"AINDA QUE PROVAVELMENTE NÃO DURANTE MUITOS ANOS"
Esta expressão acaba um período de uma notícia veiculada pelo Diário Digital de hoje, e que o Sapo resolveu colocar como notícia de destaque. Ou seja, quando abri o computador, saltou logo à minha vista o título National Geographic diz que Lisboa pode sofrer um novo sismo.
Eu, que vim de uma cidade rochosa (granítica) viver para uma cidade com muita areia, fico constrangido. Sei que, se houver um sismo, o sítio onde moro afunda-se totalmente. Tenho algum medo, mas também tenho medo dos condutores de automóveis que me ultrapassam pela direita, das floreiras dependuradas nas janelas dos prédios, tenho medo de uma bomba no metro. Enfim, tenho medo de morrer, embora isso esteja garantido (ao menos, fisicamente).
Há uns anos, uma bruxa previu um sismo em Lisboa. Um jornal sensacionalista, o Tal & Qual, puxou para a primeira página a entrevista. Resultado: meia cidade escapuliu-se dela no dia anunciado. Felizmente que a bruxa se enganou. Ora, a notícia da National Geographic - pese a cientificidade dos seus autores - pode ser tão leviana como a estória da bruxa do Tal & Qual. A notícia referencia o tremor de terra de 1755 como tendo a magnitude de 8,7 na escala de Richter e provocando mais de 60 mil mortos. A escala, penso eu, ainda não existia; se existisse, duvido que houvesse quem medisse a magnitude. O ter havido mais de 60 mil mortos é, penso eu de novo, uma falácia. Havia um censo rigoroso em Lisboa? Também posso ser ignorante neste assunto, admito.
Num dado momento, o texto explica que, "Contudo, a National Geographic também refere que a opinião de Marc-Andre Gutscher não é partilhada por todos os estudiosos, como é o caso de Alastari Dawson, professor de geologia na Universidade de Coverty, em Inglaterra". É como se escreve em inglês on the one hand, isto e aquilo; on the other hand, aquilo e isto. É como jogar no totobola: posso acertar ou não acertar (embora a primeira posição seja mais provável).
Felizmente que a tradução do texto nos desperta para a realidade. Escreve-se no texto que há uma «actividade contínua nesse sistema de placas, suscitando receios de que um novo tremor de terra pode atingir a região com consequências potencialmente devastadoras - ainda que provavelmente não durante muitos anos». Ora, o que significa não durante muitos anos? Nada, a não ser uma má tradução!
Porém, há mais. Trata-se de um conjunto de valores-notícia fundamentais: o sensacionalismo, o insólito, a tragédia em grande escala. Logo, no noticiário da televisão das 20 horas, isto vai ser notícia, certamente. E se um canal se lembrar de fazer algumas entrevistas de rua? Vai aumentar o nosso nível de medo.
Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
terça-feira, 31 de agosto de 2004
ANUÁRIO DO OBERCOM
Na sua newsletter de 27 de Agosto, o Obercom fez editar breves análises dos sectores dos media, telecomunicações e sociedade da informação, e chama a atenção para dados de 2003 e de outros sectores da comunicação, pelo que se recomenda a sua visita.
Retiro apenas alguns dados pertencentes à rádio. Assim, o Obercom destaca, para 2003, o protocolo de prestação de serviços assinado entre a Associação Portuguesa de Radiodifusão (APR) e a LUSA, que resulta um novo serviço, LUSA Rádio, disponibilizando um serviço diário com som e texto para rádio. O Obercom salienta também a reestruturação do sector empresarial do Estado na área do audiovisual, com a incorporação das estações de rádio e televisão públicas na nova RTP – Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, S A. Já em 2004, foi apresentada uma proposta de revisão da Lei da rádio (a retomar em Setembro no parlamento).
Relativamente à publicidade institucional estatal, em 2003 a rádio acolheu 38,2% (70.728 €) do total da mesma (aproximadamente 185.000 €), cabendo às estações nacionais 11,4% e às estações locais 26,8%. Quanto ao share, e seguindo ainda a mesma newsletter, as cinco maiores estações nacionais são a RFM (24,9%), a Rádio Renascença (18,2%), a Rádio Comercial (8,2%), a TSF/Rádio Press (5,6%) e a Antena 1 (4,7%).
Na sua newsletter de 27 de Agosto, o Obercom fez editar breves análises dos sectores dos media, telecomunicações e sociedade da informação, e chama a atenção para dados de 2003 e de outros sectores da comunicação, pelo que se recomenda a sua visita.
Retiro apenas alguns dados pertencentes à rádio. Assim, o Obercom destaca, para 2003, o protocolo de prestação de serviços assinado entre a Associação Portuguesa de Radiodifusão (APR) e a LUSA, que resulta um novo serviço, LUSA Rádio, disponibilizando um serviço diário com som e texto para rádio. O Obercom salienta também a reestruturação do sector empresarial do Estado na área do audiovisual, com a incorporação das estações de rádio e televisão públicas na nova RTP – Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, S A. Já em 2004, foi apresentada uma proposta de revisão da Lei da rádio (a retomar em Setembro no parlamento).
Relativamente à publicidade institucional estatal, em 2003 a rádio acolheu 38,2% (70.728 €) do total da mesma (aproximadamente 185.000 €), cabendo às estações nacionais 11,4% e às estações locais 26,8%. Quanto ao share, e seguindo ainda a mesma newsletter, as cinco maiores estações nacionais são a RFM (24,9%), a Rádio Renascença (18,2%), a Rádio Comercial (8,2%), a TSF/Rádio Press (5,6%) e a Antena 1 (4,7%).
TELEVISÃO DIGITAL EM ESPANHA
Está de regresso a televisão digital em Espanha, depois do fracasso vivido no começo da década. Agora, a Digital + está a fazer uma campanha, que inclui a imprensa, dirigindo-se em tom muito próximo aos telespectadores: "De que estás à espera. Torna-te assinante".
São cerca de 100 canais em oferta. Para além dos generalistas, que cobrem as principais regiões do país (canais autonómicos em Madrid, Valência, Galiza, Catalunha, País Basco), inclui canais de cinema, entretenimento, infantis, desportivos, documentais e informativos. Destaco alguns: Cosmopolitan (só para mulheres), TL Novelas (novelas de êxito mundial), Clasico (música clássica em espanhol), Cocina (para todos os gostos), Caza y Pesca (para os fãs destas actividades), Méteo (meteorologia), Playboy (televisão que provoca) e Playin TV (jogos interactivos).
A Digital + promete o melhor cinema, a Liga dos Campeões Europeus de futebol, a programação infantil mais divertida e as séries de maior êxito, tudo a menos de €1 por dia. E quando teremos nós, em Portugal, a TDT (televisão digital terrestre)?
Está de regresso a televisão digital em Espanha, depois do fracasso vivido no começo da década. Agora, a Digital + está a fazer uma campanha, que inclui a imprensa, dirigindo-se em tom muito próximo aos telespectadores: "De que estás à espera. Torna-te assinante".
São cerca de 100 canais em oferta. Para além dos generalistas, que cobrem as principais regiões do país (canais autonómicos em Madrid, Valência, Galiza, Catalunha, País Basco), inclui canais de cinema, entretenimento, infantis, desportivos, documentais e informativos. Destaco alguns: Cosmopolitan (só para mulheres), TL Novelas (novelas de êxito mundial), Clasico (música clássica em espanhol), Cocina (para todos os gostos), Caza y Pesca (para os fãs destas actividades), Méteo (meteorologia), Playboy (televisão que provoca) e Playin TV (jogos interactivos).
A Digital + promete o melhor cinema, a Liga dos Campeões Europeus de futebol, a programação infantil mais divertida e as séries de maior êxito, tudo a menos de €1 por dia. E quando teremos nós, em Portugal, a TDT (televisão digital terrestre)?
segunda-feira, 30 de agosto de 2004
ESTUDOS DE AUDIÊNCIA
É preferível o plural - audiências - em vez do singular, dado haver diferentes objectos de investigação.
Christine Geraghty, em texto publicado no colectivo The television studies book (1997), destaca quatro tipos distintos de estudos: 1) texto particular, quando se estuda um tipo particular de programa, 2) tipo particular de espectador, caso do fã, 3) contexto de recepção, caso da percepção televisiva no lar, 4) contextualização tecnológica, em que a televisão se articula com outros meios de comunicação no lar.
Na leitura deste trabalho estimulante para quem quer estudar a recepção dos media, em especial a televisão, separam-se as metodologias quantitativas e qualitativas. Por exemplo, observa Geraghty, é possível orientar o objecto de estudo das pessoas para unidades observáveis, caso do aparelho de televisão em períodos determinados de tempo. É o domínio da investigação quantitativa; a informação de ratings concentra-se num número de televisores sintonizados num programa (Geraghty, 1997: 145). A investigação qualitativa procura informação sobre as audiências não através de inquéritos baseados em respostas numéricas ou trabalho estatístico, mas a partir de observação e da audição dos membros da audiência.
Se o trabalho quantitativo enfatiza o típico, a média, a maioria, a pesquisa qualitativa procura explicar um conjunto particular de circunstâncias, contextualizando os fenómenos e fornecendo interpretações que explicam todos os elementos envolvidos numa situação e não num conjunto de relações (Geraghty, 1997: 154). Além disso, enquanto o trabalho quantitativo assenta numa amostra que pode representar o todo e obter generalizações, o modo qualitativo analisa os dados como sendo uma totalidade. Claro que se olhar para as audiências televisivas a partir da observação num lar não é possível generalizar em termos qualitativos.
A autora aborda um tema interessante: o das metodologias de investigação e as relações de poder entre pesquisadores e grupos a observar. Nota ela que investigadores como John Fiske adoptaram algumas das características das metodologias feministas (Geraghty, 1997: 152). Os discursos de mulheres e fãs podem ser entendidos dentro de algumas características comuns: partilha de conhecimento, estabelecimento de uma relação através do que é válido e apropriado, mistura das relações diversificadas face ao poder do mundo exterior, ênfase na conversa como agradável e de apoio. Podemos, deste modo, descrever as duas culturas como pertencendo aos fãs e às mulheres.
Leitura: Christine Geraghty (1997). "Audiences and «ethnography»: questions of practice". In Christine Geraghty e David Lusted (eds.) The television studies book. Londres, Nova Iorque, Sidney e Auckland: Arnold
É preferível o plural - audiências - em vez do singular, dado haver diferentes objectos de investigação.
Christine Geraghty, em texto publicado no colectivo The television studies book (1997), destaca quatro tipos distintos de estudos: 1) texto particular, quando se estuda um tipo particular de programa, 2) tipo particular de espectador, caso do fã, 3) contexto de recepção, caso da percepção televisiva no lar, 4) contextualização tecnológica, em que a televisão se articula com outros meios de comunicação no lar.
Na leitura deste trabalho estimulante para quem quer estudar a recepção dos media, em especial a televisão, separam-se as metodologias quantitativas e qualitativas. Por exemplo, observa Geraghty, é possível orientar o objecto de estudo das pessoas para unidades observáveis, caso do aparelho de televisão em períodos determinados de tempo. É o domínio da investigação quantitativa; a informação de ratings concentra-se num número de televisores sintonizados num programa (Geraghty, 1997: 145). A investigação qualitativa procura informação sobre as audiências não através de inquéritos baseados em respostas numéricas ou trabalho estatístico, mas a partir de observação e da audição dos membros da audiência.
Se o trabalho quantitativo enfatiza o típico, a média, a maioria, a pesquisa qualitativa procura explicar um conjunto particular de circunstâncias, contextualizando os fenómenos e fornecendo interpretações que explicam todos os elementos envolvidos numa situação e não num conjunto de relações (Geraghty, 1997: 154). Além disso, enquanto o trabalho quantitativo assenta numa amostra que pode representar o todo e obter generalizações, o modo qualitativo analisa os dados como sendo uma totalidade. Claro que se olhar para as audiências televisivas a partir da observação num lar não é possível generalizar em termos qualitativos.
A autora aborda um tema interessante: o das metodologias de investigação e as relações de poder entre pesquisadores e grupos a observar. Nota ela que investigadores como John Fiske adoptaram algumas das características das metodologias feministas (Geraghty, 1997: 152). Os discursos de mulheres e fãs podem ser entendidos dentro de algumas características comuns: partilha de conhecimento, estabelecimento de uma relação através do que é válido e apropriado, mistura das relações diversificadas face ao poder do mundo exterior, ênfase na conversa como agradável e de apoio. Podemos, deste modo, descrever as duas culturas como pertencendo aos fãs e às mulheres.
Leitura: Christine Geraghty (1997). "Audiences and «ethnography»: questions of practice". In Christine Geraghty e David Lusted (eds.) The television studies book. Londres, Nova Iorque, Sidney e Auckland: Arnold
domingo, 29 de agosto de 2004
EL PAIS DE HOJE
Sobre o Iraque
"A terra que viu nascer os primeiros códigos legislativos escritos da humanidade, que guarda tesouros arqueológicos excepcionais e que esconde um património cultural para que contribuiram todos os impérios dignos de tal nome padece de sede [sequía] cultural devastadora. Os estragos começaram há mais de uma década, depois do embargo imposto pelas Nações Unidas ao regime de Sadam Hussein. «Nos anos noventa, toda a gente teve de vender tudo! E a maioria começou pelos livros. Alguns dias atrás, oferecemos uma novela a quem comprasse o jornal, uma peça de teatro, a obra completa de um poeta. Além da promoção, serve para recuperar hábitos perdidos», relata o editor do jornal Al Mada" (texto escrito por Juan Miguel Muñoz).
Sobre moda portuguesa, com desfile ontem em Madrid
Sobre o Iraque
"A terra que viu nascer os primeiros códigos legislativos escritos da humanidade, que guarda tesouros arqueológicos excepcionais e que esconde um património cultural para que contribuiram todos os impérios dignos de tal nome padece de sede [sequía] cultural devastadora. Os estragos começaram há mais de uma década, depois do embargo imposto pelas Nações Unidas ao regime de Sadam Hussein. «Nos anos noventa, toda a gente teve de vender tudo! E a maioria começou pelos livros. Alguns dias atrás, oferecemos uma novela a quem comprasse o jornal, uma peça de teatro, a obra completa de um poeta. Além da promoção, serve para recuperar hábitos perdidos», relata o editor do jornal Al Mada" (texto escrito por Juan Miguel Muñoz).
