Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
terça-feira, 31 de dezembro de 2013
A importância da música
No ano que agora finda, David Hesmondhalgh editou o livro Why Music Matters. Logo no início do texto, partindo da ideia que a música é uma experiência individual e privada mas também pública e colectiva, ele informa que escreve sobre o valor social da música e explora as relações entre esta, a história, a sociedade e o eu (indivíduo), através de uma perspectiva crítica.
Ele adopta um duplo critério, vantajoso na minha leitura. Por um lado, entende haver uma ênfase exagerada da liberdade individual no uso da música e uma redução do pensamento ligado a problemas sociais como a desigualdade e o sofrimento (p. 6). Por outro lado, afasta-se da mitologização da cultura do rock enquanto contrapoder político e libertação, género o rock da década de 1950 causou um movimento de contestação tão forte que a geração da década de 1960 operou uma mudança política (p. 143). Esta leitura, prossegue, identifica o punk, o rave, o grunge e o hip hop como novos movimentos de contestação. Sim, conclui Hesmondhalgh, o rock foi socialmente importante na vida de milhões de pessoas, mas os jornalistas conservadores, os políticos mais velhos, os presidentes e os reitores das universidades também tiveram as suas bandas de rock preferidas - e o mundo continua semelhante.
O centro do livro é o período pós-1945, o que o leva a examinar géneros populares como o pop e o rock mas igualmente os estilos de música negra como o soul, o R&B e o hip hop. Diferentes géneros musicais envolvem diferentes configurações de emoção e sentimentos, visíveis quer na música quer na letra das canções.
David Hesmondhalgh é professor de Media e Indústrias Musicais na Universidade de Leeds. Ele é o autor de Cultural Industries, agora na terceira edição - um livro que funcionou como uma espécie de inspiração directa para o meu blogue, e sobre o qual já falei aqui diversas vezes - mas também escreveu Creative Labour (2011, com Sarah Baker), Popular Music Studies (2002, com Keith Negus), Western Music and its Others (2000, com Georgina Born) e a série de cinco volumes editados pela Open University Press sob a designação genérica de Understanding Media, em parceria com diversos investigadores e docentes dos media e das indústrias culturais.
Leitura: David Hesmondhalgh (2013). Why Music Matters.West Sussex: Wiley Blackwell, 198 p.
Ele adopta um duplo critério, vantajoso na minha leitura. Por um lado, entende haver uma ênfase exagerada da liberdade individual no uso da música e uma redução do pensamento ligado a problemas sociais como a desigualdade e o sofrimento (p. 6). Por outro lado, afasta-se da mitologização da cultura do rock enquanto contrapoder político e libertação, género o rock da década de 1950 causou um movimento de contestação tão forte que a geração da década de 1960 operou uma mudança política (p. 143). Esta leitura, prossegue, identifica o punk, o rave, o grunge e o hip hop como novos movimentos de contestação. Sim, conclui Hesmondhalgh, o rock foi socialmente importante na vida de milhões de pessoas, mas os jornalistas conservadores, os políticos mais velhos, os presidentes e os reitores das universidades também tiveram as suas bandas de rock preferidas - e o mundo continua semelhante.
O centro do livro é o período pós-1945, o que o leva a examinar géneros populares como o pop e o rock mas igualmente os estilos de música negra como o soul, o R&B e o hip hop. Diferentes géneros musicais envolvem diferentes configurações de emoção e sentimentos, visíveis quer na música quer na letra das canções.
David Hesmondhalgh é professor de Media e Indústrias Musicais na Universidade de Leeds. Ele é o autor de Cultural Industries, agora na terceira edição - um livro que funcionou como uma espécie de inspiração directa para o meu blogue, e sobre o qual já falei aqui diversas vezes - mas também escreveu Creative Labour (2011, com Sarah Baker), Popular Music Studies (2002, com Keith Negus), Western Music and its Others (2000, com Georgina Born) e a série de cinco volumes editados pela Open University Press sob a designação genérica de Understanding Media, em parceria com diversos investigadores e docentes dos media e das indústrias culturais.
Leitura: David Hesmondhalgh (2013). Why Music Matters.West Sussex: Wiley Blackwell, 198 p.
segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
A etnomusicologia em Salwa Castelo-Branco
Tenho uma imensa admiração intelectual por Salwa Castelo-Branco (Cairo, 1950). A Enciclopédia da Música Em Portugal no Século XX (2010), em quatro volumes, é a face mais visível do seu trabalho como investigadora e como coordenadora de equipas, "obra decisiva pela sistematização daquilo que foi a música, em todas as suas vertentes (os intérpretes, os instrumentos, os letristas, os compositores, os géneros), no século passado", como se lê na entrevista no jornal Público de hoje. Para a enciclopédia, a "etnomusicologia é uma disciplina científica que
estuda a música nas suas múltiplas dimensões, nomeadamente a social, a cultural, a política, a cognitiva e a estética”. Outros trabalhos com a sua assinatura incluem Portugal e o Mundo: Encontro de Culturas na Música (1997), Vozes do Povo: A Folclorização em Portugal (2003; com Jorge de Freitas Branco) e Traditional Arts in Southern Arabia: Music and Society in Sohar, Sultanate of Oman (2009; com Dieter Christensen) [imagem retirada daqui].
Retiro uma fatia da entrevista de Salwa Castelo-Branco dada a Mário Lopes (Público): "O que havia era um trabalho de colecta, meritório e importante, mas não havia o ensino da etnomusicologia, nem a pesquisa verdadeiramente etnomusicológica, que assenta na música enquanto fenómeno social. Giacometti fez um trabalho meritório, mas que se centrou no som musical. Ele queria registar, e fez isso muito bem de norte a sul do país, mas não tinha formação nem interesse no estudo das problemáticas. Por exemplo: desde o período em que começou o trabalho dele, em 1959, que se prolongaria até final dos anos 1980, Portugal passou por várias mudanças. Nos anos 1960, a época da grande mudança, houve a emigração para o estrangeiro e a imigração com o início da guerra colonial. Isso, quer num contexto rural quer urbano, afectou a música de forma extremamente aguda. Por outro lado, havia o movimento folclórico apoiado pelo Estado Novo. Eu teria gostado de saber qual foi a vivência das pessoas nas aldeias em que Giacometti gravou. Vou evocar um contexto que conheço muito bem, Cuba do Alentejo. Que diferença havia entre o cante nas tabernas e o cante num grupo? Olhando para hoje, vejamos a globalização. O que é que o estudo da música nos pode ensinar sobre ela? O que é que a música nos pode ensinar sobre as identidades dos grupos migrantes na área metropolitana de Lisboa, ou nos migrantes portugueses que vão para fora"?
Pode ler-se uma curta entrevista que fiz a Salwa Castelo-Branco em julho do ano passado aqui.
Retiro uma fatia da entrevista de Salwa Castelo-Branco dada a Mário Lopes (Público): "O que havia era um trabalho de colecta, meritório e importante, mas não havia o ensino da etnomusicologia, nem a pesquisa verdadeiramente etnomusicológica, que assenta na música enquanto fenómeno social. Giacometti fez um trabalho meritório, mas que se centrou no som musical. Ele queria registar, e fez isso muito bem de norte a sul do país, mas não tinha formação nem interesse no estudo das problemáticas. Por exemplo: desde o período em que começou o trabalho dele, em 1959, que se prolongaria até final dos anos 1980, Portugal passou por várias mudanças. Nos anos 1960, a época da grande mudança, houve a emigração para o estrangeiro e a imigração com o início da guerra colonial. Isso, quer num contexto rural quer urbano, afectou a música de forma extremamente aguda. Por outro lado, havia o movimento folclórico apoiado pelo Estado Novo. Eu teria gostado de saber qual foi a vivência das pessoas nas aldeias em que Giacometti gravou. Vou evocar um contexto que conheço muito bem, Cuba do Alentejo. Que diferença havia entre o cante nas tabernas e o cante num grupo? Olhando para hoje, vejamos a globalização. O que é que o estudo da música nos pode ensinar sobre ela? O que é que a música nos pode ensinar sobre as identidades dos grupos migrantes na área metropolitana de Lisboa, ou nos migrantes portugueses que vão para fora"?
Pode ler-se uma curta entrevista que fiz a Salwa Castelo-Branco em julho do ano passado aqui.
"Gostaria muito que o herói se chamasse Afonso. É um nome tão bonito"
Diretamente da Torre do Tombo, a ler o arquivo da Mocidade Portuguesa:
"Exmº Senhor,
"Já tenho 15 anos feitos e a mamã não quer que eu leia romances ou dramas românticos. Proibiu-me tudo o que fosse horrível ou divertido. No dizer dela, tais leituras obscurecem a imaginação de uma rapariga da minha idade. Eu não acredito nisso e vou-me à biblioteca do papá e leio tudo o que me vem à mão. Não posso descrever o prazer que sinto em ler à noite, na cama, um livro que me tivessem proibido. Acontece que se esgotou a biblioteca do papá e não sei o que fazer.
"Não poderia o senhor, que escreve livros tão bonitos, escrever um pequeno drama e uma pequena obra, tipo série «negra» com coisas horríveis e amor à «Lord Byron»? Ficar-lhe-ia eternamente reconhecida e recomendaria a leitura do seu livro a todas as minhas amigas.
"1º post scriptum: faço questão que o livro acabe mal, e que a heroína morra, sem apelo nem agravo.
"2º post scriptum: se não vir qualquer inconveniente, gostaria muito que o herói se chamasse Afonso. É um nome tão bonito".
Texto apresentado na rubrica Tempo de Teatro, da Rádio Universidade, em 11 de maio de 1970. Coordenação do programa: Alexandre Ribeirinho, montagem: Jorge Baptista, assistência técnica: Ramos Brás, locução: Maria de Fátima e Eduardo Fidalgo. No mesmo dia ou em dias seguintes, John Lennon nessa frequência e estação (em programação da Emissora Nacional) cantava Give Peace a Chance. A guerra colonial em três frentes africanas estava no auge. Quando li que a música do beatle passava na rádio da Mocidade Portuguesa tive de voltar a ler e a confrontar datas. Mas está lá escrita a indicação. A Rádio Universidade - que pertencia à Mocidade Portuguesa, uma estrutura do Estado Novo - fora fundada em 3 de abril de 1950, a partir da compra da Rádio Luso, e "transmitia diariamente programas culturais e recreativos concebidos e realizados por estudantes em regime de puro amadorismo", a partir da rua de D. Estefânia, 14, em Lisboa.
"Exmº Senhor,
"Já tenho 15 anos feitos e a mamã não quer que eu leia romances ou dramas românticos. Proibiu-me tudo o que fosse horrível ou divertido. No dizer dela, tais leituras obscurecem a imaginação de uma rapariga da minha idade. Eu não acredito nisso e vou-me à biblioteca do papá e leio tudo o que me vem à mão. Não posso descrever o prazer que sinto em ler à noite, na cama, um livro que me tivessem proibido. Acontece que se esgotou a biblioteca do papá e não sei o que fazer.
"Não poderia o senhor, que escreve livros tão bonitos, escrever um pequeno drama e uma pequena obra, tipo série «negra» com coisas horríveis e amor à «Lord Byron»? Ficar-lhe-ia eternamente reconhecida e recomendaria a leitura do seu livro a todas as minhas amigas.
"1º post scriptum: faço questão que o livro acabe mal, e que a heroína morra, sem apelo nem agravo.
"2º post scriptum: se não vir qualquer inconveniente, gostaria muito que o herói se chamasse Afonso. É um nome tão bonito".
Texto apresentado na rubrica Tempo de Teatro, da Rádio Universidade, em 11 de maio de 1970. Coordenação do programa: Alexandre Ribeirinho, montagem: Jorge Baptista, assistência técnica: Ramos Brás, locução: Maria de Fátima e Eduardo Fidalgo. No mesmo dia ou em dias seguintes, John Lennon nessa frequência e estação (em programação da Emissora Nacional) cantava Give Peace a Chance. A guerra colonial em três frentes africanas estava no auge. Quando li que a música do beatle passava na rádio da Mocidade Portuguesa tive de voltar a ler e a confrontar datas. Mas está lá escrita a indicação. A Rádio Universidade - que pertencia à Mocidade Portuguesa, uma estrutura do Estado Novo - fora fundada em 3 de abril de 1950, a partir da compra da Rádio Luso, e "transmitia diariamente programas culturais e recreativos concebidos e realizados por estudantes em regime de puro amadorismo", a partir da rua de D. Estefânia, 14, em Lisboa.
domingo, 29 de dezembro de 2013
A interactividade nos programas de rádio
A Construção da Ordem Interaccional na Rádio. Contributos para uma análise linguística do discurso em interacções verbais é um livro de Carla Aurélia de Almeida e repousa sobre a tese de doutoramento que a autora defendeu na Universidade Aberta (2005), universidade onde lecciona.
O texto faz a análise linguística de interacções verbais (p. 19), em cinco programas de rádio portugueses nocturnos (p. 20) claramente interactivos (p. 75) - Boa Noite, Clube da Madrugada, Estação de Serviço, Tempo de Antena e Bancada Central (p. 83) -, num universo de 479 ouvintes e participantes e num período de recolha de dados compreendido entre 1997 e 2001 (p. 80), considerando as estratégias discursivas específicas, em especial as de ordem interaccional e de alinhamento dos participantes (p. 76). Em suma, a autora analisa as vozes na rádio e a sua heterogeneidade no discurso, a amplificação do dito e o modo como os interactantes procedem à desconstrução do sentido e à intercompreensão do que é dito e implícito (p. 77).
Alguns conceitos e autores que o livro abrange são quadros interaccionais e falar autêntico (Erwing Goffman), fala corrente (Harold Garfinkel), máximas conversacionais (Paul Grice), ligados ao interaccionismo simbólico e à teoria da acção linguística, estúdio como espaço discursivo público (Paddy Scannell), ligado aos media, e contrato comunicativo (Patrick Charadeau). Alguns títulos de capítulos ou tópicos centrais na investigação de Carla Aurélia de Almeida são: a linguagem em acção, práticas discursivas, processos de construção de sentido, aberturas e fechos da comunicação entre o locutor e animador e o público que usa o telefone ou o email e as redes sociais. A autora observa a constituição de elementos essenciais na produção do discurso radiofónico: controlo do tempo de emissão, voz e dicção do locutor, conteúdo e público abrangido no programa e condições de emissão (directo e diferido, diurno e nocturno) (p. 72). Ela acentua a importância da voz e do estúdio, em que aquela é uma presença incorpórea mas vital para tornar a rádio um meio íntimo e quente (p. 74), mas também as interacções verbais estabelecidas entre o locutor e o ouvinte: regras constitutivas, estratégicas, tácticas, agonísticas ou de competição e miméticas ou consensuais. O livro é uma confluência de áreas científicas diferentes como a pragmática linguística, a análise do discurso, a análise conversacional, a análise interaccional, a sociolinguística interaccional, a comunicação a e sociologia e procura saber as estratégias discursivas instaladas em momentos cruciais no contacto telefónico entre locutor e ouvinte (abertura, desenvolvimento e fecho).
