A exposição Los Fauves. La Pásion por el Color mostra de forma exaustiva o nascimento e desenvolvimento do fauvisme, entre 1898 e 1908, mas com pico entre 1905 e 1907, e com impacto em correntes posteriores como o expressionismo e o cubismo. Os fauves formaram-se em torno do ateliê de Gustave Moreau no final da década de 1890, juntando Henri Matisse, Albert Marquet, Henri Manguin, Georges Roualt, Charles Camoin e Jean Puty, que, por seu lado, receberam influências de Van Gogh, Cézanne e Gauguin. A amizade entre estes pintores foi essencial para o triunfo deste movimento de cores vivas e de cruzamento de retratos. Já em 1904, associados aos pintores como André Derain e Maurice de Vlaminck, Matisse e Derain pintaram no verão do ano seguinte as primeiras obras verdadeiramente fauvistes. Alguns dos pintores ficaram seduzidos pela luz mediterrânica e traduziram nas telas essas cores fortes. As obras dos diversos pintores causaram muito espanto no Salon d'Automne de Paris em 1905, e a crítica designou-os por fauves (feras), nome adotado desde então para designar a corrente.
Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
segunda-feira, 31 de outubro de 2016
domingo, 30 de outubro de 2016
Museo Thyssen-Bornemisza
A exposição permanente do museu estende-se em três andares. Destaco a pintura do século XX e, aqui, o abstracionismo, o cubismo e o suprematismo. Mas também a pintura norte-americana do século XIX.
sábado, 29 de outubro de 2016
A arte de Clara Peeters
A pintora flamenga esteve ativa entre 1607 e 1621, época onde dificilmente uma mulher era pintora. De muitos enigmas em torno da sua vida, sabe-se que terá vivido em Antuérpia e se especializou em naturezas mortas, uma novidade na época. Não se sabe porque interrompeu a pintura em 1621: teria casado e dedicado a tarefas domésticas? O seu trabalho era individual ou era de uma pequena oficina?
O importante é o conjunto de sinais que se recolhem da sua obra: os queijos e os mariscos, uma maior representação de peixe em vez de carne, porque as autoridades religiosas impunham jejuns de carne até três dias por semana, as porcelanas, os copos de cristal e outros objetos de luxo, sinais de uma pertença de classe superior (ou conhecimento dela), e, por via disso, um bom ambiente social e económico da cidade onde ela viveu, grande exportadora de peixe e produtos de laticínios, uma grande harmonia entre as peças representadas, algumas delas repetidas em várias obras, o que implicaria encomendas. Por vezes, nos objetos vê-se refratada a imagem da pintora e ainda marcas como P, a indicar a autoria.
Daí, a importância de conhecer a pintora e os 39 quadros em exposição no Museu do Prado.
O importante é o conjunto de sinais que se recolhem da sua obra: os queijos e os mariscos, uma maior representação de peixe em vez de carne, porque as autoridades religiosas impunham jejuns de carne até três dias por semana, as porcelanas, os copos de cristal e outros objetos de luxo, sinais de uma pertença de classe superior (ou conhecimento dela), e, por via disso, um bom ambiente social e económico da cidade onde ela viveu, grande exportadora de peixe e produtos de laticínios, uma grande harmonia entre as peças representadas, algumas delas repetidas em várias obras, o que implicaria encomendas. Por vezes, nos objetos vê-se refratada a imagem da pintora e ainda marcas como P, a indicar a autoria.
Daí, a importância de conhecer a pintora e os 39 quadros em exposição no Museu do Prado.
quinta-feira, 27 de outubro de 2016
Estudo de Augusto Mateus sobre setor de televisão
Retiro do jornal Público a indicação de novo estudo realizado por Augusto Mateus sobre o setor de produção de televisão em Portugal (Produção de Conteúdos Audiovisuais em Portugal), onde recomenda a reformulação da lei da televisão e do audiovisual e diz ser necessário acabar com a cobrança de taxas como foco estratégico. O estudo, promovido pela Associação de Produtores Independentes de Televisão (APIT), serviu de pretexto para operadores, canais e produtores discutirem temas como direitos autorais, financiamento e evocar a importância de se desenvolver uma indústria local a sério.
Atualização a 28 de outubro de 2016: Por outro lado, o Conselho Geral Independente aparece contra medida do orçamento do Estado, o qual prevê a entrega da taxa do audiovisual à Autoridade Tributária e não diretamente à RTP, ao considerar existir perigo de governamentalização da RTP.
Atualização a 28 de outubro de 2016: Por outro lado, o Conselho Geral Independente aparece contra medida do orçamento do Estado, o qual prevê a entrega da taxa do audiovisual à Autoridade Tributária e não diretamente à RTP, ao considerar existir perigo de governamentalização da RTP.
Jaime Fernandes
Tinha 69 anos, morreu hoje. Foi redator-locutor do serviço de noticiários do Rádio Clube Português, onde começou a carreira, criou a RFM e a Antena 3 e era atual provedor do telespectador da RTP desde 2013. Recordo a sua voz inconfundível na rádio, caso do programa Em Órbita. Em 24 de janeiro de 2012, concedeu-me uma entrevista para a investigação da história da rádio, onde apreciei o seu lado pedagógico; parecia adivinhar as minhas perguntas (aqui um excerto de quase 50 segundos).
quarta-feira, 26 de outubro de 2016
Festival Internacional de Cinema de Foz Côa
O Festival Internacional de Cinema de Foz Côa – Cinecôa, iniciado em 2011, regressa, de 17 a 19 de novembro próximo, com filmes produzidos em Portugal, Marrocos, Espanha, Reino Unido, França, Luxemburgo, Brasil e Cuba. O destaque da edição de 2016 vai para a presença de Hugh Hudson, realizador de Momentos de Glória, filme que venceu quatro óscares da Academia Americana. Mas também vai para a distinção do realizador António-Pedro Vasconcelos (Jaime, Os Imortais, Call Girl, Os Gatos não Têm Vertigens), e que ali apresenta o seu novo filme Amor Impossível (informação da organização).
História da Comunicação em seminário
O Grupo de Trabalho de História da Comunicação da SOPCOM realizou ontem em Braga o seu primeiro seminário, com apoio e organização do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho. Nos oradores convidados, estiveram Antônio Hohlfeldt (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), Alberto Pena Rodríguez (Universidade de Vigo) e Manuel Pinto (Universidade do Minho).
Para Antônio Hohlfeldt, existe uma continuidade entre os velhos e os novos media, o que fascina uns pela novidade e instaura uma onda de preconceitos aos que pensam ainda nos velhos meios. Ele vê o mesmo tipo de práticas e deu um exemplo: hoje, coloca-se uma fotografia no Facebook; há um século, um leitor enviava a fotografia para o editor de um jornal publicar. Com referências a McLuhan e Lúcia Santaella, retirou desta a ideia de nenhum meio de comunicação ter desaparecido sempre que surge um novo. Lembrando uma experiência profissional em Montreal na área da rádio, trinta anos atrás, falou da adequação das ondas curtas de então à internet de hoje. O seu foco é a relação entre história e comunicação, partilhado aliás pelos outros participantes da mesa. O professor brasileiro lembrou ainda a importância da história cultural, citando um recente livro de Marialva Barbosa, e a necessidade urgente de se fazerem estudos comparados dos media, caso dos países de língua portuguesa.