Sobre moda portuguesa, com desfile ontem em Madrid
TELENOVELAS E MUDANÇA SOCIAL E CULTURAL
Para Christine Geraghty, num livro publicado em 1991 sobre telenovelas, estas respondem à pressão social de novos movimentos sociais, pelo que reflectem o processo da acção e mudança social (ou o invés: resistência à mudança cultural). Por seu lado, Olga Madsen, a fundadora da novela holandesa que, em 2000, era a responsável por toda a produção dramática da Endemol, explica que a emergência de “linhas de estórias minoritárias” é uma questão de profissionalização. Já Irene Costera Meijer (2001) escreve que a projecção que os produtores fazem das suas audiências afecta a selecção, codificação e estrutura das formas mediáticas criadas. Isto é, os actos de consumo das novelas são constrangidos pelos modos conceptualizados pelos produtores. Assim, a produção é “um processo de negociação no qual os significados do texto emergem na sua forma cultural pública” e os produtores de cultura popular funcionam como intermediários culturais, envolvidos na produção, classificação e circulação de bens culturais.
Meijer identifica oito repertórios – modelos de discurso, processos cognitivos e fenómenos ideológicos, em torno de dois eixos: o estilo e estética, política e moral. Os reportórios são: rejeição, diversidade (palette), representação igual (à da sociedade), potencial dramático, género, credibilidade (a mais importante), disponibilidade, consciência social (responsabilidade). O repertório de palette significa a existência de códigos culturais distintos, como cor da pele (preto, branco, cabelos louros e olhos azuis), funcionando como categorias estéticas.
Leitura: Irene Costera Meijer (2001). “The colour of soap opera. An analysis of professional speech on the representation of ethnicity”. Cultural Studies, vol. 4(2) 207-230
Para Christine Geraghty, num livro publicado em 1991 sobre telenovelas, estas respondem à pressão social de novos movimentos sociais, pelo que reflectem o processo da acção e mudança social (ou o invés: resistência à mudança cultural). Por seu lado, Olga Madsen, a fundadora da novela holandesa que, em 2000, era a responsável por toda a produção dramática da Endemol, explica que a emergência de “linhas de estórias minoritárias” é uma questão de profissionalização. Já Irene Costera Meijer (2001) escreve que a projecção que os produtores fazem das suas audiências afecta a selecção, codificação e estrutura das formas mediáticas criadas. Isto é, os actos de consumo das novelas são constrangidos pelos modos conceptualizados pelos produtores. Assim, a produção é “um processo de negociação no qual os significados do texto emergem na sua forma cultural pública” e os produtores de cultura popular funcionam como intermediários culturais, envolvidos na produção, classificação e circulação de bens culturais.
Meijer identifica oito repertórios – modelos de discurso, processos cognitivos e fenómenos ideológicos, em torno de dois eixos: o estilo e estética, política e moral. Os reportórios são: rejeição, diversidade (palette), representação igual (à da sociedade), potencial dramático, género, credibilidade (a mais importante), disponibilidade, consciência social (responsabilidade). O repertório de palette significa a existência de códigos culturais distintos, como cor da pele (preto, branco, cabelos louros e olhos azuis), funcionando como categorias estéticas.
Leitura: Irene Costera Meijer (2001). “The colour of soap opera. An analysis of professional speech on the representation of ethnicity”. Cultural Studies, vol. 4(2) 207-230
sábado, 28 de agosto de 2004
SOBRE UMA MANGA CHAMADA NANA
Em 13 de Abril de 2004, coloquei um post intitulado belezas digitais. Partira de um livro de Julius Wiedemann, já editado este ano e com o título Digital beauties. 2D and 3D computer generated models. Virtual idols and characters. De entre as belezas que referenciei, escrevi sobre Nana: "tem sido apresentada como celebridade em revistas e programas de televisão [...]. Pertença da agência de modelos digitais Japan Audio Visual Workshop, sediada em Tóquio, os nomes dos criadores de Nana permanecem em segredo. Ela é uma humanóide, com 17 anos e 1,60 metros, estudante liceal. O seu sonho é ser top model, cantora e actriz, exactamente o padrão dos ídolos virtuais japoneses".
Hoje, vou falar da Nana, desenhada por Ai Yazawa, como ela aparece nas mangas (que são bandas desenhadas, revistas ou livros japoneses publicados com uma periodicidade semanal ou mensal). Isto quer dizer que o autor está, afinal, pelo menos na manga, bem identificado. Escolhi o volume 9 (a imagem conjuga a capa e a contracapa do livro).
Um estilo de vida
Nana é uma manga - que, como qualquer outra, se lê de trás para a frente - onde se fala de amor, amizade, juventude japonesa, moda e música. O presente volume retoma a história de duas jovens, Nana Komatsu e Nana Ôsaki, que se reencontram por acaso no comboio que as leva a Tóquio, e alugam um apartamento. Ambas falam do corte com os seus namorados e de novos conhecimentos masculinos. Mas tudo separa as duas raparigas, das ideias à origem social. Se Ôsaki quer que a sua banda musical Blast triunfe, após a assinatura de um contrato provisório com uma grande discográfica, e concorra com a Trapnest, Komatsu descobre que está grávida do namorado com quem rompera. A decisão de ter a criança foi difícil e o casal reencontra-se. O volume agora editado dá conta do novo equilíbrio relacional nos elementos do grupo.
Há aqui patente um fundo moral que não se encontra noutras mangas, onde o tema central é a violência. Não é um fundo moral vitoriano, mas adaptado a novos valores. Nana orienta-se para um público adolescente, não apenas nipónico mas universal. Aliás, os desenhos de Ai Yazawa mostram jovens com traços fisionómicos mais aparentados com os caucasianos que com os originais do seu país. Os encontros e desencontros e as soluções desenhadas pelos próprios intervenientes, sem a tutela dos mais velhos, dá esse ar de autonomia que os adolescentes querem.
Fala-se esporadicamente, na história de Nana, dos pais daqueles jovens, mas nem uma só vez eles aparecem realmente. São os outros que se falam mas não intervêm. As personagens da série são freeter (contracção da palavra inglesa free (livre) com a palavra alemã arbeiter (trabalhador) [em japonês, pronuncia-se fulitâ], ou trabalho parcial em português. O freeter é uma situação que envolve muita gente entre os 15 e os 35 anos, e cujo emprego precário dá para comer e pouco mais. Quase todos os amigos e colegas de Nana são freeters.
O número tem um bónus especial, com algumas páginas a cores, contando uma nova história. Comprei a edição francesa na FNAC. O mercado das mangas em Portugal - pelo menos, o que eu conheço - tem edições de mangas em francês. Curioso, o mercado espanhol tem publicado mangas em castelhano, saídas já este ano de 2004, por jovens editoras de Barcelona e Valência, por exemplo, o que mostra a vitalidade deste sector das indústrias culturais no país vizinho.
A editora francesa de Nana tem um sítio, Akata, onde se obtém muita informação sobre esta e outras mangas, bem como um clube de fãs e um fórum de discussão. O primeiro volume desta história apareceu em Outubro de 2002, e projecta-se um número especial para Novembro próximo. Atenção, fãs, a esta edição.
Custo da manga: €6,19
Em 13 de Abril de 2004, coloquei um post intitulado belezas digitais. Partira de um livro de Julius Wiedemann, já editado este ano e com o título Digital beauties. 2D and 3D computer generated models. Virtual idols and characters. De entre as belezas que referenciei, escrevi sobre Nana: "tem sido apresentada como celebridade em revistas e programas de televisão [...]. Pertença da agência de modelos digitais Japan Audio Visual Workshop, sediada em Tóquio, os nomes dos criadores de Nana permanecem em segredo. Ela é uma humanóide, com 17 anos e 1,60 metros, estudante liceal. O seu sonho é ser top model, cantora e actriz, exactamente o padrão dos ídolos virtuais japoneses".
Hoje, vou falar da Nana, desenhada por Ai Yazawa, como ela aparece nas mangas (que são bandas desenhadas, revistas ou livros japoneses publicados com uma periodicidade semanal ou mensal). Isto quer dizer que o autor está, afinal, pelo menos na manga, bem identificado. Escolhi o volume 9 (a imagem conjuga a capa e a contracapa do livro).
Um estilo de vida
Nana é uma manga - que, como qualquer outra, se lê de trás para a frente - onde se fala de amor, amizade, juventude japonesa, moda e música. O presente volume retoma a história de duas jovens, Nana Komatsu e Nana Ôsaki, que se reencontram por acaso no comboio que as leva a Tóquio, e alugam um apartamento. Ambas falam do corte com os seus namorados e de novos conhecimentos masculinos. Mas tudo separa as duas raparigas, das ideias à origem social. Se Ôsaki quer que a sua banda musical Blast triunfe, após a assinatura de um contrato provisório com uma grande discográfica, e concorra com a Trapnest, Komatsu descobre que está grávida do namorado com quem rompera. A decisão de ter a criança foi difícil e o casal reencontra-se. O volume agora editado dá conta do novo equilíbrio relacional nos elementos do grupo.
Há aqui patente um fundo moral que não se encontra noutras mangas, onde o tema central é a violência. Não é um fundo moral vitoriano, mas adaptado a novos valores. Nana orienta-se para um público adolescente, não apenas nipónico mas universal. Aliás, os desenhos de Ai Yazawa mostram jovens com traços fisionómicos mais aparentados com os caucasianos que com os originais do seu país. Os encontros e desencontros e as soluções desenhadas pelos próprios intervenientes, sem a tutela dos mais velhos, dá esse ar de autonomia que os adolescentes querem.
Fala-se esporadicamente, na história de Nana, dos pais daqueles jovens, mas nem uma só vez eles aparecem realmente. São os outros que se falam mas não intervêm. As personagens da série são freeter (contracção da palavra inglesa free (livre) com a palavra alemã arbeiter (trabalhador) [em japonês, pronuncia-se fulitâ], ou trabalho parcial em português. O freeter é uma situação que envolve muita gente entre os 15 e os 35 anos, e cujo emprego precário dá para comer e pouco mais. Quase todos os amigos e colegas de Nana são freeters.
O número tem um bónus especial, com algumas páginas a cores, contando uma nova história. Comprei a edição francesa na FNAC. O mercado das mangas em Portugal - pelo menos, o que eu conheço - tem edições de mangas em francês. Curioso, o mercado espanhol tem publicado mangas em castelhano, saídas já este ano de 2004, por jovens editoras de Barcelona e Valência, por exemplo, o que mostra a vitalidade deste sector das indústrias culturais no país vizinho.
A editora francesa de Nana tem um sítio, Akata, onde se obtém muita informação sobre esta e outras mangas, bem como um clube de fãs e um fórum de discussão. O primeiro volume desta história apareceu em Outubro de 2002, e projecta-se um número especial para Novembro próximo. Atenção, fãs, a esta edição.
Custo da manga: €6,19
sexta-feira, 27 de agosto de 2004
DESTAQUE: TEXTOS QUE AQUI PUBLIQUEI SOBRE TEORIAS DA COMUNICAÇÃO, SEMIÓTICA E ESTUDOS DE RECEPÇÃO
Modelo comunicacional de Lasswell - 7 de Outubro de 2003
Teoria funcionalista - 15 de Outubro de 2003
Lazarsfeld e Merton - 25 de Outubro de 2003
Joseph Klapper - 31 de Outubro de 2003
Semiótica - 15 de Novembro de 2003 e 26 de Agosto de 2004
Livro de João Pissarra Esteves - 7 de Outubro de 2003
Telenovelas e recepção - 13 de Dezembro de 2003
Cultural studies - 20 de Janeiro de 2004
Modelo comunicacional de Lasswell - 7 de Outubro de 2003
Teoria funcionalista - 15 de Outubro de 2003
Lazarsfeld e Merton - 25 de Outubro de 2003
Joseph Klapper - 31 de Outubro de 2003
Semiótica - 15 de Novembro de 2003 e 26 de Agosto de 2004
Livro de João Pissarra Esteves - 7 de Outubro de 2003
Telenovelas e recepção - 13 de Dezembro de 2003
Cultural studies - 20 de Janeiro de 2004
EXCEPÇÃO CULTURAL
Em 25 e 27 de Abril último, escrevi neste blogue sobre excepção cultural, a propósito de posições assumidas pela nova ministra espanhola da cultura. Escrevi, no segundo destes dias, que "a aplicação da excepção cultural na União Europeia leva em conta a natureza sensível das características das suas indústrias culturais. Há a recusa de uma liberalização [ou abertura total dos mercados] dos serviços audiovisuais (cinema, rádio, televisão) ou dos serviços relacionados com bibliotecas, arquivos e museus. Isto permite à União Europeia, e em especial num momento em que se alarga a mais dez países, desenvolver políticas públicas de apoio ao sector audiovisual, tais como quotas na televisão e na rádio, ajuda financeira (para programas de produção e distribuição como o MEDIA), acordos regionais de co-produção (como o Eurimages) e a Directiva «Televisão sem Fronteiras». O artigo relacionado com o cinema permite quotas de ecrãs para exibição de filmes nacionais (o que nem sempre acontece no nosso país)".
Volto ao assunto por causa do artigo de Mario Vargas Llosa, sobre o mesmo assunto, e publicado no DNA (Diário de Notícias), faz hoje precisamente uma semana. Ele começa por relevar os dois argumentos a favor da excepção cultural: a) "que os bens e produtos culturais são distintos dos outros bens e produtos industriais e comerciais [não podendo] ser entregues, como estes últimos, às forças do mercado - à lei da oferta e da procura"; b) "os produtos culturais devem ser objecto de um cuidado especial por parte do Estado porque deles depende, de forma primordial, a identidade de um povo, ou seja, a sua alma, o seu espírito, aquilo que singulariza entre os outros e constitui o denominador comum entre os seus cidadãos".
Posições contra a excepção cultural
Passados os argumentos pró-excepção, acentua as posições contra-excepção, que constituem o resto do texto. Para Vargas Llosa, a excepção significa estarmos a "afirmar que a cultura e a liberdade são incompatíveis e que a única maneira de garantir a um país uma vida cultural rica, autêntica e da qual todos os cidadãos participem, é ressuscitando o despotismo iluminado e praticando a mais letal das doutrinas para a liberdade de um povo: o nacionalismo cultural". Ou seja, e como escreve mais à frente, a excepção cultural desemboca "apenas em que uns quantos artistas recebam os subsídios que pedem e, com o pretexto de proteger os bens culturais, os burocratas perpretem mais dissipações que as consabidas".