O tempo é uma marca da rádio, escreve Carla Aurélia de Almeida, com os programas rodeados por referências à hora, ao boletim informativo e à temperatura (p. 87) (e acrescento eu: ao movimento matinal e de fim de tarde do tráfego rodoviário na 2ª circular, em Lisboa, ou na VCI, no Porto). E o locutor, de novo, enquanto organizador do diálogo: ele, enquanto anfitrião, faz a gestão do tempo, distribui a vez da elocução (isto é, fecha a via a um ouvinte e abre a via para outro ouvinte falar), mantém e relaciona os temas do programa e estabelece o que a autora designa por coerências semântico-pragmáticas interdiscursivas (p. 92).
Para Carla Aurélia de Almeida, não foi fácil reunir um conjunto sistemático de informações respeitantes aos ouvintes participantes. Mas, apesar disso, com o enorme trabalho de recolha que o seu corpus demonstra - mais de meio milhão de palavras - ela conseguiu obter dados quanto a sexo, idade, região do país de onde falavam e profissão (p. 97). Assim, 2/3 dos ouvintes participantes são homens, a maioria geográfica provém da Grande Lisboa (29%) e do Grande Porto (14%), há um peso significativo do operariado da indústria (9%), a que se seguem intelectuais e cientistas (8%), sem conseguir identificar profissionalmente 31% dos ouvintes (p. 98). Olhando para os programas, ela destacou o programa Estação de Serviço, com um predomínio do operariado (50%), ao passo que Bancada Central tinha 10% de intelectuais e cientistas como ouvintes participantes.
Leitura: Carla Aurélia de Almeida (2012). A Construção da Ordem Interaccional na Rádio. Contributos para uma análise linguística do discurso em interacções verbais. Porto: Edições Afrontamento, 259 p., 16 €
Textos da autora sobre rádio e interacção:
2011 - “Aspectos semânticos e pragmáticos da co-construção de identidades discursivas em narrativas de experiência de vida produzidas por participantes de emissões nocturnas de rádio” in Costa, Armanda; Falé, Isabel; Barbosa, Pilar (orgs.) Textos Seleccionados, XXVI Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, Lisboa, APL, ISBN 978-989-97440-0-4; também disponível em http://www.apl.org.pt/apl-actas/xxvi-encontro-nacional-da-associacao-portuguesa-de-linguistica.html.
2010c - “«se à sua imagem corresponder a beleza da sua voz, é fácil imaginar a razão pela qual não nos dá o sono nestas duas horas»(ouvinte do programa ‘Boa Noite’): a co-construção do sentido em programas de rádio nocturnos”, in Ribeiro, José da Silva; Gonçalves, Ortelinda; Pinto, Casimiro (2010) Imagens da Cultura. Actas do VI Seminário Imagem da Cultura, Cultura das Imagens, Ebook, Edição Centro de Estudos das Migrações e Relações Interculturais – CEMRI –Universidade Aberta, ISBN: 978-972-674-699-7, pp. 122-130; disponível em
2007 - “‘Olhe estamos mesmo no fecho da emissão’:sequências prototípicas de actos ilocutórios, variações e estratégias discursivas no (pré-fecho) e fecho de interacções verbais na rádio” in Lobo, Maria; Coutinho, Maria Antónia, Textos seleccionados. Actas do XXII Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, Coimbra 2-4 de Outubro de 2006, Lisboa, Colibri, pp. 57-71; também disponível online no seguinte local: http://www.apl.org.pt/docs/actas-22-encontro-apl-2006.pdf.
2005 - Discurso radiofónico português: padrões de organização sequencial, actos e estratégias de discurso, relações interactivas e interlocutivas, tese de Doutoramento em Linguística, especialidade Linguística Portuguesa, Lisboa, Universidade Aberta, 2005, texto policopiado em 3 volumes (Tomo I: texto principal; Tomo II e III: Anexos).
2005 - “‘Não foi pela arbitragem que o Boavista perdeu’: a construção do sentido numa interacção conversacional com três participantes” in Carvalho, Dulce; Vila Maior, Dionísio; Teixeira, Rui de Azevedo (orgs.) Des(a)fiando discursos. Volume de homenagem a Maria Emília Ricardo Marques, Lisboa, Universidade Aberta, pp. 5-16; ISBN 972-674-456-3; disponível também no seguinte local: http://repositorioaberto.univ-ab.pt/bitstream/10400.2/331/1/Des%28a%29fiando%20Discursos5-16.pdf.pdf.
2004 - “‘Eh pá, pere aí, mas pere aí um pouco...’: a dinâmica das trocas interlocutivas em interacções verbais na rádio” in Oliveira, Fátima; Duarte, Isabel Margarida (orgs.), Da Língua e do Discurso, Porto, Campo das Letras, pp. 157-193; ISBN 972-610-902-2.
2003 - “Algumas questões teórico-metodológicas levantadas pela análise de um corpus de interacções verbais na rádio” in Actas do XVIII Encontro da Associação Portuguesa de Linguística (Porto, 2-4 de Outubro de 2002), Lisboa, Colibri, pp. 37-45; também disponível online no seguinte local: http://www.apl.org.pt/docs/actas-18-encontro-apl-2002.pdf.
O texto faz a análise linguística de interacções verbais (p. 19), em cinco programas de rádio portugueses nocturnos (p. 20) claramente interactivos (p. 75) - Boa Noite, Clube da Madrugada, Estação de Serviço, Tempo de Antena e Bancada Central (p. 83) -, num universo de 479 ouvintes e participantes e num período de recolha de dados compreendido entre 1997 e 2001 (p. 80), considerando as estratégias discursivas específicas, em especial as de ordem interaccional e de alinhamento dos participantes (p. 76). Em suma, a autora analisa as vozes na rádio e a sua heterogeneidade no discurso, a amplificação do dito e o modo como os interactantes procedem à desconstrução do sentido e à intercompreensão do que é dito e implícito (p. 77).
Alguns conceitos e autores que o livro abrange são quadros interaccionais e falar autêntico (Erwing Goffman), fala corrente (Harold Garfinkel), máximas conversacionais (Paul Grice), ligados ao interaccionismo simbólico e à teoria da acção linguística, estúdio como espaço discursivo público (Paddy Scannell), ligado aos media, e contrato comunicativo (Patrick Charadeau). Alguns títulos de capítulos ou tópicos centrais na investigação de Carla Aurélia de Almeida são: a linguagem em acção, práticas discursivas, processos de construção de sentido, aberturas e fechos da comunicação entre o locutor e animador e o público que usa o telefone ou o email e as redes sociais. A autora observa a constituição de elementos essenciais na produção do discurso radiofónico: controlo do tempo de emissão, voz e dicção do locutor, conteúdo e público abrangido no programa e condições de emissão (directo e diferido, diurno e nocturno) (p. 72). Ela acentua a importância da voz e do estúdio, em que aquela é uma presença incorpórea mas vital para tornar a rádio um meio íntimo e quente (p. 74), mas também as interacções verbais estabelecidas entre o locutor e o ouvinte: regras constitutivas, estratégicas, tácticas, agonísticas ou de competição e miméticas ou consensuais. O livro é uma confluência de áreas científicas diferentes como a pragmática linguística, a análise do discurso, a análise conversacional, a análise interaccional, a sociolinguística interaccional, a comunicação a e sociologia e procura saber as estratégias discursivas instaladas em momentos cruciais no contacto telefónico entre locutor e ouvinte (abertura, desenvolvimento e fecho).
O tempo é uma marca da rádio, escreve Carla Aurélia de Almeida, com os programas rodeados por referências à hora, ao boletim informativo e à temperatura (p. 87) (e acrescento eu: ao movimento matinal e de fim de tarde do tráfego rodoviário na 2ª circular, em Lisboa, ou na VCI, no Porto). E o locutor, de novo, enquanto organizador do diálogo: ele, enquanto anfitrião, faz a gestão do tempo, distribui a vez da elocução (isto é, fecha a via a um ouvinte e abre a via para outro ouvinte falar), mantém e relaciona os temas do programa e estabelece o que a autora designa por coerências semântico-pragmáticas interdiscursivas (p. 92).
Para Carla Aurélia de Almeida, não foi fácil reunir um conjunto sistemático de informações respeitantes aos ouvintes participantes. Mas, apesar disso, com o enorme trabalho de recolha que o seu corpus demonstra - mais de meio milhão de palavras - ela conseguiu obter dados quanto a sexo, idade, região do país de onde falavam e profissão (p. 97). Assim, 2/3 dos ouvintes participantes são homens, a maioria geográfica provém da Grande Lisboa (29%) e do Grande Porto (14%), há um peso significativo do operariado da indústria (9%), a que se seguem intelectuais e cientistas (8%), sem conseguir identificar profissionalmente 31% dos ouvintes (p. 98). Olhando para os programas, ela destacou o programa Estação de Serviço, com um predomínio do operariado (50%), ao passo que Bancada Central tinha 10% de intelectuais e cientistas como ouvintes participantes.
Leitura: Carla Aurélia de Almeida (2012). A Construção da Ordem Interaccional na Rádio. Contributos para uma análise linguística do discurso em interacções verbais. Porto: Edições Afrontamento, 259 p., 16 €
Textos da autora sobre rádio e interacção:
2011 - “Aspectos semânticos e pragmáticos da co-construção de identidades discursivas em narrativas de experiência de vida produzidas por participantes de emissões nocturnas de rádio” in Costa, Armanda; Falé, Isabel; Barbosa, Pilar (orgs.) Textos Seleccionados, XXVI Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, Lisboa, APL, ISBN 978-989-97440-0-4; também disponível em http://www.apl.org.pt/apl-actas/xxvi-encontro-nacional-da-associacao-portuguesa-de-linguistica.html.
2010a - «Então hoje pelos vistos o tema disse-lhe qualquer coisinha mais de perto, não?»:posições interaccionais e a co-construção de identidades discursivas em emissões nocturnas de rádio (“radio phone-in programmes”) in Silva, Augusto Soares; Martins, José Cândido; Magalhães, Luísa; Gonçalves, Miguel (orgs.) Comunicação, Cognição e Media, Braga, ALETHEIA, Publicações da Faculdade de Filosofia, Universidade Católica Portuguesa, pp. 3-15, vol.2, ISBN 978-972-697-195-5.
2010b - “(…) é um rapaz cheio de sorte, digo-lhe já (risos)”: o humor como estratégia discursiva de mitigação do conflito (potencial) em interacções verbais na rádio in Brito et al., Textos Seleccionados, XXV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, Porto, APL, pp. 127-142, ISBN 978-989-96535-1-1; disponível também em http://www.apl.org.pt/apl-actas/xv-encontro-nacional-da-apl.html.
2010c - “«se à sua imagem corresponder a beleza da sua voz, é fácil imaginar a razão pela qual não nos dá o sono nestas duas horas»(ouvinte do programa ‘Boa Noite’): a co-construção do sentido em programas de rádio nocturnos”, in Ribeiro, José da Silva; Gonçalves, Ortelinda; Pinto, Casimiro (2010) Imagens da Cultura. Actas do VI Seminário Imagem da Cultura, Cultura das Imagens, Ebook, Edição Centro de Estudos das Migrações e Relações Interculturais – CEMRI –Universidade Aberta, ISBN: 978-972-674-699-7, pp. 122-130; disponível em
2009 – “Processos de figuração e manutenção da ordem interaccional: estratégias de mitigação no quadro do sistema de delicadeza desenvolvido pelos participantes de programas de rádios específicos” in Fiéis, Alexandra; Coutinho, Maria Antónia (2009) Textos seleccionados. XXIV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística,Braga, 20-22 de Novembro de 2008, Lisboa, Colibri, pp. 43-60, também disponível em
http://www.apl.org.pt/docs/actas-24-encontro-apl-2008.pdf.
2008 - “O ‘envolvimento conversacional’ no momento de desenvolvimento de interacções verbais na rádio: sequências de actos ilocutórios e ‘estratégias de alinhamento’ em programas de rádio específicos”, in Frota, Sónia; Santos, Ana Lúcia (org.), Textos seleccionados. XXIII Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, Évora, 1-3 de Outubro de 2007, Lisboa, Colibri, 2008, pp. 7-21; ISBN 978-972-96615-1-8; também disponível em http://www.apl.org.pt/images/docs/apl2008.pdf.
2005 - “‘Não foi pela arbitragem que o Boavista perdeu’: a construção do sentido numa interacção conversacional com três participantes” in Carvalho, Dulce; Vila Maior, Dionísio; Teixeira, Rui de Azevedo (orgs.) Des(a)fiando discursos. Volume de homenagem a Maria Emília Ricardo Marques, Lisboa, Universidade Aberta, pp. 5-16; ISBN 972-674-456-3; disponível também no seguinte local: http://repositorioaberto.univ-ab.pt/bitstream/10400.2/331/1/Des%28a%29fiando%20Discursos5-16.pdf.pdf.
2004 - “‘Eh pá, pere aí, mas pere aí um pouco...’: a dinâmica das trocas interlocutivas em interacções verbais na rádio” in Oliveira, Fátima; Duarte, Isabel Margarida (orgs.), Da Língua e do Discurso, Porto, Campo das Letras, pp. 157-193; ISBN 972-610-902-2.
2003 - “Algumas questões teórico-metodológicas levantadas pela análise de um corpus de interacções verbais na rádio” in Actas do XVIII Encontro da Associação Portuguesa de Linguística (Porto, 2-4 de Outubro de 2002), Lisboa, Colibri, pp. 37-45; também disponível online no seguinte local: http://www.apl.org.pt/docs/actas-18-encontro-apl-2002.pdf.
sábado, 28 de dezembro de 2013
5th International Audiovisual Research Conference: Technology and Applied Digital Contents, Madrid, Spain
ESNE, Escuela Universitaria de Diseño e Innovación [Avenida de Alfonso XIII, 97, Madrid], together with Icono 14, undertake the organization of the 5th International Audiovisual Research Conference: Technology and Applied Digital Contents. The objective of this edition is to deepen, discuss and think over the audiovisual industry in its full complexity, particularly addressing to the new realities arising by technological development and new forms of digital contents.
The Conference potential lies in the diversity of all presentations, covering the area in which all actors in the audiovisual process are carried out – creators, broadcasters, media, authorities and audiences. This 5th International Audiovisual Research Conference aims to be an opportunity of scientific and academic analysis of this growing sector from an international, university and professional point of view, with attention paid to the audiovisual sector and its impact on both the educational and socioeconomic point of view. In realm of this 5th Conference is to deal thoroughly new digital contents and implement new communication dynamics, based in technological and natural development of the audiovisual sector.
Researchers are invited to present communication proposals in any of the thematic areas suggested by the organisation.
Broadcasting
Legal and business regulation policies of broadcasting media. Professional profiles and Jobs at present-day audiovisual era. Technology and new languages in broadcasting media. Local, regional, national and international broadcasting ecosystems. New formats in audiovisual media and on the net. New audiovisual media theories, concepts, paradigms and approaches. Mass-media audiences and effects. Dissemination of audiovisual media scientific research. Audiovisual media ethics: self-regulation codes and European Directive. Analysis and semiotics of audiovisual and multimedia discourses. New audiovisual investigation techniques and methods. New players in audiovisuals: Audiovisual clusters and councils. Social Audio Visual. New audiovisual financing options. Transmedia storytelling. Second Screen and impact of the multi-tasking viewer. User Generated Contents. Radio challenges for the Twenty-First Century. Gamification of audiovisual consumption. Challenges for cinema and its business model.
