quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Sobre a Aginter Presse

João Paulo Guerra cobriu, para Rádio Clube Português, o primeiro de maio de 1964. Na praça dos Restauradores (Lisboa), a polícia carregou nos manifestantes e um esquadrão da Legião Portuguesa (Centuriões) apareceu e disparou, matando um dos manifestantes, David de Almeida Reis. A polícia apoderou-se do gravador do jornalista, impossibilitado de dar a ocorrência (se a censura permitisse a transmissão). Já depois de 1974, a 22 de maio, ao serviço da Emissora Nacional, João Paulo Guerra reportou uma operação militar (marinha) na rua das Praças, 13 (Lisboa), destinada a recolher documentação de uma agência noticiosa (Aginter Presse), fachada de um grupo terrorista internacional.

O jornalista juntou estes dois factos que viu e procurou noticiar e criou o centro do livro Romance de uma Conspiração. Portugal no Centro de uma Intriga Internacional (2010, Oficina do Livro). A personagem principal é Pedro Costa, um adolescente que passeava com o pai na praça dos Restauradores, no momento exato dos acontecimentos de 1964. Na ficção, o escritor acrescenta um segundo morto, o pai de Pedro Costa, tipógrafo em O Século, expulso anteriormente do ensino estatal por oposicionista. Pedro Costa seguiria para a marinha e como segundo tenente comandou o assalto às instalações da Aginter Presse.


As outras personagens principais seriam a mãe, arquivista de segunda classe na Emissora Nacional que recolhia e classificava recortes que serviriam o programa A Voz do Ocidente, programa  diário da Emissora Nacional das 23:00 à 1:00, e Jacques Mercier, o franciu com quem a mãe iria viver depois de se separar do marido, no final do livro desvendado como Cleubert Garin, aliás Ralph, aliás Brug, aliás Morgan, o C11 no código de operações da Aginter Presse ou OT - Ordre et Tradition ou OACI – Organization d’Action Contre le Communisme International. A Aginter Presse era a fornecedora de informação do programa A Voz do Ocidente. O desempenho de Pedro Costa, desde o dia em que o seu pai foi morto até ao encontro com o "padrasto" Jacques Mercier, aliás Cleubert Garin, foi procurar saber mais dessa fictícia agência noticiosa. No seu currículo real, a OACI foi responsável pelo assassinato de Eduardo Mondlane e por uma tentativa de golpe de Estado que deporia Mobutu. Este, como represália, fechou a embaixada portuguesa em Kinshasa, capital do Zaire (atual República Democrática do Congo). Em termos de informação e contrapropaganda, Portugal ficaria privado de um espaço vital para a defesa de Angola, pelo que a Aginter Presse foi recrutada para esses serviços, pagos por um ministério português.

Há uma outra personagem, Margarida, filha - dentro da ficção - do coronel Matias Brandão, militar muito ativo ao serviço do ELP, força de extrema-direita após abril de 1974, e namorada durante algum tempo de Pedro Costa. Outras personagens são verdadeiras, como o comandante Abrantes Serra, que chefiou o forte de Caxias no período imediato a abril de 1974. O major Menino Vargas, responsável pelo serviço de análise documental no reduto sul do forte, aparece no romance como Pedro Costa, que começaria a ler e a classificar o arquivo da Aginter Presse. O leitor atento ao arquivo da Aginter Presse foi, na realidade, António Graça, autor de dois relatórios sobre a agência noticiosa fachada de atividades terroristas, e que María José Tíscar aproveitou para escrever o livro A Contra-Revolução no 25 de Abril. Os “Relatórios António Graça” Sobre o ELP e a Aginter Presse ((2014, Edições Colibri). No romance, a Aginter Presse tornou-se a obsessão do jovem militar, entretanto passado à disponibilidade, enveredando por outra atividade, mas sempre na busca da verdade sobre a morte do pai e das ligações perigosas com grupos extremistas como a OACI.