Manuel Pinto fez a sua comunicação a partir da sua experiência como docente de história da comunicação e dos media, criticando a visão comum da cronologia, ou sucessão de factos, sem a contextualização e interpretação desses factos. Um segundo ponto da sua intervenção apontou para a tradição etnocêntrica da história, da perspetiva ocidental quanto se escreve sobre outras culturas e histórias. Uma outra crítica levou-o ao caráter instrumentalista da comunicação, com a apologia da tecnologia no centro da evolução ou modernidade. O professor da Universidade do Minho analisou ainda o lugar da história da comunicação nos currículos das licenciaturas do país, concluindo de 21 cursos que analisou existem 20 com unidades curriculares de História: oito chamam-se História dos Media, cinco História do Jornalismo, duas História da Comunicação e dos Media e cinco outras adotaram diferentes designação.
Alberto Pena Rodríguez apresentou quatro razões fundamentais para a existência de unidades curriculares no ensino da história da comunicação: epistemologia (a história encontra causas e consequências que conduzem aos processos que explicam onde estamos), inovação (que ajuda a compreender a tradição e a consequência de situações usando os dois termos), transversalidade (através de disciplinas, métodos, técnicas, rotinas) e significação cultural e social (o estudo do significado histórico para compreender as situações e as mudanças na sociedade). Ele teve ainda tempo para, seguindo o apelo de Antônio Hohlfeldt, apresentar um projeto em curso da história da imprensa luso-americana, onde retém, de entre outros aspetos, o olhar dos emigrantes face ao país de nascimento e as redes comerciais que eles estabelecem.
Como moderador da mesa inicial, Jorge Pedro Sousa prestou informações importantes para quem investiga a área, caso do próximo lançamento do primeiro número da revista do grupo de História da Comunicação (número zero). Salientou também o destaque a dar à página de Facebook do grupo (História da Comunicação) e recomendou o acompanhamento de congressos em 2017: Historiadores de Comunicação, a nível ibérico, no Porto, em setembro, e SOPCOM, com secção do grupo.
Second Home
A Second Home, espaço de trabalho criativo e cultural nascido em Londres, abre a 1 de dezembro próximo o seu primeiro espaço em Portugal, no mercado da Ribeira (Lisboa) e conta já com uma taxa de ocupação de 75% através da adesão de empreendedores da comunidade criativa. No novo espaço lisboeta, vai acolher vários eventos durante o Web Summit (7-10 de novembro).
Para Rohan Silva, fundador da Second Home, "Lisboa é atualmente um dos principais hubs de empreendedorismo e indústrias criativas da Europa. E o facto de o Web Summit se realizar em Portugal nos próximos anos ajuda a sustentar todo este ecossistema das indústrias criativas, marcado por novas gerações que estão a revolucionar várias indústrias. Lisboa é o local perfeito para a internacionalização do projeto". Criado em 2013, Second Home é um espaço de trabalho criativo e cultural, e reúne várias indústrias, disciplinas e negócios. Os criadores de Second Home acreditam que as grandes coisas acontecem quando diferentes indústrias, ideias e disciplinas se juntam, o que é por isso que defendem a existência de uma comunidade diversificado e ambiciosa [informação e imagem fornecida por comunicado da organização].
domingo, 23 de outubro de 2016
O Bem, o Mal e o Assim-Assim
O Bem, o Mal e o Assim-Assim, de Gonçalo M. Tavares, encenado por João Luiz, dramaturgia de Maria João Reynaud, e apresentado no Teatro Carlos Alberto (Porto), não é um texto que me tivesse satisfeito muito. O crítico do jornal Expresso escreve que as duas "excelências intelectuais" (os protagonistas da peça: Rui Sprangler e Valdemar Santos) recuperam a "tradição dos diálogos clássicos gregos, mas fazem-no de uma forma pós-moderna, com pensamentos sarcásticos e que agridem a passividade de uma sociedade contemporânea desprovida de causas e ideais". Eu não senti o discurso pós-moderno, mas a falha é minha. Não sou crítico mas apenas um escrevinhador que gosta de teatro. Talvez a dificuldade foi constituir unidade a partir de um conjunto de 15 textos.
A meu ver, o que salva a peça é a encenação, que interrompe os diálogos algumas vezes e por escassos instantes, e com as personagens a mudar de lugar no palco, de modo a não aumentar o tédio de quem assiste. Beckett, como se lê no programa, parece inspirar o autor do texto. A intervenção de Patrícia Queirós, percussão (e cordas) a partir de música de Pedro Junqueira Maia, representa um elemento muito interessante na peça. De vez em quando, lembrei-me de música oriental, em especial associada a templos budistas. Isso, na minha perspetiva, ajuda também a ultrapassar problemas da história da peça.
Claro que o meu ponto de vista é discutível. Não vi problemas políticos e sociais subjacentes. Estava distraído. Mas posso criticar a peça e uma texto escrito sobre ela, que me espantou muito mas não atribuível a nenhum dos responsáveis da peça: "um pequeno grupo de personagens troca argumentos acerca da natureza do bem e do mal". São dois atores apenas.
A meu ver, o que salva a peça é a encenação, que interrompe os diálogos algumas vezes e por escassos instantes, e com as personagens a mudar de lugar no palco, de modo a não aumentar o tédio de quem assiste. Beckett, como se lê no programa, parece inspirar o autor do texto. A intervenção de Patrícia Queirós, percussão (e cordas) a partir de música de Pedro Junqueira Maia, representa um elemento muito interessante na peça. De vez em quando, lembrei-me de música oriental, em especial associada a templos budistas. Isso, na minha perspetiva, ajuda também a ultrapassar problemas da história da peça.
Claro que o meu ponto de vista é discutível. Não vi problemas políticos e sociais subjacentes. Estava distraído. Mas posso criticar a peça e uma texto escrito sobre ela, que me espantou muito mas não atribuível a nenhum dos responsáveis da peça: "um pequeno grupo de personagens troca argumentos acerca da natureza do bem e do mal". São dois atores apenas.
quarta-feira, 19 de outubro de 2016
De Ed. B. Silverman a Álvaro Belo Marques, além de memórias da rádio
O convite falava em obras (três novelas policiais) de Ed. B. Silverman lançadas hoje ao final da tarde no Chiado Clube Literário (O Caso da Mulher com Olho de Vidro, Crime Cracker e O Papagaio Assassino), com apresentação do jornalista João Paulo Guerra.