Digital contents
Cultural industries: economic, social and aesthetic aspects. Education and media (Edumedia). Copyright and intellectual property. Audiovisual storytelling and hipermedia: structure, semantics, poetics, rethorics and pragmatics. Interactive multimedia contents. New ad strategies. The power of the digital consumer. Traditional journalism vs. content aggregation. The new book 3.0. YouTube generation Video games as the basis for new information technology. Revival of animation in the Twenty-First Century. Social and empathic video games or how gaming can rejuvenate an aging society. Self-editing / Content creation and editing.
Channels/technologies
Big data and audiovisual content consumption. Internationalization vs. Regionalization. Digital marketing platform. Smartphones, phablets, tablets. Device challenges for consumption of digital content. Cloud distribution platforms. The Revolution of digital and audiovisual content streaming. New models for the distribution of literature industry. Ubiquitous computing and its impact on content consumption and Access.
Schedule
5th December 2013. Further information about the Conference will be available at the official website.
5th December 2013. Online registration for the Conference is now open
30th January 2014. Abstracts reception deadline
5th February 2014. Communication date for abstracts acceptance or rejection.
6th February 2014. Accepted abstracts publication at the Conference web page.
15th March 2014. Due date to send the full paper text.
22th March 2014. Accepted papers publication.
1st April 2014. Inscription fees payment due date.
24th April 2014. Conference Opening.
To know more: http://congresoaudiovisual.esne.es/
quinta-feira, 26 de dezembro de 2013
quarta-feira, 25 de dezembro de 2013
Memórias dos media
O pai de José Jorge Letria morreu quando ele tinha 16 anos. Prometeu à mãe dar menos atenção às guitarras e preparar-se para o curso de direito. Andou pela Faculdade, mas a música foi mais forte e enveredou por uma carreira que o levou a Paris e a outras andanças. Vicente Jorge Silva chegou ao quinto ano do liceu e fartou-se. Na Madeira, na esquina do café Golden Gate, ele via os passageiros que vinham de fora ou iam para fora da ilha. Para ele, esses viajantes vinham de mundos nebulosos ou estranhos para a terra, a existência, a vida.
No caso de ambos, os percursos políticos são marcantes: José Jorge Letria da simpatia e militância no Partido Comunista para o Partido Socialista, Vicente Jorge Silva de social-democrata mais ou menos anarquista para deputado do Partido Socialista e abandono posterior.
Ambos apanharam a mudança de regime político em 1974 e fizeram opções políticas, eles que já estavam engajados social e culturalmente. O percurso de José Jorge Letria levou-o a Paris, ao contacto com a música de José Mário Branco, à descoberta e companhia de José Afonso e Carlos Paredes, à cumplicidade com José Barata-Moura. Eles eram os músicos que começavam a ser conhecidos mas marginalizados pela política vigente em 1968 e anos seguintes, até à explosão de 1974, momento a partir do qual os músicos receberiam muitas solicitações mas se separariam, consumidos pelas fracções partidárias. José Jorge Letria, entretanto com família constituída, tornara-se jornalista, percorrendo o Diário de Lisboa, o República, o Musicalíssimo, o Diário de Notícias e o Diário. Depois, viria o pelouro da cultura na Câmara Municipal de Cascais e a direcção da Sociedade Portuguesa de Autores.
Vicente Jorge Silva começara, depois de paragens em Londres e Paris, à procura de entrar num curso de cinema, por explorar uma agência de publicidade até que apareceu o Comércio do Funchal, o jornal cor-de-rosa que vendia e quase não tinha problemas com a censura apesar de muitos artigos censuráveis pelo regime político. Mudado o regime, surgia a oportunidade de começar a "Revista" do Expresso, ao lado de nomes como António Mega Ferreira e Teresa Schmidt. Era uma divisão de poderes: o director Marcelo Rebelo de Sousa, que se seguira a Francisco Pinto Balsemão, o proprietário que fora para primeiro-ministro, ficava com o primeiro caderno do Expresso, Vicente Jorge Silva com a revista. Depois, já em 1990, nascia o Público, o melhor diário ainda hoje publicado em Portugal. O seu fundador e primeiro director manter-se-ia seis anos no lugar e, entre muitas coisas, foi conhecido por caracterizar a juventude como geração rasca, por atitudes então tomadas.
De José Jorge Letria, retenho a escassa informação que dedica à rádio (e alguns aspectos da música), caso do suplemento "Mosca" do Diário de Lisboa e da designação nacional-cançonetismo, cunhada por João Paulo Guerra sobre os cantores do Centro de Preparação de Artistas da Rádio da então Emissora Nacional (p. 76). Mas também a referência a Manuel Jorge Veloso, crítico e músico de jazz e director do repertório de jazz da Sassetti (p. 93), as 24 pistas de gravação no estúdio moderno de Paris (p. 94) para o disco lançado e logo apreendido em 1972 (p. 96), o exemplar do disco de José Afonso com a faixa "Grândola" que tocou no programa Limite na madrugada de 25 de Abril de 1974 e foi uma das três senhas na rádio para o avanço dos militares em revolta (p. 155) e o debate sobre música ligeira e música erudita na Emissora Nacional com Luigi Nono (p. 182).
De Vicente Jorge Silva, fico com a sua grande erudição, mesmo que não tenha sequer completado o curso liceal, nomeadamente na literatura e no cinema (e da prática deste). As páginas sobre jornalismo e, em especial sobre o Público, merecem ser lidas e discutidas pelos meus alunos, pois são de uma grande densidade conceptual e prática. Projecto que custou três milhões de contos - uma quantia fabulosa e que creio que não se repetirá -, o seu director procurava alterar a ideia de ciclo de informação semanal a que os leitores do Expresso estavam habituados (p. 155), mas isso não aconteceria. A televisão fornecia essa informação e o Expresso continuava a ser lido ao sábado, fornecendo mais detalhes e profundidade. Fala também da importância do design do jornal e da fotografia (p. 153), da necessidade de uma maior cobertura internacional (p. 151), do caderno local em Lisboa e no Porto (p. 146), da gente nova que nunca tivesse trabalhado em jornais para ingressar no Público (p. 147).
Eu gosto de biografias ou autobiografias, já o escrevi aqui mais de uma vez. Elas narram histórias pessoais, remetem para tempos precisos. Mas não posso esquecer que as biografias são também ajustes de contas do biografado consigo mesmo e as personalidades com que trabalharam ou se relacionaram. Os autores são já sexagenários e preparam a sua posição na História. José Jorge Letria fala dos antigos companheiros comunistas com mágoa ou preocupação, Vicente Jorge Silva nomeia Francisco Pinto Balsemão (proprietário do Expresso), Belmiro de Azevedo (proprietário do Público) e José Manuel Fernandes (anterior director do Público).
Leituras: José Jorge Letria (2013). E Tudo Era Possível. Retrato de Juventude com Abril em Fundo. Lisboa: Clube do Autor, 287 p.
Isabel Lucas (2013). Conversas com Vicente Jorge Silva. Lisboa: Temas e Debates/Círculo de Leitores, 261 p.
Ambos apanharam a mudança de regime político em 1974 e fizeram opções políticas, eles que já estavam engajados social e culturalmente. O percurso de José Jorge Letria levou-o a Paris, ao contacto com a música de José Mário Branco, à descoberta e companhia de José Afonso e Carlos Paredes, à cumplicidade com José Barata-Moura. Eles eram os músicos que começavam a ser conhecidos mas marginalizados pela política vigente em 1968 e anos seguintes, até à explosão de 1974, momento a partir do qual os músicos receberiam muitas solicitações mas se separariam, consumidos pelas fracções partidárias. José Jorge Letria, entretanto com família constituída, tornara-se jornalista, percorrendo o Diário de Lisboa, o República, o Musicalíssimo, o Diário de Notícias e o Diário. Depois, viria o pelouro da cultura na Câmara Municipal de Cascais e a direcção da Sociedade Portuguesa de Autores.
Vicente Jorge Silva começara, depois de paragens em Londres e Paris, à procura de entrar num curso de cinema, por explorar uma agência de publicidade até que apareceu o Comércio do Funchal, o jornal cor-de-rosa que vendia e quase não tinha problemas com a censura apesar de muitos artigos censuráveis pelo regime político. Mudado o regime, surgia a oportunidade de começar a "Revista" do Expresso, ao lado de nomes como António Mega Ferreira e Teresa Schmidt. Era uma divisão de poderes: o director Marcelo Rebelo de Sousa, que se seguira a Francisco Pinto Balsemão, o proprietário que fora para primeiro-ministro, ficava com o primeiro caderno do Expresso, Vicente Jorge Silva com a revista. Depois, já em 1990, nascia o Público, o melhor diário ainda hoje publicado em Portugal. O seu fundador e primeiro director manter-se-ia seis anos no lugar e, entre muitas coisas, foi conhecido por caracterizar a juventude como geração rasca, por atitudes então tomadas.
De José Jorge Letria, retenho a escassa informação que dedica à rádio (e alguns aspectos da música), caso do suplemento "Mosca" do Diário de Lisboa e da designação nacional-cançonetismo, cunhada por João Paulo Guerra sobre os cantores do Centro de Preparação de Artistas da Rádio da então Emissora Nacional (p. 76). Mas também a referência a Manuel Jorge Veloso, crítico e músico de jazz e director do repertório de jazz da Sassetti (p. 93), as 24 pistas de gravação no estúdio moderno de Paris (p. 94) para o disco lançado e logo apreendido em 1972 (p. 96), o exemplar do disco de José Afonso com a faixa "Grândola" que tocou no programa Limite na madrugada de 25 de Abril de 1974 e foi uma das três senhas na rádio para o avanço dos militares em revolta (p. 155) e o debate sobre música ligeira e música erudita na Emissora Nacional com Luigi Nono (p. 182).
De Vicente Jorge Silva, fico com a sua grande erudição, mesmo que não tenha sequer completado o curso liceal, nomeadamente na literatura e no cinema (e da prática deste). As páginas sobre jornalismo e, em especial sobre o Público, merecem ser lidas e discutidas pelos meus alunos, pois são de uma grande densidade conceptual e prática. Projecto que custou três milhões de contos - uma quantia fabulosa e que creio que não se repetirá -, o seu director procurava alterar a ideia de ciclo de informação semanal a que os leitores do Expresso estavam habituados (p. 155), mas isso não aconteceria. A televisão fornecia essa informação e o Expresso continuava a ser lido ao sábado, fornecendo mais detalhes e profundidade. Fala também da importância do design do jornal e da fotografia (p. 153), da necessidade de uma maior cobertura internacional (p. 151), do caderno local em Lisboa e no Porto (p. 146), da gente nova que nunca tivesse trabalhado em jornais para ingressar no Público (p. 147).
Eu gosto de biografias ou autobiografias, já o escrevi aqui mais de uma vez. Elas narram histórias pessoais, remetem para tempos precisos. Mas não posso esquecer que as biografias são também ajustes de contas do biografado consigo mesmo e as personalidades com que trabalharam ou se relacionaram. Os autores são já sexagenários e preparam a sua posição na História. José Jorge Letria fala dos antigos companheiros comunistas com mágoa ou preocupação, Vicente Jorge Silva nomeia Francisco Pinto Balsemão (proprietário do Expresso), Belmiro de Azevedo (proprietário do Público) e José Manuel Fernandes (anterior director do Público).
Leituras: José Jorge Letria (2013). E Tudo Era Possível. Retrato de Juventude com Abril em Fundo. Lisboa: Clube do Autor, 287 p.
Isabel Lucas (2013). Conversas com Vicente Jorge Silva. Lisboa: Temas e Debates/Círculo de Leitores, 261 p.
terça-feira, 24 de dezembro de 2013
História dos media da Suécia
Editado por Monika Djerf-Pierre e Mats Ekström, A History of Swedish Broadcasting. Communicative ethos, genres and institutional change, com a marca da Nordicom, é um livro sobre os media electrónicos suecos, agora editado.
Os editores falam em cinco temas essenciais no livro: 1) inovações na rádio e na televisão, 2) orientação das audiências, 3) profissões dos media, 4) géneros de programas, e 5) mudanças institucionais. Para Ekström e Djerf-Pierre, estes temas capturam os aspectos significativos da radiodifusão (ou audiovisual, como se queira chamar) como comunicação pública (p. 13). Logo a seguir, os editores destacam a importância da história dos media como actividade multidisciplinar de investigação e relevam o trabalho dos diferentes contribuintes para o volume, que vêm das áreas da história dos media e da comunicação e ainda de áreas relacionadas como os estudos fílmicos. Dão ainda importância à periodização: 1) anos 1920-1950, em que os media se vêem como bem comum e com imparcialidade, 2) anos 1950, quando os media crescem em termos de influência social e de autoridade, 3) anos de 1960 e 1970, com a profissionalização da produção de programas, 4) décadas seguintes, com desregulação e concorrência comercial.
A maior parte dos textos - dezasseis capítulos - é de autores suecos ou nórdicos, mas destaco a senioridade de Paddy Scannell, um autor britânico respeitável e que sigo com assiduidade a sua produção teórica, agora a escrever sobre a historicalidade das instituições centrais da radiodifusão (audiovisual).
Leitura (ainda a fazer, porque o carteiro entregou-me o livro há uma hora): Monika Djerf-Pierre e Mats Ekström (2013). A History of Swedish Broadcasting. Communicative ethos, genres and institutional change. Göteborg: Nordicom, 379 páginas, 360 coroas suecas (40 euros).
Os editores falam em cinco temas essenciais no livro: 1) inovações na rádio e na televisão, 2) orientação das audiências, 3) profissões dos media, 4) géneros de programas, e 5) mudanças institucionais. Para Ekström e Djerf-Pierre, estes temas capturam os aspectos significativos da radiodifusão (ou audiovisual, como se queira chamar) como comunicação pública (p. 13). Logo a seguir, os editores destacam a importância da história dos media como actividade multidisciplinar de investigação e relevam o trabalho dos diferentes contribuintes para o volume, que vêm das áreas da história dos media e da comunicação e ainda de áreas relacionadas como os estudos fílmicos. Dão ainda importância à periodização: 1) anos 1920-1950, em que os media se vêem como bem comum e com imparcialidade, 2) anos 1950, quando os media crescem em termos de influência social e de autoridade, 3) anos de 1960 e 1970, com a profissionalização da produção de programas, 4) décadas seguintes, com desregulação e concorrência comercial.
A maior parte dos textos - dezasseis capítulos - é de autores suecos ou nórdicos, mas destaco a senioridade de Paddy Scannell, um autor britânico respeitável e que sigo com assiduidade a sua produção teórica, agora a escrever sobre a historicalidade das instituições centrais da radiodifusão (audiovisual).
