade quando se fala de um blog, considero que se trata de uma actividade de fãs pela auto-referência e citação simultâneas dentro de uma colecção de blogs, identificados por temas e tendências. Há um sentido de corrente de afinidades e cumplicidades. Apesar do mais baixo índice de autoridade, acima salientado, há alguns blogs de maior ponderação e formação e novos públicos, clubes virtuais de fãs. No caso dos blogs de jornalismo, Jornalismo e Comunicação e Ponto Media são os mais representativos e respeitados. Na área da arte e da cultura, a Janela Indiscreta e a Montanha Mágica são, sem sombra de dúvida, dos blogs mais conceituados, como acentua um texto escrito por Augusto M. Seabra (Público, 4 de Abril de 2004).
Por oposição ao conjunto de blogs considerados sérios, e que eu já elenquei alguns, outros existem pela natural necessidade de conversar e pôr na rede as suas opiniões, sem mais nenhuma condição. Muitos são experimentais ou iniciáticos (de arranque, por ouvir falar de alguém que tem um blog), sem um tipo complexo de aprendizagem. Tal lado experimental indicia o movimento amplo e de liderança difusa, o que torna os blogs uma das formas modernas de comunicação mais amplas e democráticas. Mas, curiosamente, os bloguistas assemelham-se aos editores dos media, pois seleccionam os temas de análise e escolhem dos blogs favoritos. Há, simultaneamente, uma escolha entre o que se põe e o que não se põe no blog e uma dispersão de autoridade, marca distintiva das redes informáticas.
Curiosamente, os blogs têm instrumentos de medida. Um dos mais populares é o “sitemeter”, que quantifica os acessos aos blogs. Assim, há possibilidade de conhecer a origem de quem procura o weblog e quais as páginas de arquivo que se procuram. Posso falar de transparência do sistema, que qualquer bloguista pode ver, disponibilidade oposta à que Turkle falava sobre os computadores em geral.
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