Uma pergunta fez João Paulo Guerra: quem é este autor Ed. B. Silverman? Ele leu os livros e descobriu que uma carta do autor ao editor dos livros indica que ele foi aos 24 anos trabalhar para um grande jornal diário - o que é uma quase verdade - e teve uma vida atribulada em várias partes do mundo - o que é uma quase mentira. João Paulo Guerra conclui: o autor é ou não é Ed. B. Silverman. Segunda conclusão: é um pseudónimo. E, ao chegar à última página do terceiro livro, leu uma nota do agente literário para o tradutor e descobriu que este assina ABM - Álvaro Belo Marques. Das novelas, o apresentador disse serem antipoliciais, com estereótipos nas personagens e veia satírica nos enredos, com um irresistível humor e uma cultura sólida, sustentadas num português primoroso, oral e malandro, assumido em desacordo ortográfico.
Nascido em 1931, Álvaro Belo Marques (ou Ed. B. Silverman) foi jornalista do República, onde o seu nome apareceu no cabeçalho como diretor apenas um dia (no processo agitado vivido no jornal), trabalhou na Emissora Nacional em dois períodos distintos (1950-1958; 1974-1975). O mais importante foi o do período revolucionário, como diretor de programas. João Paulo Guerra trabalhou sob as suas ordens. Após 25 de novembro de 1975, os dois e mais outros profissionais da estação sairiam. Álvaro Belo Marques rumou a Moçambique, onde viveu e trabalhou entre 1977 e 1988. Ele ensinou os jornalistas daquele país, ao fazer parte da Escola de Jornalismo como professor de jornalismo e quadro da direção, e foi fundador da televisão experimental de Moçambique e seu primeiro diretor. A 1 de agosto de 1980, pôs as crianças das escolas de Maputo a fazer e lançar papagaios de papel, imagens poéticas que utilizou para a televisão.
Além dos livros agora publicados, o autor escreveu Quem matou Samora Machel? (1987), colectânea de poesias Auto da Fé e O Barco Encalhado, cuja edição italiana (La Nave Arenata, 1993) foi premiada. Neste, o autor refere-se à ilha de Moçambique, que "viu toda a espécie de barcos, desde a piroga à caravela: pangaios, escunas, lanchas, chatas, barcas, galeras, chalupas, paraus, veleiros, fragatas, canoas, palhabotes de velame latino. Viu pretos, indianos, brancos, amarelos, mistos, rosados". Dos livros apresentados hoje, o autor disse que o primeiro foi uma prenda de Natal, em ano em que não tinha dinheiro para prendas. Contente, viu pedirem exemplares em janeiro do ano seguinte. Fiquei sem saber se falou ou não metaforicamente, mas valeu pela ideia sonhadora.
Faz hoje exatamente um ano que eu entrevistei Álvaro Belo Marques para a minha investigação da rádio. Impossibilitado, na altura, de conduzir, fui de autocarro até Montemor-o-Novo e apanhei um táxi até à aldeia onde ele habitava. No regresso, gentilmente, trouxe-me de automóvel até à estação de autocarros. Então, a 19 de outubro de 2015, ele disse-me, entre muitas outras coisas: "Eu estava com o João Paulo Guerra durante a emissão do primeiro de maio de 1974, que durou umas 18 horas. Ele estava a coordenar os repórteres e eu a coordenar o programa, portanto estávamos os dois na cabina, cá em baixo. Não vimos absolutamente nada do primeiro de maio, e ainda hoje o lastimamos".
E, sobre os acontecimentos de 7 de setembro de 1974 (tomada de Rádio Clube de Moçambique por um grupo de brancos contrário à independência de Moçambique para a Frelimo), contou: "Fiquei sozinho, com a Emissora [Nacional, Lisboa] à minha responsabilidade. Não me apercebi da gravidade do assunto até ao momento em que, no dia 7, vou a sair às 18:30 e o porteiro me diz: «estão a chamá-lo da central, anda tudo doido à sua procura». A central era a central técnica de programas. Fui à central e diz-me o chefe da central que havia problemas em Moçambique e que era preciso tomarmos medidas. [...] comecei a organizar, com o [Fernando] Frazão, uma emissão dirigida a Moçambique. Falei para os emissores, com o engenheiro que estava de serviço, e disse-lhe para ele orientar as antenas para Moçambique e perguntei-lhe se podia pôr dois emissores em paralelo, se dava o dobro. Ele disse-me que não dava os 200 kW que eu queria, mas sim 160, 170, máximo 180 kW. Na condição de eu assumir a responsabilidade, pôs os emissores ao máximo e disse que demorava meia hora. Combinei isto tudo com o Frazão e, à hora exacta, o novo centro de regência entra com canções de luta para Moçambique e com noticiários do dia – o que tinha sido ao meio-dia, à uma, às duas, fomos metendo em directo para Moçambique, em ondas curtas. Tive a oportunidade, uns anos mais tarde, em Moçambique e com pessoal da rádio, de ficar a saber que nunca se tinha ouvido tão bem a Emissora Nacional como nos dias 7, 8 e 9 e que as pessoas estavam encantadas por terem um noticiário sobre o que se estava a passar em Portugal".
sexta-feira, 14 de outubro de 2016
Os intelectuais na crise europeia
Ontem, no El Corte Inglés, decorreu a segunda conferência ciclo O Regresso dos Intelectuais em Tempo de Crise, organizada por Mário Mesquita, com o título Intelectuais na Crise Europeia, que contou com a participação de Pilar Damião de Medeiros, António Guerreiro e Sandra Monteiro. No som ao lado (clicar), ouve-se a participação de António Guerreiro.
quinta-feira, 13 de outubro de 2016
Se as Montanhas de Afastam
O filme de Zhangke Jia (2015) mostra Tao, uma jovem dividida entre dois apaixonados por ela. Talvez ela não goste particularmente de nenhum, mas tem de decidir. E entre Zhang, que trabalha na mina de carvão, e Lianzi, proprietário de uma gasolineira, escolhe este (Tao Zhao, Yi Zhang, Jing Dong Liang). O filme percorre três períodos da história da China (1999, 2014 e 2025). Ao fim de alguns anos de casados, Tao e Liang separam-se, ele vai viver para a Austrália com o filho de ambos e ela regressa à região de origem, Fenyang, onde fica a explorar a gasolineira. Zhang abandonaria a região para trabalhar noutra zona da China, onde constitui família, mas regressa doente e pobre. O reencontro com Tao, já com ele muito doente, é mediado pela sua mulher.
O filme, além das escolhas sentimentais, mostra as alterações culturais e tecnológicas da China. As tradições seculares perdem impacto relativamente ao gosto consumista ocidental numa altura em que autoestradas e caminhos de ferro modernos varrem o país. A região de Fenyang é testemunha dessas alterações. Mas também as alterações sociais e familiares. O filho de Tao e de Lianzi, a viver na Austrália, comunica em inglês e está a aprender chinês para comunicar com o pai e, se um dia regressar à China para ver a mãe, comunicar com ela.