Leitura (ainda a fazer, porque o carteiro entregou-me o livro há uma hora): Monika Djerf-Pierre e Mats Ekström (2013). A History of Swedish Broadcasting. Communicative ethos, genres and institutional change. Göteborg: Nordicom, 379 páginas, 360 coroas suecas (40 euros).
Dados sobre audiências de rádio
"Os resultados agora divulgados pela Marktest relativos à vaga de Novembro de 2013, do estudo Bareme Rádio mostram que a Rádio Comercial, do Grupo Media Capital Rádios, se mantém como a estação de rádio mais ouvida em Portugal, com um reach semanal de 30.9%, uma audiência acumulada de véspera de 15.0% e 21.1% de share de audiência. É seguida pela RFM, do Grupo r/com, que obteve um reach semanal de 30.8%, uma audiência acumulada de véspera de 14.5% e 20.6% de share de audiência.
A Rádio Renascença registou 15.4% de reach semanal, 7.4% de audiência acumulada de véspera e 9.3% de share de audiência" (http://www.marktest.com/wap/a/n/id~1c89.aspx).
sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
A rádio para Izani Mustafá
Izani Mustafá é docente de teoria e prática da rádio na universidade brasileira e jornalista. Actualmente, está a fazer o doutoramento, que inclui uma permanência na universidade de Coimbra. Em Portugal, tem participado em congressos com comunicações sobre rádio.
Filha de palestiniano, a quem ouvia em pequena a procura de emissoras de língua árabe, Izani Mustafá nasceu num universo de sons vindos das ondas curtas. Depois, acompanhando as lides domésticas da mãe, ela ouviu as radionovelas, as músicas mais tocadas, os programas de variedades e os noticiários, em ondas médias.
Muito depois, ela procurou reconstituir essas memórias de viver em Joinville e compreender como é que a rádio começou e desenvolveu naquela cidade. E Alô, Alô, Joinville! Está no Ar a Rádio Difusora. A Radiodifusão em Joinville (1941-1961) constituiu a sua tese de mestrado. Razões precisas: saber as motivações pessoais, políticas, sociais e culturais e a programação que levaram ao aparecimento da Rádio Difusora (1941) e de duas outras estações da mesma cidade: Rádio Colon (1958) e Rádio Cultura (1959).
Assim, a autora estudou o pioneiro (Wolfgang Brosig), o primeiro locutor (Jota Gonçalves), as mulheres na rádio (Juracy Maria Brosig e Ruth Costa) e a programação das três estações, num período preciso: 1941 a 1961. Mas acompanhou ainda o percurso de outros homens da rádio de Joinville: Eli Francisco, Léo César, Mario Hüttl, Paulo Roberto Brosig, Ramiro Gregório. A programação incluiria áreas como radionovelas, programas de auditório ao vivo, musicais e transmissões desportivas. A autora também analisou a informação. As estações viveram perto de simpatias políticas, o que representou facilidades ou dificuldades em distintos períodos.
Um lado interessante da obra é o trabalho da reconstituição de memórias. Como escreve na p. 97: ela "não seria tão completa e abrangente de dependesse apenas da pesquisa documental em acervos públicos, particulares e privados. Principalmente porque o objecto de estudo faz parte da História do Tempo Presente, o que significa ter permissão para ir muito além da investigação aprofundada em documentos, jornais, revistas e fotografias, e trabalhar com a história oral, com a colecta de depoimentos".
Leitura: Izani Mustafá (2009). Alô, Alô, Joinville! Está no Ar a Rádio Difusora. A Radiodifusão em Joinville (1941-1961). Joinville: Prefeitura e Fundação Cultural de Joinville, 194 páginas
Filha de palestiniano, a quem ouvia em pequena a procura de emissoras de língua árabe, Izani Mustafá nasceu num universo de sons vindos das ondas curtas. Depois, acompanhando as lides domésticas da mãe, ela ouviu as radionovelas, as músicas mais tocadas, os programas de variedades e os noticiários, em ondas médias.
Muito depois, ela procurou reconstituir essas memórias de viver em Joinville e compreender como é que a rádio começou e desenvolveu naquela cidade. E Alô, Alô, Joinville! Está no Ar a Rádio Difusora. A Radiodifusão em Joinville (1941-1961) constituiu a sua tese de mestrado. Razões precisas: saber as motivações pessoais, políticas, sociais e culturais e a programação que levaram ao aparecimento da Rádio Difusora (1941) e de duas outras estações da mesma cidade: Rádio Colon (1958) e Rádio Cultura (1959).
Assim, a autora estudou o pioneiro (Wolfgang Brosig), o primeiro locutor (Jota Gonçalves), as mulheres na rádio (Juracy Maria Brosig e Ruth Costa) e a programação das três estações, num período preciso: 1941 a 1961. Mas acompanhou ainda o percurso de outros homens da rádio de Joinville: Eli Francisco, Léo César, Mario Hüttl, Paulo Roberto Brosig, Ramiro Gregório. A programação incluiria áreas como radionovelas, programas de auditório ao vivo, musicais e transmissões desportivas. A autora também analisou a informação. As estações viveram perto de simpatias políticas, o que representou facilidades ou dificuldades em distintos períodos.
Um lado interessante da obra é o trabalho da reconstituição de memórias. Como escreve na p. 97: ela "não seria tão completa e abrangente de dependesse apenas da pesquisa documental em acervos públicos, particulares e privados. Principalmente porque o objecto de estudo faz parte da História do Tempo Presente, o que significa ter permissão para ir muito além da investigação aprofundada em documentos, jornais, revistas e fotografias, e trabalhar com a história oral, com a colecta de depoimentos".
Leitura: Izani Mustafá (2009). Alô, Alô, Joinville! Está no Ar a Rádio Difusora. A Radiodifusão em Joinville (1941-1961). Joinville: Prefeitura e Fundação Cultural de Joinville, 194 páginas
quinta-feira, 19 de dezembro de 2013
João Mendonza, um percurso musical
João Mendonza nasceu em Setúbal em 1991. Aos onze anos, iniciou estudos de piano e com treze anos entrou no conservatório regional de Setúbal, onde conheceu a soprano portuguesa Filomena Amaro. É esta professora que levou João a ingressar no Conservatório Nacional de Lisboa onde protagonizou a ópera barroca de Henry Purcell Dido e Eneias (1688) como príncipe Eneias. O curso do conservatório foi concluído este ano. Em 2010, foi convidado por Carlos Barreto Xavier, seu antigo professor, para fundar os Radiophone. Durante três anos compôs e gravou com a banda no BBS estúdio de Pedro Almeida, o guitarrista do projecto. Em 2014, lançará o álbum, intitulado Wonder Woman, com singles a passar actualmente nas novelas da TVI. João Mendonza é aluno da Universidade Católica Portuguesa, onde frequenta a licenciatura de Comunicação Social e Cultural.
[imagens de concertos retiradas de http://www.youtube.com/watch?v=glKz0oLfGnU e http://www.youtube.com/watch?v=yEoh3mJd_Ec]
[imagens de concertos retiradas de http://www.youtube.com/watch?v=glKz0oLfGnU e http://www.youtube.com/watch?v=yEoh3mJd_Ec]
O Porto em 1958, segundo a revista Flama
Na capa, à esquerda, deteta-se um anúncio luminoso Rádio Porto, logo a seguir aos Armazéns do Porto. Era uma estação de rádio e uma loja de electrodomésticos. A rainha inglesa passara por aí uns meses antes, num cortejo de muitos automóveis e muita assistência popular a ver esse cortejo, conforme outro número da revista mostrara em imagens.
O maior tráfego na rua dos Clérigos era constituído por carros eléctricos. A bitola da linha é mais larga do que a dos eléctricos de Lisboa, por exemplo, o que tornava os veículos menos elegantes. A tecnologia fora aplicada primeiro naquela cidade. Vê-se uma carroça à frente do eléctrico que desce para a Praça da Liberdade. E um transeunte passa tranquilo, aparentemente alheio ao movimento de veículos. O eléctrico mais próximo da máquina do fotógrafo - que estava na escadaria da Torre dos Clérigos - publicita Zenith, uma marca de relógios então muito conhecida.
No interior da revista, há um texto de Pinto Garcia, então um jovem jornalista. Muito mais tarde, conheci-o como jornalista do Jornal de Notícias e um dos responsáveis da Escola Superior de Jornalismo.
O maior tráfego na rua dos Clérigos era constituído por carros eléctricos. A bitola da linha é mais larga do que a dos eléctricos de Lisboa, por exemplo, o que tornava os veículos menos elegantes. A tecnologia fora aplicada primeiro naquela cidade. Vê-se uma carroça à frente do eléctrico que desce para a Praça da Liberdade. E um transeunte passa tranquilo, aparentemente alheio ao movimento de veículos. O eléctrico mais próximo da máquina do fotógrafo - que estava na escadaria da Torre dos Clérigos - publicita Zenith, uma marca de relógios então muito conhecida.
No interior da revista, há um texto de Pinto Garcia, então um jovem jornalista. Muito mais tarde, conheci-o como jornalista do Jornal de Notícias e um dos responsáveis da Escola Superior de Jornalismo.
terça-feira, 17 de dezembro de 2013
Um sítio da rádio
Uma história do Rádio no Rio Grande do Sul, "na contagem regressiva para os 90 anos do rádio gaúcho", por Luiz Artur Ferraretto (https://www.facebook.com/#!/radionors) é um sítio alojado no Facebook que merece ser acompanhado.
domingo, 15 de dezembro de 2013
Morte de cinemas
Aqui, ainda não tinha comentado o desaparecimento do cinema King, junto ao cruzamento das avenidas de Roma e Frei Miguel Contreiras. Eram três salas onde se via com frequência cinema não mainstream - cinematografias europeia, americana independente, correntes de cinema asiático.
O desaparecimento do complexo de cinemas King, com uma justificação heterodoxa (aumento exagerado do aluguer do espaço), sucede ao recente desaparecimento das duas salas do Londres, na avenida de Roma, não muito longe do King, e onde passava um cinema mais mainstream mas juntando o popular e a qualidade. A explicação por detrás do seu encerramento também foi bizarra: o não pagamento de electricidade obrigava o cinema a encerrar. Alguns anos antes, as quatro salas do Quarteto, também perto da esquina das avenidas de Roma e dos Estados Unidos, tinham fechado. O Quarteto passava filmes de qualidade de cinematografias minoritárias.
O encerramento destas salas sucessivas no eixo da avenida de Roma pode explicar-se por mudanças de hábitos de consumo e por novas centralidades na cidade. Um dos elementos que justificam esta minha ideia é o aparecimento de cinemas na praça do Campo Pequeno, posterior ao desaparecimento da sala Apolo 70 (que estava num dos centros comerciais mais antigos da cidade, do lado ocidental do campo Pequeno). O complexo de cinemas no edifício El Corte Inglés (UCI), do outro lado das avenidas novas, tornou-se também outro polo novo de atracção.
O envelhecimento e a baixa de poder de compra da população do eixo à volta da avenida de Roma, agora com mais de oitenta anos, antes avenida 19, enobrecida com a linha de metropolitano inaugurado cerca de 1960, pode ser outro elemento. Ainda um outro elemento relaciona-se com o final de ciclo de vida activa de proprietários dos cinemas ou de perda de espectadores e correspondentes perdas financeiras que inviabiliaram a continuidade das empresas (a razão mais plausível para o encerramento sucessivo das salas). O cinema em casa, através dos canais de televisão por cabo, negócio em franca ascensão, é outro elemento justificativo.
Recordo a importância da avenida de Roma, com o comércio, caso das sapatarias, cujo número vem descendo muito, e das pastelarias, como Luanda, Sul-América, Suprema e Vá-Vá, algumas delas tendo sido locais de tertúlias de intelectuais, políticos e homens de cinema. Lembro ainda a importância do teatro Maria Matos. Será que a avenida de Roma está a perder a ideia de um espaço para morar e viver (lojas, lazer, espaços públicos) e ganhar a noção de rodovia de entrada e saída do centro para as periferias a norte da cidade? O fecho das salas de cinema parece indiciar isso.
O desaparecimento do complexo de cinemas King, com uma justificação heterodoxa (aumento exagerado do aluguer do espaço), sucede ao recente desaparecimento das duas salas do Londres, na avenida de Roma, não muito longe do King, e onde passava um cinema mais mainstream mas juntando o popular e a qualidade. A explicação por detrás do seu encerramento também foi bizarra: o não pagamento de electricidade obrigava o cinema a encerrar. Alguns anos antes, as quatro salas do Quarteto, também perto da esquina das avenidas de Roma e dos Estados Unidos, tinham fechado. O Quarteto passava filmes de qualidade de cinematografias minoritárias.
O encerramento destas salas sucessivas no eixo da avenida de Roma pode explicar-se por mudanças de hábitos de consumo e por novas centralidades na cidade. Um dos elementos que justificam esta minha ideia é o aparecimento de cinemas na praça do Campo Pequeno, posterior ao desaparecimento da sala Apolo 70 (que estava num dos centros comerciais mais antigos da cidade, do lado ocidental do campo Pequeno). O complexo de cinemas no edifício El Corte Inglés (UCI), do outro lado das avenidas novas, tornou-se também outro polo novo de atracção.
O envelhecimento e a baixa de poder de compra da população do eixo à volta da avenida de Roma, agora com mais de oitenta anos, antes avenida 19, enobrecida com a linha de metropolitano inaugurado cerca de 1960, pode ser outro elemento. Ainda um outro elemento relaciona-se com o final de ciclo de vida activa de proprietários dos cinemas ou de perda de espectadores e correspondentes perdas financeiras que inviabiliaram a continuidade das empresas (a razão mais plausível para o encerramento sucessivo das salas). O cinema em casa, através dos canais de televisão por cabo, negócio em franca ascensão, é outro elemento justificativo.
Recordo a importância da avenida de Roma, com o comércio, caso das sapatarias, cujo número vem descendo muito, e das pastelarias, como Luanda, Sul-América, Suprema e Vá-Vá, algumas delas tendo sido locais de tertúlias de intelectuais, políticos e homens de cinema. Lembro ainda a importância do teatro Maria Matos. Será que a avenida de Roma está a perder a ideia de um espaço para morar e viver (lojas, lazer, espaços públicos) e ganhar a noção de rodovia de entrada e saída do centro para as periferias a norte da cidade? O fecho das salas de cinema parece indiciar isso.
Selfie
É a palavra do ano, já incluída na versão digital do dicionário Oxford.
