Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
quinta-feira, 30 de abril de 2015
Videojogos
"Tratar da indústria de games [videojogos] é comprometer-se com a busca pelo entendimento do que hoje pode ser considerado o mercado de produção de conteúdo para entretenimento mais dinâmico, multifacetado e com expressivo potencial de crescimento e desenvolvimento. Mais que uma indústria especializada, dentro deste único mercado coexistem e se relacionam, de forma integrada, diversos “ecossistemas”, determinados não só pelo conteúdo, mas também pelo formato como estes games são produzidos e disponibilizados para o mercado consumidor", assim começa o artigo de Carolina Clemente Bassin para a Cultura e Mercado, com data de 27 de Abril de 2015. A ler o texto na totalidade.
O Diário de Notícias no tempo em que esteve na rua dos Calafates
O livro de Pedro Foyos, O "Grande Jornalzinho" da Rua dos Calafates, revela-nos o Diário de Notícias nos primeiros anos de edição. Ou, escrevendo melhor, conta a história deste velho e importante jornal enquanto esteve instalado na rua dos Calafates agora chamada do Diário de Notícias antes de se mudar para a avenida da Liberdade perto da praça do Marquês de Pombal, aqui em Lisboa (de 1864 a 1940).
Lê-se o livro de uma só vez. Muito bem escrito e debruçando-se sobre as pessoas que fizeram o jornal, os temas, as histórias à volta do jornal. Eu gosto deste tipo de livros que, parecendo menores ou despretensiosos, dão uma imagem nítida e profunda da realidade que tratam. Começo pelo índice, uma originalidade cheia de riqueza, em que há títulos de capítulo com os nomes de "Tudo sobre o país e o mundo por metade do preço do sabão-de-macaco", "Que fazer quando o rei é assassinado «em cima» da primeira página já fechada" ou "Do «Notícias Ilustrado» para os graúdos ao «Cavaleiro Andante» para os miúdos".
Pego no exemplo do capítulo sobre o assassínio do rei D. Carlos I (1 de Fevereiro de 1908). Quando chegou a notícia ao jornal, a primeira página já estava composta. Refazer a página estava fora de questão, pois isso atrasaria a saída do jornal. As tecnologias da época não permitiam voltar rapidamente a fazer tudo de novo, o que nos causa espanto hoje. A inclusão de um suplemento também não se ofereceu viável. Restou a hipótese de deslocar para baixo o texto da página já composta e incluir uma nova entrada. Isso levou a que a parte final da página ficasse ceifada e a que a notícia do atentado ficasse mesmo por cima da secção de "Festas e diversões do dia" (p. 77).
Um grande mérito do livro, além da elegância do texto escrito, é a percepção perfeita do leitor que o autor leu a totalidade das edições do jornal Diário de Notícias ao longo do período estudado. Não há falhas, como quando identifica as edições sucessivas de um dia. À escrita, o livro junta um elemento gráfico essencial, a ilustração de páginas do jornal, fotografias, gravuras e reproduções de pinturas, que dão uma noção mais rigorosa do tempo a que o texto se refere. Por vezes, há páginas tipo extra-texto, onde Pedro Foyos destaca pedagogicamente alguns elementos, fora o capítulo "Pequenas e Grandes Notícias Perdidas no Tempo", com uma proposta de cronologia de histórias, anos de ocorrência de determinados factos e fotografias a eles alusivas. Evidencio ainda a colaboração, para o livro, de texto de Maria Augusta Silva, com uma possível entrevista ao primeiro director do jornal, Eduardo Coelho (chamada "póstuma"), recriação muito curiosa e que remete para a cultura da época do jornalista.
Na badana do livro, lê-se que Pedro Foyos trabalhou no Diário de Notícias, onde integrou a chefia de redacção. O seu amor ao jornal está reflectido no livro. A única pequena crítica que faço ao livro é ele não ter um mínimo de aparato académico, com indicações bibliográficas ou de páginas do jornal.
Leitura: Pedro Foyos (2014). O "Grande Jornalzinho" da Rua dos Calafates. Lisboa: Prelo, 149 páginas, 16,5 euros
Lê-se o livro de uma só vez. Muito bem escrito e debruçando-se sobre as pessoas que fizeram o jornal, os temas, as histórias à volta do jornal. Eu gosto deste tipo de livros que, parecendo menores ou despretensiosos, dão uma imagem nítida e profunda da realidade que tratam. Começo pelo índice, uma originalidade cheia de riqueza, em que há títulos de capítulo com os nomes de "Tudo sobre o país e o mundo por metade do preço do sabão-de-macaco", "Que fazer quando o rei é assassinado «em cima» da primeira página já fechada" ou "Do «Notícias Ilustrado» para os graúdos ao «Cavaleiro Andante» para os miúdos".
Pego no exemplo do capítulo sobre o assassínio do rei D. Carlos I (1 de Fevereiro de 1908). Quando chegou a notícia ao jornal, a primeira página já estava composta. Refazer a página estava fora de questão, pois isso atrasaria a saída do jornal. As tecnologias da época não permitiam voltar rapidamente a fazer tudo de novo, o que nos causa espanto hoje. A inclusão de um suplemento também não se ofereceu viável. Restou a hipótese de deslocar para baixo o texto da página já composta e incluir uma nova entrada. Isso levou a que a parte final da página ficasse ceifada e a que a notícia do atentado ficasse mesmo por cima da secção de "Festas e diversões do dia" (p. 77).
Um grande mérito do livro, além da elegância do texto escrito, é a percepção perfeita do leitor que o autor leu a totalidade das edições do jornal Diário de Notícias ao longo do período estudado. Não há falhas, como quando identifica as edições sucessivas de um dia. À escrita, o livro junta um elemento gráfico essencial, a ilustração de páginas do jornal, fotografias, gravuras e reproduções de pinturas, que dão uma noção mais rigorosa do tempo a que o texto se refere. Por vezes, há páginas tipo extra-texto, onde Pedro Foyos destaca pedagogicamente alguns elementos, fora o capítulo "Pequenas e Grandes Notícias Perdidas no Tempo", com uma proposta de cronologia de histórias, anos de ocorrência de determinados factos e fotografias a eles alusivas. Evidencio ainda a colaboração, para o livro, de texto de Maria Augusta Silva, com uma possível entrevista ao primeiro director do jornal, Eduardo Coelho (chamada "póstuma"), recriação muito curiosa e que remete para a cultura da época do jornalista.
Na badana do livro, lê-se que Pedro Foyos trabalhou no Diário de Notícias, onde integrou a chefia de redacção. O seu amor ao jornal está reflectido no livro. A única pequena crítica que faço ao livro é ele não ter um mínimo de aparato académico, com indicações bibliográficas ou de páginas do jornal.
Leitura: Pedro Foyos (2014). O "Grande Jornalzinho" da Rua dos Calafates. Lisboa: Prelo, 149 páginas, 16,5 euros
quarta-feira, 29 de abril de 2015
10.000 já visitaram a exposição de Sebastião Salgado (Génesis) em Lisboa
Aberto ao público no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional desde dia 10 de Abril, Génesis, o mais recente trabalho do fotógrafo Sebastião Salgado, já foi visitado por 10 000 pessoas.
O sucesso da exposição, com mais de 2,5 milhões de visitantes em todo o mundo, repete-se em Lisboa. Os visitantes não deixaram escapar a oportunidade de conhecer os últimos “ambientes intocados” do planeta, que Salgado fotografou durante oito anos e mais de 30 viagens. Génesis está patente no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, de segunda a domingo (incluindo feriados), até dia 2 de Agosto (a partir de informação da organização).
Festa do cinema
Nos dias 11, 12 e 13 de Maio, todas as 499 salas de cinema, cinematecas e auditórios em Portugal, perfazendo quase 94 mil lugares, vão cobrar bilhetes a 2,5 euros. É a primeira Festa do Cinema a realizar-se em Portugal (a partir do Diário de Notícias).
segunda-feira, 27 de abril de 2015
domingo, 26 de abril de 2015
Música
Quando Hitler subiu ao poder, os seus partidários baniram muita da música contemporânea alemã e austríaca, a que chamaram degenerada. Foi a essa música proibida que a Casa da Música (Porto) abriu as suas portas a partir do dia 24 de Abril: Hanns Eisler, Arnold Schoenberg, Kurt Weill e Bertolt Brecht, Paul Hindemith, Ernest Krenek e Erich Korngold, pelo Remiz Ensemble (dirigido por Baldur Bronnimann) e pela Orquestra Sinfónica da instituição (dirigida por Stefan Blunier), com a soprano Ângela Alves, o tenor Miguel Leitão, o barítono Luís Rendas Pereira e o baixo Ricardo Torres. O diferente dispositivo musical das peças tocadas obrigou a uma permanente alteração do conjunto dos músicos, aspecto que me chamou a atenção.