Não posso etiquetar o livro como romance histórico, mas ele é um relato próximo da realidade, com personagens de ficção. Onde espiões e bandidos se cruzam em momentos cruciais da história portuguesa. João Paulo Guerra não esconde as suas simpatias políticas, com relevo para as forças revolucionárias que emergiram em abril de 1974. Apesar disso, a sua personagem principal, um homem, reflete as contradições da revolução, com críticas a uma deriva ao longo do período designado por PREC. Se se quiser, à oposição entre o autoritarismo anterior e a anarquia posterior. Pedro Costa é um homem com dúvidas (continuar ou não com Margarida, permanecer ou não com Telma) mas com princípios que herdou do pai - a literatura, a cultura, a independência. Já dito acima, o universo profissional retratado no livro, para além das personagens militares, necessárias para o enquadramento, é a rádio (a mãe) e os jornais (o pai), as grandes profissões do autor deste livro.



segunda-feira, 29 de agosto de 2016

A Rádio Renascença

Até meados da década de 1960, dos programas mais escutados de Rádio Renascença destacavam-se Novos Emissores em Marcha, com discos pedidos por correspondência, Enquanto For Bom-Dia, Auditório, Quando o Telefone Toca e Diário do Ar. A programação parecia obedecer cada vez mais a uma grelha comercial. O fundador da estação, Monsenhor Lopes da Cruz, faleceu em 1969. Sucedeu-lhe monsenhor Sezinando Rosa, acompanhado por dr. Tomás Andrade Rocha, padre Américo Brás da Costa e Rogério Leal, com uma nova política de contratação: indivíduos com experiência profissional em rádio, casos do diretor comercial (Albérico Fernandes), da informação (Carlos Cruz) e de programas (padre António Rêgo). A partir de março de 1970, a Renascença passou a emitir 24 horas por dia.

No âmbito das produções independentes, combinando informação e cultura, com algum empenho político-social, surgiram os programas 23ª Hora (1959-1974), Página Um (1968-1975), Tempo Zip (1970-1972) e Limite (1973-1974). Novas áreas temáticas foram o desporto motorizado (1973) e programação religiosa (1968). Dos programas de informação mais escutados, o noticiário 19.Zero-Zero era também vigiado pela censura, pois o recurso a reportagens em direto permitia informação que não passava previamente pela censura. As suspensões de Página Um e Tempo Zip em setembro de 1972 e a liberdade nos noticiários levaram à nomeação de uma comissão de censura nos dias antes de 25 de abril de 1974. A autora do livro, em vez de censura interna, prefere chamar cultura de cautelosa gestão de informação.


O deflagrar do conflito na Renascença a seguir a 25 de abril de 1974 relaciona-se com a proibição de cobertura jornalística da chegada de exilados políticos (Soares, Cunhal). Outra causa foi a leitura de um telegrama de agência noticiosa comunista por Luís Paixão Martins. A greve começou a 30 de abril de 1974. O diretor comercial Albérico Fernandes procurou assegurar a transmissão dos noticiários, mas não conseguiu. A greve acabou à meia-noite de 31 de março e os grevistas impuseram o afastamento do conselho de gerência, a readmissão dos locutores Rui Paulo da Cruz e Rui Pedro e o fim da suspensão dos locutores Adelino Gomes e João Paulo Guerra, decidida em 1972. Um comentário ao ataque palestiniano sobre atletas israelitas na aldeia olímpica de Munique motivara a suspensão dos programas a que os últimos dois estavam ligados. No começo de luta, os trabalhadores eram apolitizados e as suas reivindicações eram laborais. Com o decurso da luta, começou a existir um alinhamento partidário e a relação entre trabalhadores e administração alterou-se.

Depois, houve a tomada da redação por trabalhadores do setor radiofónico, designados por ocupantes, a luta pelo controlo de emissores no Porto e em Lisboa, com repercussão no transmissor da Lousã, uma radicalização crescente das partes envolvidas, culminando na destruição à bomba do emissor da Buraca, a 7 de novembro de 1975.