O realizador Zhangke Jia tem uma atitude ambígua entre a modernidade e a manutenção da tradição. Parece não haver tempo para refletir na mudança, tão rápida ela ocorre. Se o Japão precisou de uma geração para alterar, a China não tem tempo. As montanhas da eternidade e da novidade parecem distantes: o olhar sobre o rio e as montanhas do sítio onde viviam Tao e dos dois amigos de infância, unidos e depois separados para sempre, é irremediavelmente diferente. O terreno arenoso e irregular cedeu lugar a uma estrada asfaltada. Só falta controlar o curso do rio. A sabedoria, essa, foi esmagada pelo novo conhecimento, efémero. Apenas permanece a música oportuna dos Pet Shop Boys, Go West (1993).
O filme, além das escolhas sentimentais, mostra as alterações culturais e tecnológicas da China. As tradições seculares perdem impacto relativamente ao gosto consumista ocidental numa altura em que autoestradas e caminhos de ferro modernos varrem o país. A região de Fenyang é testemunha dessas alterações. Mas também as alterações sociais e familiares. O filho de Tao e de Lianzi, a viver na Austrália, comunica em inglês e está a aprender chinês para comunicar com o pai e, se um dia regressar à China para ver a mãe, comunicar com ela.
O realizador Zhangke Jia tem uma atitude ambígua entre a modernidade e a manutenção da tradição. Parece não haver tempo para refletir na mudança, tão rápida ela ocorre. Se o Japão precisou de uma geração para alterar, a China não tem tempo. As montanhas da eternidade e da novidade parecem distantes: o olhar sobre o rio e as montanhas do sítio onde viviam Tao e dos dois amigos de infância, unidos e depois separados para sempre, é irremediavelmente diferente. O terreno arenoso e irregular cedeu lugar a uma estrada asfaltada. Só falta controlar o curso do rio. A sabedoria, essa, foi esmagada pelo novo conhecimento, efémero. Apenas permanece a música oportuna dos Pet Shop Boys, Go West (1993).
terça-feira, 11 de outubro de 2016
Julieta
Os filmes de Pedro Almodóvar têm mulheres fortes - elas tomam decisões, sofrem, comandam o mundo, resolvem os problemas do mundo entre elas. Os homens, nos seus filmes, são instrumentais - são pais, não aparecem a tomar decisões, pouco nos é mostrado deles (fora as profissões), têm atitudes inúteis como o suicídio.
Julieta é um filme bonito, que o realizador construiu a partir de três histórias de um livro de Alice Munro (2004). Bem construído, em torno de uma espécie de intriga policial, um problema que Julieta (Emma Suárez mais velha, Adriana Ugarte mais jovem) transporta e que Lorenzo (Darío Grandinetti) não quer saber mas que o preocupa porque o problema atinge intensamente Julieta. Depois há Xoan (Daniel Grao) e a história incrível do comboio onde ela e ele se conheceram. A partir daí, casaram-se e nasceu Antía (Michelle Jenner). Talvez distraído, não vi o sentido do percurso do comboio - de Madrid para a Andaluzia ou de Madrid para as Astúrias (ou Galiza)? Xoan é pescador, Lorenzo é escritor. Aquele morreu num naufrágio do seu barco, este conheceu-a num velório de Ava (Inma Cuesta), amiga de Julieta, Xoan e Lorenzo, uma ponte, portanto, para Julieta. Ava estabelece ainda uma ligação com Antía, que enceta um abandono da mãe após a morte do pai até decidir desaparecer sem deixar rasto. O problema de Julieta é este: como saiu a filha da sua vida?
As mulheres são ainda fortes quando estão doentes: a mãe de Julieta e a primeira mulher de Xoan estão gravemente enfermas e morrem mas perseguem o filme como referências. Marian (Rossy de Palma, atriz que Almodóvar descobriu num café e que tem entrado em vários filmes dele), mulher conservadora mas discreta, depositária de uma sabedoria antiga, de olhar intenso e objetivo, trabalhadora a dias em casa de Xoan, tem opiniões que funcionam como avisos decisivos sobre a cultura urbana de Julieta. É Marian quem conta as histórias de Xoan - como a mulher estava muito doente e um homem precisa de uma mulher, esta surgiu na figura de Ava e, agora, Julieta. Prática e de senso esta observadora dos sentimentos e necessidades humanas.
As cenas finais revelam uma Antía triste porque morrera afogado o filho Xoan. A carta tem um endereço, levando Julieta na pista da filha. Não se vê o reencontro mas percebe-se: a filha perdoara à mãe alguma desatenção no dia da tempestade que vitimou o pai e pedia ajuda à mãe porque a compreendia. O desencontro remediava-se entre mulheres. Lorenzo faz, de novo, um papel instrumental ao guiar Julieta até à longínqua Suíça onde residia a filha.
Há três outros pormenores no filme: o movimento através dos transportes - autocarros, táxis, comboios, prova da crescente e moderna transumância. Por outro, a água: os afogamentos. A similitude leva à ideia de repetição, de circularidade. Mas nem sempre há repetição: Julieta condena o pai, que se aproximou de uma jovem marroquina, que lhe dará um filho, ainda com a mãe doente e presa a uma cama. Ela parece ter esquecido um movimento aparentado quando conheceu Xoan. O que traz uma terceira questão - a da moral. Será que a moral feminina é mais justa que a masculina?
Julieta é um filme bonito, que o realizador construiu a partir de três histórias de um livro de Alice Munro (2004). Bem construído, em torno de uma espécie de intriga policial, um problema que Julieta (Emma Suárez mais velha, Adriana Ugarte mais jovem) transporta e que Lorenzo (Darío Grandinetti) não quer saber mas que o preocupa porque o problema atinge intensamente Julieta. Depois há Xoan (Daniel Grao) e a história incrível do comboio onde ela e ele se conheceram. A partir daí, casaram-se e nasceu Antía (Michelle Jenner). Talvez distraído, não vi o sentido do percurso do comboio - de Madrid para a Andaluzia ou de Madrid para as Astúrias (ou Galiza)? Xoan é pescador, Lorenzo é escritor. Aquele morreu num naufrágio do seu barco, este conheceu-a num velório de Ava (Inma Cuesta), amiga de Julieta, Xoan e Lorenzo, uma ponte, portanto, para Julieta. Ava estabelece ainda uma ligação com Antía, que enceta um abandono da mãe após a morte do pai até decidir desaparecer sem deixar rasto. O problema de Julieta é este: como saiu a filha da sua vida?
As mulheres são ainda fortes quando estão doentes: a mãe de Julieta e a primeira mulher de Xoan estão gravemente enfermas e morrem mas perseguem o filme como referências. Marian (Rossy de Palma, atriz que Almodóvar descobriu num café e que tem entrado em vários filmes dele), mulher conservadora mas discreta, depositária de uma sabedoria antiga, de olhar intenso e objetivo, trabalhadora a dias em casa de Xoan, tem opiniões que funcionam como avisos decisivos sobre a cultura urbana de Julieta. É Marian quem conta as histórias de Xoan - como a mulher estava muito doente e um homem precisa de uma mulher, esta surgiu na figura de Ava e, agora, Julieta. Prática e de senso esta observadora dos sentimentos e necessidades humanas.