Sabe-se que Llosa, cidadão e escritor peruano, mas que também tem a nacionalidade espanhola e se doutorou em filosofia e letras pela Universidade Complutense de Madrid, tem como objectivo principal opor-se à posição do actual governo de Madrid, pró-excepção cultural (ver minha mensagem de 27 de Abril passado). O escritor acha que "querer acabar com o mercado para os bens culturais porque o público não sabe escolher é confundir o efeito com a causa, liquidar o mensageiro porque traz notícias que nos desgostam" e defende o "debate e mestiçagem com as outras culturas do mundo". Conclui, dizendo que "a ideia de «proteger» a cultura é por si perigosa. As culturas defendem-se sozinhas, não precisam dos funcionários para isso, por mais cultos e bem intencionados que estes sejam".
Sem deixar de vista a posição de Llosa, vale a pena salientar que, por exemplo, no cinema, a produção e distribuição americanas na Europa são tão poderosas que fica pouco espaço para as obras europeias. Nos últimos anos, apenas O fabuloso destino de Amélie, filme francês, conseguiu um enorme êxito nos Estados Unidos. E não se insurgia João Mário Grilo, ontem na Visão, ao escrever: "o ICAM parece achar possível fazerem-se, em Portugal, numa situação de mercado aberto, filmes concorrenciais com o cinema americano (que custa mil vezes mais)"?
Um país pequeno como Portugal não tem de criar mecanismos de apoio à produção, distribuição e exibição - mais a publicitação e criação de eventos? Ou deve deixar funcionar o mercado? E os gostos não se podem educar? Ou acaba-se com o ministério da Cultura?
Adenda publicada ao fim da manhã - ou a arte dormideira
Quando escrevi e publiquei esta mensagem ainda não tinha lido o texto de Mario Vargas Llosa de hoje, no DNA. O curioso é que ele voltou ao tema, com o mesmo vigor e inteligência do anterior. Até parece que me ouviu - embora isso não seja verdade, porque: 1º) não me conhece, 2º) quando escrevi, o texto dele já estava impresso. Mas podia dizer, como alguém me escrevia há algum tempo, "sincronicidades vivem acontecendo connosco".
Ora, o que diz hoje Llosa? Que "é preferível que o Estado, se tiver o propósito de promover a cultura, transfira o principal dessa tarefa para a sociedade civil, mediante políticas - como os incentivos fiscais - que estimulam o mecenato e as iniciativas culturais dos particulares. Deste modo, descentraliza-se e diversifica-se a ajuda, reduzem-se os riscos do favoritismo e de discriminação e atenua-se o efeito adormecedor para a cultura que deriva de um monopólio estatal do patrocínio cultural". Dá o exemplo dos países anglo-saxónicos, com o mecenato e as fundações. Ao lembrar o que fazia Buñuel, que "pediu ajuda económica às condessas mas não aos governos", surge com a expressão arte dormideira (retirada do surrealista peruano César Moro, nos anos de 1940): "Como a dormideira que produz o ópio e tem umas folhas abrasadoras e trepadoras, o subsídio oficial debilita e esgota por desfalecimento interno a acção criadora".
Em 25 e 27 de Abril último, escrevi neste blogue sobre excepção cultural, a propósito de posições assumidas pela nova ministra espanhola da cultura. Escrevi, no segundo destes dias, que "a aplicação da excepção cultural na União Europeia leva em conta a natureza sensível das características das suas indústrias culturais. Há a recusa de uma liberalização [ou abertura total dos mercados] dos serviços audiovisuais (cinema, rádio, televisão) ou dos serviços relacionados com bibliotecas, arquivos e museus. Isto permite à União Europeia, e em especial num momento em que se alarga a mais dez países, desenvolver políticas públicas de apoio ao sector audiovisual, tais como quotas na televisão e na rádio, ajuda financeira (para programas de produção e distribuição como o MEDIA), acordos regionais de co-produção (como o Eurimages) e a Directiva «Televisão sem Fronteiras». O artigo relacionado com o cinema permite quotas de ecrãs para exibição de filmes nacionais (o que nem sempre acontece no nosso país)".
Volto ao assunto por causa do artigo de Mario Vargas Llosa, sobre o mesmo assunto, e publicado no DNA (Diário de Notícias), faz hoje precisamente uma semana. Ele começa por relevar os dois argumentos a favor da excepção cultural: a) "que os bens e produtos culturais são distintos dos outros bens e produtos industriais e comerciais [não podendo] ser entregues, como estes últimos, às forças do mercado - à lei da oferta e da procura"; b) "os produtos culturais devem ser objecto de um cuidado especial por parte do Estado porque deles depende, de forma primordial, a identidade de um povo, ou seja, a sua alma, o seu espírito, aquilo que singulariza entre os outros e constitui o denominador comum entre os seus cidadãos".
Posições contra a excepção cultural
Passados os argumentos pró-excepção, acentua as posições contra-excepção, que constituem o resto do texto. Para Vargas Llosa, a excepção significa estarmos a "afirmar que a cultura e a liberdade são incompatíveis e que a única maneira de garantir a um país uma vida cultural rica, autêntica e da qual todos os cidadãos participem, é ressuscitando o despotismo iluminado e praticando a mais letal das doutrinas para a liberdade de um povo: o nacionalismo cultural". Ou seja, e como escreve mais à frente, a excepção cultural desemboca "apenas em que uns quantos artistas recebam os subsídios que pedem e, com o pretexto de proteger os bens culturais, os burocratas perpretem mais dissipações que as consabidas".
Sabe-se que Llosa, cidadão e escritor peruano, mas que também tem a nacionalidade espanhola e se doutorou em filosofia e letras pela Universidade Complutense de Madrid, tem como objectivo principal opor-se à posição do actual governo de Madrid, pró-excepção cultural (ver minha mensagem de 27 de Abril passado). O escritor acha que "querer acabar com o mercado para os bens culturais porque o público não sabe escolher é confundir o efeito com a causa, liquidar o mensageiro porque traz notícias que nos desgostam" e defende o "debate e mestiçagem com as outras culturas do mundo". Conclui, dizendo que "a ideia de «proteger» a cultura é por si perigosa. As culturas defendem-se sozinhas, não precisam dos funcionários para isso, por mais cultos e bem intencionados que estes sejam".
Sem deixar de vista a posição de Llosa, vale a pena salientar que, por exemplo, no cinema, a produção e distribuição americanas na Europa são tão poderosas que fica pouco espaço para as obras europeias. Nos últimos anos, apenas O fabuloso destino de Amélie, filme francês, conseguiu um enorme êxito nos Estados Unidos. E não se insurgia João Mário Grilo, ontem na Visão, ao escrever: "o ICAM parece achar possível fazerem-se, em Portugal, numa situação de mercado aberto, filmes concorrenciais com o cinema americano (que custa mil vezes mais)"?
Um país pequeno como Portugal não tem de criar mecanismos de apoio à produção, distribuição e exibição - mais a publicitação e criação de eventos? Ou deve deixar funcionar o mercado? E os gostos não se podem educar? Ou acaba-se com o ministério da Cultura?
Adenda publicada ao fim da manhã - ou a arte dormideira
Quando escrevi e publiquei esta mensagem ainda não tinha lido o texto de Mario Vargas Llosa de hoje, no DNA. O curioso é que ele voltou ao tema, com o mesmo vigor e inteligência do anterior. Até parece que me ouviu - embora isso não seja verdade, porque: 1º) não me conhece, 2º) quando escrevi, o texto dele já estava impresso. Mas podia dizer, como alguém me escrevia há algum tempo, "sincronicidades vivem acontecendo connosco".
Ora, o que diz hoje Llosa? Que "é preferível que o Estado, se tiver o propósito de promover a cultura, transfira o principal dessa tarefa para a sociedade civil, mediante políticas - como os incentivos fiscais - que estimulam o mecenato e as iniciativas culturais dos particulares. Deste modo, descentraliza-se e diversifica-se a ajuda, reduzem-se os riscos do favoritismo e de discriminação e atenua-se o efeito adormecedor para a cultura que deriva de um monopólio estatal do patrocínio cultural". Dá o exemplo dos países anglo-saxónicos, com o mecenato e as fundações. Ao lembrar o que fazia Buñuel, que "pediu ajuda económica às condessas mas não aos governos", surge com a expressão arte dormideira (retirada do surrealista peruano César Moro, nos anos de 1940): "Como a dormideira que produz o ópio e tem umas folhas abrasadoras e trepadoras, o subsídio oficial debilita e esgota por desfalecimento interno a acção criadora".
quinta-feira, 26 de agosto de 2004
PASTÉIS DE NATA
Perguntarão: que têm a ver pastéis de nata com indústrias culturais? Nada. Porém, têm tudo a ver com as indústrias culturais. Primeiro, porque são gostosos, e, depois, porque fomentam formas de levar a cultura gastronómica para longe da sua região de origem e alargam o turismo, uma indústria cultural aqui pouco trabalhada. Finalmente, porque a revista Visão dedica a parte inferior da sua capa da edição de hoje à Aventura do pastel de nata português no mundo.
Tudo terá começado aqui, em Belém, Lisboa, em 1837, como o comprovam os guarda-sóis colocados no topo das portas de entrada da loja (ver a fotografia).
Para Macau, antiga colónia portuguesa na China, levou a receita um inglês, de nome Andrew Stow, antigo farmacêutico, chamando ao pastel de nata portuguese custard egg tart (tarte de creme de ovo portuguesa). É um sucesso, abrindo lojas pelo subcontinente chinês (as Lord Stow's) com os bons pastéis de nata. Mas também no Japão, onde o portuguese egg tart custa €3 cada um. Já em Londres, o negócio do pastel de nata é desenvolvido por portugueses ali emigrados. Um dos empresários diz mesmo que a nata é o produto mais conhecido na capital inglesa. E também há pastéis de nata nos Estados Unidos. Era numa das lojas de José Alberto Carloto e Arminda Carloto que Amália Rodrigues, quando se deslocava aquele país, costumava deliciar-se com esses bolos.
Confesso-me um fã dos pastéis de nata. Só que eles representam dois problemas: engordam (coisa que definitivamente não entra em mim) e aumentam o colesterol (coisa que definitivamente entra em mim). Resultado: quando fechar este blogue, por falta de matéria, vou abrir uma fábrica de pastéis de nata, um negócio doce e de futuro. Obrigado, revista Visão, por me ter dado uma pista profissional.
Destaco na mesma edição da revista, o longo artigo sobre os filmes de Charlot, em exibição agora em cópias novas, e a coluna de João Mário Grilo. Escrevendo sobre o cinema e a situação na Cultura, assim como a nova lei do cinema (que acha que não vale nada), o articulista quase que conclui do seguinte jeito: "A programação da RTP é uma sequência imparável de enlatados, concursos e talk-shows (iguais aos outros), com níveis de produção ridículos, sobretudo considerando - medidas todas as «milagrosas recuperações» - tudo o que a empresa continua a custar". Isto depois de referir que não sabe se prefere uma empresa grandemente deficitária (a situação anterior da RTP) ou uma televisão "grandemente insignificante". Pior comentário do que este acho que não há!
Perguntarão: que têm a ver pastéis de nata com indústrias culturais? Nada. Porém, têm tudo a ver com as indústrias culturais. Primeiro, porque são gostosos, e, depois, porque fomentam formas de levar a cultura gastronómica para longe da sua região de origem e alargam o turismo, uma indústria cultural aqui pouco trabalhada. Finalmente, porque a revista Visão dedica a parte inferior da sua capa da edição de hoje à Aventura do pastel de nata português no mundo.
Tudo terá começado aqui, em Belém, Lisboa, em 1837, como o comprovam os guarda-sóis colocados no topo das portas de entrada da loja (ver a fotografia).
Para Macau, antiga colónia portuguesa na China, levou a receita um inglês, de nome Andrew Stow, antigo farmacêutico, chamando ao pastel de nata portuguese custard egg tart (tarte de creme de ovo portuguesa). É um sucesso, abrindo lojas pelo subcontinente chinês (as Lord Stow's) com os bons pastéis de nata. Mas também no Japão, onde o portuguese egg tart custa €3 cada um. Já em Londres, o negócio do pastel de nata é desenvolvido por portugueses ali emigrados. Um dos empresários diz mesmo que a nata é o produto mais conhecido na capital inglesa. E também há pastéis de nata nos Estados Unidos. Era numa das lojas de José Alberto Carloto e Arminda Carloto que Amália Rodrigues, quando se deslocava aquele país, costumava deliciar-se com esses bolos.
Confesso-me um fã dos pastéis de nata. Só que eles representam dois problemas: engordam (coisa que definitivamente não entra em mim) e aumentam o colesterol (coisa que definitivamente entra em mim). Resultado: quando fechar este blogue, por falta de matéria, vou abrir uma fábrica de pastéis de nata, um negócio doce e de futuro. Obrigado, revista Visão, por me ter dado uma pista profissional.
Destaco na mesma edição da revista, o longo artigo sobre os filmes de Charlot, em exibição agora em cópias novas, e a coluna de João Mário Grilo. Escrevendo sobre o cinema e a situação na Cultura, assim como a nova lei do cinema (que acha que não vale nada), o articulista quase que conclui do seguinte jeito: "A programação da RTP é uma sequência imparável de enlatados, concursos e talk-shows (iguais aos outros), com níveis de produção ridículos, sobretudo considerando - medidas todas as «milagrosas recuperações» - tudo o que a empresa continua a custar". Isto depois de referir que não sabe se prefere uma empresa grandemente deficitária (a situação anterior da RTP) ou uma televisão "grandemente insignificante". Pior comentário do que este acho que não há!
10 MIL VISITANTES NESTE BLOGUE
Instalado o Sitemeter em Março de 2004, o contador do Indústrias Culturais (I.C.) chegou hoje aos 10 mil visitantes. Reinstalado o Extreme Tracking desde há duas semanas, por países o Brasil visitou o blogue 57% enquanto Portugal se ficou pelos 34,6% [os dados do Extreme Tracking, porque menos alargados no tempo, são menos fiáveis que o número do Sitemeter, mas constituem bons indicadores]. Dos blogues com apontadores ou identificadores de colocação de mensagens, os que deram mais ligações ao I.C. são, por ordem decrescente: A Rádio em Portugal, Melga, Frescos: uma Janela para a Blogosfera, Jornalismo e Comunicação e Intermezzo (este do Brasil). Aos seus gestores, envio um caloroso abraço de amizade. Dos textos mais procurados através do Google, e depois de indústrias culturais a palavra mais pesquisada está associada a semiótica (signo, símbolo, índice) - por isso, dedico um texto especial sobre esta matéria, hoje dia 26. O blogue teve visitas do Japão, Singapura, Emirados Árabes Unidos, Índia, Rússia - mas creio que por engano. Ler português naqueles países parece-me estranho ou difícil.