O livro de Paula Borges Santos faz uma análise muito em pormenor e em profundidade do período marcelista (1968-1974) e da revolução (1974-1975). De ler os capítulos sobre a Igreja Católica, a sua condução e as principais questões colocadas a uma igreja que defrontou sucessivamente um regime ditatorial e uma revolução. Neste segundo período, a própria propriedade da Rádio Renascença pela Igreja Católica chegou a estar em causa. O cardeal D. António Ribeiro emerge como a figura central na resolução adequada.

Leitura: Paula Borges Santos (2005). Igreja Católica, Estado e Sociedade 1968-1975. O Caso Rádio Renascença. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 269 páginas. Prémio Fundação Mário Soares 2004

sábado, 27 de agosto de 2016

A ecologia no filme Amanhã

Entusiasmei-me com a adesão de Portugal ao euro. Os anos mais recentes têm-me tornado prudente. Entre defensores e detratores do euro, começo a tender para os que veem muitos males na moeda europeia. Por isso, fiquei encantado com a ideia de moedas locais em várias cidades europeias como aparece descrita no filme Amanhã, de Cyril Dion e Mélanie Laurent (2015). Mostram eles que uma moeda local é um complemento da moeda nacional mas visa fazer girar a riqueza pelas múltiplas atividades dentro de uma comunidade, uma cidade por exemplo, e não continuar a existir a fuga do dinheiro para outros países ou paraísos fiscais.

Outras ideias que acolheram a minha simpatia foram as de permacultura, das hortas urbanas e de reciclagem, apresentadas de um modo que eu desconhecia totalmente. De repente, tive o sonho de abalar da cidade grande para uma aldeia, viver junto da natureza e produzir aí.


Outras ideias do filme provocaram-me admiração: os autores do filme obtiveram financiamento para o filme através de campanha lançada na plataforma de crowdfunding KissKissBankBank. Queriam reunir 200 mil euros em dois meses, o que conseguiram em apenas dois dias. No final dos dois meses, juntaram perto de 450 mil euros e quase um terço dos financiadores pediu para serem plantadas árvores como troca do donativo. Depois chegariam parceiros como France 2, Orange Cinema Séries, Agência Francesa de Desenvolvimento, fundação AKUO, rede Biocoop, empresa de energia Enercoop, Veja, Léa Nature, Distriborg, Hodzoni, Féminin bio. Com o orçamento de 1,2 milhões de euros, foi possível fazer o filme.

Cyril Dion é poeta, escritor, ator e ativista fundador do Mouvement Colibris, de que foi dirigente até 2013, com o objetivo de construir uma sociedade mais ecológica e humana, Mélanie Laurent é atriz e realizadora de cinema. O filme, vencedor do César de Melhor Documentário de 2016, parte de um estudo científico publicado na revista Nature em 2012, o qual anuncia o colapso dos nossos ecossistemas e o fim das condições de vida estáveis na Terra.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Confiança nos media

Em estudo divulgado pela União Europeia de Radiodifusão (EBU na sigla inglesa, European Broadcasting Union), a confiança dos cidadãos europeus face aos media tem caído. Apesar disso, a rádio é o meio de comunicação mais fiável, enquanto em Portugal à rádio se junta a televisão. No conjunto da União Europeia, 55% da população confia na rádio, 48% na televisão, 43% na imprensa, 35% na internet e 20% nas redes sociais. Em Portugal, depois da rádio e da televisão, com 37%, segue-se a imprensa com 24%. A internet e as redes sociais têm apreciações negativas [infografia retirada do jornal Público versão em papel de 23 de agosto de 2016].


quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Sonia Rykiel

Em 15 de abril de 2009, escrevi aqui:

"Com 17 anos de idade, ela [Sonia Rykiel] foi trabalhar como modelo para um armazém parisiense de têxtil. Mais tarde, casou com o dono de uma loja de roupa elegante, Sam. Quando estava grávida, em 1962, ainda não havia roupa apropriada para mulheres no estado dela, pelo que começou a desenhar os seus próprios modelos. Um livro sobre ela diz que Rykiel consagrou-se ao essencial: a arquitectura do vestuário e ao movimento do corpo, uma mulher que passe na cidade ao encontro do namorado ou vá buscar o seu filho à escola sem ficar presa aos gestos e movimentos (Genevieve Lafosse Dauvergne, 2003, La Mode Selon Sonia Rykiel, p. 13) Além de costureira, ela também tem escrito livros, casos de Et je la voudrais nue, Célébration, Collection terminée. Em 1980, foi votada como uma das dez mulheres mais elegantes em todo o mundo. Andy Wharol fez um célebre quadro dela".


Hoje, a notícia é a da sua morte, chamando-a a rainha das malhas. Ela tinha estado em 2004 na ModaLisboa [imagem de 2009 de loja em Paris].

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Dersu Uzala

Dersu Uzala era um caçador da tribo Nanai que vivia na parte mais oriental da Sibéria no começo do século XX. A sua família fora dizimada pela varíola e ele errava pela floresta em busca de alimentos e caça, nomeadamente de martas, cujas peles vendia para obter algum dinheiro. Profundo conhecedor da natureza, tratava os animais como companheiros, a lembrar um pouco a consciência dos militantes urbanos que descobriram a ecologia na década de 1960, dentro da ideia de equilíbrio entre os diferentes elementos da natureza.


Um dia, encontra uma equipa militar que explorava em termos de geografia e topografia o território. Estava-se, como escrevi acima, no começo do século XX e o poder político russo precisava de cartografar adequadamente o país, em especial na vastíssima e quase inexpugnável zona mais a norte e mais a leste. Nela habitavam tribos ou grupos de comunidades muito isolados e vivendo uma economia de sobrevivência, com culturas antigas e povoamentos que incluíam mongóis e chineses, os vizinhos do sul. Muitos eram caçadores mas havia também pescadores e recoletores. A equipa de militares era comandada pelo capitão Vladimir Arseniev, que escreveria depois livros sobre as suas expedições e que narrou os contactos com Dersu Uzala (interpretado por Maksim Munzuk), rapidamente promovido a guia do grupo. Pela sua sabedoria ligada à natureza, ele foi muito benéfico para o avanço dos trabalhos científicos. Do seu contacto com o capitão Arseniev (interpretado por Yuri Solomin) nasceu uma profunda amizade e uma prova da importância de juntar o conhecimento teórico e intelectual ao prático.

Com a imagem conduzida por uma câmara à altura do homem quando se trata de mostrar a evolução da investigação guiada pelo caçador Dersu e uma posição de cima para baixo quando se mostra a posição do cartógrafo ficamos a compreender melhor o entrosamento de dois mundos tão próximos - o olhar a natureza - mas já tão afastados - o caçador e o cartógrafo veem duas coisas distintas conforme as suas necessidades. Isso torna-se evidente no final do filme, quando o caçador é recolhido em casa do capitão e se depara com proibições: acampar na cidade, dar tiros na cidade. Uma das sequências inesquecíveis do filme é  a da investigação na estepe gélida ao final da tarde, quando o caçador e o capitão estão sós e perdidos do resto da expedição. O caçador conduz a operação de recolha de caules de plantas e improvisa uma cabana sob a qual dormem, escapando aos ventos que podem atingir cerca de 60 graus negativos. Outra sequência impressionante da luta contra a natureza é a do salvamento do caçador, que não sabe nadar, quando fica sozinho numa jangada. O esforço coletivo dos militares leva à rápida opção de lançar um tronco ao rio, devidamente controlado com cintos, e que chega a Dersu e o ajuda a sair da situação complicada.