As cenas finais revelam uma Antía triste porque morrera afogado o filho Xoan. A carta tem um endereço, levando Julieta na pista da filha. Não se vê o reencontro mas percebe-se: a filha perdoara à mãe alguma desatenção no dia da tempestade que vitimou o pai e pedia ajuda à mãe porque a compreendia. O desencontro remediava-se entre mulheres. Lorenzo faz, de novo, um papel instrumental ao guiar Julieta até à longínqua Suíça onde residia a filha.
Há três outros pormenores no filme: o movimento através dos transportes - autocarros, táxis, comboios, prova da crescente e moderna transumância. Por outro, a água: os afogamentos. A similitude leva à ideia de repetição, de circularidade. Mas nem sempre há repetição: Julieta condena o pai, que se aproximou de uma jovem marroquina, que lhe dará um filho, ainda com a mãe doente e presa a uma cama. Ela parece ter esquecido um movimento aparentado quando conheceu Xoan. O que traz uma terceira questão - a da moral. Será que a moral feminina é mais justa que a masculina?
segunda-feira, 10 de outubro de 2016
Filmes etnográficos de Margot Dias
Segundo título da nova série de edições da Cinemateca em DVD, o volume dedicado à obra filmada de Margot Dias marca a abertura de uma outra linha nesse âmbito mais geral, de há muito pensada e finalmente concretizada: a de uma coleção de imagens etnográficas lançada em colaboração com o Museu Nacional de Etnologia. A edição é lançada numa sessão especial na Cinemateca, a 17 de outubro, às 19:00, de entrada livre mediante o levantamento de ingressos na bilheteira, com a presença e intervenções de Paulo Ferreira da Costa, Joaquim Pais de Brito, Catarina Alves Costa, Paula Silva e José Manuel Costa. O lançamento desta edição DVD é uma iniciativa que se cruza com o programa que este mês assinala os 20 anos de atividade do ANIM.
Entre 1958 e 1961, a antropóloga Margot Dias (1908-2001) realizou vinte e oito filmes em Moçambique e Angola, pertencentes ao Arquivo Fílmico do Museu Nacional de Etnologia. Produzidas no contexto das Missões de Estudos das Minorias Étnicas do Ultramar Português, dirigidas por Jorge Dias, estas imagens constituem uma das primeiras utilizações do filme etnográfico no âmbito da antropologia portuguesa.
[texto da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema]
O Livro em Com Calma
No espaço Com Calma - Espaço Cultural, na sexta-feira, 14 de outubro, pelas 22:00, apresenta-se a peça de teatro O Livro, de António Proença Azevedo e com a participação de Marta Prieto, Mouzinho Arsénio e Anabela Pires. Duração: 20 minutos. Na rua República da Bolívia 5 C (Lisboa).
Cardo-Amarelo ensina música tradicional portuguesa
"A Cardo-Amarelo Escola de Música Tradicional Portuguesa foi criada com o principal objetivo de reaproximar os portugueses da sua tradição musical, recuperando, recontextualizando e devolvendo a música tradicional ao quotidiano. Através da oferta de aulas regulares e oficinas mensais, orienta os seus alunos no sentido do aperfeiçoamento técnico e artístico, promovendo a troca de conhecimentos e o contacto entre diferentes gerações, fomentando o gosto por fazer música" (informação da entidade promotora www.facebook.com/cardoamarelo). Sedeada no Armazém 22 no Cais de Gaia.
Da esquerda para a direita e de cima para baixo: João Ferreira Martins, Alexandre Meirinhos, Anthony Fernandes, Xuxu Repas, Joana Lopes e Carmina Ribeiro Repas Gonçalves.
Da esquerda para a direita e de cima para baixo: João Ferreira Martins, Alexandre Meirinhos, Anthony Fernandes, Xuxu Repas, Joana Lopes e Carmina Ribeiro Repas Gonçalves.
domingo, 9 de outubro de 2016
Conferência do ciclo O Regresso dos Intelectuais em Tempo de Crise
Intelectuais na Crise Europeia, com Mário Mesquita e participação de Pilar Damião de Medeiros, António Guerreiro e Sandra Monteiro. Dia 13 de Outubro, às 18:30, no Piso 7 do El Corte Inglés (avenida António Augusto de Aguiar, Lisboa). Trata-se da segunda conferência do ciclo O Regresso dos Intelectuais em Tempo de Crise.
sexta-feira, 7 de outubro de 2016
Uníssono, de Victor Hugo Pontes
Uníssono - Composição para Cinco Bailarinos, de Victor Hugo Pontes (1978), tem como intérpretes os bailarinos André Cabral, Bruno Senune, Elisabete Magalhães, Teresa Alves da Silva e Valter Fernandes. A cenografia de F. Ribeiro, a música de Hélder Gonçalves e a luz de Wilma Moutinho servem uma partitura coreográfica com gestos repetitivos e movimentos mecanizados: do silêncio e do bailarino nu até ao vestuário e ténis iguais, sincronizados, entrando e saindo pelas laterais do palco, sempre num processo de imitação e com a luz a jogar efeitos quase hipnóticos. No texto de apresentação do bailado, Madalena Alfaia escreve sobre norma e desvio, padrão e inovação, tendência e contracultura (fotografia: Estelle Valente).
Há uma permanente beleza, embora quase se adivinhem os movimentos e os gestos, tirados do quotidiano - filas, quadrados ou retângulos, círculos, triângulos na escola, rua, espreguiçar e caminhar (mais depressa, mais devagar). Embora repetindo o dito acima, a música e a luz ajudam muito a desenhar o impacto do bailado (Teatro Rivoli, Porto).
Há uma permanente beleza, embora quase se adivinhem os movimentos e os gestos, tirados do quotidiano - filas, quadrados ou retângulos, círculos, triângulos na escola, rua, espreguiçar e caminhar (mais depressa, mais devagar). Embora repetindo o dito acima, a música e a luz ajudam muito a desenhar o impacto do bailado (Teatro Rivoli, Porto).
quinta-feira, 6 de outubro de 2016
Bácoro, do Teatro Palmilha Dentada
Fiquei rendido ao grupo do Teatro Palmilha Dentada. A representação de Bácoro (textos de Ricardo Alves e Sandra Neves) despertou em mim uma série de memórias culturais, dos gregos e latinos clássicos a Alice no País das Maravilhas, a Pasolini.
O primeiro quadro é dos mais deliciosos – o diálogo do dono e empresário do circo com o porco amestrado, em que ele fala dos erros e da aprendizagem e o porco responde com grunhidos quase humanos (hic, ric, mmm). Um dos atores manipula os gestos do animal, lembrando o teatro japonês das marionetas, embora sem o rigor das cenas setecentistas ou oitocentistas deste teatro. Aqui, ao contrário, a cena segue com muita liberdade de ação. Há uma certa manifestação filosófica num cenário colorido e agradável.