No começo de Agosto, alterei o layout do I.C. e fiz link do meu blogue anterior - Teorias da Comunicação para o Indústrias Culturais, colocando aqui os principais textos do blogue inicial (que serviu de apoio aos meus alunos da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, nos dois anos lectivos em que leccionei a cadeira; agora, preparo-me para outras matérias, que começam no próximo dia 15). Foi quando fiz a ligação do blogue Teorias da Comunicação para o I.C. que, por inépcia, perdi o controlo do Extreme Tracking, obrigando-me a recomeçar a contagem.
A todos os que visitam o blogue - regular ou acidentalmente - o meu muito obrigado. Continuem a ler-me e enviem sugestões para o meu endereço electrónico.
Instalado o Sitemeter em Março de 2004, o contador do Indústrias Culturais (I.C.) chegou hoje aos 10 mil visitantes. Reinstalado o Extreme Tracking desde há duas semanas, por países o Brasil visitou o blogue 57% enquanto Portugal se ficou pelos 34,6% [os dados do Extreme Tracking, porque menos alargados no tempo, são menos fiáveis que o número do Sitemeter, mas constituem bons indicadores]. Dos blogues com apontadores ou identificadores de colocação de mensagens, os que deram mais ligações ao I.C. são, por ordem decrescente: A Rádio em Portugal, Melga, Frescos: uma Janela para a Blogosfera, Jornalismo e Comunicação e Intermezzo (este do Brasil). Aos seus gestores, envio um caloroso abraço de amizade. Dos textos mais procurados através do Google, e depois de indústrias culturais a palavra mais pesquisada está associada a semiótica (signo, símbolo, índice) - por isso, dedico um texto especial sobre esta matéria, hoje dia 26. O blogue teve visitas do Japão, Singapura, Emirados Árabes Unidos, Índia, Rússia - mas creio que por engano. Ler português naqueles países parece-me estranho ou difícil.
No começo de Agosto, alterei o layout do I.C. e fiz link do meu blogue anterior - Teorias da Comunicação para o Indústrias Culturais, colocando aqui os principais textos do blogue inicial (que serviu de apoio aos meus alunos da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, nos dois anos lectivos em que leccionei a cadeira; agora, preparo-me para outras matérias, que começam no próximo dia 15). Foi quando fiz a ligação do blogue Teorias da Comunicação para o I.C. que, por inépcia, perdi o controlo do Extreme Tracking, obrigando-me a recomeçar a contagem.
A todos os que visitam o blogue - regular ou acidentalmente - o meu muito obrigado. Continuem a ler-me e enviem sugestões para o meu endereço electrónico.
SEMIÓTICA E INDÚSTRIAS CULTURAIS
A semiótica é um movimento de pensamento que se pode qualificar de europeu e mesmo continental pois as suas raízes são francesas e italianas e ilustram a distância perante o modelo funcionalista de Lazarsfeld, muito experimental e pouco crítico. A semiótica aponta três caminhos na pesquisa: 1) desenvolve-se no interior de uma teoria da linguagem cuja ambição se torna global, 2) reintroduz, ainda nos anos de 1960, a questão da ideologia, 3) permanece equidistante das teorias dos efeitos e manifesta um fascínio pelo modelo das ciências exactas.
A linguística de Ferdinand de Saussure formulada no começo do séc. XX é o ponto de partida de uma rica tradição de pesquisa sobre o funcionamento da linguagem verbal e escrita. Concebe-se a linguagem como exterior aos homens e autónoma, mas sendo o produto da sociedade que leva os homens a exprimirem-se através dela. A linguística apoia-se na teoria do signo. Este é tudo o que tem sentido, palavra, frase, imagem, objecto que a dota de um significado. Em Saussure, a linguística é uma parte da ciência geral do signo – a semiologia, a qual inclui a análise da imagem e dos signos auditivos.
Depois, nos anos de 1960-1970, a semiologia da comunicação e massa constitui-se também como ciência dos signos num modelo linguístico que se estende a todos os suportes mediáticos (cinema, televisão, banda desenhada) e a todos os sistemas de signos (das imagens aos produtos de consumo como o vestuário e a alimentação) com a distinção entre significado e significante e entre denotação e conotação.
Para autores como Roland Barthes e Umberto Eco, vindos do campo literário, o fenómeno permite descrever o universo social no qual estamos mergulhados.
Barthes, na Retórica da imagem (1964) [integrado na edição portuguesa de O óbvio e o obtuso, 1984], desconstroi a publicidade visual que mostra uma fotografia repleta de frutos e legumes junto a uma caixa de conservas Panzani, envolta nas cores da bandeira italiana. Ela pode ser descodificada como um texto conotando a ruralidade e a autenticidade – os produtos frescos comprados no mercado – assim como nomeia a “italianidade” – as cores da bandeira confirmam a origem do produto e a convivencialidade suposta dos italianos – conotações apreciadas pelos compradores. Depois, as crónicas das Mitologias (1957) detalham as múltiplas dimensões da publicidade.
Umberto Eco também descreve os produtos de massa como estruturalmente conservadores, figurando quer um universo estável onde reina a ordem, quer um universo abalado onde a ordem se estabelece através de meios legais ou ilegais. É esclarecedora a análise a James Bond dos livros de Ian Fleming (James Bond: une combinatoire narrative, 1966). Ele desenvolve um sistema de oposições (à Propp ou à Lévi-Strauss) entre um herói masculino, branco, anglo-saxão, e os adversários soviéticos, mediterrânicos, asiáticos, judeus – a parte feminina divide-se entre a aliada deserotizada (Miss Moneypenny) ou a rival sexualmente conquistada e sancionada pela morte.
Assim, podemos aplicar a semiótica aos estudos das indústrias culturais, nomeadamente o cinema, a banda desenhada e a edição de livros e jornais. Também a moda é um campo de interesse na semiótica, como aliás o próprio Barthes fez, escrevendo o Sistema da moda.
Leitura: Éric Maigret (2003). Sociologie de la communication et des médias. Paris: Armand Collin, pp. 113-118
A semiótica é um movimento de pensamento que se pode qualificar de europeu e mesmo continental pois as suas raízes são francesas e italianas e ilustram a distância perante o modelo funcionalista de Lazarsfeld, muito experimental e pouco crítico. A semiótica aponta três caminhos na pesquisa: 1) desenvolve-se no interior de uma teoria da linguagem cuja ambição se torna global, 2) reintroduz, ainda nos anos de 1960, a questão da ideologia, 3) permanece equidistante das teorias dos efeitos e manifesta um fascínio pelo modelo das ciências exactas.
A linguística de Ferdinand de Saussure formulada no começo do séc. XX é o ponto de partida de uma rica tradição de pesquisa sobre o funcionamento da linguagem verbal e escrita. Concebe-se a linguagem como exterior aos homens e autónoma, mas sendo o produto da sociedade que leva os homens a exprimirem-se através dela. A linguística apoia-se na teoria do signo. Este é tudo o que tem sentido, palavra, frase, imagem, objecto que a dota de um significado. Em Saussure, a linguística é uma parte da ciência geral do signo – a semiologia, a qual inclui a análise da imagem e dos signos auditivos.
Depois, nos anos de 1960-1970, a semiologia da comunicação e massa constitui-se também como ciência dos signos num modelo linguístico que se estende a todos os suportes mediáticos (cinema, televisão, banda desenhada) e a todos os sistemas de signos (das imagens aos produtos de consumo como o vestuário e a alimentação) com a distinção entre significado e significante e entre denotação e conotação.
Para autores como Roland Barthes e Umberto Eco, vindos do campo literário, o fenómeno permite descrever o universo social no qual estamos mergulhados.
Barthes, na Retórica da imagem (1964) [integrado na edição portuguesa de O óbvio e o obtuso, 1984], desconstroi a publicidade visual que mostra uma fotografia repleta de frutos e legumes junto a uma caixa de conservas Panzani, envolta nas cores da bandeira italiana. Ela pode ser descodificada como um texto conotando a ruralidade e a autenticidade – os produtos frescos comprados no mercado – assim como nomeia a “italianidade” – as cores da bandeira confirmam a origem do produto e a convivencialidade suposta dos italianos – conotações apreciadas pelos compradores. Depois, as crónicas das Mitologias (1957) detalham as múltiplas dimensões da publicidade.
Umberto Eco também descreve os produtos de massa como estruturalmente conservadores, figurando quer um universo estável onde reina a ordem, quer um universo abalado onde a ordem se estabelece através de meios legais ou ilegais. É esclarecedora a análise a James Bond dos livros de Ian Fleming (James Bond: une combinatoire narrative, 1966). Ele desenvolve um sistema de oposições (à Propp ou à Lévi-Strauss) entre um herói masculino, branco, anglo-saxão, e os adversários soviéticos, mediterrânicos, asiáticos, judeus – a parte feminina divide-se entre a aliada deserotizada (Miss Moneypenny) ou a rival sexualmente conquistada e sancionada pela morte.
Assim, podemos aplicar a semiótica aos estudos das indústrias culturais, nomeadamente o cinema, a banda desenhada e a edição de livros e jornais. Também a moda é um campo de interesse na semiótica, como aliás o próprio Barthes fez, escrevendo o Sistema da moda.
Leitura: Éric Maigret (2003). Sociologie de la communication et des médias. Paris: Armand Collin, pp. 113-118
quarta-feira, 25 de agosto de 2004
BLOGUES COBREM A CONVENÇÃO REPUBLICANA
Segundo Carlos Castilho, em texto editado no sítio do Observatório da Imprensa (Brasil), a "convenção do Partido Republicano em Nova York, na segunda-feira (30/8), pode ser o teste definitivo para o que alguns observadores da mídia americana (media watchers) chamaram de «adoção dos webloggers» pela grande imprensa".
Será a segunda vez que um grupo de blogues "recebe credenciais para cobrir o grande show das convenções nacionais dos principais partidos americanos", continua o texto do jornalista e pesquisador de media electrónicos. Em Julho, o Partido Democrata conquistara "as manchetes de jornais ao credenciar 35 blogueiros em meio a um forte ceticismo da grande imprensa, que torceu o nariz ao constatar que teria que dividir espaço com professores de jornalismo, repórteres free-lancers e amadores que nunca entraram numa redação – como Natasha Silver, uma dona-de-casa de 29 anos de Seattle, responsável pelo weblog Pacific Views".
Regista-se toda uma mudança na forma de escrever e publicar nos media. Será que os (próximos e, penso que, interessantes) congressos dos partidos políticos portugueses também vão abrir-se a esta era dos blogues?
Segundo Carlos Castilho, em texto editado no sítio do Observatório da Imprensa (Brasil), a "convenção do Partido Republicano em Nova York, na segunda-feira (30/8), pode ser o teste definitivo para o que alguns observadores da mídia americana (media watchers) chamaram de «adoção dos webloggers» pela grande imprensa".
Será a segunda vez que um grupo de blogues "recebe credenciais para cobrir o grande show das convenções nacionais dos principais partidos americanos", continua o texto do jornalista e pesquisador de media electrónicos. Em Julho, o Partido Democrata conquistara "as manchetes de jornais ao credenciar 35 blogueiros em meio a um forte ceticismo da grande imprensa, que torceu o nariz ao constatar que teria que dividir espaço com professores de jornalismo, repórteres free-lancers e amadores que nunca entraram numa redação – como Natasha Silver, uma dona-de-casa de 29 anos de Seattle, responsável pelo weblog Pacific Views".
Regista-se toda uma mudança na forma de escrever e publicar nos media. Será que os (próximos e, penso que, interessantes) congressos dos partidos políticos portugueses também vão abrir-se a esta era dos blogues?
ARTIGO DE FILOMENA MÓNICA
Considero de excepcional interesse o artigo de Maria Filomena Mónica, no Público de hoje. O título é expressivo, como se pode ler desta quase metade da página que digitalizei.
É óbvio que a historiadora fala do Zé Maria, mas também de uma Nadia Almada, portuguesa da Madeira que ganhou, este mês, o 5º concurso do Big Brother no Reino Unido! Filomena Mónica é demolidora. Ela escreve: "Há muitas coisas - a arte dentária, a pílula, o Amazon, os antibióticos, os CD - que revelam o progresso ocorrido ao longo das décadas. Os programas de televisão não se encontram entre elas". Descontando o mau feitio e o ar aristocrata que parecem ser as imagens de marca da autora - e a escrita perorativa, ao enunciar: "quero afirmar bem alto que desprezo a televisão do século XXI, vulgar, cínica, banal, vácua, imbecil e indigente" -, Filomena Mónica toca alguns pontos em que estou totalmente em acordo. E que ela escreve bem melhor do que eu.
A portugeezer que ganhou o BB do Reino Unido conseguiu-o porque os tablóides torceram por ela. A autora do texto aqui referido escreve que viu o episódio da vitória da Nadia (Canal 4 inglês), porque se "apercebera de que aquela mulher, com um grande par de mamas, tinha hipóteses de ganhar, o que aconteceu, com a maior percentagem de votos de sempre (74 por cento). No dia seguinte, os tablóides embandeiravam em arco, atribuindo a vitória, que também era sua, à genuidade, sinceridade e prazer de viver da madeirense. Só então me apercebi que se tratava de uma transexual, coisa que os telespectadores sabiam desde o início, mas que os habitantes da «casa» desconheciam".
Mais à frente, e é o que me interessa mais, a polémica articulista escreve: "O Zé Maria e a Nadia têm características semelhantes. Não foram escolhidos por serem bonitos, espertos ou engraçados. Ao contrário, ganharam por serem um pobre diabo e uma aberração da natureza. Há quem diga, para usar o jargão sociológico, que existe um «fenómeno identitário» entre o público do programa e os concorrentes, do tipo aquela é igual à minha filha, o malandro é parecido com o meu filho, a outra, a parva, é semelhante à minha vizinha. Penso que, mais do que tal fenómeno, o êxito do Big Brother deriva da piedade, no que este sentimento pode ter de negativo. Por muito mal que viva, por muito que o destino lhe tenha pregado partidas, o público fica a saber que há, no mundo, seres com vidas piores do que a sua".
Para uma leitura completa aconselho a compra do jornal. Vale a pena!
Considero de excepcional interesse o artigo de Maria Filomena Mónica, no Público de hoje. O título é expressivo, como se pode ler desta quase metade da página que digitalizei.