Dersu Uzala (ou A águia das Estepes, デルス·ウザーラ em japonês, Дерсу Узала em russo) é um filme do japonês Akira Kurosawa (1975), a sua primeira obra fora do seu país, após um período em que ele se sentiu deprimido (e tentou o suicídio), que lhe trouxe o fracasso de um filme anterior Dodesukaden. O cineasta recebeu um convite soviético do estúdio Mosfilm para realizar o trabalho autobiográfico de Arseniev.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Uma Pastelaria em Tóquio

Com o título Uma Pastelaria em Tóquio (An (あん?, 2015, Sabor da Vida, título no Brasil), filme nipónico-franco-alemão escrito e realizado por Naomi Kawase (1967), com base em romance de Durian Sukegawa, conta a história de três pessoas, com as suas histórias de vida distintas numa pastelaria de Tóquio especializada na venda de dorayaki, tipo de panqueca japonesa, localizada junto a uma passagem de caminho de ferro e perto de uma escola. Mas só se vão descobrindo as particularidades individuais, com uma passagem para o dramático, à medida que o filme decorre. O gerente da loja (Masatoshi Nagase, no papel de Sentaro) esteve preso e tem uma dívida para cobrar ao dono do espaço, a septuagenária (Kirin Kiki, no papel de Tokue) que quer trabalhar na pastelaria tem lepra, a jovem estudante quer abandonar a escola porque falta um ambiente caseiro que a proteja.

De começo, não percebemos como as coisas se vão resolver, a não ser a habilidade da velha mulher em cozinhar bolos de feijão de creme azuki. A pastelaria ganha súbito sucesso graças aos bolos de feijão e perde a clientela quando se conhece a doença da velha cozinheira e a sua morada - uma leprosaria. Mas os laços destas personagens que representam três gerações - a saída da II Guerra Mundial, a nascida no boom económico da década de 1960 e a geração do século XXI - começam a estreitar-se. Se quisermos, há uma passagem de sabedoria e testemunhos, em que um simples canário [lê-se do mesmo modo em japonês e português] também serve de ligação. O olhar e a palavra são dádivas e preenchem a existência uns dos outros: a velha vê o gerente da loja (a que chama carinhosamente patrão) como o filho que não teve; o gerente vê nela a mãe com quem não manteve conversas; a jovem em busca de um lar com familiares estruturados. E ainda pelo estreitamento com a natureza, caso da compreensão de Tokue quanto à vida de cada feijão - o sol, a humidade - como se cada vegetal tivesse uma vida própria. Ou da cerejeira, a árvore da vida da velha doente.


Há dois pormenores suplementares vislumbrados por um ocidental apaixonado pela cultura oriental. Numa conversa entre Tokue e a jovem estudante, ouve-se em fundo uma oração budista. Quando a proprietária da loja (atriz Miyoko Asada) vem falar com o gerente e lhe impõe o despedimento da velha cozinheira, a expressão e enquadramento lembram as máscaras do teatro clássico japonês bunraku.

[como pequena homenagem à realizadora, deixo uma imagem da sua cidade natal, Nara, que tirei em junho de 2016]


sábado, 20 de agosto de 2016

“A RTP não tem uma elite com coragem para fazer diferente”, diz Eduardo Cintra Torres

"São pobres em género e imaginação. Desistiram. A fórmula «dar ao público o que o público quer» está quase certa, mas impede aquele «grão na asa» de inovação que poderá agradar ao público, já que este, antecipadamente, não sabe tudo, dado que não é especialista de TV e não lhe compete imaginar a inovação. A SIC e a TVI afunilaram os géneros. Em termos de êxitos para o público «do costume», só confiam nos noticiários longos, nas novelas, nos talk shows, e, no caso da TVI, naqueles reality show cada vez mais ordinários. Nos noticiários, a SIC destaca-se pela qualidade geral técnica e de texto. Tem as grandes reportagens mais bem feitas. Mas ambos os canais claudicam com frequência a interesses publicitários, uma publicidade escondida sem qualquer ética jornalística. A RTP 1 tem um pouco mais de variedade de géneros, mas sem beneficio de interesse público".