Outro quadro dos mais bem conseguidos e mais extensos retrata a vida de um bairro popular e histórico de uma cidade. Poderíamos pensar no Barredo (Porto). Nele há uma cenografia construtivista, maquínica, modernista, até futurista, a lembrar os automóveis, os edifícios e a poesia de Marinetti – pelo menos, era isso que me parecia ainda o espetáculo não começara e eu vira as construções na penumbra do palco e na escultura mecânica (em movimento) no foyer do teatro. Quando a luz iluminou o palco e se chegou a esse quadro, compreendi que a minha perceção inicial estava ligeiramente equivocada. Afinal, eram casas do burgo antigo de ruas estreitas e prédios esguios, onde habitam mulheres e homens ainda jovens mas já envelhecidos e que discutem as questões do dia a dia, se zangam mas se despedem até ao dia seguinte com um beijinho oral enviado de janela a janela ou entre varandas.
Aqui os três atores (Ivo Bastos, Nuno Preto e Rui Oliveira) desdobram-se: são duas mulheres, com filhos (Pedro e Alice), marionetas que manipulam os movimentos e dão voz, no sentido do ventríloquo. As mulheres discutem o espaço disponível do fio do estendal da roupa, as crianças-marionetas os jogos que convidam o outro. O rapaz quer jogar aos índios e cowboys, a menina ao coelhinho, que vai buscar a Lewis Carroll. Tudo decorre a nível do andar ou das águas furtadas em que vivem e um insulto é “ir lá abaixo”, como se a rua fosse um lugar de perdas. As falas e a manipulação dos bonecos são momentos bem conseguidos do grupo. O terceiro elemento, um homem, assume de novo uma postura filosófica, mesmo que não se entenda o que pretende alcançar. Ele parece ser a personagem das parábolas, como a repetição de pedidos de desculpa significar a possibilidade de um novo erro, numa repetição de tarefas à Sísifo. Ou da pesca, a lembrar o ditado chinês de ensinar a pescar.
Feliz a caracterização dos atores (figurinos de Inês Mariana Moitas), com grandes protuberâncias em zonas do corpo, que dão ao mesmo tempo um ar próximo da realidade e um aspeto risível, que a assistência segue de bom grado. Uma das protuberâncias da mulher parece uma boia de salvação, a da outra lembra fertilidade e riqueza visual. Do mesmo modo que a manipulação da marioneta porco também a manipulação das crianças mostra o Teatro Palmilha Dentada um grupo muito maduro, eliminando qualquer elemento de infantilidade, como eu escrevi aqui há muitos anos, a propósito da colaboração na Antena 1 (e que atribuo agora ao pobre Portugalex). Os quadros das casas do burgo velho e do porco em digressão (porco a andar de bicicleta e não a andar numa bicicleta, pois esta segunda aceção significa autonomia do animal para conduzir ele próprio, o que não coincide com a verdade) juntam-se para dar um quadro final, a da tentativa de apanhar o porco e cozinhá-lo. A vizinhança, pela primeira vez, está de pleno acordo em dar uma sequência final. Afinal, como Pasolini ensinou, os porcos são para comer e os corpos para amar. Mas, apesar dessa concordância, cada elemento da vizinhança quer dar um toque à mesa de preparação do banquete – talheres, pratos, um candeeiro, uma balança, uma pequena estátua – como se a mesa expressasse simbolicamente a riqueza de cada membro do bairro.
O catálogo que acompanha o espetáculo, de grande qualidade gráfica, em especial as imagens que mostram figuras e poses centrais da peça, explica a razão das máquinas e das marionetas e do porco (de vime e esponja) em especial, a partir de desenhos e esculturas saídas das ideias e das mãos de Sandra Neves, vindas de um ateliê na Fábrica (rua da Alegria, onde vários grupos teatrais – indo de artistas circenses a artesão e atores – partilham espaço e até ideias).
A sala do teatro Carlos Alberto (Porto) estava cheia de um público jovem e generoso na atribuição de palmas no final do espetáculo. A sala é confortável, a lembrar a sala Vermelha do Teatro Aberto (Lisboa) e a sala dos Artistas Unidos (esta menos confortável em termos de cadeiras mas a de maior visibilidade em todas as filas). Naquela sala do Porto há com regularidade expressões culturais de mais vanguarda que o teatro S. João, espaço mais difícil dada o espaço entre palco e plateia (e com menos visibilidade nas filas detrás).
O primeiro quadro é dos mais deliciosos – o diálogo do dono e empresário do circo com o porco amestrado, em que ele fala dos erros e da aprendizagem e o porco responde com grunhidos quase humanos (hic, ric, mmm). Um dos atores manipula os gestos do animal, lembrando o teatro japonês das marionetas, embora sem o rigor das cenas setecentistas ou oitocentistas deste teatro. Aqui, ao contrário, a cena segue com muita liberdade de ação. Há uma certa manifestação filosófica num cenário colorido e agradável.
Outro quadro dos mais bem conseguidos e mais extensos retrata a vida de um bairro popular e histórico de uma cidade. Poderíamos pensar no Barredo (Porto). Nele há uma cenografia construtivista, maquínica, modernista, até futurista, a lembrar os automóveis, os edifícios e a poesia de Marinetti – pelo menos, era isso que me parecia ainda o espetáculo não começara e eu vira as construções na penumbra do palco e na escultura mecânica (em movimento) no foyer do teatro. Quando a luz iluminou o palco e se chegou a esse quadro, compreendi que a minha perceção inicial estava ligeiramente equivocada. Afinal, eram casas do burgo antigo de ruas estreitas e prédios esguios, onde habitam mulheres e homens ainda jovens mas já envelhecidos e que discutem as questões do dia a dia, se zangam mas se despedem até ao dia seguinte com um beijinho oral enviado de janela a janela ou entre varandas.
Aqui os três atores (Ivo Bastos, Nuno Preto e Rui Oliveira) desdobram-se: são duas mulheres, com filhos (Pedro e Alice), marionetas que manipulam os movimentos e dão voz, no sentido do ventríloquo. As mulheres discutem o espaço disponível do fio do estendal da roupa, as crianças-marionetas os jogos que convidam o outro. O rapaz quer jogar aos índios e cowboys, a menina ao coelhinho, que vai buscar a Lewis Carroll. Tudo decorre a nível do andar ou das águas furtadas em que vivem e um insulto é “ir lá abaixo”, como se a rua fosse um lugar de perdas. As falas e a manipulação dos bonecos são momentos bem conseguidos do grupo. O terceiro elemento, um homem, assume de novo uma postura filosófica, mesmo que não se entenda o que pretende alcançar. Ele parece ser a personagem das parábolas, como a repetição de pedidos de desculpa significar a possibilidade de um novo erro, numa repetição de tarefas à Sísifo. Ou da pesca, a lembrar o ditado chinês de ensinar a pescar.