Já no Centro Cultural de Belém (Lisboa), os dias da música estão a ser dedicados ao cinema (Luzes, Câmara... Música). A música de Sergei Prokofiev encheu ontem à noite o grande auditório, em especial a escrita para o filme Alexandre Nevsky (de Sergei Eisenstein), com a Orquestra Sinfónica Portuguesa dirigida por João Paulo Santos, a contralto ucraniana Larissa Savchenko e Coro do Teatro Nacional de São Carlos. O filme de Eisenstein (1938) teve muito sucesso, em especial por causa do sentimento anti-alemão e da música de Prokofiev, mas foi silenciado após o tratado entre União Soviética e a Alemanha.
Já no Centro Cultural de Belém (Lisboa), os dias da música estão a ser dedicados ao cinema (Luzes, Câmara... Música). A música de Sergei Prokofiev encheu ontem à noite o grande auditório, em especial a escrita para o filme Alexandre Nevsky (de Sergei Eisenstein), com a Orquestra Sinfónica Portuguesa dirigida por João Paulo Santos, a contralto ucraniana Larissa Savchenko e Coro do Teatro Nacional de São Carlos. O filme de Eisenstein (1938) teve muito sucesso, em especial por causa do sentimento anti-alemão e da música de Prokofiev, mas foi silenciado após o tratado entre União Soviética e a Alemanha.
sábado, 25 de abril de 2015
Museu da Imagem (Braga)
No Museu da Imagem em Braga está exposta uma coleção de fotografias do chileno Adolfo Vera. O texto disponível na exposição não nos diz claramente de que se trata a exposição, mas, pelo perfil do artista, percebe-se que as fotografias resultam de um período em que esteve no Benim (2006), numa residência de artista.
O título do museu é errado. Apesar de um belo edifício, com parte da antiga muralha da cidade e uma boa arquitetura interior, com recurso ao ferro, o artigo definido (contração com a preposição de) indica a entrada de qualquer imagem no museu e aguça o apetite para a inclusão de equipamentos dedicados à fotografia, ao cinema, à televisão e à internet. Afinal, parece que apenas permite exposições temporárias substituídas de mês e meio em mês e meio.
sexta-feira, 24 de abril de 2015
António Pinto Ribeiro
Leio a partir do jornal Público que António Pinto Ribeiro deixa a Fundação Calouste Gulbenkian e o lugar de diretor do Programa Próximo Futuro, que termina a 15 de Setembro próximo. Para ele, a Gulbenkian precisa de inovar a sua oferta cultural, contemporânea e cosmopolita. Uma reviravolta, classifica o jornal. Ribeiro fora indicado, no início de Fevereiro, para assumir o cargo de coordenador de todos os serviços da casa com oferta artística.
Pinto Ribeiro entregou recentemente a sua tese de doutoramento. Será que a academia vai solicitar os seus préstimos a tempo inteiro?
Pinto Ribeiro entregou recentemente a sua tese de doutoramento. Será que a academia vai solicitar os seus préstimos a tempo inteiro?
NetStation 2015
Numa das sessões da manhã de hoje na conferência internacional NetStation 2015. Radio, Sound, and Internet, na Universidade do Minho. Pedro Portela e Fábio Ribeiro com a comunicação Serial: a importância da estética sonora na popularização de um podcast e Ana Sofia Andrade com o texto A voz do dia-a-dia e a voz profissional. Eu falei sobre Fernando Curado Ribeiro e o seu livro Rádio. Produção, Realização, Estética (1964).
em especial os relacionados com a estética sonora e ligações com obras sobre rádio editadas na França pós-II Guerra Mundial e que influenciaram a sua escrita:
Sudre, 1945; Thévenot, 1946; Cordier, 1950; Pradalié, 1951 [a última fotografia pertence à organização do evento].
quinta-feira, 23 de abril de 2015
A revolução no palácio do Bolhão (Porto)
O texto e a dramaturgia pertence a Zeferino Mota, a encenação é de João Paulo Costa. O piano tem Ernesto Coelho como seu executante e os atores são Ana Luísa Queirós, Beatriz Frutuoso, Miguel Lemos, Pedro Roquette, Rita Lagarto e Tiago Araújo. A Revolução. Dos que não Sabem Dizer Nós representa-se num redescoberto (e magnífico, ainda a cheirar a tinta nova) Palácio do Bolhão, mesmo perto do mercado com o mesmo nome (agora que se volta a falar na sua requalificação).
A peça fala das revoluções, numa época em que a política parece menos interessante. Texto entre recordações (da revolução francesa ao movimento anonymus, passando pelo maio de 1968 e pelo 25 de abril de 1974), música (como a de José Mário Branco e Victor Jara e a recolha de Fernando Lopes Graça) e music-hall. A peça fala dos descamisados, dos pobres, dos desempregados e dos (e)imigrantes. Por um momento, lembrei-me do primeiro-ministro britânico hoje na televisão a falar dos barcos de patrulha que o seu governo ia dispensar para patrulhamento do mar Mediterrâneo, a propósito dos naufrágios de barcos vindos da Líbia com gente fugida à guerra e que morre nesses abarrotados barcos.
Gostei bastante do desenho de luz (Cárin Geada) e dos figurinos (Lola Sousa). Peça alegre e ritmada mas a procurar despertar consciências. Sala cheia.
A peça fala das revoluções, numa época em que a política parece menos interessante. Texto entre recordações (da revolução francesa ao movimento anonymus, passando pelo maio de 1968 e pelo 25 de abril de 1974), música (como a de José Mário Branco e Victor Jara e a recolha de Fernando Lopes Graça) e music-hall. A peça fala dos descamisados, dos pobres, dos desempregados e dos (e)imigrantes. Por um momento, lembrei-me do primeiro-ministro britânico hoje na televisão a falar dos barcos de patrulha que o seu governo ia dispensar para patrulhamento do mar Mediterrâneo, a propósito dos naufrágios de barcos vindos da Líbia com gente fugida à guerra e que morre nesses abarrotados barcos.
Gostei bastante do desenho de luz (Cárin Geada) e dos figurinos (Lola Sousa). Peça alegre e ritmada mas a procurar despertar consciências. Sala cheia.
quarta-feira, 22 de abril de 2015
Jornalismo na (ou sobre a) Nigéria
"Jornalistas são pensadores natos de design. Jornalistas fazem perguntas e isso é o ponto central do design centrado no ser humano. Nós construímos a empatia com os nossos entrevistados, ouvindo suas histórias, conversando com eles e trabalhando ao lado deles; inserindo-nos em suas vidas, aprendemos os detalhes e os fatos não tão óbvios. Normalmente, nós ouvimos e observamos para que possamos melhor compreender a situação em que nossas fontes se encontram, permitindo que nossas histórias vão mais a fundo. Então, por que jornalistas não podem usar essas mesmas competências, esses mesmos poderes de observação, para saber quais são as necessidades dos nossos leitores quando se trata da notícia que recebem de nós? Podemos e cada vez mais conseguimos fazer isso. Nem sempre é fácil, porém. Cada público representa um desafio diferente. Impulsionar o seu envolvimento com a notícia --mesmo notícia realmente importante, como o trabalho em saúde tão necessário na Nigéria - é uma questão complicada" (Nuno Vargas).
Na sua mensagem colocada no Facebook,Nuno Vargas indicou, entre outros, o meu nome para apreciação do seu trabalho Usando pensamento de design para envolver o público em notícias de saúde. Ele resulta de um projecto de 9 meses na Nigéria agora terminado, em que ao jornalista importa conhecer o público profundamente de modo a que suas necessidades sejam reveladas. Um pormenor delicioso: dado um percurso profissional no Brasil, o autor usa termos como pauta (agenda) e usuários (utilizadores).
Um abraço ao Nuno!
Na sua mensagem colocada no Facebook,Nuno Vargas indicou, entre outros, o meu nome para apreciação do seu trabalho Usando pensamento de design para envolver o público em notícias de saúde. Ele resulta de um projecto de 9 meses na Nigéria agora terminado, em que ao jornalista importa conhecer o público profundamente de modo a que suas necessidades sejam reveladas. Um pormenor delicioso: dado um percurso profissional no Brasil, o autor usa termos como pauta (agenda) e usuários (utilizadores).
Um abraço ao Nuno!