É óbvio que a historiadora fala do Zé Maria, mas também de uma Nadia Almada, portuguesa da Madeira que ganhou, este mês, o 5º concurso do Big Brother no Reino Unido! Filomena Mónica é demolidora. Ela escreve: "Há muitas coisas - a arte dentária, a pílula, o Amazon, os antibióticos, os CD - que revelam o progresso ocorrido ao longo das décadas. Os programas de televisão não se encontram entre elas". Descontando o mau feitio e o ar aristocrata que parecem ser as imagens de marca da autora - e a escrita perorativa, ao enunciar: "quero afirmar bem alto que desprezo a televisão do século XXI, vulgar, cínica, banal, vácua, imbecil e indigente" -, Filomena Mónica toca alguns pontos em que estou totalmente em acordo. E que ela escreve bem melhor do que eu.
A portugeezer que ganhou o BB do Reino Unido conseguiu-o porque os tablóides torceram por ela. A autora do texto aqui referido escreve que viu o episódio da vitória da Nadia (Canal 4 inglês), porque se "apercebera de que aquela mulher, com um grande par de mamas, tinha hipóteses de ganhar, o que aconteceu, com a maior percentagem de votos de sempre (74 por cento). No dia seguinte, os tablóides embandeiravam em arco, atribuindo a vitória, que também era sua, à genuidade, sinceridade e prazer de viver da madeirense. Só então me apercebi que se tratava de uma transexual, coisa que os telespectadores sabiam desde o início, mas que os habitantes da «casa» desconheciam".
Mais à frente, e é o que me interessa mais, a polémica articulista escreve: "O Zé Maria e a Nadia têm características semelhantes. Não foram escolhidos por serem bonitos, espertos ou engraçados. Ao contrário, ganharam por serem um pobre diabo e uma aberração da natureza. Há quem diga, para usar o jargão sociológico, que existe um «fenómeno identitário» entre o público do programa e os concorrentes, do tipo aquela é igual à minha filha, o malandro é parecido com o meu filho, a outra, a parva, é semelhante à minha vizinha. Penso que, mais do que tal fenómeno, o êxito do Big Brother deriva da piedade, no que este sentimento pode ter de negativo. Por muito mal que viva, por muito que o destino lhe tenha pregado partidas, o público fica a saber que há, no mundo, seres com vidas piores do que a sua".
Para uma leitura completa aconselho a compra do jornal. Vale a pena!
AINDA SOBRE O BIG BROTHER (II)
[continuação da mensagem de ontem]
O anti-elitismo
Num discurso sobre o futuro da televisão real (25 de Fevereiro de 2002), Gary Carter, figura central da distribuição do programa BB, da Endemol, explicou o sucesso do formato. Para ele, a atitude pública da televisão mudara em duas gerações. O meio deixara de ser aceite como uma fonte inquestionável de autoridade para passar a ser escrutinada por uma envolvente mais crítica e inteligente. No começo da televisão, as pessoas julgaram-na ser o reflexo da realidade objectiva. Um locutor da RTP não era apenas um homem na televisão mas o homem da televisão. A geração seguinte, que nasceu já com a televisão, passou a encará-la como parte de uma cultura em vez do simples reflexo da realidade. Passou a haver mesmo estórias da televisão sobre a televisão, como hoje podemos constatar nas páginas dos media dedicadas a notícias e estudos sobre os próprios media.
A geração mais jovem vive num ambiente multimedia de elevada tecnologia, em que o homem da televisão é somente um elemento. Essa geração não tem a atitude de respeito como tinham os pais ou os avós e sabem que o noticiário, a reportagem ou o documentário são subjectivos e apresentam sempre um certo tipo de tendência.
Na ausência de um quadro de referência do mundo real, os canais de televisão não exercem directamente a autoridade o que leva os programadores a encontrar outras formas de ligar às audiências. A solução, para o dirigente da Endemol, seria encontrar modos de dar maior controlo às audiências sobre o que elas vêem – daí a marca de democracia conferida à televisão do real. Dar às pessoas uma maneira de interagir directamente com os programas de televisão transforma o modo de relacionamento com o meio (Cummings, 2002: xiv). Os espectadores usam a internet e o telefone (fixo e móvel) para ver e interferir no decurso do programa. Não aceitam, procuram construir um caminho. Ou, se quisermos, como acontece com alguns e-books, a narrativa é aleatoriamente construída com a ajuda e as sugestões vindas pelo correio electrónico. Ou como nas telenovelas, em que os argumentistas estão sempre atentos ao que a audiência quer, de modo a estória acompanhar essa escolha.
Observação
Para concluir a mensagem, quero dedicar algumas linhas aos títulos e/ou artigos surgidos nos media impressos, a propósito de Zé Maria. Enquanto a imprensa de referência se manteve circunspecta e com análises sociológicas, ouvindo intervenientes como o patrão da Endemol em Portugal (empresa proprietária do BB) e a apresentadora Teresa Guilherme (que deixou de fazer o programa e se prepara para regressar à televisão pública), a imprensa de televisão e cor-de-rosa seguiu um registo mais individual. Aí aparecem a Marta e a Susana da primeira edição portuguesa do BB: a primeira compreende a angústia dele, a segunda (por quem o Zé Maria manifestara apreço sentimental) lamentou-se não ter atendido o telefonema dele, pois o ajudaria. Numa revista, lia-se que tudo aconteceu porque a namorada o abandonou.
Temos aqui uma narrativa mais perto da novela, com vários intervenientes com sugestões ou pistas para a compreensão do caso. Ao fim e ao cabo – se o Zé Maria está doente, e eu inclino-me para tal, e não para um golpe publicitário – muita da imprensa que “idealizou” o Zé Maria, para que se vendessem as revistas onde se falava no herói do povo, agora transformou-se em imprensa vampiresca para vender mais notícias sobre o já ex-herói. A cereja no bolo é quando um jornal popular imprime um título a dizer que o Zé Maria proibia a imprensa de dar mais notícias sobre ele. Caricato, não?
Leitura: Dolan Cummings, Bernard Clark, Victoria Mapplebeck, Christopher Dunkley e Graham Barnfield (2002). Reality TV: how real is real? Londres: Hodder & Stoughton
[continuação da mensagem de ontem]
O anti-elitismo
Num discurso sobre o futuro da televisão real (25 de Fevereiro de 2002), Gary Carter, figura central da distribuição do programa BB, da Endemol, explicou o sucesso do formato. Para ele, a atitude pública da televisão mudara em duas gerações. O meio deixara de ser aceite como uma fonte inquestionável de autoridade para passar a ser escrutinada por uma envolvente mais crítica e inteligente. No começo da televisão, as pessoas julgaram-na ser o reflexo da realidade objectiva. Um locutor da RTP não era apenas um homem na televisão mas o homem da televisão. A geração seguinte, que nasceu já com a televisão, passou a encará-la como parte de uma cultura em vez do simples reflexo da realidade. Passou a haver mesmo estórias da televisão sobre a televisão, como hoje podemos constatar nas páginas dos media dedicadas a notícias e estudos sobre os próprios media.
A geração mais jovem vive num ambiente multimedia de elevada tecnologia, em que o homem da televisão é somente um elemento. Essa geração não tem a atitude de respeito como tinham os pais ou os avós e sabem que o noticiário, a reportagem ou o documentário são subjectivos e apresentam sempre um certo tipo de tendência.
Na ausência de um quadro de referência do mundo real, os canais de televisão não exercem directamente a autoridade o que leva os programadores a encontrar outras formas de ligar às audiências. A solução, para o dirigente da Endemol, seria encontrar modos de dar maior controlo às audiências sobre o que elas vêem – daí a marca de democracia conferida à televisão do real. Dar às pessoas uma maneira de interagir directamente com os programas de televisão transforma o modo de relacionamento com o meio (Cummings, 2002: xiv). Os espectadores usam a internet e o telefone (fixo e móvel) para ver e interferir no decurso do programa. Não aceitam, procuram construir um caminho. Ou, se quisermos, como acontece com alguns e-books, a narrativa é aleatoriamente construída com a ajuda e as sugestões vindas pelo correio electrónico. Ou como nas telenovelas, em que os argumentistas estão sempre atentos ao que a audiência quer, de modo a estória acompanhar essa escolha.
Observação
Para concluir a mensagem, quero dedicar algumas linhas aos títulos e/ou artigos surgidos nos media impressos, a propósito de Zé Maria. Enquanto a imprensa de referência se manteve circunspecta e com análises sociológicas, ouvindo intervenientes como o patrão da Endemol em Portugal (empresa proprietária do BB) e a apresentadora Teresa Guilherme (que deixou de fazer o programa e se prepara para regressar à televisão pública), a imprensa de televisão e cor-de-rosa seguiu um registo mais individual. Aí aparecem a Marta e a Susana da primeira edição portuguesa do BB: a primeira compreende a angústia dele, a segunda (por quem o Zé Maria manifestara apreço sentimental) lamentou-se não ter atendido o telefonema dele, pois o ajudaria. Numa revista, lia-se que tudo aconteceu porque a namorada o abandonou.
Temos aqui uma narrativa mais perto da novela, com vários intervenientes com sugestões ou pistas para a compreensão do caso. Ao fim e ao cabo – se o Zé Maria está doente, e eu inclino-me para tal, e não para um golpe publicitário – muita da imprensa que “idealizou” o Zé Maria, para que se vendessem as revistas onde se falava no herói do povo, agora transformou-se em imprensa vampiresca para vender mais notícias sobre o já ex-herói. A cereja no bolo é quando um jornal popular imprime um título a dizer que o Zé Maria proibia a imprensa de dar mais notícias sobre ele. Caricato, não?
Leitura: Dolan Cummings, Bernard Clark, Victoria Mapplebeck, Christopher Dunkley e Graham Barnfield (2002). Reality TV: how real is real? Londres: Hodder & Stoughton
terça-feira, 24 de agosto de 2004
TAMBÉM ME RENDI À WANDA
Vi ontem o filme de Barbara Loden, realizado em 1970. Filme seco e duro, mostra Wanda, uma "mulher lenta", como diz o gerente de uma fábrica de confecções para lhe negar a admissão ao emprego. Mulher passiva, como li na imprensa de fim-de-semana e que Eduardo Prado Coelho, na sua coluna diária no Público, retomaria nesta mesma segunda-feira.
Mas quem fez Wanda? Como a realizadora não é conhecida, todo o mundo acrescenta, como se fosse um novo nome no bilhete de identidade: mulher de Elia Kazan. E na folha volante, distribuída no cinema King, pode ler-se: "Alguns dariam a obra inteira de Elia Kazan pelo único filme realizado pela mulher Barbara Loden. WANDA (1970) continua a ser um filme desconhecido apesar de oferecer o retrato mais perturbador do cinema dos anos 70, com as mulheres sob a influência de Cassavetes. É um tiro sobre o romantismo glamorouso de Hollywood, um negativo violento de todos os Bonnie and Clyde do mundo. a personagem de Wanda permanece uma figura magnífica" (Stéphane Delorme, Cahiers du Cinéma).
Acrescentaria eu: vê-se uma América sórdida, suja, um ambiente deprimente como que saído da Depressão de 1929, com a loucura ou a ausência de perspectivas a rondar as pessoas. Mas o filme é mais moderno que esse final dos anos loucos; ele aproxima-se dos anos da guerra do Vietname. Escritora do filme, realizadora e intérprete, Barbara Loden nasceu em Orion, na Carolina do Norte, foi viver para Nova Iorque, teve aulas de representação e acabou por entrar em Wild River (1960), de Kazan, a que se seguiu Esplendor na relva (1961), dirigido pelo mesmo Kazan.
Há quem encontre neste filme solitário de Barbara Loden (1932-1980) a sua autobiografia: a de mulher apagada diante do génio de Kazan e das suas polémicas políticas e estéticas. Além disso, Loden faleceria cedo, aos 48 anos, vítima de cancro. Por mim, Wanda virou filme de culto.
Mais leituras: clicar no sítio Objectif Cinéma.
Vi ontem o filme de Barbara Loden, realizado em 1970. Filme seco e duro, mostra Wanda, uma "mulher lenta", como diz o gerente de uma fábrica de confecções para lhe negar a admissão ao emprego. Mulher passiva, como li na imprensa de fim-de-semana e que Eduardo Prado Coelho, na sua coluna diária no Público, retomaria nesta mesma segunda-feira.
Mas quem fez Wanda? Como a realizadora não é conhecida, todo o mundo acrescenta, como se fosse um novo nome no bilhete de identidade: mulher de Elia Kazan. E na folha volante, distribuída no cinema King, pode ler-se: "Alguns dariam a obra inteira de Elia Kazan pelo único filme realizado pela mulher Barbara Loden. WANDA (1970) continua a ser um filme desconhecido apesar de oferecer o retrato mais perturbador do cinema dos anos 70, com as mulheres sob a influência de Cassavetes. É um tiro sobre o romantismo glamorouso de Hollywood, um negativo violento de todos os Bonnie and Clyde do mundo. a personagem de Wanda permanece uma figura magnífica" (Stéphane Delorme, Cahiers du Cinéma).
Acrescentaria eu: vê-se uma América sórdida, suja, um ambiente deprimente como que saído da Depressão de 1929, com a loucura ou a ausência de perspectivas a rondar as pessoas. Mas o filme é mais moderno que esse final dos anos loucos; ele aproxima-se dos anos da guerra do Vietname. Escritora do filme, realizadora e intérprete, Barbara Loden nasceu em Orion, na Carolina do Norte, foi viver para Nova Iorque, teve aulas de representação e acabou por entrar em Wild River (1960), de Kazan, a que se seguiu Esplendor na relva (1961), dirigido pelo mesmo Kazan.
Há quem encontre neste filme solitário de Barbara Loden (1932-1980) a sua autobiografia: a de mulher apagada diante do génio de Kazan e das suas polémicas políticas e estéticas. Além disso, Loden faleceria cedo, aos 48 anos, vítima de cancro. Por mim, Wanda virou filme de culto.
Mais leituras: clicar no sítio Objectif Cinéma.
AINDA SOBRE O BIG BROTHER (I)
Considera-se, desde que existe o reality show Big Brother (BB), que este espelha a televisão do real. Porém, já muito antes se tinha essa percepção. A televisão sempre lançou formatos artificiais: jogos, programas de notícias a partir de estúdios, sitcoms [comédias de situação], documentários. O que é a televisão do real?
Para Dolan Cummings (2002: xii), a televisão do real abrange formatos como o Survivor, em que os participantes devem sobreviver numa ilha deserta, ou os Acorrentados, em que jovens eram ligados com cadeias a jovens do sexo oposto. Em que o elemento fundamental era a presença de gente anónima. Acrescentado de situações não normais, concorrendo por um prémio e envolvendo, com frequência, a participação da audiência. Curioso que – anota o mesmo Cummings, em texto que sigo aqui – os produtores consideram que os programas têm valor como documentário ou mesmo antropologia. Eu próprio quase conclui isso, quando vi alguns programas do programa da SIC Masterplan, para poder suportar um texto que escrevi sobre aquele canal de televisão (“Dez anos da história da SIC (1992-2002)”, Observatório, nº 6, Novembro de 2002). E dá-se geralmente o nome de televisão do real aos programas de entretenimento.