Selfie é o auto-retrato que um indivíduo tira a si próprio através de uma máquina fotográfica digital ou de um telemóvel com câmara fotográfica.
sábado, 14 de dezembro de 2013
Rádio Graça em 1954
A estação começou a emitir em 27 de Março de 1932, a partir da rua Machado de Castro, 3, no bairro da Graça, em Lisboa. Modesta de início, Américo Santos manteve o seu emprego como guarda-livros. O filho adolescente Alberto Santos ligava o emissor e a esposa tornou-se a primeira locutora portuguesa. Depois, com o desenvolvimento da estação, Américo Santos dedicou-se totalmente e abandonou a profissão anterior. A Rádio Graça passou a emitir da rua da Verónica, também no bairro da Graça, com um auditório para 300 pessoas e vivendo dos programas rádio-publicitários e da cotização de 1800 associados. A partir de Outubro de 1951 pertencia aos Emissores Associados de Lisboa. Com a nacionalização de Dezembro de 1975, ia desaparecer uma marca radiofónica cuja glória foi a transmissão do folhetim A Força do Destino, mais conhecido pelo folhetim da coxinha do Tide [Flama, 16 de Julho de 1954].
sexta-feira, 13 de dezembro de 2013
Roupa em segunda mão
Observação prévia: não tenho qualquer interesse (comercial ou afectivo) na actividade de roupa em segunda mão.
Com o título Lojas de roupa em segunda mão (Ottawa e Porto), em 9 de Maio de 2011 (http://industrias-culturais.hypotheses.org/13890) comecei a escrever: "As peças que estão nestas montras foram usadas por pessoas que delas se desfizeram e estão prontas a ser vestidas e calçadas por outras pessoas. A troca de venda e compra de roupa e outros acessórios de vestir impõe uma história, uma antropologia e uma sociologia da moda e dos afectos. O que leva alguém a vender um vestido ou umas calças ou um par de sapatos? Porque já não gosta, porque mudou de casa e não tem espaço, porque cresceu, porque precisou de fazer algum dinheiro? E quem compra? Para adereços de um filme ou novela, por nostalgia de uma moda de anos antes, por preços mais baratos, porque as peças já estão ajustadas aos corpos depois de algum uso"?
[Absolutribut, rua Formosa, 194, Porto]
O texto trazia duas fotografias, uma retirada na capital federal do Canadá e outra no Porto. Não fazia qualquer afirmação de intermediário de compra e venda de roupa. Mas alguém julgou ser eu empresário e até agora recebi 121 mensagens, perguntando-me onde vender e comprar vestidos de noiva, roupa de criança, carteiras e peças de couro, como abaixo se pode ler. A partir da análise das mensagens a seguir identificadas, pode fazer-se um estudo antropológico de um mercado em evolução: a roupa em segunda mão.
Com o título Lojas de roupa em segunda mão (Ottawa e Porto), em 9 de Maio de 2011 (http://industrias-culturais.hypotheses.org/13890) comecei a escrever: "As peças que estão nestas montras foram usadas por pessoas que delas se desfizeram e estão prontas a ser vestidas e calçadas por outras pessoas. A troca de venda e compra de roupa e outros acessórios de vestir impõe uma história, uma antropologia e uma sociologia da moda e dos afectos. O que leva alguém a vender um vestido ou umas calças ou um par de sapatos? Porque já não gosta, porque mudou de casa e não tem espaço, porque cresceu, porque precisou de fazer algum dinheiro? E quem compra? Para adereços de um filme ou novela, por nostalgia de uma moda de anos antes, por preços mais baratos, porque as peças já estão ajustadas aos corpos depois de algum uso"?
[Absolutribut, rua Formosa, 194, Porto]
O texto trazia duas fotografias, uma retirada na capital federal do Canadá e outra no Porto. Não fazia qualquer afirmação de intermediário de compra e venda de roupa. Mas alguém julgou ser eu empresário e até agora recebi 121 mensagens, perguntando-me onde vender e comprar vestidos de noiva, roupa de criança, carteiras e peças de couro, como abaixo se pode ler. A partir da análise das mensagens a seguir identificadas, pode fazer-se um estudo antropológico de um mercado em evolução: a roupa em segunda mão.
Beckett no Porto
Duas salas de teatro ofereciam Beckett: Ah, os Dias Felizes, no Teatro Nacional de S. João, e Machina Beckett, do Teatro Plástico no Teatro Helena Sá e Costa [imagem a partir do blogue http://teatroplastico.blogspot.pt/].
Claro que eram duas perspectivas diferentes mas igualmente ricas. A primeira contava com a interpretação de Emília Silvestre, num papel bem desempenhado, e de João Cardoso, dirigidos por Nuno Carinhas. Diz ela sobre um comentário que ouviu: "Que está aquela ali a fazer? diz ele - que sentido é que aquilo tem? diz ele - enterrada até às maminhas - no meio da erva - que personagem mais tosca - o que é isto? diz ele - é suposto ser o quê"?
O texto é sobre o movimento, ou da sua ausência, primeiro da parte inferior do corpo, depois de todo o corpo. O trabalho é ainda sobre o falar consigo mesmo (ou para o público). Recordações, adereços pessoais, diálogo (?) com o marido, que aparece e desaparece logo depois, descrição de quem passa e de como é a vida nesses dias felizes.
Beckett (1906-1989), o último dos modernistas ou o primeiro pós-modernista, ou ainda o autor do teatro do absurdo, com obras minimalistas à medida que evoluia na sua arte, em que À Espera de Godot é a marca principal, tem outra interpretação pelo Teatro Plástico. Aqui, com Andrea Moisés e Viriato Morais e alunos, dirigidos por Francisco Alves, há uma articulação audiovisual e multimedia, em que voz e imagem, palavra e corpo, música e silêncio actuam, como indica a folha volante distribuída no espectáculo. O nascimento (o ovo, o corpo nu), a máscara, o coro grego ou as figuras pós-maquínicas, uma ocupação harmoniosa do espaço.Claro que eram duas perspectivas diferentes mas igualmente ricas. A primeira contava com a interpretação de Emília Silvestre, num papel bem desempenhado, e de João Cardoso, dirigidos por Nuno Carinhas. Diz ela sobre um comentário que ouviu: "Que está aquela ali a fazer? diz ele - que sentido é que aquilo tem? diz ele - enterrada até às maminhas - no meio da erva - que personagem mais tosca - o que é isto? diz ele - é suposto ser o quê"?
O texto é sobre o movimento, ou da sua ausência, primeiro da parte inferior do corpo, depois de todo o corpo. O trabalho é ainda sobre o falar consigo mesmo (ou para o público). Recordações, adereços pessoais, diálogo (?) com o marido, que aparece e desaparece logo depois, descrição de quem passa e de como é a vida nesses dias felizes.
Na primeira representação, a sala estava cheia mas com público desatento, rindo aqui e acolá, na segunda representação, um público muito jovem, possivelmente oriundo da escola de teatro onde está a sala de teatro. No primeiro, apoiado pela Secretaria de Estado da Cultura, no segundo, espectáculo não financiado pela SEC/DGArtes.
Beckett no Porto em Novembro.
quinta-feira, 12 de dezembro de 2013
Felizmente, o rock não vai vir para Portugal
Uma das páginas da revista Flama de 16 de Novembro de 1956
trazia o título O "rock" loucura e crise de 1956.
Se, na altura, houvesse palavras do ano, a de 1956 poderia ser rock'n'roll. O movimento, visto de Portugal, era fortemente criticado como o texto da revista indica. Barulheira, excesso, escândalo, desvario, delírio, frenesim e intervenção da autoridade e personalidades famosas (Juliette Greco e Eddie Constantine) eram as palavras chave. Na Flama, lia-se: "O rock continua a sua aparição pelas capitais do mundo. Felizmente, as autoridades intervêm com severidade, reprimindo os desmandos que provocam em quase todas as sessões".
Alguns anos depois, contudo, e apesar de todo o tipo de repressão, a música popular e urbana entrava em Portugal. Houve até um festival de música rock organizado pelo Movimento Nacional Feminino, ia a década de 1960 desenvolvida.
Se, na altura, houvesse palavras do ano, a de 1956 poderia ser rock'n'roll. O movimento, visto de Portugal, era fortemente criticado como o texto da revista indica. Barulheira, excesso, escândalo, desvario, delírio, frenesim e intervenção da autoridade e personalidades famosas (Juliette Greco e Eddie Constantine) eram as palavras chave. Na Flama, lia-se: "O rock continua a sua aparição pelas capitais do mundo. Felizmente, as autoridades intervêm com severidade, reprimindo os desmandos que provocam em quase todas as sessões".
Alguns anos depois, contudo, e apesar de todo o tipo de repressão, a música popular e urbana entrava em Portugal. Houve até um festival de música rock organizado pelo Movimento Nacional Feminino, ia a década de 1960 desenvolvida.
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
Novo número da revista Trajectos
A revista Trajectos, dirigida por José Rebelo e Muniz Sodré, propriedade do ISCTE, dedicou o número agora saído ao tema "Centralidade/Periferia".
Após dois anos de interrupção, a publicação volta ao convívio dos seus leitores. Francisco Pinto Balsemão (sobre o jornalismo do nosso tempo), José Jorge Letria (sobre os direitos de autor) e Pedro Marques Gomes (sobre o Diário de Notícias em 1975) são os três textos de abertura, na secção "Em Análise".
Já na segunda parte do volume, com a designação "Discursividades", há textos sobre a mensagem do presidente da República no Ano Novo, os cartoons e memórias e murais em Tróia. O longo dossier, sobre a estética do "mix" (ou crioulagem ou hibridação ou arte periférica), abarcando investigadores portugueses e brasileiros, inclui textos sobre música (funk, funk gospel, punk e superpop). Alguns textos adiantam propostas radicais, a ler com interesse crítico, onde a cultura da favela do Rio de Janeiro e a cultura burguesa do bairro de Ipanema e Leblon se misturam e se apropriam e expropriam.
Já na segunda parte do volume, com a designação "Discursividades", há textos sobre a mensagem do presidente da República no Ano Novo, os cartoons e memórias e murais em Tróia. O longo dossier, sobre a estética do "mix" (ou crioulagem ou hibridação ou arte periférica), abarcando investigadores portugueses e brasileiros, inclui textos sobre música (funk, funk gospel, punk e superpop). Alguns textos adiantam propostas radicais, a ler com interesse crítico, onde a cultura da favela do Rio de Janeiro e a cultura burguesa do bairro de Ipanema e Leblon se misturam e se apropriam e expropriam.
Número da revista Jornalismo & Jornalistas
Chegou hoje às minhas mãos o número mais recente da revista Jornalismo & Jornalistas (55), referente a Julho/Setembro de 2013. O tema de capa aborda o estudo "As Novas Gerações de Jornalistas em Portugal", investigação realizada pelo ISCTE e pelo Instituto de Ciências Sociais e com apoio da Fundação Gulbenkian. Mercantilização, tecnologização e precariedade de emprego nos jornalistas são algumas palavras-chave que ressaltam do estudo, pelo que leio do trabalho agora publicado.
A revista revela quem são os Prémios Gazeta do Jornalismo 2012 na imprensa, rádio, televisão, fotografia, multimedia, imprensa regional, mérito e revelação. Jornalismo das rádios locais, apresentação do CIMJ (Centro de Investigação Media e Jornalismo), texto da jornalista Francesca Borri, que tem coberto a guerra na Síria, recensões de livros agora saídos e curtas análises a sítios da internet relacionados com os media são outros tópicos da revista.
Deixo para o fim dois textos de história da imprensa, o de Gonçalo Pereira sobre o aviador Charles Lindbergh e uma sua passagem pelo Minho, com jornalistas portugueses no seu encalço para obterem um exclusivo, e o de Francisco Pinheiro sobre Carlos Callixto, jornalista, professor e pioneiro do desporto em Portugal.
A revista revela quem são os Prémios Gazeta do Jornalismo 2012 na imprensa, rádio, televisão, fotografia, multimedia, imprensa regional, mérito e revelação. Jornalismo das rádios locais, apresentação do CIMJ (Centro de Investigação Media e Jornalismo), texto da jornalista Francesca Borri, que tem coberto a guerra na Síria, recensões de livros agora saídos e curtas análises a sítios da internet relacionados com os media são outros tópicos da revista.
Deixo para o fim dois textos de história da imprensa, o de Gonçalo Pereira sobre o aviador Charles Lindbergh e uma sua passagem pelo Minho, com jornalistas portugueses no seu encalço para obterem um exclusivo, e o de Francisco Pinheiro sobre Carlos Callixto, jornalista, professor e pioneiro do desporto em Portugal.
sexta-feira, 29 de novembro de 2013
Jogar Futebol com as Palavras
Ao fim da tarde de hoje, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi lançado o livro Jogar Futebol com as Palavras. Imagens Metafóricas no Jornal "A Bola", de Maria Clotilde Almeida, Bibiana de Sousa, Paula Órfão e Sílvia Teixeira, em edição da Colibri.
Conforme a introdução da obra, ela "tem como objectivo desconstruir as metáforas e mesclas em notícias do jornal A Bola recolhidas entre 2002 e 2013, à luz do paradigma cognitivo", num total de cerca de cinco mil ocorrências recolhidas daquele jornal desportivo. No final da mesma introdução, as quatro autoras concluem que "A Bola estimula as nossas mentes imaginativas, que se afiguram ferramentas indispensáveis à nossa sobrevivência intelectual no mundo actual.
As imagens retóricas não são supérfluas, mas antes construtoras da realidade futebolística em dimensões culturais mais vastas" (p. 14). Muitos dos títulos do jornal são metáforas muito ricas, em que o leitor é cúmplice e partilha uma cultura baseada no cinema, na gastronomia, nas emoções e no amor, nos domínios da guerra, da natureza, da tecnologia, do sobrenatural, da economia.
Alguns dos títulos analisados seriam: Incerteza na última jornada da liga: juízo final? (Maio de 2007), Recheio de Figo (Agosto de 2006, quando Luís Figo representava o Sporting em jogo contra o Inter de Milão), Dragão sobre rodas (Agosto de 2006, quando o F.C.Porto adquiriu um novo autocarro), Cristiano Ronaldo eléctrico (Março de 2007), Plantel vai emagrecer (Agosto de 2007), Confronto de almirantes (Agosto de 2005, sobre os treinadores de dois clubes que se iam defrontar). A imprensa desportiva e o futebol em particular constituem "um manancial para o estudo das estruturas responsáveis pelas formações linguísticas" (p. 90).
O livro foi apresentado por Manuel Frias da Silva (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) e Eduardo Cintra Torres (Universidade Católica Portuguesa). Na sessão de apresentação, entre outras pessoas, estiveram o vice-reitor da universidade e o director da Faculdade de Letras da universidade.
Conforme a introdução da obra, ela "tem como objectivo desconstruir as metáforas e mesclas em notícias do jornal A Bola recolhidas entre 2002 e 2013, à luz do paradigma cognitivo", num total de cerca de cinco mil ocorrências recolhidas daquele jornal desportivo. No final da mesma introdução, as quatro autoras concluem que "A Bola estimula as nossas mentes imaginativas, que se afiguram ferramentas indispensáveis à nossa sobrevivência intelectual no mundo actual.
As imagens retóricas não são supérfluas, mas antes construtoras da realidade futebolística em dimensões culturais mais vastas" (p. 14). Muitos dos títulos do jornal são metáforas muito ricas, em que o leitor é cúmplice e partilha uma cultura baseada no cinema, na gastronomia, nas emoções e no amor, nos domínios da guerra, da natureza, da tecnologia, do sobrenatural, da economia.