Públicos da Gulbenkian (2006)
Em 2006, eu e o professor Pedro Magalhães produzimos dois textos sobre públicos de museus e de música da Fundação Calouste Gulbenkian. Alguns dos dados, os mais importantes, foram publicados no primeiro volume organizado pelo professor António Barreto dedicado aos 50 anos da Fundação Calouste Gulbenkian.
terça-feira, 21 de abril de 2015
Inquérito de imprensa cristã (2009)
Em 2009, foi lançado um inquérito às publicações ligadas à Associação de Imprensa Cristã, com desenho do inquérito, inserção de dados e interpretação de resultados trabalhado pelo CESOP (Centro de Sondagens e Opinião Pública), centro da Universidade Católica Portuguesa. Houve 997 respostas de inquéritos válidos para um total de 36 publicações (envio de 12325 inquéritos por correio, junto da publicação, com envelope franqueado para resposta).
domingo, 19 de abril de 2015
A Mentira nos Artistas Unidos
Com texto e encenação de João Pedro Mamede, a peça II - A Mentira assenta na trilogia de romances de Agota Kristof, com alguma repetição de temas, como se fossem novos ângulos a olhá-los. Ausente da cidade há muito tempo, um irmão procura o outro gémeo. Um apareceu, o outro desapareceu. O intelectual, a polícia secreta, a prostituta, a senhoria que aluga um quarto, a livraria, o padre. A peça mostra em excesso o explícito - o nu, a violência do (e sobre o) corpo, a linguagem cruel. Não gostei nada. Depois disto, o que se pode esperar mais dos actores?
sábado, 18 de abril de 2015
Sebastião Salgado
A chuva pareceu ameaçar a entrada na exposição, longa que estava a fila. Dentro, um deslumbramento fotográfico do brasileiro que expõe na Cordoaria Nacional. Movimento de massas, as suas imagens levam-nos a cinco grandes temas com paisagens do sul do planeta, África, santuários, terras do norte, Amazónia e Pantanal, mostrando a vida animal, tribos humanas em desaparecimento rápido e a natureza (floresta e rochas). Por vezes, os olhares são dramáticos, pungentes, mas igualmente magestáticos, vencedores, gregários ou individuais. Outras vezes, no caso das culturas humanas, há gestos, adornos e pinturas que nos espantam pela diversidade, riqueza e ostentação dentro do grupo. Iniciação, procura de alimento ou festa - eis o programa das 245 fotografias da exposição Génesis, de Sebastião Salgado. Subjacente, a sua carta de amor ao mundo, através do Instituto Terra, com um forte apelo à reflorestação e à paragem da devastação do planeta.
A fundação do Museu da Rádio pelo Rádio Clube Português
Em notícia do Diário Popular de 30 de Março de 1969. A estação aceitava receptores, válvulas electrónicas, bobinas, emissores, livros, discos, revistas e fotografias.
sexta-feira, 17 de abril de 2015
Aprovado plano de revitalização (PER) de editora da Impala
Retiro directamente a notícia do Expresso: a decisão permite à editora de revistas entre as quais Maria, Nova Gente e TV7Dias prosseguir a actividade, apesar do passivo de cerca de €50 milhões, substancialmente perdoado. A aprovação do PER foi viabilizada por cerca de 80% dos credores. Na base do PER solicitado pela DescobrirPress estiveram dívidas de €50,2 milhões acumulados pela empresa nos últimos anos, incluindo nos credores ex-funcionários, fornecedores, Autoridade Tributária, Segurança Social, entidades financeiras e personalidades como Luís Figo, Manuela Moura Guedes ou Sílvia Alberto. Entre 2005 e 2014, a média de vendas das principais revistas que a empresa ainda produz – Maria, TV7Dias, Nova Gente, Ana, VIP e Mulher Moderna na Cozinha – caiu mais de 280 mil exemplares por edição. Prevê-se ainda a redução de cerca de 15% do quadro de trabalhadores, dentro da estratégia de redução média de 30% da estrutura de custos da editora.
quinta-feira, 16 de abril de 2015
No dia mundial da voz
Uma grande produtora independente da rádio antes de 1974 foi a Sonarte, que emitia relatos desportivos, nomeadamente futebol, ao domingo. Um dos seus programas-bandeira foi o programa da manhã, Onda do Optimismo, apresentado por Artur Agostinho (Rádio Clube Português). Além daquele locutor, o programa incluía elementos como Fernando Conde, Jacinto Grilo, Armando Grilo, Armando Mata e João Seco. Um deles, Fernando Conde recordou em entrevista dada a Luís Garlito (29 de Janeiro de 1992, Arquivo da RTP, AHD 14792:
"O Artur levava os discos, levava as fitas, fazia-se um grande programa. Foi um grande êxito. Depois, o Artur Agostinho foi proibido de falar ao microfone pela exclusividade da Emissora [por legislação nacional de 1954]. Entretanto, tínhamos mudado para outros estúdios, estúdios que tinham um certo rigor técnico e de qualidade. Já era gravado. Esteve uma equipa com o [Fernando] Pessa, com a Etelvina [Lopes de Almeida], muito tempo, o Henrique Mendes, e depois esteve a Maria Adalgisa [Costa], que foi uma novidade aparecer como locutora, ela que era uma cantora sobretudo de opereta, notável. [A Adalgisa] tinha uma voz linda e lia muito bem".
Grão de Arroz foi, depois, popularizado por Amália Rodrigues, de quem, aliás, era próxima, em especial numa altura em que as duas iam cantar com alguma frequência no Porto em programas de variedades. A cantora viveu um período da sua vida em Moçambique, regressando depois de 1974.
[fontes das imagens: Museu RTP e The Dela Goabay World]
"O Artur levava os discos, levava as fitas, fazia-se um grande programa. Foi um grande êxito. Depois, o Artur Agostinho foi proibido de falar ao microfone pela exclusividade da Emissora [por legislação nacional de 1954]. Entretanto, tínhamos mudado para outros estúdios, estúdios que tinham um certo rigor técnico e de qualidade. Já era gravado. Esteve uma equipa com o [Fernando] Pessa, com a Etelvina [Lopes de Almeida], muito tempo, o Henrique Mendes, e depois esteve a Maria Adalgisa [Costa], que foi uma novidade aparecer como locutora, ela que era uma cantora sobretudo de opereta, notável. [A Adalgisa] tinha uma voz linda e lia muito bem".
Grão de Arroz foi, depois, popularizado por Amália Rodrigues, de quem, aliás, era próxima, em especial numa altura em que as duas iam cantar com alguma frequência no Porto em programas de variedades. A cantora viveu um período da sua vida em Moçambique, regressando depois de 1974.
[fontes das imagens: Museu RTP e The Dela Goabay World]
Da História em Luís Reis Torgal
Luís Reis Torgal tem tido um percurso dedicado à História moderna e contemporânea, aqui com trabalhos sobre o Estado Novo e o cinema neste período, além da sua marca em centros de investigação e revistas. O novo livro, História. Que História? é uma espécie de balanço. Não se trata de um texto sobre teoria da história mas possui um conjunto de reflexões sobre historiadores, ensino, relação da história e do jornalismo, ideologia e participação cívica.
O título remete para outro, de Diogo Ramada Curto, que Torgal elogia chamando-lhe estrangeirado, mas onde se nota ainda uma crítica. Ramada Curto diz estar a historiografia portuguesa atrasada, Reis Torgal considera-a actual. Da discussão entre história circular e linear, o autor recupera e integra a longa genealogia dos historiadores portugueses desde o século XIX. As diferenças de pontos de vista são menores (de ofício, de olhar político) quando comparadas com a alegria da produção do historiador. Os comentários mais críticos vão para a presente visão governamental e para a ideia de jornalistas serem historiadores, confundindo a superficialidade e a procura de celebridades e espectáculos, no que designa de império de divulgação e opinião, e esquecendo que a história precisa de heurística e hermenêutica.
Um capítulo interessante deste novo livro é aquele sobre ideologia e memória. Quando há mudança de regime político ou até de uma simples alteração de partido no governo, existe a tentação de alterar a realidade e as imagens. As páginas dedicadas ao tema são deliciosas porque mostram essas pequenas ou grandes manipulações. Um exemplo apenas: depois de 1974, em Coimbra, a avenida Arantes e Oliveira, ministro de Salazar, deu origem à avenida general Humberto Delgado, oposicionista de Salazar.
O leitor espera sempre mais de uma obra, o que é uma exigência despropositada. A obra é aquela e não uma outra. Mas não deixo de sublinhar que em História. Que História? falta a discussão (ou tem muito pouco espaço) da História na pós-modernidade, com as suas múltiplas correntes - história social, história cultural, micro-história.
Luís Reis Torgal é professor catedrático jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Leitura: Luís Reis Torgal (2015). História. Que História? Lisboa: Temas e Debates / Círculo de Leitores, 221 p., 16,60 euros
O título remete para outro, de Diogo Ramada Curto, que Torgal elogia chamando-lhe estrangeirado, mas onde se nota ainda uma crítica. Ramada Curto diz estar a historiografia portuguesa atrasada, Reis Torgal considera-a actual. Da discussão entre história circular e linear, o autor recupera e integra a longa genealogia dos historiadores portugueses desde o século XIX. As diferenças de pontos de vista são menores (de ofício, de olhar político) quando comparadas com a alegria da produção do historiador. Os comentários mais críticos vão para a presente visão governamental e para a ideia de jornalistas serem historiadores, confundindo a superficialidade e a procura de celebridades e espectáculos, no que designa de império de divulgação e opinião, e esquecendo que a história precisa de heurística e hermenêutica.
Um capítulo interessante deste novo livro é aquele sobre ideologia e memória. Quando há mudança de regime político ou até de uma simples alteração de partido no governo, existe a tentação de alterar a realidade e as imagens. As páginas dedicadas ao tema são deliciosas porque mostram essas pequenas ou grandes manipulações. Um exemplo apenas: depois de 1974, em Coimbra, a avenida Arantes e Oliveira, ministro de Salazar, deu origem à avenida general Humberto Delgado, oposicionista de Salazar.