Certamente que o arquétipo desta nova noção de televisão do real é o BB, onde um grupo de concorrentes, isolado numa casa vigiada por câmaras de televisão as 24 horas por dia, é encorajado a interagir de modo permanente. Todas as semanas, os concorrentes são chamados a classificar os seus colegas, enquanto a audiência vota com vista à saída de um deles. Parte do gozo do BB é a transformação de anónimos em estrelas não devido a um talento especial mas porque se tornam pessoas conhecidas, caso do nosso Zé Maria. Mais do que isso: a sorte dos concorrentes não está nas mãos deles mas na decisão das pessoas simples e anónimas, a audiência. Por isso, se diz que o BB é democrático, e o canal onde passa o programa é popular.
Cummings vai mais longe, quase a atingir o sarcasmo. Para ele, no preciso momento em que a participação nas eleições parlamentares parece estar em declínio – com o que isso representa para o espaço público –, milhares de pessoas participam nas votações telefónicas. A isto se chama o descer aos infernos por parte da televisão. À paleo-televisão, que queria entreter e instruir – sucede a neo-televisão – em que domina o menor denominador comum: sexo, celebridade e sensacionalismo voyeurístico.
Leitura: Dolan Cummings, Bernard Clark, Victoria Mapplebeck, Christopher Dunkley e Graham Barnfield (2002). Reality TV: how real is real? Londres: Hodder & Stoughton
[continua]
Considera-se, desde que existe o reality show Big Brother (BB), que este espelha a televisão do real. Porém, já muito antes se tinha essa percepção. A televisão sempre lançou formatos artificiais: jogos, programas de notícias a partir de estúdios, sitcoms [comédias de situação], documentários. O que é a televisão do real?
Para Dolan Cummings (2002: xii), a televisão do real abrange formatos como o Survivor, em que os participantes devem sobreviver numa ilha deserta, ou os Acorrentados, em que jovens eram ligados com cadeias a jovens do sexo oposto. Em que o elemento fundamental era a presença de gente anónima. Acrescentado de situações não normais, concorrendo por um prémio e envolvendo, com frequência, a participação da audiência. Curioso que – anota o mesmo Cummings, em texto que sigo aqui – os produtores consideram que os programas têm valor como documentário ou mesmo antropologia. Eu próprio quase conclui isso, quando vi alguns programas do programa da SIC Masterplan, para poder suportar um texto que escrevi sobre aquele canal de televisão (“Dez anos da história da SIC (1992-2002)”, Observatório, nº 6, Novembro de 2002). E dá-se geralmente o nome de televisão do real aos programas de entretenimento.
Certamente que o arquétipo desta nova noção de televisão do real é o BB, onde um grupo de concorrentes, isolado numa casa vigiada por câmaras de televisão as 24 horas por dia, é encorajado a interagir de modo permanente. Todas as semanas, os concorrentes são chamados a classificar os seus colegas, enquanto a audiência vota com vista à saída de um deles. Parte do gozo do BB é a transformação de anónimos em estrelas não devido a um talento especial mas porque se tornam pessoas conhecidas, caso do nosso Zé Maria. Mais do que isso: a sorte dos concorrentes não está nas mãos deles mas na decisão das pessoas simples e anónimas, a audiência. Por isso, se diz que o BB é democrático, e o canal onde passa o programa é popular.
Cummings vai mais longe, quase a atingir o sarcasmo. Para ele, no preciso momento em que a participação nas eleições parlamentares parece estar em declínio – com o que isso representa para o espaço público –, milhares de pessoas participam nas votações telefónicas. A isto se chama o descer aos infernos por parte da televisão. À paleo-televisão, que queria entreter e instruir – sucede a neo-televisão – em que domina o menor denominador comum: sexo, celebridade e sensacionalismo voyeurístico.
Leitura: Dolan Cummings, Bernard Clark, Victoria Mapplebeck, Christopher Dunkley e Graham Barnfield (2002). Reality TV: how real is real? Londres: Hodder & Stoughton
[continua]
segunda-feira, 23 de agosto de 2004
RADAR FM
Após ter colocado uma mensagem no último sábado, onde mencionei a Radar FM, um amigo chamou-me a atenção para algumas ambiguidades no projecto desta estação de rádio.
Apesar de diferente de outras estações, é possível estabelecermos comparações com um outro projecto, infelizmente já desaparecido, a XFM. Enquanto nesta, havia programas de autor, na Radar eles não são muito assumidos. O mais conhecido espaço é o de Sofia Morais, voz a que já nos habituáramos desde o tempo da rádio para uma imensa minoria. A Radar tem alguns apontamentos, como a revista de imprensa (manhã cedo nos dias úteis), informação sobre cinema, teatro, exposições e festas em Filofax (dias úteis, também de manhã), reggae, soul, funk e derivados em Música Enrolada, referências à revista Monde Bizarre e novidades da Radio One e da XFM londrinas. Sem esquecer as múltiplas alusões à realização de concertos da empresa Música no coração, que faz parte da Lusocanal, grupo que ainda detém ainda a Oxigénio (mais especializada em música electrónica, ao passo que a Radar se dedica a música de guitarras) e a Festival (uma emissora popular do Porto).
Há, portanto, uma constante circulação de interesses entre o passar discos e a publicitação de concertos, que não importa aqui dizer se é positivo ou não. Como se trata de uma actividade comercial, a rádio tem toda a legitimidade em seguir o caminho que quiser. Mas o defeito que se aponta a outras estações - o de serem gira-discos - também ocorre na Radar. É possível detectar uma playlist ao longo do dia de emissão. Por outro lado, durante o fim-de-semana não parece haver suficiente número de animadores, pelo que a emissão é automática. E falta o aspecto analítico do medium e das correntes estéticas musicais que a estação passa, componente pedagógica fundamental.
Após ter colocado uma mensagem no último sábado, onde mencionei a Radar FM, um amigo chamou-me a atenção para algumas ambiguidades no projecto desta estação de rádio.
Apesar de diferente de outras estações, é possível estabelecermos comparações com um outro projecto, infelizmente já desaparecido, a XFM. Enquanto nesta, havia programas de autor, na Radar eles não são muito assumidos. O mais conhecido espaço é o de Sofia Morais, voz a que já nos habituáramos desde o tempo da rádio para uma imensa minoria. A Radar tem alguns apontamentos, como a revista de imprensa (manhã cedo nos dias úteis), informação sobre cinema, teatro, exposições e festas em Filofax (dias úteis, também de manhã), reggae, soul, funk e derivados em Música Enrolada, referências à revista Monde Bizarre e novidades da Radio One e da XFM londrinas. Sem esquecer as múltiplas alusões à realização de concertos da empresa Música no coração, que faz parte da Lusocanal, grupo que ainda detém ainda a Oxigénio (mais especializada em música electrónica, ao passo que a Radar se dedica a música de guitarras) e a Festival (uma emissora popular do Porto).
Há, portanto, uma constante circulação de interesses entre o passar discos e a publicitação de concertos, que não importa aqui dizer se é positivo ou não. Como se trata de uma actividade comercial, a rádio tem toda a legitimidade em seguir o caminho que quiser. Mas o defeito que se aponta a outras estações - o de serem gira-discos - também ocorre na Radar. É possível detectar uma playlist ao longo do dia de emissão. Por outro lado, durante o fim-de-semana não parece haver suficiente número de animadores, pelo que a emissão é automática. E falta o aspecto analítico do medium e das correntes estéticas musicais que a estação passa, componente pedagógica fundamental.
DUAS MULHERES, DOIS DESTINOS - OU COMO O PESO DOS MEDIA É FORTE
Um destes dias, estando a preparar um texto sobre audiências, reparei no percurso de duas artistas da música e da rádio (uma delas ainda mais conhecida no cinema). O motivo de as trazer aqui foram duas fotografias com elas junto a um microfone (uma delas é-me impossível reproduzir), significando ou a gravação de um disco ou a presença num espectáculo. Ambas tiveram uma enorme reputação nos Estados Unidos: Judy Garland e Kate Smith - provando a grande influência dos media no seu conhecimento. O que foram e o que representam hoje, eis a razão desta mensagem, que é uma modesta homenagem às duas.
Judy Garland
O feiticeiro de Oz será um dos filmes que mais vezes vi na televisão. Houve anos em que não havia Natal que a televisão pública não o passasse: primeiro vi-o a preto e branco, depois apareceu colorido. E a canção com a letra "Somewhere over the rainbow/way up high,/there's a land that I heard of/once in a lullaby./Somewhere over the rainbow/skies are blue,/and the dreams that you dare to dream/really do come true" fica gravada na nossa memória, mesmo que gasta ou usada para outros objectivos.
Nascida Frances Ethek Gumm, em 1922, no Minnesota, cedo conheceu as artes musicais e da representação, associada aos pais e às duas irmãs mais velhas, mais tarde as Gumm Sisters. De Los Angeles, para onde a família fora viver, a mais nova das irmãs Gumm era aquela a quem as audiências mais prezavam. Numa visita a Chicago, elas mudariam o nome para Garland Sisters. Em 1934, teriam um grande sucesso em Los Angeles. Após uma audição com o patrão da MGM, Louis B. Mayer, a mais nova das irmãs torna-se Judy Garland. Entrava para o difícil mundo do cinema. O seu primeiro êxito deu-se com o terceiro filme Broadway Melody (1938), em que cantou Dear Mr Gable. Depois, em 1939, foi o enorme sucesso O Feiticeiro de Oz, em que cantou Over the rainbow, a canção a que sempre apareceria ligada em toda a sua vida.
Judy Garland ainda estava em idade de crescimento físico. Como muitas adolescentes, ela tinha uma tendência para ganhar peso, problema que se arrastou pela vida, tomando remédios para manter uma certa linha adequada aos estereótipos do cinema. A ingestão de anfetaminas para perder o peso afectá-la-ia física e psiquicamente e influenciá-la-ia mesmo na sua vida sentimental, muito desequilibrada. Ela casou cinco vezes, tendo três filhos.
Em 1941, e contra a vontade da mãe e dos estúdios da MGM, casou com David Rose, de quem se separou quatro anos depois. A carreira no cinema continuava cheia de sucessos: For Me And My Gal (1942), Presenting Lily Mars, Thousands Cheer e Girl Crazy (todos em 1943), Meet Me In St. Louis (1944), The Harvey Girls, Ziegfeld Follies and Till The Clouds Roll By (todos em 1946). Em 1945, casaria com Vincente Minnelli, que a dirigiu em Meet Me In St Louis. No ano seguinte, nascia a filha Liza Minnelli. O final dos anos 1940 trouxeram novos êxitos como The Pirate, Easter Parade e Words And Music (todos em 1948) e In The Good Old Summertime (1949).
Começava um período pessoal difícil: medicamentos, álcool e distúrbios emocionais levaram-na a trabalhar menos e a acabar com o contrato com a MGM. Em 1951, separa-se de Minnelli, enquanto tenta suicidar-se. O casamento com Sid Luft trouxe alguma calma e brilho profissional. Fez uma viagem à Europa, aparecendo no Palladium de Londres. Depois, em Nova Iorque representaria no Palace Theater. A sua carreira resumir-se-ia nesse período a um papel em A Star Is Born (1954), para o qual fora nomeada para um óscar. Os problemas pessoais regressariam, tentando outra vez o suicídio. Um novo papel em Judgement At Nuremberg (1961), para o qual fora nomeada de novo para um óscar, melhorou a sua reputação. Mas o casamento estava em perigo. apesar de ela e Luft falarem em reconciliação, até porque tinham duas crianças, Lorna and Joey.
Em 1961, o sucesso voltaria a sorrir a Judy Garland, quando apareceu em Abril de 1961, no Carnegie Hall, de Nova Iorque. O concerto gravado render-lhe-ia cinco prémios Grammy. A partir daí a sua carreira resvalou. Em 22 de Junho de 1969, ingeriu um quantidade fatal de calmantes. A América e o mundo choraria esse desaparecimento precoce, ficando os seus filmes e discos.
Judy Garland trabalhou 45 dos seus 47 anos de vida. Fez 32 filmes, deu a voz a mais dois, foi estrela em 30 programas de televisão. Gravou cerca de uma centena de singles e 12 álbuns
Kathryn Elizabeth Smith nasceu em 1907, em Nova Iorque. Desde muito cedo despertou para a música e a dança. Seria descoberta por um produtor novaiorquino em 1926. Depois, em 1930, passou para a Columbia Records, sendo o vice-presidente Ted Collins seu companheiro e gestor, levando-a também para a rádio (1931), fazendo imediato sucesso.
1943 foi o ano de marca de Kate Smith, ao cantar God Bless America, de Irving Berlin. Ela começara a gravar discos logo em 1926. Dos seus principais sucessos, contam-se River, Stay 'Way From My Door (1931), The Woodpecker Song (1940), The White Cliffs of Dover (1941), I Don't Want to Walk Without You (1942), There Goes That Song Again (1944), Seems Like Old Times (1946), and Now Is the Hour (1947). Nos anos de 1950, ela gravou álbuns.
Kate Smith teve o programa mais popular de entretenimento em rádio com o seu próprio nome, The Kate Smith Hour, que esteve no ar entre 1937 e 1945. Em 1950, Kate saltava para a televisão com um programa de entretenimento de segunda a sexta-feira, o Kate Smith Hour (1950-1954). A sua última série foi The Kate Smith Show, com a duração semanal de meia hora nos anos 1960 na CBS. Morreria em Raleigh, NC, em Junho de 1986.
De Kate Smith conta-se a seguinte façanha, após a entrada dos Estados Unidos na II Grande Guerra. Para obter financiamento para o esforço da guerra, os americanos - como tinham feito no conflito de 1914-1918 - criaram bónus de guerra, uma espécie de investimento. A 21 de Setembro de 1943, Kate Smith estaria 18 horas seguidas num programa de rádio da sua Columbia Broadcasting System, para persuadir o público a comprar os bónus de guerra. Conseguiu vender 39 milhões de dólares de bónus! A popular artista provava assim o grande efeito do meio rádio.
Conclusão
Para a posteridade, Over the rainbow e God bless America são as marcas principais de Judy Garland e Kate Smith, respectivamente, uma representando o sonho e a magia na infância, outra o estado adulto de uma Nação forte, que sabe fazer a sua redenção num momento de grande dificuldade [o God bless America voltou a ser cantado no 11 de Setembro de 2001]. Tendo os media como transmissores.