Feliz a caracterização dos atores (figurinos de Inês Mariana Moitas), com grandes protuberâncias em zonas do corpo, que dão ao mesmo tempo um ar próximo da realidade e um aspeto risível, que a assistência segue de bom grado. Uma das protuberâncias da mulher parece uma boia de salvação, a da outra lembra fertilidade e riqueza visual. Do mesmo modo que a manipulação da marioneta porco também a manipulação das crianças mostra o Teatro Palmilha Dentada um grupo muito maduro, eliminando qualquer elemento de infantilidade, como eu escrevi aqui há muitos anos, a propósito da colaboração na Antena 1 (e que atribuo agora ao pobre Portugalex). Os quadros das casas do burgo velho e do porco em digressão (porco a andar de bicicleta e não a andar numa bicicleta, pois esta segunda aceção significa autonomia do animal para conduzir ele próprio, o que não coincide com a verdade) juntam-se para dar um quadro final, a da tentativa de apanhar o porco e cozinhá-lo. A vizinhança, pela primeira vez, está de pleno acordo em dar uma sequência final. Afinal, como Pasolini ensinou, os porcos são para comer e os corpos para amar. Mas, apesar dessa concordância, cada elemento da vizinhança quer dar um toque à mesa de preparação do banquete – talheres, pratos, um candeeiro, uma balança, uma pequena estátua – como se a mesa expressasse simbolicamente a riqueza de cada membro do bairro.
O catálogo que acompanha o espetáculo, de grande qualidade gráfica, em especial as imagens que mostram figuras e poses centrais da peça, explica a razão das máquinas e das marionetas e do porco (de vime e esponja) em especial, a partir de desenhos e esculturas saídas das ideias e das mãos de Sandra Neves, vindas de um ateliê na Fábrica (rua da Alegria, onde vários grupos teatrais – indo de artistas circenses a artesão e atores – partilham espaço e até ideias).
A sala do teatro Carlos Alberto (Porto) estava cheia de um público jovem e generoso na atribuição de palmas no final do espetáculo. A sala é confortável, a lembrar a sala Vermelha do Teatro Aberto (Lisboa) e a sala dos Artistas Unidos (esta menos confortável em termos de cadeiras mas a de maior visibilidade em todas as filas). Naquela sala do Porto há com regularidade expressões culturais de mais vanguarda que o teatro S. João, espaço mais difícil dada o espaço entre palco e plateia (e com menos visibilidade nas filas detrás).
quarta-feira, 5 de outubro de 2016
Miró em Serralves
Materialidade e Metamorfose é o título da exposição de Joan Miró (1893-1983) patente no Museu de Arte Contemporânea de Serralves (Porto). Recentemente inaugurada, a exposição resulta da aquisição pelo Estado de gravuras e trabalhos do pintor que pertenciam ao falido Banco Português de Negócios.
A exposição pode apresentar-se em seis pontos, o primeiro dos quais a colagem, que foi fundamental na fundação da obra de Miró, seguindo Picasso e Braque, aproveitando materiais comuns e objetos recicláveis. A obra do pintor pode ler-se como um permanente signo ou conceito que evoca um objeto ausente. Como noutras perspetivas, a obra de Miró mostra-se cheia de inscrições, incisões, rasuras e marcas, através de linhas, pontos e palavras, dando múltiplos significados, explorando ainda o território de pictogramas e ideogramas. Signo material e gesto caligráfico constituem práticas constantes no seu trabalho. Curiosamente, aqui não há uma evolução biográfica, mas uma espécie de retorno a um mundo de linguagem mais rudimentar, visível nos trabalhos das décadas de 1950 e 1960. Um terceiro ponto da obra exposta assenta no princípio da metamorfose - um dos tópicos do título da exposição, em que o pintor catalão fez desenhos imaginando um universo de figuras monstruosas e de criaturas quase demoníacas. Na sequência, ele recolheu imagens do Renascimento italiano, caso de La Fornarina (de Rafael), e transformou-o numa série de retratos imaginários.
Um quarto ponto é o da distorção anatómica de figuras humanas no momento da Guerra Civil de Espanha, onde experimentou o cruzamento de colagens e esculturas-objeto, trabalhando superfícies como se fosse um artesão de materiais plásticos, entre os quais óleo, caseína, alcatrão e areia sobre aglomerado de fibras de madeira (masonite). Como quinto elemento da obra em exposição na Casa de Serralves, ele usou técnicas de fogo ao queimar bocados de tela e espalhar tintas (dripping), como se pode ver em filme exposto como complemento à obra exposta, e apresentadas em 1974 numa grande retrospetiva no Grand Palais (Paris). Junto a isto o conjunto de tapeçarias, executadas entre 1972 e 1973, apoiado por Josep Royo, concebidas como peças de grande autonomia figurativa. Como último marcador em Miró o da relação signo/superfície/estrutura presente em diversas obras, abrigando objetos e fragmentos [suporte para o texto: catálogo de Robert Lubar Messeri].
terça-feira, 4 de outubro de 2016
Luanda, a vida quotidiana e a rádio
O aparato de recolha de informação é impressionante: 81 entrevistas. O tema é aliciante: a cidade de Luanda entre 1960 e 1975. O que me chamou a atenção: o modo de construção do livro, ou melhor, do livro-álbum de fotografias. O que me levou a comprar: as 16 páginas, em 237, sobre rádio.
Rita Garcia inicia assim o seu livro-álbum agora editado: "Bastava percorrer a marginal pela primeira vez para ficar rendido aqueles três mil metros de asfalto, onde uma muralha de prédios altos e uma linha de coqueiros separavam a terra do mar" (p. 9). Do índice, conto 14 capítulos, alguns dedicados a temas de lazer e vida quotidiana na cidade: vida escolar, compras, moda, cinema, desporto, festas, comida. Um dedicado à guerra, com o título antigo (com viés): "Uma Província em guerra".
Sobre a rádio, a autora escreve sobre Minah Jardim (rainha da rádio e das canções), festival da canção de Luanda, estrelas da rádio (com nomes de locutores como Artur Peres, Alice Cruz, Rui Romano, Sara Chaves, Diamantino Faria, Ruth Soares e Sebastião Coelho), estações de sucesso (Rádio Clube de Angola, Emissora Oficial de Angola, Rádio Ecclesia), os programas mais conhecidos (Luanda, 62 a 75, Café da Noite, Chá das Seis). Entre outros contributos, o texto sobre rádio deve muito a José Maria Pinto de Almeida e o seu livro 50 Anos de Rádio em Angola, Belo Marques e o seu sítio e a Diamantino Pereira Monteiro [na fotografia de baixo, Belo Marques, de Rádio Ecclesia].
Rita Garcia (1979) é licenciada em Ciências da Comunicação, jornalista (tendo trabalhado em Focus, Notícias Magazine e Sábado, entre outros meios) e escritora, nomeadamente de dois outros livros sobre Angola.
Rita Garcia inicia assim o seu livro-álbum agora editado: "Bastava percorrer a marginal pela primeira vez para ficar rendido aqueles três mil metros de asfalto, onde uma muralha de prédios altos e uma linha de coqueiros separavam a terra do mar" (p. 9). Do índice, conto 14 capítulos, alguns dedicados a temas de lazer e vida quotidiana na cidade: vida escolar, compras, moda, cinema, desporto, festas, comida. Um dedicado à guerra, com o título antigo (com viés): "Uma Província em guerra".