Alguns dos títulos analisados seriam: Incerteza na última jornada da liga: juízo final? (Maio de 2007), Recheio de Figo (Agosto de 2006, quando Luís Figo representava o Sporting em jogo contra o Inter de Milão), Dragão sobre rodas (Agosto de 2006, quando o F.C.Porto adquiriu um novo autocarro), Cristiano Ronaldo eléctrico (Março de 2007), Plantel vai emagrecer (Agosto de 2007), Confronto de almirantes (Agosto de 2005, sobre os treinadores de dois clubes que se iam defrontar). A imprensa desportiva e o futebol em particular constituem "um manancial para o estudo das estruturas responsáveis pelas formações linguísticas" (p. 90).
O livro foi apresentado por Manuel Frias da Silva (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) e Eduardo Cintra Torres (Universidade Católica Portuguesa). Na sessão de apresentação, entre outras pessoas, estiveram o vice-reitor da universidade e o director da Faculdade de Letras da universidade.
Entre a música clássica e a música ligeira, a partir de Serra Formigal
Numa recente comunicação que fiz em congresso, referi a distinção entre música séria e música ligeira. Chamaram-me a atenção para a primeira designação. Sim, eu não actualizara a designação para música clássica ou erudita. Recupero uma história sobre a música séria, a partir de um texto de José Manuel Serra Formigal (25 de Novembro de 1963). Ignoro se ele publicou o magnífico texto sobre a relação entre música clássica e música ligeira, de que publico aqui um pequeno excerto:
“Não negamos portanto à música ligeira a possibilidade do bom gosto, da originalidade, do encanto. Há exemplos dela no passado e no presente. Apenas reconhecemos que por um lado ficará, mesmo essa, sempre música ligeira pelas razões apontadas e também que a grande massa da música assim designada atualmente tocada e adorada pelas massas não é desse cariz mas do que atrás apontamos. Tal estado de coisas produz uma equivalência e até inversão de valores de que o cinema, a rádio, as revistas de atualidades, etc., nos evidenciam diariamente. São raras, por exemplo, nas nossas revistas de actualidades da rádio, as referências a celebridades da música séria que também actuam na rádio, enquanto que abundam as fotografias, os artigos e os títulos na glorificação de qualquer pseudo-vedeta da música ligeira. Fizeram escola os filmes americanos em que se estabelece o diálogo entre a música séria e a ligeira quase sempre em proveito desta. Como corolário verifica-se que os honorários dos artistas ligeiros são fabulosos. Por exemplo, entre nós, o Francisco José ou o Rui Mascarenhas são milionários ao pé de um Vasco Barbosa ou de um Álvaro Malta quanto aos seus rendimentos artísticos; um [Johnny] Halliday deixa a perder de vista um [Ernest] Ansermet” [1883-1969].
José Manuel Serra Formigal (1925-2011), jurista, diretor do Teatro da Trindade e da Companhia Portuguesa de Ópera que ali foi residente, e presidente do conselho de administração do Teatro Nacional de São Carlos. Foi grande cultor da música clássica e entusiasta da ópera em Portugal. Na Emissora Nacional (actual RDP, do grupo RTP), ocupou o lugar de Chefe de Repartição de Programas Musicais.
“Não negamos portanto à música ligeira a possibilidade do bom gosto, da originalidade, do encanto. Há exemplos dela no passado e no presente. Apenas reconhecemos que por um lado ficará, mesmo essa, sempre música ligeira pelas razões apontadas e também que a grande massa da música assim designada atualmente tocada e adorada pelas massas não é desse cariz mas do que atrás apontamos. Tal estado de coisas produz uma equivalência e até inversão de valores de que o cinema, a rádio, as revistas de atualidades, etc., nos evidenciam diariamente. São raras, por exemplo, nas nossas revistas de actualidades da rádio, as referências a celebridades da música séria que também actuam na rádio, enquanto que abundam as fotografias, os artigos e os títulos na glorificação de qualquer pseudo-vedeta da música ligeira. Fizeram escola os filmes americanos em que se estabelece o diálogo entre a música séria e a ligeira quase sempre em proveito desta. Como corolário verifica-se que os honorários dos artistas ligeiros são fabulosos. Por exemplo, entre nós, o Francisco José ou o Rui Mascarenhas são milionários ao pé de um Vasco Barbosa ou de um Álvaro Malta quanto aos seus rendimentos artísticos; um [Johnny] Halliday deixa a perder de vista um [Ernest] Ansermet” [1883-1969].
José Manuel Serra Formigal (1925-2011), jurista, diretor do Teatro da Trindade e da Companhia Portuguesa de Ópera que ali foi residente, e presidente do conselho de administração do Teatro Nacional de São Carlos. Foi grande cultor da música clássica e entusiasta da ópera em Portugal. Na Emissora Nacional (actual RDP, do grupo RTP), ocupou o lugar de Chefe de Repartição de Programas Musicais.
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
Tim Suter sobre o serviço público de media
Ontem, integrado na conferência organizada pela RTP, Tim Suter, consultor da BBC para o projecto Vision 2020 da European Broadcasting Union (EBU), falou do que se espera do serviço público de media nos próximos anos (ouvir o início da sua comunicação no podcast abaixo). Por serviço público de media pode definir-se a conjugação e articulação, nos media (rádio, televisão e internet), de serviços de interesse prestados aos cidadãos e às comunidades por parte do Estado na promoção da democracia e no fortalecimento do bem comum.
Tirei algumas notas do que ele disse, nomeadamente as principais características dos media actuais. Estes precisam de estar atentos às múltiplas escolhas, pois diferentes aparelhos e ecrãs chamam a atenção do cidadão e consumidor. De outras características dos media, detive-me em: 1) entrada de novos parceiros e actores de media, 2) concretização do cidadão como criador, 3) o que os indivíduos fazem com os aparelhos de comunicação (blogues, YouTube, jornalista-cidadão), e 4) interatividade dos media.
Tudo isto representa uma grande expectativa em termos de responsabilidade e abertura (incentivar e aceitar contributos). Suter demonstrou as diferenças com um passado recente e identificou a necessidade de redefinir o âmbito do serviço público de media, de encontrar respostas para novas parcerias, atrair as populações mais jovens, adequação às novas tendências de consumo. E centrou a discussão na obtenção de novas formas de financiamento, dado os modelos presentes estarem a esgotar-se, caso do financiamento do Estado. Ao mesmo tempo em que se propõe um retorno à sociedade, a alternativa económica, que julgo inegavelmente neoliberal, é buscar modelos de financiamento orientados para o mercado. Mas não é isto o que as empresas comerciais fazem? Por isso, o equilíbrio - disse ele ou concluí eu do que ouvi dele - entre qualidade e audiência parece resultar numa aposta muito difícil.
Pode acontecer mesmo estarem a fazer-se experiências, desprezando a experiência e o orgulho e a crença individual e de grupo dos profissionais do serviço público e a marca que está representada na empresa de serviço público, que mais tarde vão custar caro. Claro que acredito em outras palavras e ideias de Tim Suter, tais como haver o interesse do serviço público acompanhar as mudanças tecnológicas, liderando-as se possível, conhecer as suas audiências, saber recrutar bem o seu pessoal, estabelecer parcerias sólidas com produtores independentes e empresas concorrentes (em algumas actividades, presumo, seguindo o pensamento de Suter). O mesmo consultor adiantou ainda a importância de criar pluralismo interno e diversificação de conteúdos.
Tirei algumas notas do que ele disse, nomeadamente as principais características dos media actuais. Estes precisam de estar atentos às múltiplas escolhas, pois diferentes aparelhos e ecrãs chamam a atenção do cidadão e consumidor. De outras características dos media, detive-me em: 1) entrada de novos parceiros e actores de media, 2) concretização do cidadão como criador, 3) o que os indivíduos fazem com os aparelhos de comunicação (blogues, YouTube, jornalista-cidadão), e 4) interatividade dos media.
Tudo isto representa uma grande expectativa em termos de responsabilidade e abertura (incentivar e aceitar contributos). Suter demonstrou as diferenças com um passado recente e identificou a necessidade de redefinir o âmbito do serviço público de media, de encontrar respostas para novas parcerias, atrair as populações mais jovens, adequação às novas tendências de consumo. E centrou a discussão na obtenção de novas formas de financiamento, dado os modelos presentes estarem a esgotar-se, caso do financiamento do Estado. Ao mesmo tempo em que se propõe um retorno à sociedade, a alternativa económica, que julgo inegavelmente neoliberal, é buscar modelos de financiamento orientados para o mercado. Mas não é isto o que as empresas comerciais fazem? Por isso, o equilíbrio - disse ele ou concluí eu do que ouvi dele - entre qualidade e audiência parece resultar numa aposta muito difícil.
Pode acontecer mesmo estarem a fazer-se experiências, desprezando a experiência e o orgulho e a crença individual e de grupo dos profissionais do serviço público e a marca que está representada na empresa de serviço público, que mais tarde vão custar caro. Claro que acredito em outras palavras e ideias de Tim Suter, tais como haver o interesse do serviço público acompanhar as mudanças tecnológicas, liderando-as se possível, conhecer as suas audiências, saber recrutar bem o seu pessoal, estabelecer parcerias sólidas com produtores independentes e empresas concorrentes (em algumas actividades, presumo, seguindo o pensamento de Suter). O mesmo consultor adiantou ainda a importância de criar pluralismo interno e diversificação de conteúdos.
sábado, 16 de novembro de 2013
I Congresso da Sociedade Civil
Durante o dia, no I Congresso da Sociedade Civil, no ISCTE (Lisboa), oito grupos de discussão - ensino e ciência, emprego e empreendedorismo, ordens profissionais, saúde e desporto, família e solidariedade, ambiente e desenvolvimento rural, e cidadania e minorias - estabeleceram uma discussão sobre sociedade civil e serviço público de media (rádio, televisão e internet) a partir de dois pontos, o primeiro ligado à proposta do contrato de concessão em discussão pública e o segundo sobre qual a melhor forma da sociedade civil ter um papel mais interveniente no serviço público de media.
Um documento base do ISCTE [apresentado apenas oralmente] trazia algumas das ideias da proposta do contrato de concessão: quatro novos canais da RTP (sociedade civil, música, educação, infanto-juvenil, que as estações comerciais já contestaram), a perda pela RTP da posição de produtora de conteúdos, passando a uma situação residual. Por outro lado, o documento do ISCTE estimava em 8,5 milhões de euros a concretização do canal de sociedade civil, valor sustentado por comparabilidade com o valor de dois milhões de euros do Porto Canal e cerca de um milhão do CM TV.
À tarde, oito relatores dos grupos apontariam as conclusões, de que destaco algumas, como o interesse da sociedade civil (instituições públicas e privadas, ordens profissionais, organizações não governamentais, cidadãos) numa maior participação nos media públicos. Uma das questões discutidas foi o binómio canal próprio versus conjunto de programas específicos. Apontou-se o segundo como o mais viável quer financeiramente quer em termos de construção de uma grelha de programas, propondo-se a dinamização dos actuais e com programas formativos, como se fosse uma escola pública, para mostrar e partilhar valores e competências e divulgar obras e boas relações, numa linguagem simples e de proximidade, capaz de alterar mentalidades. Falou-se também de programas com conteúdos apelativos. A criação de um novo canal traria mais segmentação e perda de audiências.
Foi realçada a vontade de manter a RTP, dado ser uma das marcas portuguesas mais fortes (dentro do país, na diáspora e nos países de língua portuguesa), com a consequente defesa do valor produtivo - e a contestação ao projectado contrato de concessão, em especial a sua cláusula 19, que indica a perda da capacidade produtiva da empresa em troca dos papéis de agregadora e distribuidora. A sociedade civil, foi destacado por vários relatores, apresenta ideias e estimula conteúdos mas não tem competências técnicas para produzir conteúdos. Houve quem se referisse a este caderno de encargos como utópico, mas necessário para ser um motor nacional capaz de contrariar o pessimismo e a desconfiança no tempo actual. Sugeriu-se ainda a formalização desta corrente civil de opinião, pelo que se esperam novos passos em breve.
Na sessão de inauguração do congresso, o ministro Poiares Maduro referira três elementos centrais do programa do governo relativamente ao serviço público. O primeiro é o relacionado com o novo contrato de concessão que define a missão estratégica da empresa (produção cultural, produção independente, regulação da qualidade do audiovisual). O segundo ponto identifica a estabilidade do financiamento, com uma prevista transferência consubstanciada no contributo audiovisual (taxa através da factura da electricidade) e independente de decisões anuais do governo. O terceiro e último ponto diz respeito ao modelo de governação da RTP, com a criação de um conselho geral independente, o que vai obrigar a mexer nos estatutos da empresa RTP. Esta nova entidade terá entre as suas funções a nomeação do Conselho de Administração da RTP. Apesar do bom trabalho desenvolvido ao longo do dia por mais de cem participantes, uma crítica feita à organização do evento foi a colocação de informação sobre resultados do congresso ainda antes dele começar, como se lê numa notícia do Expresso de hoje, além de dois comunicados produzidos pela agência Lusa ao longo do dia, veiculando a ideia de viabilidade financeira de um canal próprio para a sociedade civil. Isto não coincide com a apresentação de resultados no final da tarde pelos relatores dos diversos grupos, como escrevi acima.
Um documento base do ISCTE [apresentado apenas oralmente] trazia algumas das ideias da proposta do contrato de concessão: quatro novos canais da RTP (sociedade civil, música, educação, infanto-juvenil, que as estações comerciais já contestaram), a perda pela RTP da posição de produtora de conteúdos, passando a uma situação residual. Por outro lado, o documento do ISCTE estimava em 8,5 milhões de euros a concretização do canal de sociedade civil, valor sustentado por comparabilidade com o valor de dois milhões de euros do Porto Canal e cerca de um milhão do CM TV.
À tarde, oito relatores dos grupos apontariam as conclusões, de que destaco algumas, como o interesse da sociedade civil (instituições públicas e privadas, ordens profissionais, organizações não governamentais, cidadãos) numa maior participação nos media públicos. Uma das questões discutidas foi o binómio canal próprio versus conjunto de programas específicos. Apontou-se o segundo como o mais viável quer financeiramente quer em termos de construção de uma grelha de programas, propondo-se a dinamização dos actuais e com programas formativos, como se fosse uma escola pública, para mostrar e partilhar valores e competências e divulgar obras e boas relações, numa linguagem simples e de proximidade, capaz de alterar mentalidades. Falou-se também de programas com conteúdos apelativos. A criação de um novo canal traria mais segmentação e perda de audiências.
Foi realçada a vontade de manter a RTP, dado ser uma das marcas portuguesas mais fortes (dentro do país, na diáspora e nos países de língua portuguesa), com a consequente defesa do valor produtivo - e a contestação ao projectado contrato de concessão, em especial a sua cláusula 19, que indica a perda da capacidade produtiva da empresa em troca dos papéis de agregadora e distribuidora. A sociedade civil, foi destacado por vários relatores, apresenta ideias e estimula conteúdos mas não tem competências técnicas para produzir conteúdos. Houve quem se referisse a este caderno de encargos como utópico, mas necessário para ser um motor nacional capaz de contrariar o pessimismo e a desconfiança no tempo actual. Sugeriu-se ainda a formalização desta corrente civil de opinião, pelo que se esperam novos passos em breve.