O leitor espera sempre mais de uma obra, o que é uma exigência despropositada. A obra é aquela e não uma outra. Mas não deixo de sublinhar que em História. Que História? falta a discussão (ou tem muito pouco espaço) da História na pós-modernidade, com as suas múltiplas correntes - história social, história cultural, micro-história.
Luís Reis Torgal é professor catedrático jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Leitura: Luís Reis Torgal (2015). História. Que História? Lisboa: Temas e Debates / Círculo de Leitores, 221 p., 16,60 euros
quarta-feira, 15 de abril de 2015
Product Placement e Soft Sponsoring
Em análise do panorama de product placement e soft sponsoring em Portugal, a MediaMonitor indica que são "inúmeros os estudos e artigos que nos dizem que estamos numa época de mudanças de hábitos de consumo de media, tanto na escolha de novos canais ou caminhos para ver conteúdos como nas próprias fontes de entretenimento. Esta alteração de hábitos terá maior reflexo em targets mais jovens. Ainda assim, a audiência dos canais de consumo tradicionais mantêm-se suficientemente interessantes para que as marcas continuem a investir fortemente nos media tradicionais e nas formas de publicidade mais comuns. Os tradicionais anúncios, e principalmente os de TV, continuam a atrair uma grande parte do investimento em comunicação. No panorama publicitário português, o meio Televisão continua a captar a maior fatia do investimento realizado. Por exemplo, de Janeiro a Dezembro 2014, este meio totalizou 6262616 milhares de euros a preço de tabela, o que representa um share de investimento relativamente a outros meios de quase 73%, isto de acordo com dados da MediaMonitor".
a continuar a
Continuando a seguir o texto da Marktest: "Apesar deste grande investimento, as marcas têm procurado soluções alternativas à publicidade tradicional, que passam cada vez mais frequentemente pela aposta em situações de product placement e soft sponsoring. É uma forma das marcas se manterem em TV, onde grande parte dos seus alvos permanece, e de continuarem associadas a programas de grande audiência. Esta forma de exposição da marca permite contornar o tradicional zapping durante os intervalos ao mesmo tempo que, de uma forma mais ou menos criativa, associa marcas a personagens e situações quotidianas retratadas nos programas de ficção".
Do mesmo texto: "Quem não se lembra, por exemplo, de ver personagens de novelas a manusear produtos de grandes marcas que todos conhecemos? Quem nunca reparou nas marcas dos prémios entregues em concursos e passatempos televisivos? Um exemplo é a marca Worten que apareceu em Dezembro na novela Mar Salgado da SIC no âmbito da campanha Código DáVinte ou a marca Compal na mesma novela, também em Dezembro ou ainda a marca Seat, no mesmo mês, na novela Jardins Proibidos da TVI. Estas associações mais ou menos subtis entre programas e marcas têm sido um fenómeno crescente pelo facto de proporcionarem um contexto em que os telespectadores estão talvez mais permeáveis para receber a mensagem publicitária transmitida. Do ponto de vista dos canais de televisão, directamente ou através das produtoras de conteúdos, esta é também uma fonte de rendimento complementar que lhes permite proporcionar exposição de marcas mantendo o tempo de publicidade dentro dos limites da lei".
Para continuar a ler o texto seguir em MediaMonitor.
a continuar a
Continuando a seguir o texto da Marktest: "Apesar deste grande investimento, as marcas têm procurado soluções alternativas à publicidade tradicional, que passam cada vez mais frequentemente pela aposta em situações de product placement e soft sponsoring. É uma forma das marcas se manterem em TV, onde grande parte dos seus alvos permanece, e de continuarem associadas a programas de grande audiência. Esta forma de exposição da marca permite contornar o tradicional zapping durante os intervalos ao mesmo tempo que, de uma forma mais ou menos criativa, associa marcas a personagens e situações quotidianas retratadas nos programas de ficção".
Do mesmo texto: "Quem não se lembra, por exemplo, de ver personagens de novelas a manusear produtos de grandes marcas que todos conhecemos? Quem nunca reparou nas marcas dos prémios entregues em concursos e passatempos televisivos? Um exemplo é a marca Worten que apareceu em Dezembro na novela Mar Salgado da SIC no âmbito da campanha Código DáVinte ou a marca Compal na mesma novela, também em Dezembro ou ainda a marca Seat, no mesmo mês, na novela Jardins Proibidos da TVI. Estas associações mais ou menos subtis entre programas e marcas têm sido um fenómeno crescente pelo facto de proporcionarem um contexto em que os telespectadores estão talvez mais permeáveis para receber a mensagem publicitária transmitida. Do ponto de vista dos canais de televisão, directamente ou através das produtoras de conteúdos, esta é também uma fonte de rendimento complementar que lhes permite proporcionar exposição de marcas mantendo o tempo de publicidade dentro dos limites da lei".
Para continuar a ler o texto seguir em MediaMonitor.
terça-feira, 14 de abril de 2015
António Ferro em seminário
Hoje, na Sociedade de Geografia de Lisboa, decorreu o seminário António Ferro. 120 anos depois do seu nascimento, promovido por aquela sociedade e pela Fundação António Quadros. Não estive o dia todo, por razões profissionais, mas o que vi gostei, entre comunicações de grande erudição e outras sólidas, resultado de teses de mestrado e de doutoramento, em reunião que terá juntado mais de 80 pessoas. A sua biografia, António Ferro como jornalista, editor da revista Orpheu (a comemorar cem anos), política do espírito, Museu de Arte Popular e turismo foram os tópicos centrais que ouvi.
A figura de Ferro ainda hoje é controversa, não consensual, como disseram vários oradores e o recente livro de Orlando Raimundo comprovou, em registo diferente, por exemplo, do livro de Margarida Acciaiuoli (2013), António Ferro, a Vertigem da Palavra. Retórica, Política e Propaganda no Estado Novo. Dos oradores, retive as palavras de Guilherme de Oliveira Martins,que começou por lembrar que o primeiro número da revista Orpheu foi editado no mesmo ano que Educação Cívica, livro de António Sérgio. O orador usou a expressão mundo perigoso ao tempo em que Ferro se tornou jornalista conhecido como entrevistador, mais como comentador do que escritor do que dizem os entrevistados, com capacidade de ler os acontecimentos, como que antecipando a evolução política ditatorial espanhola, italiana, alemã e turca.
Por seu lado, Jorge Ramos do Ó olhou António Ferro como dividido entre a modernidade e a tradição e defendeu a ideia que o dispositivo cultural do Estado, em termos de ministério da Cultura em Portugal, se forjou com aquele jornalista, intelectual e político, modelo que não é distinto no regime democrático. Ferro enquanto homem de propaganda igual a instrumento de poder, em que só existe o que o público sabe que existe (retirado de Salazar), procurou juntar governantes e governados através das imagens da tradição. E, seguindo os pilares ideológicos do ditador, Ferro mobilizou as indústrias culturais e criativas da época (cinema, imprensa, arte, teatro e rádio). Ferro foi mais hábil na atracção de artistas plásticos que artistas, propiciando prémios e exposições. O orador, que distinguiu a preponderância do pintor-decorador na obra do Secretariado da Propaganda Nacional, depois tornado Secretariado Nacional da Informação, referiu-se também à decadência de Ferro, a partir do momento em que os artistas plásticos se mudaram para a oposição política, no pós-II Guerra Mundial. À política de espírito (de Ferro) seguiu-se, na expressão de Ramos do Ó, a política da restrição, com a atribuição da actividade da censura ao SNI, responsável pelas licenças de exibição de cinema e de espectáculo do teatro.
Raquel Henriques da Silva foi a oradora que eu mais gostei de ouvir. Apesar de se afirmar não especialista em Ferro, a sua leitura sobre o Museu de Arte Popular, uma das iniciativas preparadas pelo intelectual orgânico (à Gramsci), capaz da produção de design de comunicação de grande eficácia. A docente de história da arte fez, a meu ver, duas revelações importantes. A primeira, relacionada com artefactos rurais como os barros de Barcelos, como os de Rosa Ramalho, cuja descoberta coube a arquitectos do Porto (Fernando Lanhas e Alexandre Alves Costa), cuja atmosfera era distinta da de Lisboa, onde surrealistas e neo-realistas se digladiavam politicamente. Ferro aproveitou depois para o seu museu essas peças quase primitivas e de aparência simples ou brutal. A segunda revelação foi a da diferente concepção de Museu de Arte Popular. Francisco Lage queria um museu de etnografia e António Ferro um pavilhão de arte popular.
A figura de Ferro ainda hoje é controversa, não consensual, como disseram vários oradores e o recente livro de Orlando Raimundo comprovou, em registo diferente, por exemplo, do livro de Margarida Acciaiuoli (2013), António Ferro, a Vertigem da Palavra. Retórica, Política e Propaganda no Estado Novo. Dos oradores, retive as palavras de Guilherme de Oliveira Martins,que começou por lembrar que o primeiro número da revista Orpheu foi editado no mesmo ano que Educação Cívica, livro de António Sérgio. O orador usou a expressão mundo perigoso ao tempo em que Ferro se tornou jornalista conhecido como entrevistador, mais como comentador do que escritor do que dizem os entrevistados, com capacidade de ler os acontecimentos, como que antecipando a evolução política ditatorial espanhola, italiana, alemã e turca.