Citação da entrevista a Eduardo Cintra Torres, por Maria João Avilez (Observador, de 20 de agosto de 2016). Eduardo Cintra Torres é apresentado como o mais respeitado dos atuais críticos de televisão, com 59 anos, licenciado em História, mestre em Comunicação e doutoramento em Sociologia, professor na Universidade Católica e no ISCTE, e crítico de televisão em canal televisivo e em jornal (ambos do grupo do Correio da Manhã).

domingo, 14 de agosto de 2016

A história da rádio segundo Álvaro de Andrade (8)

Na Emissora Nacional, começou a 24 de abril de 1937 o programa Meia Hora da Saudade. A sugestão partira de um ouvinte em Moçambique, no tempo em que Portugal tinha um imenso império colonial - a de pessoas que tinham familiares em África mas também na Madeira ou nos Açores poderem falar com esses familiares ou amigos deslocados. Era apenas meia hora por mês, mas tornou-se um programa muito popular. Ainda não havia estudos de audiências, mas a estação oficial (ou pública, como hoje se diz) recebeu muitas cartas de agradecimento.

No texto escrito por Álvaro de Andrade, homem do teatro e da rádio, o também jornalista, que escreveu até provecta idade (Diário Popular, 22 de setembro de 1970), conta várias histórias sobre o programa, a nível de receção do mesmo. Naquela altura, um aparelho de rádio era ouvido por várias pessoas, familiares e amigos, reunidos em círculo à volta dele, sem falar ou tossir sequer. Um ouvinte regulava os registos, isto, é os botões do complexo recetor, e todos se concentravam na luz do aparelho até ouvirem a voz do locutor pronunciar as 21 horas, o começo do programa. Notícias várias: a sobrinha que casou com um piloto, duas meninas a tocar piano para que o pai as ouvisse no interior africano.

Depois, a Emissora Nacional, embalada pelo sucesso do programa criado no tempo de Henrique Galvão como presidente da estação e que os sucessores António Ferro e seguintes mantiveram, abriu um programa orientado para os pescadores que estavam na frota da pesca do bacalhau (Hora da Saudade, e onde mães, filhas e amigos falavam nos estúdios da Emissora Nacional na rua de S. Marçal ou em estúdios improvisados em centros piscatórios do país), os emigrantes (em França e Montréal, Canadá) e, no começo da década de 1960, um programa para os soldados que faziam a guerra em África. Deste tempo, e com a apropriação televisiva, os soldados engasgavam-se e diziam "muitas propriedades" em vez de "muitas prosperidades", ideia que se associa ao Natal e ao Ano Novo, e "até ao meu regresso".



quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Aura Festival

Aura Festival é um festival de artes da luz e de cartografias emocionais do território a decorrer à noite em Sintra (18 a 21 de agosto), dedicado à experimentação e à memória e com entrada livre. Em segunda edição, sob o tema Histórias da Noite, há um percurso pedonal entre o MU.SA (Museu das Artes de Sintra) e o Palácio Nacional, onde se oferece a residentes, comerciantes e visitantes, a experiência de imersão na paisagem noturna da vila e a fruição poética da iluminação artística nos meandros misteriosos de Sintra (informação da organização).


segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Benamôr


É um texto publicado no Expresso de sábado (6 de agosto), assinado por Catarina Nunes. Nele se conta o início da perfumaria Benamôr em Lisboa em 1925 e do pedido do seu proprietário para desenvolver um creme de rosto ao laboratório Nobre (Campo Grande). Nasceram depois um pó de arroz e uma água de colónia e a constituição da fábrica Nally (ainda no Campo Grande). Um produto dedicado à queda do cabelo (Petróleo Químico) teve sucesso em 1934, a que se seguiram um bronzeador e a produção para marcas internacionais como Helena Rubinstein, Pantene e Schwarskopf-Sillouet. 1999 foi um ano terrível com o incêndio na fábrica e destruição do espólio e décadas de trabalho.