Na sessão de inauguração do congresso, o ministro Poiares Maduro referira três elementos centrais do programa do governo relativamente ao serviço público. O primeiro é o relacionado com o novo contrato de concessão que define a missão estratégica da empresa (produção cultural, produção independente, regulação da qualidade do audiovisual). O segundo ponto identifica a estabilidade do financiamento, com uma prevista transferência consubstanciada no contributo audiovisual (taxa através da factura da electricidade) e independente de decisões anuais do governo. O terceiro e último ponto diz respeito ao modelo de governação da RTP, com a criação de um conselho geral independente, o que vai obrigar a mexer nos estatutos da empresa RTP. Esta nova entidade terá entre as suas funções a nomeação do Conselho de Administração da RTP. Apesar do bom trabalho desenvolvido ao longo do dia por mais de cem participantes, uma crítica feita à organização do evento foi a colocação de informação sobre resultados do congresso ainda antes dele começar, como se lê numa notícia do Expresso de hoje, além de dois comunicados produzidos pela agência Lusa ao longo do dia, veiculando a ideia de viabilidade financeira de um canal próprio para a sociedade civil. Isto não coincide com a apresentação de resultados no final da tarde pelos relatores dos diversos grupos, como escrevi acima.
sexta-feira, 15 de novembro de 2013
Cultura e Estado em discussão, ontem à noite
Ontem à noite, dentro do Festival-IN Inovação e Criatividade, falou-se de indústrias culturais e criativas, jornalismo cultural e orçamentos do Estado dedicados à cultura (Com ou sem Estado? Cultura sob Respiração Assistida), num colóquio organizado por Cláudia Camacho (AntiFrame), com Dora Santos Silva, Rui Matoso e eu próprio. Antes do colóquio, passeei pelos pavilhões 1 (indústrias culturais) e 3 (indústrias criativas), como os designei. Museus, design, tecnologias, artes visuais e performativas, moda, joalharia e espaços das universidades foram algumas áreas que percorri.
Morte de Rui Valentim de Carvalho
Esta semana, morreu Rui Valentim de Carvalho, editor de Amália Rodrigues - entre 1952 e 1999 - e administrador da Valentim de Carvalho durante mais de 50 anos.
Admirador da sua música, ele foi o editor de Amália Rodrigues de 1952 até ao ano de falecimento da fadista. Quando se torna seu editor, ele tinha 21 anos e ela 32 anos. Da notícia de onde extraio a informação (http://www.ionline.pt/artigos/mais/rui-valentim-carvalho-editor-exemplar/pag/-1), David Ferreira, sobrinho de Rui Valentim de Carvalho, contaria: "Tinham uma relação próxima, ele ia para o estúdio, não ficava fechado no gabinete. Naquelas famosas sessões em que ela levava arroz de pimentos e pastéis de bacalhau, ele estava lá. Também assiste a espectáculos pelo mundo fora e defende-a quando o fado de Amália choca muitos. Estava sempre do lado dela". Depois de 1974, quando as estéticas musicais eram outras, um momento difícil para Amália, conotada com o antigo regime, ele foi muito amigo dela, acontecendo o mesmo quando esteve doente.
Ele criaria os estúdios Valentim de Carvalho, na década de 1960. Após a primeira gravação de Amália para a Editora Valentim de Carvalho, nos estúdios de Abbey Road (Londres), ele teve a vontade de fazer um estúdio semelhante no nosso país. Nos estúdios de Paço d’Arcos gravaram nomes como Júlio Iglésias, Cliff Richard, Shadows, Vinícius de Moraes e Rolling Stones. Além de Amália Rodrigues, ele trabalhou com outros grandes nomes do fado e da música como Carlos Paredes, Alfredo Marceneiro, Hermínia Silva, Carlos Ramos, Lucília do Carmo, Max, Maria Teresa de Noronha e Fernando Farinha, mas também com Quarteto 1111, Sheiks e Duo Ouro Negro, Rui Veloso, GNR e António Variações.
Da mesma notícia que li (http://www.ionline.pt/artigos/mais/rui-valentim-carvalho-editor-exemplar/pag/-1), o musicólogo e especialista em fado Rui Vieira Nery apontaria que ele era um “editor exemplar [e] pessoa muito afectuosa, muito requintada e culta”. E acrescentaria: “No universo da indústria discográfica, há normalmente uma obsessão com o lucro. No Tim, como era conhecido, sempre vi o fascínio pela música, a paixão pela arte, a vontade de fazer coisas que ficassem como legados artísticos importantes”.
Aos treze anos, ele vai trabalhar para a empresa fundada pelo tio em 1914. Nesse momento, ainda estudava no ensino técnico. A Valentim de Carvalho começou por vender gramofones e instrumentos musicais. Depois, tornou-se a primeira editora discográfica portuguesa.
quinta-feira, 14 de novembro de 2013
Rádio Clube Lusitânia
O Congresso Internacional Censura ao Cinema e ao Teatro começou ontem e decorre até amanhã na Universidade Nova de Lisboa. É o "culminar [de] dois anos de trabalho onde o foco da investigação incidiu sobre a censura e mecanismos de controlo da informação ao cinema e ao teatro antes, durante e após o Estado Novo português", realizado por uma equipa do CIMJ (Centro de Investigação Media e Jornalismo) e financiado pela FCT. O congresso, na perspectiva dos organizadores, "pretende ser um espaço aberto de debate e abranger o estudo da censura sobre diversos e amplos aspectos, privilegiando abordagens interdisciplinares e actuais que se integrem nas principais questões científicas internacionais, na discussão teórica e em metodologias de trabalho inovadoras com resultados relevantes".
Numa das mesas da manhã de hoje, discutiram-se os arquivos (da censura) na óptica do arquivista (Paulo Tremoceiro, da Torre do Tombo) e Tiago Rodrigues (que montou uma peça a partir de registos de censura a peças de teatro) [imagem abaixo, estando ao centro Joaquim Paulo Nogueira].
À tarde, eu falei sobre uma estação de rádio do Porto, Rádio Clube Lusitânia (1938-1945), encerrada pelo regime do Estado Novo, e do seu proprietário Júlio Augusto Nogueira (1905-1968). Abaixo um texto da Vida Mundial Ilustrada (9 de Novembro de 1944, em texto assinado por Fernando Curado Ribeiro), que seria usado como uma das provas para encerrar a estação, dada a orientação do proprietário da rádio a favor do estabelecimento da democracia em Portugal, já no final da II Guerra Mundial.
Numa das mesas da manhã de hoje, discutiram-se os arquivos (da censura) na óptica do arquivista (Paulo Tremoceiro, da Torre do Tombo) e Tiago Rodrigues (que montou uma peça a partir de registos de censura a peças de teatro) [imagem abaixo, estando ao centro Joaquim Paulo Nogueira].
À tarde, eu falei sobre uma estação de rádio do Porto, Rádio Clube Lusitânia (1938-1945), encerrada pelo regime do Estado Novo, e do seu proprietário Júlio Augusto Nogueira (1905-1968). Abaixo um texto da Vida Mundial Ilustrada (9 de Novembro de 1944, em texto assinado por Fernando Curado Ribeiro), que seria usado como uma das provas para encerrar a estação, dada a orientação do proprietário da rádio a favor do estabelecimento da democracia em Portugal, já no final da II Guerra Mundial.
domingo, 10 de novembro de 2013
António Ferro
António Ferro, a Vertigem da Palavra. Retórica, Política e Propaganda no Estado Novo (2013) é o novo livro de Margarida Acciaiuoli, que se segue ao portentoso Os Cinemas de Lisboa. Um Fenómeno Urbano do Século XX (2012), agora em segunda edição, e do qual, infelizmente, ainda não fiz aqui qualquer comentário.
O livro António Ferro está dividido em quatro capítulos: A arte de falar entre linhas, a política do espírito, a campanha do bom gosto, edições e revisões.
Por razões pessoais, li primeiro os capítulos do meio e depois os outros e gostei mais daqueles do que destes. A escrita de Margarida Acciaiuoli é agradável, o livro está muito bem documentado (e acompanhado de muitas imagens) e existe uma reflexão de fundo sobre uma das mais marcantes personagens do século XX português. Numa das teses do livro, António Ferro preparara-se para ser o homem da cultura e da propaganda de Salazar, quando, após as entrevistas aos ditadores europeus, incluindo Mussolini e Hitler, ele fez o mesmo com Salazar: "selecciona assuntos, projecta cenários, e acelera a necessidade de tornar conhecido o pensamento de Salazar" (p. 78). Durante cinco dias ao longo de duas a três horas por dia, os dois falaram. O Diário de Notícias, onde Ferro era jornalista, publicou. Era a força da palavra que triunfava.
A entrevista foi em Novembro de 1932, em Setembro de 1933 era criado o Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), liderado por António Ferro. Mil contos foi a verba do primeiro ano para a actividade da propaganda, coisa pouca se se relacionar com os 3% do orçamento do Estado italiano ou os 14 milhões de marcos do ministério da Propaganda alemão (p. 103). Mas Ferro começou a aplicar a sua política do espírito. Exposições de arte moderna (pintura e escultura), fotografia e cinema, prémios artísticos e literários, o bailado Verde Gaio, arte popular e passagem do SPN para o SNI (Secretariado Nacional de Informação) em 1944, são os principais tópicos trabalhados no segundo capítulo do livro de Margarida Acciaiuoli. A campanha do bom gosto é a aplicação das ideias de António Ferro ao turismo, à revista Panorama, ao modelo das pousadas. O capítulo é também espaço para o balanço de catorze anos de actividades do SPN/SNI.
No final de 1949, as homenagens a Ferro traçariam esse balanço. Ele divulgara o nome e a obra de Salazar, mas também a arte, a literatura, as qualidades do povo, disse António Eça de Queirós, subdirector do Secretariado e seu sucessor na Emissora Nacional (p. 342), num longo panegírico. A rádio também lhe estava grata: com Ferro, fora lançado o Gabinete de Estudos Musicais (GEM), inaugurado o Emissor Regional do Norte (1943) e o emissor de Castanheira do Ribatejo (1945). Na circunstância, Ferro falaria da gente mais sensível da vida portuguesa: escritores, artistas, jornalistas (p. 344). Numa das cerimónias de homenagem, os homens do regime estavam juntos com o pai da propaganda nacional, como Augusto de Castro, director do Diário de Notícias, António Lopes Ribeiro, Diogo de Macedo, Leitão de Barros, João Ameal e outros (p. 345).
António Ferro saía contente pela actividade desempenhada, mas sabemos, através da biografia da sua mulher, Fernanda de Castro, que ele queria continuar. A questão, explica Margarida Acciaiuoli, é que o final da II Guerra Mundial trouxera alterações profundas e o esforço da propaganda, entretanto mudado para informação, precisava de novos protagonistas. Salazar perpetuou-se no poder mas não os seus colaboradores.
O livro agora editado dá uma visão muito completa do período e traça a história do homem e da sua obra, o SPN/SNI. Ferro fez de Portugal o seu teatro e foi o seu encenador, defende a autora do livro. A meu ver falta uma coisa: o trabalho da censura exercido por aquele organismo do Estado Novo e que foi marcante na definição da ausência de novas políticas estéticas, sem esquecer as perseguições políticas individuais. Apesar de elementos de modernidade, que se foram atenuando à medida que os anos passavam, e do sucesso das actividades fora, nomeadamente as exposições universais, o país fechou-se mais sobre si. A década de 1960 ilustraria isso, já com novos responsáveis.
Leitura: Margarida Acciaiuoli (2013). António Ferro, a Vertigem da Palavra. Retórica, Política e Propaganda no Estado Novo. Lisboa: Bizâncio, 432 p., 18 €
Por razões pessoais, li primeiro os capítulos do meio e depois os outros e gostei mais daqueles do que destes. A escrita de Margarida Acciaiuoli é agradável, o livro está muito bem documentado (e acompanhado de muitas imagens) e existe uma reflexão de fundo sobre uma das mais marcantes personagens do século XX português. Numa das teses do livro, António Ferro preparara-se para ser o homem da cultura e da propaganda de Salazar, quando, após as entrevistas aos ditadores europeus, incluindo Mussolini e Hitler, ele fez o mesmo com Salazar: "selecciona assuntos, projecta cenários, e acelera a necessidade de tornar conhecido o pensamento de Salazar" (p. 78). Durante cinco dias ao longo de duas a três horas por dia, os dois falaram. O Diário de Notícias, onde Ferro era jornalista, publicou. Era a força da palavra que triunfava.
A entrevista foi em Novembro de 1932, em Setembro de 1933 era criado o Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), liderado por António Ferro. Mil contos foi a verba do primeiro ano para a actividade da propaganda, coisa pouca se se relacionar com os 3% do orçamento do Estado italiano ou os 14 milhões de marcos do ministério da Propaganda alemão (p. 103). Mas Ferro começou a aplicar a sua política do espírito. Exposições de arte moderna (pintura e escultura), fotografia e cinema, prémios artísticos e literários, o bailado Verde Gaio, arte popular e passagem do SPN para o SNI (Secretariado Nacional de Informação) em 1944, são os principais tópicos trabalhados no segundo capítulo do livro de Margarida Acciaiuoli. A campanha do bom gosto é a aplicação das ideias de António Ferro ao turismo, à revista Panorama, ao modelo das pousadas. O capítulo é também espaço para o balanço de catorze anos de actividades do SPN/SNI.
No final de 1949, as homenagens a Ferro traçariam esse balanço. Ele divulgara o nome e a obra de Salazar, mas também a arte, a literatura, as qualidades do povo, disse António Eça de Queirós, subdirector do Secretariado e seu sucessor na Emissora Nacional (p. 342), num longo panegírico. A rádio também lhe estava grata: com Ferro, fora lançado o Gabinete de Estudos Musicais (GEM), inaugurado o Emissor Regional do Norte (1943) e o emissor de Castanheira do Ribatejo (1945). Na circunstância, Ferro falaria da gente mais sensível da vida portuguesa: escritores, artistas, jornalistas (p. 344). Numa das cerimónias de homenagem, os homens do regime estavam juntos com o pai da propaganda nacional, como Augusto de Castro, director do Diário de Notícias, António Lopes Ribeiro, Diogo de Macedo, Leitão de Barros, João Ameal e outros (p. 345).
António Ferro saía contente pela actividade desempenhada, mas sabemos, através da biografia da sua mulher, Fernanda de Castro, que ele queria continuar. A questão, explica Margarida Acciaiuoli, é que o final da II Guerra Mundial trouxera alterações profundas e o esforço da propaganda, entretanto mudado para informação, precisava de novos protagonistas. Salazar perpetuou-se no poder mas não os seus colaboradores.
O livro agora editado dá uma visão muito completa do período e traça a história do homem e da sua obra, o SPN/SNI. Ferro fez de Portugal o seu teatro e foi o seu encenador, defende a autora do livro. A meu ver falta uma coisa: o trabalho da censura exercido por aquele organismo do Estado Novo e que foi marcante na definição da ausência de novas políticas estéticas, sem esquecer as perseguições políticas individuais. Apesar de elementos de modernidade, que se foram atenuando à medida que os anos passavam, e do sucesso das actividades fora, nomeadamente as exposições universais, o país fechou-se mais sobre si. A década de 1960 ilustraria isso, já com novos responsáveis.