Por seu lado, Jorge Ramos do Ó olhou António Ferro como dividido entre a modernidade e a tradição e defendeu a ideia que o dispositivo cultural do Estado, em termos de ministério da Cultura em Portugal, se forjou com aquele jornalista, intelectual e político, modelo que não é distinto no regime democrático. Ferro enquanto homem de propaganda igual a instrumento de poder, em que só existe o que o público sabe que existe (retirado de Salazar), procurou juntar governantes e governados através das imagens da tradição. E, seguindo os pilares ideológicos do ditador, Ferro mobilizou as indústrias culturais e criativas da época (cinema, imprensa, arte, teatro e rádio). Ferro foi mais hábil na atracção de artistas plásticos que artistas, propiciando prémios e exposições. O orador, que distinguiu a preponderância do pintor-decorador na obra do Secretariado da Propaganda Nacional, depois tornado Secretariado Nacional da Informação, referiu-se também à decadência de Ferro, a partir do momento em que os artistas plásticos se mudaram para a oposição política, no pós-II Guerra Mundial. À política de espírito (de Ferro) seguiu-se, na expressão de Ramos do Ó, a política da restrição, com a atribuição da actividade da censura ao SNI, responsável pelas licenças de exibição de cinema e de espectáculo do teatro.
Raquel Henriques da Silva foi a oradora que eu mais gostei de ouvir. Apesar de se afirmar não especialista em Ferro, a sua leitura sobre o Museu de Arte Popular, uma das iniciativas preparadas pelo intelectual orgânico (à Gramsci), capaz da produção de design de comunicação de grande eficácia. A docente de história da arte fez, a meu ver, duas revelações importantes. A primeira, relacionada com artefactos rurais como os barros de Barcelos, como os de Rosa Ramalho, cuja descoberta coube a arquitectos do Porto (Fernando Lanhas e Alexandre Alves Costa), cuja atmosfera era distinta da de Lisboa, onde surrealistas e neo-realistas se digladiavam politicamente. Ferro aproveitou depois para o seu museu essas peças quase primitivas e de aparência simples ou brutal. A segunda revelação foi a da diferente concepção de Museu de Arte Popular. Francisco Lage queria um museu de etnografia e António Ferro um pavilhão de arte popular.
Adelino Gomes é o Prémio Igrejas Caeiro 2015
Cerimónia de entrega do prémio dia 20 de Abril às 18:30 na Sociedade Portuguesa de Autores. O prémio é dedicado a profissionais da rádio.
Graffiti tuga (11)
Na rua das Flores (Porto), as caixas de eletricidade na rua estão assim decoradas. Só falta mesmo o sotaque.
segunda-feira, 13 de abril de 2015
Restaurante Corça
Acho que nunca escrevi aqui sobre um restaurante. Mas a Corça era especial. Sempre que me desloquei ao Porto, procurava os petiscos do restaurante. A gerência mudou no final de Março e o perfil da alimentação também.
Um documentário sobre a polícia política do antigo regime
Li agora no Público que o documentário do jornalista Jacinto Godinho Os Últimos Dias da PIDE vai passar brevemente na RTP. Nele, procura-se dar uma versão diferente da história existente nos últimos 40 anos. A tese de Godinho é que
a revolução do 25 de Abril "não foi planeada", pois não fora previsto o futuro da polícia política, o principal sustentáculo da ditadura. Suspeito que vai nascer uma polémica interessante, pós-modernista, a partir das ideias de um dos melhores jornalistas de documentário televisivo.
Diário Económico
No final do mês passado, o jornalista António Costa anunciava ir sair do cargo de diretor do Diário Económico. Agora, o grupo económico a que o jornal pertence indica o nome de Raul Vaz como seu sucessor. Vaz, que já pertenceu à direção do jornal entre 2001 e 2004, começou no jornalismo em 1981 no Correio da Manhã, passando por funções de chefia e direção em meios como Semanário, Público, Independente e Diário de Notícias. Presentemente é diretor executivo do canal de televisão por cabo Económica TV.
Do jornalista António Costa fiquei a saber agora que era também administrador da Ongoing, a proprietária do jornal. Não me parece adequada a dupla função. Agora, compreendo as posições que o jornalista foi tomando, por exemplo, nas suas intervenções na Antena 1, de apoio a causas empresariais e económicas. O distanciamento e a posição de independência face aos negócios não foram respeitados.
Do jornalista António Costa fiquei a saber agora que era também administrador da Ongoing, a proprietária do jornal. Não me parece adequada a dupla função. Agora, compreendo as posições que o jornalista foi tomando, por exemplo, nas suas intervenções na Antena 1, de apoio a causas empresariais e económicas. O distanciamento e a posição de independência face aos negócios não foram respeitados.
sábado, 11 de abril de 2015
Limite da compreensão
Um dia, conduzia a visita a exposição de pintura abstrata de um pintor português. Apesar de ainda relativamente jovem, o artista já tinha acumulado muita experiência e exibia prestígio nacional. Da turma, uma aluna mais ousada perguntou-me porque eu gostava daquele tipo de pintura. Eu, apoiado nas leituras ao longo dos anos, em livros e em crítica de arte, dei os meus argumentos. Nessa altura, fiquei convencido das minhas razões. Bastantes anos depois, comecei a ler outras versões da história da arte, apropriadamente chamadas de revisionismo histórico. A arte abstrata teve um grande impacto na literatura do género devido ao marketing apurado dos norte-americanos, passou a ler-se. Eu não me convenci, mas fiquei recetivo à nova abordagem. O pós-modernismo deixara-me alerta e atento a perspetivas diferentes da hegemónica.
A arte de Mónica Sosnowska, Arquitetonização (Casa de Serralves, 2015) trabalha a linguagem da arquitetura, mostrando corredores e estruturas em aço de peças outrora úteis e agora tornadas lixo ou objetos museológicos. Do ponto de vista espacial, a geometria, as formas apelando para o caos cósmico, ajudadas pela cor branca das paredes, o soalho envernizado do chão e as luzes difusas junto às paredes, dão uma forte espessura intelectual. Posso chamar ao conjunto das peças assim expostas um caldo escultórico. Mas a lógica construtivista remonta a Marcel Duchamp que os revisionistas tratam agora por oportunista. Qual o contributo distinto de fábricas entre Vila das Aves e Vizela, junto ao rio Ave e que se vislumbram do comboio? Ou de uma fábrica de descasca de arroz perto de Alcácer do Sal? Três décadas atrás, historiadores sonhadores falavam de arqueologia industrial como património a preservar. Algumas peças ficaram do período industrial e as suas formas adaptaram a novas funções. Sem esta sequência, lembro-me da livraria Ler Devagar, no polo da Lx Factory, em Alcântara, onde funcionou a importante tipografia Mirandela, conservando-se ainda a sua rotativa.
Se, hoje, a aluna astuta que indiquei acima me perguntasse se as esculturas de Sosnowska são arte eu não teria a convicção dessa altura. Do mesmo modo que não sei se Pântano, bailado criado por Miguel Moreira e com os bailarinos Catarina Félix, Francisco Camacho e Romeu Runa (Teatro Carlos Alberto, Porto), é arte ou puro exibicionismo (contorcionismo) de corpos. Quase no final do bailado, os intérpretes atiram farinha uns aos outros, sem qualquer alcance estético a não ser lembrar as festas de Carnaval ou as tomatadas que nos chegam via televisão de festas populares de Espanha e Itália. Estou atemorizado comigo mesmo, pois começo a não ter capacidade para compreender o novo. A isso, chama-se conservadorismo.
A arte de Mónica Sosnowska, Arquitetonização (Casa de Serralves, 2015) trabalha a linguagem da arquitetura, mostrando corredores e estruturas em aço de peças outrora úteis e agora tornadas lixo ou objetos museológicos. Do ponto de vista espacial, a geometria, as formas apelando para o caos cósmico, ajudadas pela cor branca das paredes, o soalho envernizado do chão e as luzes difusas junto às paredes, dão uma forte espessura intelectual. Posso chamar ao conjunto das peças assim expostas um caldo escultórico. Mas a lógica construtivista remonta a Marcel Duchamp que os revisionistas tratam agora por oportunista. Qual o contributo distinto de fábricas entre Vila das Aves e Vizela, junto ao rio Ave e que se vislumbram do comboio? Ou de uma fábrica de descasca de arroz perto de Alcácer do Sal? Três décadas atrás, historiadores sonhadores falavam de arqueologia industrial como património a preservar. Algumas peças ficaram do período industrial e as suas formas adaptaram a novas funções. Sem esta sequência, lembro-me da livraria Ler Devagar, no polo da Lx Factory, em Alcântara, onde funcionou a importante tipografia Mirandela, conservando-se ainda a sua rotativa.