Agora, com novos proprietários da marca e da fábrica Nally (Carregado), a Benamôr posiciona-se para ser uma marca internacional de cosméticos na gama de luxo a competir com as marcas Khiel's e L'Occitaine. A nova orientação começou com três referências de produtos, chegou às 14 e quando houver 50 abre lojas. Entretanto, as novas gamas são vendidas em A Vida Portuguesa e El Corte Inglés, apontando-se para as vender também em farmácias de prestígio. O reposicionamento da marca implica um investimento acima dos cem mil euros.

sábado, 6 de agosto de 2016

Andor violeta


Andor violeta foi uma expressão que sempre achei, em simultâneo, fascinante e estranha. Significa apenas "põe-te a andar" ou "sai da minha frente, não me aborreças". Há outras expressões ou palavras igualmente curiosas como sertã (frigideira), "estar com o toco" (estar aborrecido) ou morcão (tonto ou estúpido). E ainda cruzeta (cabide), ferrar o jeco (fazer uma dívida), trolha (pedreiro) ou carago (caramba).

Estas e outras palavras fazem parte das entradas do livro lançado ontem no café Progresso (Porto), Dicionário do Calão do Porto, de João Carlos Brito (Porto, 1966). Licenciado em Línguas, Literaturas e Culturas Modernas, exerce a profissão de professor-bibliotecário na Escola Secundária de Gondomar. Em 2010, publicara Heróis à Moda do Porto, a que se seguiu em 2014 Lugares e Palavras do Porto. Agora é a vez do dicionário.

O autor é favorável aos regionalismos. Aquando da saída do livro anterior, ele defendia as marcas linguísticas regionais, as quais tendem a esbater-se devido à televisão. No lançamento do livro de ontem, foi um pouco mais longe e falou de centralismo de Lisboa. Mas elogiou marcas de identidade linguística dos madeirenses e açorianos, com vocábulos levados do Alentejo para aquelas paragens. Creio que, a par dos regionalismos da região portuense, deve haver um estudo das marcas linguísticas alentejanas.



terça-feira, 2 de agosto de 2016

O fim do VHS

Em julho passado, a Funai Eletronics, a última fábrica que produzia cassetes magnéticas de vídeo VHS (Video Home System), anunciou o fim da sua produção, cerca de uma anos depois da Sony ter também informado o fim das cassetes Betamax. Na altura da expansão das cassetes, chegou a vender cerca de 15 milhões de unidades por ano, mas em 2015 não ultrapassou as 750 mil cassetes. A fábrica chinesa Funais produzia cassetes VHS desde 1983, cinco anos depois de o sistema ter sido lançado pela japonesa JVC. Associado às cassetes e leitores de VHS, surgiu a atividade de clubes de vídeo, negócio rentável no final da década de 1980. Hoje, o registo de imagem e som está presente no streaming e no Vídeo on Demand.

Para os colecionadores, o VHS vai tornar-se objeto de culto. Para museus e arquivos, o desaparecimento do VHS vai significar mais investimento, pois cada sistema de registo implica a necessidade de transferência da informação existente para novo suporte.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Cendrillon, de Pauline Viardot, pelo Chapitô


Foi no dia 25 de junho passado que o teatro Chapitô (/Escola Profissional de Artes e Ofícios do Espetáculo, EPAOE) levou os seus alunos do 1º ano do Curso de Interpretação e Animação Circenses ao teatro São Carlos a representarem Cendrillon, de Pauline Viardot. Apresentada como opereta de câmara ou ópera cómica de salão em três atos e baseada na história de Cinderela, as vozes pertenceram a Ana Franco (Maria/Cinderela), João Oliveira (Barão de Pic'torcido), Sónia Alcobaça (Magalona), Ana Ferro (Armelinda) e João Cipriano (Príncipe Encantado) (elementos do Coro do Teatro Nacional de São Carlos), Bárbara Barradas (Fada) e Marco Alves dos Santos (Conde Miscarudo). A versão portuguesa da ópera foi assegurada por Luís Rodrigues. Piano e direção musical de João Paulo Santos, encenação de Mário Redondo, direção do Circo Chapitô e cenografia e figurinos de Miguel Costa Cabral.