Leitura: Margarida Acciaiuoli (2013). António Ferro, a Vertigem da Palavra. Retórica, Política e Propaganda no Estado Novo. Lisboa: Bizâncio, 432 p., 18 €
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
Amadeu ao fundo
A exposição no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian chama-se Sob o Signo de Amadeo - um Século de Arte. Mas a obra de Amadeu Sousa Cardoso está no fundo, numa cave. Devia estar à entrada. Parece que a sua organização funcionou na lógica do supermercado: quando quero comprar água ou leite tenho de percorrer toda a superfície até chegar lá, obrigando-me a ver tudo e talvez a comprar algo que não tinha pensado antes. Até chegar a Amadeu, a exposição fez-me algum tédio.
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
Absolutribut
Num 2 de Setembro, publicava-se: "A Absolutribut é essencialmente uma loja de roupa em segunda mão. Como o próprio nome indica, a loja é um tributo ao «Absoluto», a todas as marcas e todos os géneros de vestuários até hoje inventados : hippie, anos 70, anos 80, gótico, punk, grunge, entre muitos outros. Convidámo-lo a criar o seu próprio estilo na fusão de diversas relíquias que possa encontrar! Envolva-se num ambiente acolhedor e encontre peças únicas em óptimo estado" (Absolutribut, twice upon a time).
Gostei de conhecer a jovem e empreendedora proprietária da loja [na foto aqui] (ver imagem da montra aqui, em que falei sobre lojas de roupa em segunda mão, o que provocou a escrita de cem comentários na mensagem). Ela andava a arranjar tempo para visitar o MUDE (Museu do Design e da Moda), pois queria diversificar, aprender e inovar.
Agora, que passei pelo local, a loja tinha desaparecido. Esta havia sido inaugurada a 15 de Novembro de 2010, com a informação: "com horário alargado das 9 às 21 horas. Venha visitar-nos, e quem sabe, encontre as peças ideias para renovar o seu guarda roupa". Eu suspeitava de qualquer coisa, pois no último S. João não houve montra enfeitada para o concurso como nos anos de 2011 e 2012. Lembro-me de ter comentado com ela a montra de 2011, que estava muito bonita. O pequeno sapo em cerâmica no chão à entrada não foi suficiente para evitar o encerramento.
A minha rua Chelsea ficou mais triste, tornou-se quase só uma passagem de autocarros em direcção à parte oriental da cidade.
Actualização (9:08, 11 de Novembro de 2013): afinal, e apenas por meu desconhecimento, a vintage store, como se intitula, mudou de sítio, mantendo-se na mesma zona (rua Formosa, 194, Porto).
Gostei de conhecer a jovem e empreendedora proprietária da loja [na foto aqui] (ver imagem da montra aqui, em que falei sobre lojas de roupa em segunda mão, o que provocou a escrita de cem comentários na mensagem). Ela andava a arranjar tempo para visitar o MUDE (Museu do Design e da Moda), pois queria diversificar, aprender e inovar.
Agora, que passei pelo local, a loja tinha desaparecido. Esta havia sido inaugurada a 15 de Novembro de 2010, com a informação: "com horário alargado das 9 às 21 horas. Venha visitar-nos, e quem sabe, encontre as peças ideias para renovar o seu guarda roupa". Eu suspeitava de qualquer coisa, pois no último S. João não houve montra enfeitada para o concurso como nos anos de 2011 e 2012. Lembro-me de ter comentado com ela a montra de 2011, que estava muito bonita. O pequeno sapo em cerâmica no chão à entrada não foi suficiente para evitar o encerramento.
A minha rua Chelsea ficou mais triste, tornou-se quase só uma passagem de autocarros em direcção à parte oriental da cidade.
Actualização (9:08, 11 de Novembro de 2013): afinal, e apenas por meu desconhecimento, a vintage store, como se intitula, mudou de sítio, mantendo-se na mesma zona (rua Formosa, 194, Porto).
domingo, 3 de novembro de 2013
O vosso pior pesadelo, pelo Teatro Art'Imagem
O Vosso Pior Pesadelo, original de Manuel Jorge Marmelo e encenado por José Leitão, do Teatro Art'Imagem, é uma peça muito violenta. As personagens são três: o prisioneiro (Pedro Carvalho), o cabo (Miguel Rosas) e o coronel (Flávio Hamilton). O prisioneiro é um comediante que, por fazer humor com a política e a corrupção, foi considerado terrorista e preso e condenado a grandes sevícias. O comediante-prisioneiro, a cada tortura física e mental, respondia com um sorriso ou uma graça, o que desconcertava os algozes.
A acção decorre à volta de uma jaula onde o preso Alfa Um permanece isolado, sem direitos. Mesmo ler é algo que lhe é dificilmente concedido, um prazer de apenas quinze minutos diários. O cabo não compreende a ironia e a cultura do prisioneiro, nem isso é importante para a sua ocupação: a de cuidar de Alfa Um e inibir nele qualquer gesto, acto ou pensamento subversivo. Afinal, o cabo é um elo de uma cadeia que nem sequer se esgota no coronel, indivíduo pérfido ou com taras de ordem psicológica.
Há um espírito de obediência a um chefe ausente mas que manda. O comediante é o único que não pertence ao universo dos dois militares, mas acaba por detectar humor e alguma subversão no coronel, num jogo de alto risco físico para si. A postura realista dos actores acentua, para quem a vê a peça, a componente dolorosa do texto. Assim, o texto aborda temas atuais como a situação europeia e Portugal, o modo como as políticas dos países se deterioram e levam a questionar os direitos dos cidadãos, a democracia, a violência e perda de liberdade. Pergunta-se: de que têm medo os cidadãos.
No começo da peça, cada actor apresentou-se: estado civil, filhos e situação profissional. A última caracterizo-a como alarmante - o trabalho de ator é cada vez mais precário, o que se tornou uma boa ligação à peça.
Do Teatro Art'Imagem, vira em 2012 Madrugada, como escrevi aqui.
A acção decorre à volta de uma jaula onde o preso Alfa Um permanece isolado, sem direitos. Mesmo ler é algo que lhe é dificilmente concedido, um prazer de apenas quinze minutos diários. O cabo não compreende a ironia e a cultura do prisioneiro, nem isso é importante para a sua ocupação: a de cuidar de Alfa Um e inibir nele qualquer gesto, acto ou pensamento subversivo. Afinal, o cabo é um elo de uma cadeia que nem sequer se esgota no coronel, indivíduo pérfido ou com taras de ordem psicológica.
Há um espírito de obediência a um chefe ausente mas que manda. O comediante é o único que não pertence ao universo dos dois militares, mas acaba por detectar humor e alguma subversão no coronel, num jogo de alto risco físico para si. A postura realista dos actores acentua, para quem a vê a peça, a componente dolorosa do texto. Assim, o texto aborda temas atuais como a situação europeia e Portugal, o modo como as políticas dos países se deterioram e levam a questionar os direitos dos cidadãos, a democracia, a violência e perda de liberdade. Pergunta-se: de que têm medo os cidadãos.
No começo da peça, cada actor apresentou-se: estado civil, filhos e situação profissional. A última caracterizo-a como alarmante - o trabalho de ator é cada vez mais precário, o que se tornou uma boa ligação à peça.
Do Teatro Art'Imagem, vira em 2012 Madrugada, como escrevi aqui.
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
A Guerra dos Mundos 75 anos depois
Na noite de domingo 30 de outubro de 1938, na véspera do dia das bruxas nos Estados Unidos (halloween) a rede de rádio CBS transmitia o programa Mercury Theater. Um jovem e talentoso ator, Orson Welles, escolhera para aquela semana o romance de ficção científica A Guerra dos Mundos, escrita no final do século XIX pelo inglês H. G. Wells. A época era excecional: na Europa estava quase a iniciar-se um gravíssimo conflito: a Segunda Guerra Mundial. Os ânimos estavam exaltados. Na audição da peça um em cada cinco ouvintes não notara que era uma obra de ficção. Parte considerável dos ouvintes acreditaram que a Terra estava mesmo a ser invadida por marcianos. O pânico provocou acidentes em série. Além de tudo, o programa aparentava ser normal – com música transmitida de um concerto de dança interrompido bruscamente por uma notícia de última hora (adaptado da introdução de Eduardo Meditsch ao livro Rádio e Pânico 2).
Depois, a 25 de junho de 1958, um jovem locutor e realizador da Rádio Renascença, José Matos Maia, em Lisboa, levava a cabo uma emissão intitulada "A Invasão dos Marcianos". Agora, os extra-terrestres não aterravam em New Jersey, perto de Nova Iorque, mas aqui ao lado, em Carcavelos. O mesmo pânico (mas também a mesma curiosidade) que vinte anos antes nos Estados Unidos. Os telefones das esquadras da polícia ficaram entupidos com solicitações dos ouvintes. A polícia foi à Rádio Renascença e o programa não chegou ao fim. Depois, Matos Maia era interrogado na polícia política (PIDE). O polícia que falou com ele estava bem informado sobre o pânico gerado pela peça de Orson Welles e perguntou se Matos Maia não sabia que ia provocar semelhante situação. À despedida, disse-lhe: “desta vez, sai pela porta fora. Da próxima, já não sai daqui”.
Em homenagem aos 75 anos da emissão certamente mais famosa da rádio enquanto meio de comunicação, os grupos dos meus alunos de Edição Multimédia fizeram podcasts das duas peças, em excertos, em página do Facebook. Eles não se ouvem sequencialmente, mas a ideia era experimentar, encontrar sons e homenagear esses homens e as suas ideias. É também uma homenagem aos alunos.
Depois, a 25 de junho de 1958, um jovem locutor e realizador da Rádio Renascença, José Matos Maia, em Lisboa, levava a cabo uma emissão intitulada "A Invasão dos Marcianos". Agora, os extra-terrestres não aterravam em New Jersey, perto de Nova Iorque, mas aqui ao lado, em Carcavelos. O mesmo pânico (mas também a mesma curiosidade) que vinte anos antes nos Estados Unidos. Os telefones das esquadras da polícia ficaram entupidos com solicitações dos ouvintes. A polícia foi à Rádio Renascença e o programa não chegou ao fim. Depois, Matos Maia era interrogado na polícia política (PIDE). O polícia que falou com ele estava bem informado sobre o pânico gerado pela peça de Orson Welles e perguntou se Matos Maia não sabia que ia provocar semelhante situação. À despedida, disse-lhe: “desta vez, sai pela porta fora. Da próxima, já não sai daqui”.
Em homenagem aos 75 anos da emissão certamente mais famosa da rádio enquanto meio de comunicação, os grupos dos meus alunos de Edição Multimédia fizeram podcasts das duas peças, em excertos, em página do Facebook. Eles não se ouvem sequencialmente, mas a ideia era experimentar, encontrar sons e homenagear esses homens e as suas ideias. É também uma homenagem aos alunos.
terça-feira, 29 de outubro de 2013
Os dez anos do LabCom
Comunicação Digital. 10 Anos de Investigação, livro organizado por António Fidalgo e João Canavilhas, é o volume mais recente da colecção Comunicação da editora MinervaCoimbra.
O livro apresenta o trabalho do LabCom, Laboratório de Comunicação Online, centro de pesquisa de Ciências da Comunicação da Universidade da Beira Interior, na Covilhã, criado em 2002. Antes do LabCom, a equipa fundadora já tinha a experiência de uma biblioteca, a BOCC (Biblioteca Online de Ciências da Comunicação), lançada em 1999, o jornal Urbi et Orbi (2000), a revista Recensio (2001) e a investigação no projeto Akademia, financiado pela FCT.
O objectivo geral do LabCom é "a pesquisa sobre o estado das novas tecnologias de comunicação, especialmente aquelas envolvidas nos processos de comunicação online, para avaliar [o] seu impacto na vida quotidiana e os diferentes tipos de fenómenos resultantes da comunicação" (p. 11). Os textos incluídos no livro resultam de trabalhos feitos no LabCom, com a grande maioria dos seus autores oriundos da própria universidade da Covilhã como docentes ou investigadores.
Design, jornalismo nos tablets, ecrãs e dispositivos móveis, Facebook, comunicação estratégica e webdocumentário são algumas das ideias traduzidas em capítulos de 15 a 20 páginas cada. Por razões de interesse pessoal, mas sem qualquer valorização face aos outros, destaco os capítulos escritos por João Canavilhas e Ivan Satuf (Jornalismo em Transição: do Papel para o Tablet) e António Fidalgo e Catarina Moura (O Design e a Fabricação da Experiência). Neste último, acrescento a elegância da escrita e das referências bibliográficas (Vilém Flusser, Jean Baudrillard, Umberto Eco, Walter Benjamin, José Bragança de Miranda, Roland Barthes, Lev Manovich, Marshall McLuhan). Seguindo Manovich, pensamento aplicado à arquitectura e ao urbanismo, os autores consideram que o espaço navegável (multimédia) se torna uma espécie de medium que pode ser guardado, formatado, comprimido, recuperado e programado como o texto, o áudio e a imagem (p. 29).
Leitura: António Fidalgo e João Canavilhas (org.) (2013). Comunicação Digital. 10 Anos de Investigação, Coimbra: MinervaCoimbra, 209 p., 17€.
O objectivo geral do LabCom é "a pesquisa sobre o estado das novas tecnologias de comunicação, especialmente aquelas envolvidas nos processos de comunicação online, para avaliar [o] seu impacto na vida quotidiana e os diferentes tipos de fenómenos resultantes da comunicação" (p. 11). Os textos incluídos no livro resultam de trabalhos feitos no LabCom, com a grande maioria dos seus autores oriundos da própria universidade da Covilhã como docentes ou investigadores.
Design, jornalismo nos tablets, ecrãs e dispositivos móveis, Facebook, comunicação estratégica e webdocumentário são algumas das ideias traduzidas em capítulos de 15 a 20 páginas cada. Por razões de interesse pessoal, mas sem qualquer valorização face aos outros, destaco os capítulos escritos por João Canavilhas e Ivan Satuf (Jornalismo em Transição: do Papel para o Tablet) e António Fidalgo e Catarina Moura (O Design e a Fabricação da Experiência). Neste último, acrescento a elegância da escrita e das referências bibliográficas (Vilém Flusser, Jean Baudrillard, Umberto Eco, Walter Benjamin, José Bragança de Miranda, Roland Barthes, Lev Manovich, Marshall McLuhan). Seguindo Manovich, pensamento aplicado à arquitectura e ao urbanismo, os autores consideram que o espaço navegável (multimédia) se torna uma espécie de medium que pode ser guardado, formatado, comprimido, recuperado e programado como o texto, o áudio e a imagem (p. 29).
Leitura: António Fidalgo e João Canavilhas (org.) (2013). Comunicação Digital. 10 Anos de Investigação, Coimbra: MinervaCoimbra, 209 p., 17€.
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