Se, hoje, a aluna astuta que indiquei acima me perguntasse se as esculturas de Sosnowska são arte eu não teria a convicção dessa altura. Do mesmo modo que não sei se Pântano, bailado criado por Miguel Moreira e com os bailarinos Catarina Félix, Francisco Camacho e Romeu Runa (Teatro Carlos Alberto, Porto), é arte ou puro exibicionismo (contorcionismo) de corpos. Quase no final do bailado, os intérpretes atiram farinha uns aos outros, sem qualquer alcance estético a não ser lembrar as festas de Carnaval ou as tomatadas que nos chegam via televisão de festas populares de Espanha e Itália. Estou atemorizado comigo mesmo, pois começo a não ter capacidade para compreender o novo. A isso, chama-se conservadorismo.
sexta-feira, 10 de abril de 2015
Guimarães
Além do moderno museu onde se pode ver a obra de José de Guimarães, a cidade possui dois museus muito interessantes, o museu de Martins Sarmento (1895, dedicado a indústrias pré-históricas) e o museu de Alberto Sampaio (1928, com talha, pintura, como o fresco Degolação de São João Baptista, e escultura, com muitas obras provenientes de igrejas da região). Relevo, pela magnífica apresentação, o segundo museu. Manifesto tristeza pela exposição, ultrapassada em termos museológicos, o primeiro. Isso repercute-se até na alegria e/ou afastamento no atendimento.
quinta-feira, 9 de abril de 2015
António Ferro na perspetiva de Orlando Raimundo
Orlando Raimundo, em António Ferro, o Inventor do Salazarismo, nada deixa de pé quanto ao intelectual orgânico do Estado Novo. Vaidoso, pretensioso, saloio ou provinciano, de origens modestas, que não olha às medidas estéticas do próprio físico, oportunista que se apropria das ideias dos outros, inventor de entrevistas (um simples good morning, de Mary Pickford, deu uma entrevista) - eis o retrato traçado.
O autor tem a vantagem de escrever bem como se exige a um jornalista, com capítulos curtos, indo aos assuntos e, de vez em quando, traça paralelo com situações à margem do biografado. Ao longo do livro, percebe-se que leu tudo o que Ferro escreveu, criticando a sua pseudo-literatura, que acaba por ser curta e até resultado de algumas colagens de textos alheios, buscando a polémica.
Talvez a leitura crítica do que escreveu Ferro seja o ponto forte do novo livro. Mas não há o aparo crítico teórico inerente ao tipo de obra. E falhas, como, por exemplo, no capítulo da Emissora Nacional (por exemplo, o Serão para Trabalhadores era emitido aos sábados e frequentemente do Liceu Camões). Mas não quero ir além neste comentário. Além disso, não encontrei novidades face ao que já foi escrito e do título, o inventor do salazarismo, não encontrei justificações fortes. Isto porque o título anuncia algo que já se sabe há muito. E que o construído, Salazar, se libertou do seu construtor (Ferro). Talvez o livro de Fernando Dacosta (Máscaras de Salazar), um grande jornalista, seja mais impressiva, ele que apreciou o perfil psicológico do ditador. Uma coisa me impressionou no livro de Orlando Raimundo: o retrato impiedoso da ditadura e dos seus dirigentes, da sua mesquinhez e do seu pouco desenvolvimento intelectual, além do atraso económico do país que ficou desse período.
O autor tem a vantagem de escrever bem como se exige a um jornalista, com capítulos curtos, indo aos assuntos e, de vez em quando, traça paralelo com situações à margem do biografado. Ao longo do livro, percebe-se que leu tudo o que Ferro escreveu, criticando a sua pseudo-literatura, que acaba por ser curta e até resultado de algumas colagens de textos alheios, buscando a polémica.
Talvez a leitura crítica do que escreveu Ferro seja o ponto forte do novo livro. Mas não há o aparo crítico teórico inerente ao tipo de obra. E falhas, como, por exemplo, no capítulo da Emissora Nacional (por exemplo, o Serão para Trabalhadores era emitido aos sábados e frequentemente do Liceu Camões). Mas não quero ir além neste comentário. Além disso, não encontrei novidades face ao que já foi escrito e do título, o inventor do salazarismo, não encontrei justificações fortes. Isto porque o título anuncia algo que já se sabe há muito. E que o construído, Salazar, se libertou do seu construtor (Ferro). Talvez o livro de Fernando Dacosta (Máscaras de Salazar), um grande jornalista, seja mais impressiva, ele que apreciou o perfil psicológico do ditador. Uma coisa me impressionou no livro de Orlando Raimundo: o retrato impiedoso da ditadura e dos seus dirigentes, da sua mesquinhez e do seu pouco desenvolvimento intelectual, além do atraso económico do país que ficou desse período.
quarta-feira, 8 de abril de 2015
Esta noite improvisa-se
Agora, foi a vez de uma coprodução do Teatro Expandido! e do Teatro Municipal do Porto (Campo Alegre) [de onde retirei a imagem] em ensaios consecutivos, o primeiro dos quais decorreu hoje. Em texto que acompanha a peça, esta "reflete a vaga de fundo que une a representação e a realidade, colocando em crise todas as funções convencionais do fazer teatral".
Com tradução de Luís Miguel Cintra e Osório Mateus, fomos até à cave, às oficinas do Teatro Municipal Campo Alegre, onde os jovens atores e atrizes desempenhavam as suas falas à volta de uma mesa grande, com o público à volta, sentado ou em pé. O cerne da peça é a proposta de um encenador que propõe aos seus atores uma improvisação a partir da novela de Pirandello, Leonora, Addio!, diante dos espectadores em dia de estreia. A família La Croce, constituída pela mãe casamenteira de quatro filhas em idade de casar e um pai entregue a prazeres extra matrimoniais. Uma das filhas, Mommina, sonhava vir a cantar Verdi em grandes teatros mas acabou fechada em casa.
O que mais gostei foi a dádiva dos jovens intérpretes (Ricardo Bueno e 16 participantes), sempre disponíveis para repetir as falas a partir de deixas que o encenador João Sousa Cardoso estava sempre a incitar. Deste grupo, eu vira o ensaio geral O Cerejal de Tchekhov em Fevereiro passado, em modelo semelhante de ensaio sem representação clássica no palco. É a ideia de oficina, que deixa a ver os utensílios e o lento entrosar das personagens, diversas vezes com mudança de participante para experimentar vozes, posições e gestos, e um momento de pausa e catarse, com a passagem de uma música dançável para os intérpretes, hoje extensível aos espectadores. Mais dois apontamentos, o primeiro para dizer que há um meta-ensaio: o ensaio de uma improvisação. O segundo para referir o duplo papel do encenador: além do seu trabalho específico na peça, foi ele a mandar embora o público no final do ensaio.
Íntima Fracção
A Íntima Fracção faz hoje 31 anos. Começou na rádio, continua na internet. Parabéns ao Francisco Amaral.
terça-feira, 7 de abril de 2015
Billie Holiday
"Os estudiosos do jazz, aquela música imprevista e tantas vezes improvável que nos eleva acima de todas as lógicas, mantêm-se acantonados em dois grandes grupos: uns fazem finca-pé na supremacia de Ella Fitzgerald (1917-1996), a mulher que nunca forçou uma nota, que criou e desenvolveu uma naturalidade no canto que só os dotados com o dom conseguem manter como regra sem excepção. Do outro, aparecem as trincheiras que defendem que nunca houve uma cantora popular como Billie Holiday, a mulher cujo centenário assinalamos hoje mesmo e que foi empurrada, de forma pouco suave e nada discreta, para uma morte prematura aos 44 anos (para registo: a 17 de Julho de 1959), uma idade em que muitas das vozes do jazz ainda estão a colher temperos para a respectiva identidade musical" (Diário de Notícias de hoje, dia do centenário do seu nascimento).
quinta-feira, 2 de abril de 2015
O mestre na rádio
Íamos na autoestrada, quando a estação de rádio divulgou a morte de Manoel de Oliveira, o cineasta português mais conhecido e importante desde sempre. A Antena 1 passou um programa já editado em 2007 e que nos mostrou o seu impacto interno e externo. Agora, fica a sua produção cultural para fruição e avaliação.
Livraria em Óbidos
Parece um fundo de biblioteca neo-realista: literatura, política, história, ambiente, cultura e arte. Além de vender livros, há ainda produtos agrícolas biológicos. No fundo da rua, há outra livraria, reconvertida a partir de uma igreja, com literatura editada recentemente.
quarta-feira, 1 de abril de 2015
50 anos do programa Em Órbita
[programação de Rádio Clube Português em FM, Diário Popular, de 10 de Julho de 1968]
Gostaria de saber mais sobre o programa Em Órbita, que iniciou a sua emissão faz hoje cinquenta anos na programação de FM de Rádio Clube Português (1 de Abril de 1965), para escrever aqui. Mas fico-me como colector e reorganizador de informação. Os melhores textos que conheço sobre o programa continuam a ser os de José Matos Maia, Luís Pinheiro de Almeida e Rui Vieira Nery (este a partir do que Matos Maia identificou).