Sobre a rádio, a autora escreve sobre Minah Jardim (rainha da rádio e das canções), festival da canção de Luanda, estrelas da rádio (com nomes de locutores como Artur Peres, Alice Cruz, Rui Romano, Sara Chaves, Diamantino Faria, Ruth Soares e Sebastião Coelho), estações de sucesso (Rádio Clube de Angola, Emissora Oficial de Angola, Rádio Ecclesia), os programas mais conhecidos (Luanda, 62 a 75, Café da Noite, Chá das Seis). Entre outros contributos, o texto sobre rádio deve muito a José Maria Pinto de Almeida e o seu livro 50 Anos de Rádio em Angola, Belo Marques e o seu sítio e a Diamantino Pereira Monteiro [na fotografia de baixo, Belo Marques, de Rádio Ecclesia].
Rita Garcia (1979) é licenciada em Ciências da Comunicação, jornalista (tendo trabalhado em Focus, Notícias Magazine e Sábado, entre outros meios) e escritora, nomeadamente de dois outros livros sobre Angola.
segunda-feira, 3 de outubro de 2016
Alexandra Hedison expõe no Centro Cultural de Cascais
A exposição Everybody Knows This is Nowhere, da artista norte-americana Alexandra Hedison, estará patente no Centro Cultural de Cascais de 7 de Outubro de 2016 a 8 de Janeiro de 2017.
[Untitled #5 (Nowhere)]
Alexandra Hedison é muito conhecida do público em geral pelo seu trabalho na área da representação na televisão e cinema, mas a exposição a decorrer em Cascais, dentro da programação contemporânea que o Centro Cultural tem vindo a desenvolver, representa o trabalho de fotografia documental sobre a ideia de narrativa mutável - reflexo da história pessoal da artista, da sua memória e da própria essência, tempo e mutabilidade de um lugar (informação e imagem fornecidas pela entidade organizadora).
[Untitled #5 (Nowhere)]
Alexandra Hedison é muito conhecida do público em geral pelo seu trabalho na área da representação na televisão e cinema, mas a exposição a decorrer em Cascais, dentro da programação contemporânea que o Centro Cultural tem vindo a desenvolver, representa o trabalho de fotografia documental sobre a ideia de narrativa mutável - reflexo da história pessoal da artista, da sua memória e da própria essência, tempo e mutabilidade de um lugar (informação e imagem fornecidas pela entidade organizadora).
Correspondentes da RTP fora do país
Três jornalistas vão ocupar cargos de correspondentes internacionais da RTP em aberto: Rosário Salgueiro em Paris e Duarte Valente (televisão) e Andreia Neves (rádio) em Bruxelas. O lugar na televisão em Paris pertencia a Paulo Dentinho, agora na direção de informação, o lugar em Bruxelas pertencia a António Esteves Martins, saído em junho de 2016 para assessorar a representação permanente de Portugal na União Europeia. Em Washington, Márcia Rodrigues deve abandonar o cargo de correspondente até ao final do ano.
sábado, 1 de outubro de 2016
A despedida da diretora do jornal Público
"Lembro-me muitas vezes da frase que a Cristina Ferreira, minha colega no Público há 27 anos, diz quando tem um artigo pronto a publicar. «Foi o melhor que consegui. Tem de certeza erros… mas ainda não os encontrei». Sempre gostei desta definição de jornalismo. O que fazemos é tornado público apesar de tudo. E dentro das circunstâncias. Sempre imperfeito, partilhamos o nosso trabalho com os leitores todos os dias, a todas as horas. Hoje é o meu último dia como diretora do Público. Calcei estes sapatos transitórios durante sete anos. Secretamente, nunca quis que fossem tantos. Como nas Nações Unidas, nas empresas ou nas câmaras municipais, é fundamental renovar as chefias e encontrar, na frescura de um novo olhar, formas diferentes e melhores de fazer as coisas. Idealmente, com mandatos pré-definidos e conhecidos por todos" (Bárbara Reis, no último dia como diretora do jornal Público).
Mais à frente, Bárbara Reis escreve: "Os jornais são feitos por muitas pessoas. Aqui, somos quase 200. Já estou a ouvir a Teresa de Sousa dizer em voz alta no meio da redacção: «Lá estão vocês com a mania de que somos todos iguais»! Não somos. O nosso querido Miguel Gaspar, de quem sentimos tanta falta, era seguramente diferente. À redação, quero agradecer o esforço, o brio, a inteligência, a cultura e a imaginação. Aos diretores-adjuntos agradeço tudo isso e mais uma coisa: a resiliência".
Uma ou outra vez critiquei aqui o jornal - o jornal que leio com atenção na edição de papel (e também no jornal em linha). A despedida da diretora deixou-me a pensar. Foi um bom texto, a dar conta da efemeridade dos cargos e das posições. Alguém, há muito, me dizia que o jornal acabaria com a diretora. Afinal, ele continua e a diretora que já não é diretora irá desempenhar, com certeza, outras e boas funções - talvez mais resguardadas, sem as pressões dos diversos poderes.
No texto de despedida falta uma coisa, que eu já li num comentário no Facebook: não há uma só palavra sobre o despedimento de jornalistas fundamentais do jornal, porque os custos económicos assim o terão exigido. Ao menos, podia explicitar melhor como se pode fazer jornalismo relevante, incómodo, ético e independente após a saída desses bons profissionais. Eles compreenderiam melhor o que se verificou.
Mais à frente, Bárbara Reis escreve: "Os jornais são feitos por muitas pessoas. Aqui, somos quase 200. Já estou a ouvir a Teresa de Sousa dizer em voz alta no meio da redacção: «Lá estão vocês com a mania de que somos todos iguais»! Não somos. O nosso querido Miguel Gaspar, de quem sentimos tanta falta, era seguramente diferente. À redação, quero agradecer o esforço, o brio, a inteligência, a cultura e a imaginação. Aos diretores-adjuntos agradeço tudo isso e mais uma coisa: a resiliência".
Uma ou outra vez critiquei aqui o jornal - o jornal que leio com atenção na edição de papel (e também no jornal em linha). A despedida da diretora deixou-me a pensar. Foi um bom texto, a dar conta da efemeridade dos cargos e das posições. Alguém, há muito, me dizia que o jornal acabaria com a diretora. Afinal, ele continua e a diretora que já não é diretora irá desempenhar, com certeza, outras e boas funções - talvez mais resguardadas, sem as pressões dos diversos poderes.
No texto de despedida falta uma coisa, que eu já li num comentário no Facebook: não há uma só palavra sobre o despedimento de jornalistas fundamentais do jornal, porque os custos económicos assim o terão exigido. Ao menos, podia explicitar melhor como se pode fazer jornalismo relevante, incómodo, ético e independente após a saída desses bons profissionais. Eles compreenderiam melhor o que se verificou.
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