Por outro lado, quer Over the rainbow quer God bless America surgem no período antes e durante a II Guerra Mundial, num momento de grande expansão económica e cultural americana, em que cinema, rádio, discos e, depois, televisão eram as cartas da cultura mundial. Quando as teorias da comunicação falavam em efeitos moderados dos media (two step flow of information e líderes de opinião, ou a teoria dos efeitos limitados, de Paul Lazarsfeld e colegas). Mas Robert Merton, exactamente quando analisou a maratona de Kate Smith na rádio, começava a delinear aquilo que seria chamada a teoria dos usos e gratificações. A uma crescente hegemonia cultural (e política e económica) correspondia uma teoria interpessoal na comunicação, fraca porquanto desvalorizava o impacto dessa cultura de massa.
À nossa escala, talvez pudéssemos encontrar semelhanças com Beatriz Costa (música e cinema) e Maria Alice (rádio e música), mulher do produtor discográfico e comerciante Valentim de Carvalho. Mas estas estórias ficam para outra ocasião.
domingo, 22 de agosto de 2004
O QUE LI DA IMPRENSA DE HOJE
Público:
1) o novo sistema de televisão digital no Brasil deve ser gratuito e acessível à população com aparelhos analógicos (54 milhões de aparelhos, que cobrem mais de 90% dos lares do país), informou o ministério das Comunicações. O novo sistema terá capacidade para fazer ligações à internet.
2) entrevista a José Fragoso, director da TSF, a quem interessa ter uma cobertura nacional (a lei da rádio será votada em Setembro).
3) demissão de Álvaro Dâmaso da presidência da ANACOM (regulador das telecomunicações).
The Sunday Times:
1) duas das principais empresas inglesas de aluguer online de DVD (Video Island e Screen Select, nascidas o ano passado) preparam-se para a fusão. Motivo: ganhar dimensão para enfrentar a concorrência da americana Netflix, que entrará no mercado inglês no próximo ano. O aluguer de DVD está de vento em popa: um cliente, por uma cota mensal de £15, pode alugar os DVD que quiser, a partir de uma lista de filmes disponibilizados. Dos 14 milhões de lares ingleses com equipamento DVD, num milhão há já o hábito de alugar um DVD semanal.
2) John Humphrys [que já referenciei neste blogue] denuncia a descida nos padrões de qualidade na televisão. Apresentador do programa Today da BBC Radio 4 e do concurso Mastermind na BBC2, observou a presença crescente de programas de televisão do real e a perda de influência de programas de informação geral [current affairs]. Discursando no festival de televisão em Edimburgo, apontou o dedo a programas como I'm a Celebrity, Get Me Out of Here e Big Brother.
3) há novos fóruns para os teleadictos, escreve Roland White. Com a crescente adesão ao sistema de cabo, há cada vez menos teledependentes a consumirem os mesmos programas e discutirem no dia seguinte, à volta da máquina de café no emprego. Há seis em cada dez lares com televisão de multicanais (realidade inglesa). Mas está a surgir outro espaço: os sítios dos fãs, os sítios de discussão, podendo ainda ouvir-se jingles publicitários e canções. O articulista aconselha a que façamos uma visita a tellytunes. E destaca um outro, o Television Heaven, com sínteses de programas, estórias tagarelentas do medium e perfis dos heróis da tele.
El Pais:
São quatro os parques temáticos espanhóis: Terra Mítica (Valência), Port Aventure (Catalunha), Warner Bros (Madrid) e Isla Magica (Andaluzia). Todos eles acumulam prejuízos, no momento em que se está na temporada alta para o sector. E tudo isto quando a consultora DBK previa um aumento na facturação em 4%, para atingir € 229,5 milhões. A razão poderá ser a de que este tipo de indústrias culturais exige elevados investimentos iniciais, que demoram muitos anos a amortizar. O mercado, reconhecem os responsáveis pelo sector, está ainda muito incipiente. Indicam-se ainda outras causas: a baixa natalidade da população espanhola e a falta de cultura nesta área.
Público:
1) o novo sistema de televisão digital no Brasil deve ser gratuito e acessível à população com aparelhos analógicos (54 milhões de aparelhos, que cobrem mais de 90% dos lares do país), informou o ministério das Comunicações. O novo sistema terá capacidade para fazer ligações à internet.
2) entrevista a José Fragoso, director da TSF, a quem interessa ter uma cobertura nacional (a lei da rádio será votada em Setembro).
3) demissão de Álvaro Dâmaso da presidência da ANACOM (regulador das telecomunicações).
The Sunday Times:
1) duas das principais empresas inglesas de aluguer online de DVD (Video Island e Screen Select, nascidas o ano passado) preparam-se para a fusão. Motivo: ganhar dimensão para enfrentar a concorrência da americana Netflix, que entrará no mercado inglês no próximo ano. O aluguer de DVD está de vento em popa: um cliente, por uma cota mensal de £15, pode alugar os DVD que quiser, a partir de uma lista de filmes disponibilizados. Dos 14 milhões de lares ingleses com equipamento DVD, num milhão há já o hábito de alugar um DVD semanal.
2) John Humphrys [que já referenciei neste blogue] denuncia a descida nos padrões de qualidade na televisão. Apresentador do programa Today da BBC Radio 4 e do concurso Mastermind na BBC2, observou a presença crescente de programas de televisão do real e a perda de influência de programas de informação geral [current affairs]. Discursando no festival de televisão em Edimburgo, apontou o dedo a programas como I'm a Celebrity, Get Me Out of Here e Big Brother.
3) há novos fóruns para os teleadictos, escreve Roland White. Com a crescente adesão ao sistema de cabo, há cada vez menos teledependentes a consumirem os mesmos programas e discutirem no dia seguinte, à volta da máquina de café no emprego. Há seis em cada dez lares com televisão de multicanais (realidade inglesa). Mas está a surgir outro espaço: os sítios dos fãs, os sítios de discussão, podendo ainda ouvir-se jingles publicitários e canções. O articulista aconselha a que façamos uma visita a tellytunes. E destaca um outro, o Television Heaven, com sínteses de programas, estórias tagarelentas do medium e perfis dos heróis da tele.
El Pais:
São quatro os parques temáticos espanhóis: Terra Mítica (Valência), Port Aventure (Catalunha), Warner Bros (Madrid) e Isla Magica (Andaluzia). Todos eles acumulam prejuízos, no momento em que se está na temporada alta para o sector. E tudo isto quando a consultora DBK previa um aumento na facturação em 4%, para atingir € 229,5 milhões. A razão poderá ser a de que este tipo de indústrias culturais exige elevados investimentos iniciais, que demoram muitos anos a amortizar. O mercado, reconhecem os responsáveis pelo sector, está ainda muito incipiente. Indicam-se ainda outras causas: a baixa natalidade da população espanhola e a falta de cultura nesta área.
AUDIÊNCIAS
Saídos recentemente, quero hoje mencionar dois livros, em especial as secções onde são feitas análises às audiências (aplicadas às indústrias culturais):
1) em John Hartley
“O termo audiência é usado para descrever um grande número de pessoas não identificadas, normalmente unidas pela sua participação na utilização dos media”. O conceito “é um meio pelo qual esse grupo, impossível de conhecer, pode ser imaginado. Nomear uma audiência envolve normalmente homogeneizá-la, atribuir-lhe determinadas características, necessidades, desejos e interesses”. A audiência enquanto paradigma serve os interesses de três grupos-produtores: 1) instituições dos media, 2) investigadores dos media (incluindo críticos), e 3) órgãos reguladores (governamentais).
"As audiências permitem às organizações dos media vender publicidade ou cumprir as suas obrigações públicas ou estatutárias, quer para a televisão, a rádio, ou as revistas ou a imprensa. Para este fim, é importante conhecer a dimensão, a qualidade (composição demográfica) e as características das audiências, pois esta informação está directamente relacionada com a receita. Isto explica a aferição contínua do número de espectadores, ouvintes e leitores”.
[John Hartley (2004). Comunicação, estudos culturais e media. Lisboa: Quimera,pp. 28-30]
2) em Jorge Paixão da Costa
Por meio do audímetro, os estudos de audiência evoluiram a partir de dois conceitos: 1) a audiência total (TVR), que corresponde à percentagem de indivíduos diferentes que contactaram com um canal, pelo menos um minuto, 2) a audiência Média (Rating), que é aferida a partir da audiência para cada Unidade Base de Medida (UBM) de um determinado período de emissão.
É com base na audiência média que se calcula um outro valor importante para aferir o grau de popularidade de um determinado programa. Esse valor tem o nome de share (quota) e refere a percentagem de indivíduos e tempo que são despendidos a ver um determinado canal/período/horário/programa, relativamente ao total de tempo e de indivíduos que estavam a ver televisão durante esse período de tempo. A importância do share reside no facto de se poder ter uma ideia da posição relativa de um determinado conteúdo ou do canal de televisão observado, e é sobretudo um indicador utilizado pelo mercado publicitário que deverá corresponder a um investimento equivalente.
[Jorge Paixão da Costa (2003). Telenovela: um modo de produção. Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas, pp. 130-132]
Saídos recentemente, quero hoje mencionar dois livros, em especial as secções onde são feitas análises às audiências (aplicadas às indústrias culturais):
1) em John Hartley
“O termo audiência é usado para descrever um grande número de pessoas não identificadas, normalmente unidas pela sua participação na utilização dos media”. O conceito “é um meio pelo qual esse grupo, impossível de conhecer, pode ser imaginado. Nomear uma audiência envolve normalmente homogeneizá-la, atribuir-lhe determinadas características, necessidades, desejos e interesses”. A audiência enquanto paradigma serve os interesses de três grupos-produtores: 1) instituições dos media, 2) investigadores dos media (incluindo críticos), e 3) órgãos reguladores (governamentais).
"As audiências permitem às organizações dos media vender publicidade ou cumprir as suas obrigações públicas ou estatutárias, quer para a televisão, a rádio, ou as revistas ou a imprensa. Para este fim, é importante conhecer a dimensão, a qualidade (composição demográfica) e as características das audiências, pois esta informação está directamente relacionada com a receita. Isto explica a aferição contínua do número de espectadores, ouvintes e leitores”.
[John Hartley (2004). Comunicação, estudos culturais e media. Lisboa: Quimera,pp. 28-30]
2) em Jorge Paixão da Costa
Por meio do audímetro, os estudos de audiência evoluiram a partir de dois conceitos: 1) a audiência total (TVR), que corresponde à percentagem de indivíduos diferentes que contactaram com um canal, pelo menos um minuto, 2) a audiência Média (Rating), que é aferida a partir da audiência para cada Unidade Base de Medida (UBM) de um determinado período de emissão.
É com base na audiência média que se calcula um outro valor importante para aferir o grau de popularidade de um determinado programa. Esse valor tem o nome de share (quota) e refere a percentagem de indivíduos e tempo que são despendidos a ver um determinado canal/período/horário/programa, relativamente ao total de tempo e de indivíduos que estavam a ver televisão durante esse período de tempo. A importância do share reside no facto de se poder ter uma ideia da posição relativa de um determinado conteúdo ou do canal de televisão observado, e é sobretudo um indicador utilizado pelo mercado publicitário que deverá corresponder a um investimento equivalente.
[Jorge Paixão da Costa (2003). Telenovela: um modo de produção. Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas, pp. 130-132]
sábado, 21 de agosto de 2004
AS MINHAS ÚLTIMAS LEITURAS DE JORNAIS
A ler - e espero comentar nos próximos dias - o artigo ontem assinado por Mario Vargas Llosa, Razões contra a excepção cultural, no "DNA" (Diário de Notícias). Porque é um tema fulcral nas indústrias culturais e porque o autor se refere explicitamente a dois países perto de nós: Espanha e França.
Na imprensa de hoje, gostei do texto de Patrícia Nunes, no Público, Cinema sob o céu de Lisboa, acerca da FESTA DO CINEMA organizada pelo INATEL (e que já aqui fiz uma referência fugaz).
Por €1,5 cada sessão, vi os filmes A vida e tudo o mais, de Woody Allen (2003) (e descobri uma interessante actriz: Christina Ricci) e Por duas moedas, de James Foley (1995) (com uma portentosa interpretação de Al Pacino) e revi Kill Bill vol. 1, de Quentin Tarantino (2003), Mystic River, de Clint Eastwood (2003) e Lost in translation, de Sofia Coppola (2003). Se, como diz a peça do jornal, se ganha espaço como se estivéssemos numa esplanada, com estrelas e aviões em fundo, quanto a mim perde-se qualidade de imagem e de som, apesar do ecrã grande. E o projeccionista no dia do filme de Coppola estava perfeitamente desastrado, não atinando com o enquadramento do filme: ora se via a girafa do microfone no filme ora não se liam as legendas. Quando acertou, levou uma salva de palmas. Uma coisa curiosa nestas audiências ao ar livre foi verificar alguma infantilidade nelas: no filme de Tarantino, na longa sequência num restaurante, em que a Noiva decapita e decepa, com efeitos especiais de sangue a jorrar, o público ria-se. Não percebi porquê. Aproveitei também o filme de Sofia Coppola para apreciar melhor a banda sonora. [adenda colocada no domingo, dia 22: vi ainda a última sessão, o filme português de António Pedro de Vasconcelos, Os imortais, com uma grande representação de Nicolau Breyner, actor de teatro, criador de telenovelas e de empresas de audiovisuais. No final da projecção, parte do público bateu palmas. O que me levaria a concluir ser incorrecta a minha análise acerca da audiência. Parece-me, afinal, tratar-se de um público popular, que se expressa de modo mais livre que numa sala fechada, fumando mesmo um cigarrinho de quando em vez].
E no caderno "Actual" do Expresso, que publico parte da capa -uma belíssima capa - realço esse tema, com textos assinados por João Lisboa, O admirável mundo eléctrico. Fiquei cheio de inveja pelas peças. Lisboa escreve muito bem e toca um tema que eu - e muita gente no mundo - gosto. O lead diz ao que vamos: "Em 1954, há 50 anos, Elvis Presley inventou o rock'n'roll e Leo Fender criou a Statocaster. Evocação de uma aventura eléctrica". Jimi Hendriz, porque era canhoto, tinha uma Fender adaptada; The Edge, dos U2, fã da Fender, usou uma Gibson em Achtung Baby. Se Slash (Guns N'Roses) toca com uma Gibson, o último Eric Clapton adopta uma Fender.