Desde 1963 que a estação tinha uma programação em FM distinta da de ondas médias e onde começou a actividade um conjunto de profissionais, inicialmente amadores ou jovens entusiastas da rádio. Em Março de 1965, o horário das 19:00 às 20:00 ficava vago e foi endereçado o convite a Pedro Albergaria e Jorge Gil, que com João Manuel Alexandre começaram o programa.
O indicativo inicial foi um instrumental dos Kinks, Revenge, de co-autoria de Ray Davies e de Larry Page (que foi produtor/manager dos Kinks), então inédito em Portugal, apresentado por Pedro Castelo, o primeiro locutor, a que se seguiu Cândido Mota, o apresentador que se tornaria a voz mais conhecida do programa (ver Antena, 1 de Agosto de 1968, em reprodução aqui ao lado). Ao longo do tempo outros apresentadores estiveram no programa: Jorge Dias, Jaime Fernandes, Fernando Quinas e João David Nunes. Bandas inglesas e norte-americanas começaram a ser conhecidas em Portugal graças a esse programa, como Simon e Garfunkel, Donovan, Tim Buckley, Beach Boys, Janis Joplin, Doors, Bee Gees, Jefferson Airplane e Procol Harum, que outros programas como a 23ª Hora, de João Martins, em Rádio Renascença, procuravam seguir.
Em Agosto de 1967, o Em Órbita passou pela primeira vez um tema português, A Lenda de El-Rei D. Sebastião, do Quarteto 1111. O program tinha uma frase marca: "um programa feito por nós e dito por mim", o que fazia do programa uma obra colectiva. Rui Vieira Nery faria uma excelente análise ao programa (citado a partir do livro de José Matos Maia, Telefonia, por dificuldade de eu não encontrar o original):
"Tudo começou com um grupo de jovens profissionais da rádio que em meados da década de 60, em pleno reino do nacional-cançonetismo, de Rafael e de Gianni Morandi, tocava regularmente o que de melhor e mais avançado se fazia na música popular anglo-americana, constituindo um espaço radiofónico alternativo que serviu de referência de qualidade a toda uma geração marcada pelo movimento associativo universitário, pela resistência antifascista, pelo trauma da guerra colonial, pela ruptura com os códigos morais pequeno-burgueses dos filmes cor-de-rosa de Doris Day e Marisol".
Na fase pop do Em Órbita, o programa ganhou prémios (Ondas, Barcelona, Casa da Imprensa, ambos em 1967). Na fotografia um pouco abaixo, vêem-se os autores do programa no prémio da Casa da Imprensa 1967 (Antena, 15 de Fevereiro de 1968). A partir de 1969, nasciam as Novas Aventuras do Em Órbita, com introdução de música clássica. A primeira fase do programa terminara a 31 de Maio de 1971. Para Jorge Gil, "Foi uma opção consciente. A música anglo-saxónica já nada me dizia. A minha transformação operou-se enquanto estudante de Arquitectura, em Belas-Artes, com as lições de Conjugação das Três Artes, de Manuel Rio de Carvalho" (Luís Pinheiro de Almeida, em 1 de Abril de 2000). Data desta altura, julgo, o novo indicativo, retirado da peça de Richard Strauss, Assim Falava Zarathustra. Houve ainda um terceiro indicativo, retirado de The Fair Queen, de Henry Purcell.
Para um dos produtores do programa, Pedro Albergaria (entrevista a Luís Garlito em 1 de Junho de 1995; Arquivo da RTP AHD 14946): "andámos uns meses a emprestar os discos ao programa que se chamava Ritmo 64. Quem fazia a locução, um deles, era o Pedro Castelo. Chegámos a uma certa altura que também achámos que começava a ser demais. «Então estamos aqui a fazer o programa de borla para outra pessoa»? Um dia, o meu pai, que era muito amigo do Júlio Botelho Moniz, um dia, estávamos a jantar e disse: «queres fazer um programa de rádio»? «Quero». Telefonou ao Júlio Botelho Moniz e disse: «olha, o meu filho quer fazer um programa de rádio». «Então, ele que venha amanhã falar comigo». Eu e o Jorge Gil fomos ao Rádio Clube Português, falámos com o Júlio Botelho Moniz, e ele diz: «então, pronto, está tudo bem, começam depois de amanhã». Nós ficámos assim um bocado a olhar um para o outro. «Depois de amanhã? E nome para o programa? E locutor»? Que nem nos passava sequer pela cabeça falar ao microfone. Tivemos de fazer isto em dois dias e o Em Órbita começou no dia 1 de Abril [de 1965], mentira quase. [...] Provavelmente, não dormimos. A escolha do locutor para o programa foi a parte mais fácil porque nós já conhecíamos bem o Pedro Castelo do outro programa. Aí não houve grande problema na escolha. O que é que ia fazer o programa? Tocar só discos? Tínhamos de escrever textos? Acho que fomos apanhando pouco a pouco a fórmula. Ao fim de seis, sete meses, foi a fórmula definitiva do Em Órbita. Ao princípio, andámos à procura de como é que tudo aquilo ia funcionar. A escolha do nome foi o antigo director do Rádio Clube Português, o Álvaro Jorge. Ele saiu-se com este Em Órbita. E, pronto, naquela altura, estava muito na moda. Todos os dias, havia coisas que era a grande novidade quando se punha uma coisa em órbita. No dia 1 de Abril de 1965, com este indicativo. Era um dos nossos grupos ingleses preferidos, completamente desconhecido em Portugal, e esse álbum que está aí, o primeiro álbum que eles gravaram, tinha um instrumental. Os Kinks. O único instrumental que eles gravaram. Estivemos indecisos entre este tema dos Kinks e um tema do Booker T. & the MG's, Green Onions".
Já Jorge Gil, em entrevista que me deu (17 de Janeiro de 2012), diria: "Eu tive acesso, nesse aspecto talvez privilegiado, eu tinha vinte anos nessa altura, por duas fontes distintas, a uma discografia totalmente nova e que estava a irromper com imensa força em Inglaterra e nos Estados Unidos. Que era um repertório completamente desconhecido em Portugal, mas completamente. [...] Julguei que havia uma generosidade, uma entrega, uma pesquisa de outras sonoridades que não as sonoridades que estavam em moda, pelo menos na Europa. E essa generosidade é tão vital, do seu ponto de vista de construção musical tinha muitas coisas comuns com a tradição musical barroca, medieval europeia. [...] Como é que eu tive acesso a ela? Por duas vias distintas. Uma, o meu irmão estava a estudar na Suíça nessa altura, em Lausanne, e enviava-me regularmente gravações que ele achava interessantes para Lisboa. Outra via, na Valentim de Carvalho trabalhava um senhor chamado Mário Martins. [...] Foi assim que eu descobri por exemplo um disco completamente perdido, mas que estava perdido cá ou foi perdido cá, como estava perdido na própria Inglaterra. Uma gravação chamada Go Now. Foi o primeiro EP que os Moody Blues editaram. Foi assim que eu descobri por exemplo um disco completamente perdido, mas que estava perdido cá ou foi perdido cá, como estava perdido na própria Inglaterra. Uma gravação chamada Go Now. Foi o primeiro EP que os Moody Blues editaram". A mudança, para Jorge Gil, foi com "a industrialização. Aquilo estava a ser diferente porque as pessoas, de repente, descobriram, o poder económico descobriu que tinha ali um filão de ouro inesgotável. O Woodstock foi um primeiro prenúncio da queda". Aí, o programa Em Órbita começaria a trilhar outra rota, agora cada vez mais com Jorge Gil a comandar, nomeadamente após o afastamento de João Manuel Alexandre.
Na interpretação de Luís Pinheiro de Almeida, "não estávamos perante um programa que promovia «estrelas da rádio» (muito comuns na época), quer fossem os seus autores ou o apresentador (na altura dizia-se «locutor»), mas anunciava, isso sim, uma certa radicalidade, um corte com a tradição de falsa intimidade com o ouvinte, tantas vezes expressa, pelos chamados «locutores da voz doce» e suas companheiras de emissão, no “amigos ouvintes, muito boa noite; somos a vossa companhia durante estes próximos minutos". A atitude de passar a música do Quarteto 1111 foi também a de levar o Em Órbita a eleger a canção Strangers in the Night, de Frank Sinatra, como a pior canção do ano.
"Em Órbita vai proceder hoje à transmissão de um trecho de música popular portuguesa. Porque se trata de uma medida sem precedentes neste programa, e por termos o maior respeito pela nossa própria coerência e por todos quantos nos acompanham com a sua adesão consciente e construtiva, tem pleno cabimento algumas palavras introdutórias ao trecho que vamos apresentar. Desde sempre que alguns dos mais conhecidos intérpretes e conjuntos portugueses de música ligeira que nos têm procurado, seguindo modalidades várias de aproximação no sentido de Em Órbita divulgar as suas respectivas realizações, em amostra, em disco ou em registo magnético. Em face dessas sucessivas tentativas, sempre nos recusámos em aludir, por considerarmos que a totalidade dessas realizações não justificava o nosso interesse em abrir excepções, quer por entendermos que a sua transmissão iria ocupar tempo que poderia ser preenchido com larga vantagem pela nossa música habitual, quer por considerarmos que nenhuma delas reunia as condições mínimas para poder representar qualquer coisa de semelhante a uma tentativa honesta e inédita do lançamento das bases da música popular portuguesa que todos nós em boa consciência queremos renovada por inteiro de alto a baixo. Por varias vezes e sob diversos pretextos temos aqui exprimido alto e bom som que somente transmitiríamos qualquer modalidade de música popular portuguesa que tivesse um mínimo daqueles requisitos que poderemos condensar assim: 1 ° - Autenticidade aferida em função do ambiente e da sociedade portuguesa e da tradição folclórica do nosso país. 2° - Afastamento radical da utilização puramente oportunista de padrões internacionais e pseudo internacionais, impossíveis de transpor com verdadeira honestidade para o nosso meio. 3° - Rompimento frontal com as formas de música popular comercial mais divulgadas em Portugal e que se caracterizam pela teimosa insistência em seguir os figurinos caducos e provincianos de Aranda do Douro, San Remo ou Benidorm. 4° - Demonstração de um poder criador e interpretativo que ultrapassasse de forma a não deixar dúvidas, apelando a uma imitação grotesca que se faz no estrangeiro, quer na forma de copia pura e simples, quer na de adaptações apressadas, quer na utilização de uma língua, de um estilo ou de um som de importação, tudo defeituosamente assimilado. Estes portanto os requisitos mínimos que sempre exigimos a nós próprios e aos que nos procuraram com pedidos de transmissão. Nunca nos limitámos porém a uma recusa seca e peremptória. Os nossos pontos de vista sempre os exprimimos desenvolvidamente em particular e em público. Os que nos ouvem com regularidade, devem recordar-se do que aqui foi dito sobre este mesmo tema no ano passado. As nossas sugestões sobre os caminhos a seguir na nossa opinião ficaram então bem claras. Recordemos algumas delas: Recurso ao folclore português nas suas múltiplas variedades e manifestações. A ligação intima à realidade portuguesa nos seus mil e um aspectos e facetas. Recurso à poesia portuguesa popular ou erudita, medieval, clássica ou contemporânea. O aproveitamento das formas melódicas e rítmicas da musica popular portuguesa, ainda não adulterada. A revisão total dos temas e respectiva forma de expressão com base na construção lírica dos poetas da literatura portuguesa, do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende aos poetas da actual geração de Coimbra. Sem preocupações de síntese, estas são algumas das formas possíveis no nosso entender de encarreirar a música popular portuguesa para alguma coisa de novo, de verdadeiro e de autentico. Há anos que vimos proclamando. Nunca ninguém demonstrou ou procurou demonstrar que no plano dos princípios e em concreto, estávamos errados. Posto isto temos, para nós, que o trecho que vamos hoje apresentar, preenche os requisitos mínimos para a sua divulgação por este programa com todas as implicações que a sua transmissão através de Em Órbita acarretam. Tendo por título A Lenda del Rei D. Sebastião, é escrito por um português é tocado e cantado por portugueses. Não vamos fazer uma apreciação exaustiva desta gravação, das suas qualidades que são muitas, e dos seus defeitos que terá alguns. Vamos apenas apontar o que nela se nos afigura existir de importante e de novo. Assim é desde logo um apontamento especial sobre os aspectos puramente interpretativos, instrumentais e vocais, e num período em que neste programa se dá cada vez mais importância aos criadores e cada vez menos aos intérpretes, a gravação que vamos apresentar tem qualidade interpretativa mais do que suficiente, e uma nota que sobressai com rara evidencia O que neste trecho impressiona mais, o que nele se inclui de mais nitidamente inédito, é que em cima de uma melodia de encantadora simplicidade, há uma história singela, popular, portuguesa, dita em versos directos, certeiros, desenfeitados. Conta-se uma história, uma lenda. Como lenda que é trazida até hoje pela herança popular, pertence ao folclore, ao património mais íntimo da comunidade e dos costumes do nosso país. Depois, é um tema eterno, de criação nacional e de validade perene e universal. É um Sebastianismo colectivo que na lenda se retrata É a ideologia negativista dos que têm uma crença irracional em coisas, em valores e em poderes que não existem, dos que se deixam enganar pelos falsos Messias do oportunismo e da mistificação. A lenda del Rei D. Sebastião, escreveu José Cid, é o Quarteto 1111" (Oocities).
O programa passou a uma segunda fase. Continuando a seguir o texto de Vieira Nery (ainda segundo citação de Maia):
"a vocação alternativa do Em Órbita não se tinha esgotado, quando a consagração institucional do seu primeiro figurino ameaçava transferi-lo das convulsões do desafio para a rotina fácil do sucesso, o programa reconverteu-se radicalmente em termos que muitos consideram quase suicidas e dedicou-se exclusivamente à música erudita, com destaque para o repertório barroco. Os seus níveis de audiência desceram vertiginosamente e tudo indicava que a sua própria sobrevivência estaria em breve seriamente ameaçada. A nova aposta do Em Órbita assenta sobretudo não só na promoção de um repertório pré-romântico quase desconhecido entre nós como na insistência na sua execução com instrumentos e práticas interpretativas originais, um movimento que em toda a Europa lutava ainda arduamente pela conquista de uma credibilidade que lhe era negada pelos herdeiros da tradição interpretativa oitocentista. O combate de Jorge Gil, que ficara sozinho à frente do programa, começou pouco a pouco a surtir efeito. Os níveis de audiência começaram de novo a subir (no início da década de 80 eram já dos mais altos da rádio portuguesa) e a consequência mais evidente deste fenómeno que se foi verificando foi uma procura crescente de gravações de música antiga no mercado discográfico nacional. A partir de 1985 o Em Órbita passou a promover concertos de música antiga. Começou com a Orquestra Barroca de Amsterdão, dirigida por Ton Koppman, para celebrar os tricentenários de Bach e Handel, e prosseguiu com produções tão importantes como a primeira audição moderna de La Guerra de los Gigantes de Sebastian Duron, pelo Hesperion XX, o Tristão e Isolda medieval de Bóston Camerata, os concertos de música de câmara de Jordi Savall, Ton Koopman e do Musica Antiqua, de Colónia ou a apresentação monumental das Vésperas de Monteverdi dirigidas por Savall, poucos dias antes da sua gravação num dos álbuns mais unanimemente aclamados da discografia europeia dos últimos anos". Nessa altura, a Portugal Telecom patrocinou o Em Órbita, ao abrigo da Lei do Mecenato Cultural.
Os produtores do programa, apesar do sucesso em Rádio Clube Português, procuraram também a Emissora Nacional. Em dois anos seguidos foram apresentadas propostas, ambas durante a direcção de Clemente Rogeiro, o primeiro discutido no Conselho de Planeamento de Programas na reunião de 8 de Junho de 1970. A emissora pública procurava programas destinados à juventude, mas o parecer foi negativo. A resposta seria seca, com a Emissora Nacional a considerar a proposta em próximo programa-tipo. Daí uma segunda insistência dos produtores, discutida em reunião de 17 de Junho de 1971. Um dos dirigentes, Adolfo Simões Müller, estudara a proposta, chamara os responsáveis e achara boa a proposta. O número dois da estação, Alberto Represas, indicaria dificuldades financeiras e técnicas.
De acordo com Luís Pinheiro de Almeida, Jorge Gil arquiva em casa milhares de páginas com os textos do programa da segunda fase: "Cada programa tem 20 páginas de texto". Ao recusar publicar os textos, considera-os "orais, unicamente para serem lidos na rádio". Depois, em 1993, o programa saía da Rádio Comercial, porque não tinha cabimento na nova grelha da rádio. A 3 de Abril de 1998, voltava semanalmente à Antena 2, às sextas-feiras, das 23:00 às 01:00.
O Em Órbita reflecte o novo gosto trazido pela FM de Rádio Clube Português - o dos produtores ligados à elite cultural, numa retoma da tradição que presidiu ao aparecimento da rádio como meio de comunicação. No caso, podemos falar de uma elite da burguesia da linha de Cascais, pois a equipa por detrás da produção do programa vinha dessa origem. Filho do engº Gil, dono do cinema Império (hoje espaço de um culto religioso), Jorge Gil é o mais característico: arquitecto, pintor, melómano e leitor sério de Heidegger, ele experimentou a viragem cultural, passando da cultura da música pop para a música séria. Pedro Albergaria chegou a trabalhar na editora Valentim de Carvalho e foi responsável pela rede de FM de Rádio Clube Português. João Alexandre, de crítico do regime enquanto estudante universitário, passou a homem ligado a empresas até morrer em acidente de viação ao conduzir um carro rápido na marginal de Cascais. Talvez o luto tenha levado Jorge Gil a uma dramatização no programa e o tenha tornado um ícone da rádio portuguesa.
Subscrever:
Mensagens (Atom)