Depois da leitura deste caderno só me resta ouvir a Radar (97.8 Mhz, em Lisboa). E destacar a qualidade do "Actual", que constitui com o "DNA" o par de cadernos da imprensa portuguesa que mais prazer e informação me dá.
A ler - e espero comentar nos próximos dias - o artigo ontem assinado por Mario Vargas Llosa, Razões contra a excepção cultural, no "DNA" (Diário de Notícias). Porque é um tema fulcral nas indústrias culturais e porque o autor se refere explicitamente a dois países perto de nós: Espanha e França.
Na imprensa de hoje, gostei do texto de Patrícia Nunes, no Público, Cinema sob o céu de Lisboa, acerca da FESTA DO CINEMA organizada pelo INATEL (e que já aqui fiz uma referência fugaz).
Por €1,5 cada sessão, vi os filmes A vida e tudo o mais, de Woody Allen (2003) (e descobri uma interessante actriz: Christina Ricci) e Por duas moedas, de James Foley (1995) (com uma portentosa interpretação de Al Pacino) e revi Kill Bill vol. 1, de Quentin Tarantino (2003), Mystic River, de Clint Eastwood (2003) e Lost in translation, de Sofia Coppola (2003). Se, como diz a peça do jornal, se ganha espaço como se estivéssemos numa esplanada, com estrelas e aviões em fundo, quanto a mim perde-se qualidade de imagem e de som, apesar do ecrã grande. E o projeccionista no dia do filme de Coppola estava perfeitamente desastrado, não atinando com o enquadramento do filme: ora se via a girafa do microfone no filme ora não se liam as legendas. Quando acertou, levou uma salva de palmas. Uma coisa curiosa nestas audiências ao ar livre foi verificar alguma infantilidade nelas: no filme de Tarantino, na longa sequência num restaurante, em que a Noiva decapita e decepa, com efeitos especiais de sangue a jorrar, o público ria-se. Não percebi porquê. Aproveitei também o filme de Sofia Coppola para apreciar melhor a banda sonora. [adenda colocada no domingo, dia 22: vi ainda a última sessão, o filme português de António Pedro de Vasconcelos, Os imortais, com uma grande representação de Nicolau Breyner, actor de teatro, criador de telenovelas e de empresas de audiovisuais. No final da projecção, parte do público bateu palmas. O que me levaria a concluir ser incorrecta a minha análise acerca da audiência. Parece-me, afinal, tratar-se de um público popular, que se expressa de modo mais livre que numa sala fechada, fumando mesmo um cigarrinho de quando em vez].
E no caderno "Actual" do Expresso, que publico parte da capa -uma belíssima capa - realço esse tema, com textos assinados por João Lisboa, O admirável mundo eléctrico. Fiquei cheio de inveja pelas peças. Lisboa escreve muito bem e toca um tema que eu - e muita gente no mundo - gosto. O lead diz ao que vamos: "Em 1954, há 50 anos, Elvis Presley inventou o rock'n'roll e Leo Fender criou a Statocaster. Evocação de uma aventura eléctrica". Jimi Hendriz, porque era canhoto, tinha uma Fender adaptada; The Edge, dos U2, fã da Fender, usou uma Gibson em Achtung Baby. Se Slash (Guns N'Roses) toca com uma Gibson, o último Eric Clapton adopta uma Fender.
Depois da leitura deste caderno só me resta ouvir a Radar (97.8 Mhz, em Lisboa). E destacar a qualidade do "Actual", que constitui com o "DNA" o par de cadernos da imprensa portuguesa que mais prazer e informação me dá.
NOTÍCIAS NAS AUDIÊNCIAS E NO INVESTIMENTO PUBLICITÁRIO
Nova forma de medir
A empresa norte-americana Nielsen Medium Research, há meio século a medir as audiências de televisão nos Estados Unidos, prepara-se para mudar o processo de contagem. Segundo um artigo de Manuel Ricardo Ferreira, correspondente do Diário de Notícias em Nova Iorque, passar-se-á de sistema “recolhido quatro vezes por ano para um sistema electrónico que mede audiências a cada momento”. O Contador local de pessoas (CLP) é uma caixa electrónica instalada em lares escolhidos, que regista o programa a ser visto e por quem, é usado desde 1987 a nível nacional no prime-time. Contudo, para o resto das emissões usa-se o registo diário.
Ora, nem toda a gente dá o acordo ao novo procedimento. Em jogo, está a distribuição de 25 mil milhões de dólares anuais em publicidade na televisão. Para as minorias étnicas, existe o risco de serem «engolidas» pela maioria, levando ao desaparecimento dos programas a elas dirigidos. Conforme o relato do jornalista, tal situação gerou alianças estranhas, como a Coligação não nos deixem de fora, formada por organizações de defesa dos interesses das minorias hispânica e negra, de tradição democrata, e financiada pela News Corp de Ruppert Murdoch, conservadora e republicana, proprietária do grupo Fox, que inclui estações dirigidas à minoria como a UPN.
É que a News Corp verificou que as experiências feitas em Nova Iorque com o CLP registavam quebras acentuadas em programas considerados de grande audiência entre a minoria, como The Parkers. Por seu lado, o grupo NVU, proprietário da Nielsen, não vê razões para receios. As amostragens feitas em Março deram bons índices às minorias, mostrando que The Parkers fica com uma audiência vasta de negros (52%). Há, contudo, uma grande mudança no panorama televisivo. Se, hoje, se acedem a mais de cem canais, isso trouxe novos hábitos ainda não estudados.
AGB e Nielsen fusão de serviços de medição de audiências entre a AGB e a Nielsen
Entretanto, e segundo a newsletter da Marktest, as empresas AGB e a Nielsen Media Research International anunciavam a criação de uma empresa internacional com capacidade para avaliar as audiências televisivas em 30 países, com a designação comercial de AGB Nielsen Media Research.
A nova empresa resulta da fusão dos serviços de medição de audiências das duas empresas, com exclusão do que a Nielsen oferece nos Estados Unidos. Tecnologia de ponta, serviço direccionado ao cliente, processos globais e uma atitude empreendedora serão os seus princípios orientadores. A nova entidade empregará cerca de 1800 profissionais, mas está ainda sujeita a aprovação pelas entidades reguladoras e de concorrência. O corpo directivo da AGB Nielsen Media Research será constituído por idêntica representação das duas empresas envolvidas no negócio. Os seus serviços a cobrir abrangem os principais mercados internacionais (Austrália, China, Hong Kong, Itália, África do Sul e Reino Unido).
Investimento publicitário na rádio em 2003
Segundo os dados da Media Monitor, que sigo de muito perto, o investimento publicitário na rádio ultrapassou os 172 milhões de euros em 2003 (preços de tabela), correspondente a 6,5% do investimento total em publicidade nesse ano. Deste montante, 54% pertence a duas estações de rádio: a TSF com 46,7 milhões de euros (28% do total) e a RFM com 44,3 milhões de euros (26% do total). Seguiu-se a Rádio Comercial com 33,5 milhões de euros (19% do total).
No que respeita aos sectores de actividade, o dos Bancos e Outras Instituições Monetárias e Financeiras foi o maior investidor no meio (mais de 26 milhões de euros e 15,5% do investido no meio), seguindo-se o dos Serviços e Equipamentos de Comunicação e do da Indústria Automóvel e do Comércio. Em cada um destes quatro sectores o investimento ultrapassou os 21 miilhões de euros (em conjunto 55,3% do investimento total).
[agradeço à minha aluna Maria João Carrelhas a chamada de atenção para uma destas notícias]
Nova forma de medir
A empresa norte-americana Nielsen Medium Research, há meio século a medir as audiências de televisão nos Estados Unidos, prepara-se para mudar o processo de contagem. Segundo um artigo de Manuel Ricardo Ferreira, correspondente do Diário de Notícias em Nova Iorque, passar-se-á de sistema “recolhido quatro vezes por ano para um sistema electrónico que mede audiências a cada momento”. O Contador local de pessoas (CLP) é uma caixa electrónica instalada em lares escolhidos, que regista o programa a ser visto e por quem, é usado desde 1987 a nível nacional no prime-time. Contudo, para o resto das emissões usa-se o registo diário.
Ora, nem toda a gente dá o acordo ao novo procedimento. Em jogo, está a distribuição de 25 mil milhões de dólares anuais em publicidade na televisão. Para as minorias étnicas, existe o risco de serem «engolidas» pela maioria, levando ao desaparecimento dos programas a elas dirigidos. Conforme o relato do jornalista, tal situação gerou alianças estranhas, como a Coligação não nos deixem de fora, formada por organizações de defesa dos interesses das minorias hispânica e negra, de tradição democrata, e financiada pela News Corp de Ruppert Murdoch, conservadora e republicana, proprietária do grupo Fox, que inclui estações dirigidas à minoria como a UPN.
É que a News Corp verificou que as experiências feitas em Nova Iorque com o CLP registavam quebras acentuadas em programas considerados de grande audiência entre a minoria, como The Parkers. Por seu lado, o grupo NVU, proprietário da Nielsen, não vê razões para receios. As amostragens feitas em Março deram bons índices às minorias, mostrando que The Parkers fica com uma audiência vasta de negros (52%). Há, contudo, uma grande mudança no panorama televisivo. Se, hoje, se acedem a mais de cem canais, isso trouxe novos hábitos ainda não estudados.
AGB e Nielsen fusão de serviços de medição de audiências entre a AGB e a Nielsen
Entretanto, e segundo a newsletter da Marktest, as empresas AGB e a Nielsen Media Research International anunciavam a criação de uma empresa internacional com capacidade para avaliar as audiências televisivas em 30 países, com a designação comercial de AGB Nielsen Media Research.
A nova empresa resulta da fusão dos serviços de medição de audiências das duas empresas, com exclusão do que a Nielsen oferece nos Estados Unidos. Tecnologia de ponta, serviço direccionado ao cliente, processos globais e uma atitude empreendedora serão os seus princípios orientadores. A nova entidade empregará cerca de 1800 profissionais, mas está ainda sujeita a aprovação pelas entidades reguladoras e de concorrência. O corpo directivo da AGB Nielsen Media Research será constituído por idêntica representação das duas empresas envolvidas no negócio. Os seus serviços a cobrir abrangem os principais mercados internacionais (Austrália, China, Hong Kong, Itália, África do Sul e Reino Unido).
Investimento publicitário na rádio em 2003
Segundo os dados da Media Monitor, que sigo de muito perto, o investimento publicitário na rádio ultrapassou os 172 milhões de euros em 2003 (preços de tabela), correspondente a 6,5% do investimento total em publicidade nesse ano. Deste montante, 54% pertence a duas estações de rádio: a TSF com 46,7 milhões de euros (28% do total) e a RFM com 44,3 milhões de euros (26% do total). Seguiu-se a Rádio Comercial com 33,5 milhões de euros (19% do total).
No que respeita aos sectores de actividade, o dos Bancos e Outras Instituições Monetárias e Financeiras foi o maior investidor no meio (mais de 26 milhões de euros e 15,5% do investido no meio), seguindo-se o dos Serviços e Equipamentos de Comunicação e do da Indústria Automóvel e do Comércio. Em cada um destes quatro sectores o investimento ultrapassou os 21 miilhões de euros (em conjunto 55,3% do investimento total).
[agradeço à minha aluna Maria João Carrelhas a chamada de atenção para uma destas notícias]
sexta-feira, 20 de agosto de 2004
JOÃO OLIVEIRA (1899-1982) - UMA MEMÓRIA DA RÁDIO
João Oliveira Alves "Pitança" foi representante da Rádio Marconi em Portugal, conhecendo de perto o inventor e empresário italiano que deu o nome a uma das mais importantes empresas de telecomunicações no começo do séc. XX.
Pelo menos desde 1914 que João Oliveira se dedicou a experimentar a rádio. Primeiro, com galenas; depois, fez uma adaptação revolucionária - ligar o rádio à electricidade, em 1924. Até aí, os receptores funcionavam alimentados por enormes baterias. Por isso, recebeu um prémio da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto.
Também esteve ligado ao movimento que defendeu a superioridade técnica do receptor superheterodino sobre o regenerativo (a caricatura que representa João Oliveira foi publicada no Comércio do Porto, em 10 de Outubro de 1982, cerca de três meses após a morte daquele pioneiro da rádio em Portugal).
[Dica de Jorge Guimarães Silva, do blogue A Rádio em Portugal].
João Oliveira Alves "Pitança" foi representante da Rádio Marconi em Portugal, conhecendo de perto o inventor e empresário italiano que deu o nome a uma das mais importantes empresas de telecomunicações no começo do séc. XX.
Pelo menos desde 1914 que João Oliveira se dedicou a experimentar a rádio. Primeiro, com galenas; depois, fez uma adaptação revolucionária - ligar o rádio à electricidade, em 1924. Até aí, os receptores funcionavam alimentados por enormes baterias. Por isso, recebeu um prémio da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto.
Também esteve ligado ao movimento que defendeu a superioridade técnica do receptor superheterodino sobre o regenerativo (a caricatura que representa João Oliveira foi publicada no Comércio do Porto, em 10 de Outubro de 1982, cerca de três meses após a morte daquele pioneiro da rádio em Portugal).
[Dica de Jorge Guimarães Silva, do blogue A Rádio em Portugal].
ZÉ MARIA E O PANÓPTICO
Fiz já aqui uma referência ao primeiro herói do Big Brother em Portugal. Foi na passagem de ano de 2000 que o Zé Maria (de Barrancos, uma vila quase esquecida do Alentejo profundo, a entrar em Espanha) ganhou o concurso. Figura simples, tendo como profissão original a de servente de pedreiro, o concorrente ganhou notoriedade por duas simples frases que enunciava frequentemente – como se fosse o soundite da mensagem política ou o slogan da mensagem publicitária – e por desenvolver uma das duas características dos portugueses (a manha; a outra é o desenrascanço, que se viu depois ele não possuir). Associado à manha de não se meter nos assuntos dos outros, ele cultivou o gosto de tratar de umas galinhas que a produção do reality show lá colocou. Mostrou ainda uma paixão meiga por uma das concorrentes, que apareceu logo ali a não corresponder.
A ascensão do homem de Barrancos representaria a vitória do mundo rural sobre o da cidade. No cômputo geral, ele ganhou €100 mil (na moeda de então, vinte mil contos) e um automóvel Kia Suma, mais o direito (e obrigação) de ir a festas e cobrar dinheiro por isso, entrando ainda num anúncio de televisão e outdoors. Por seu lado, a TVI, o canal de televisão que passa o Big Brother (BB), fez do programa uma das âncoras da sua passagem ao primeiro lugar das audiências em Portugal. As outras âncoras foram os noticiários sensacionalistas das 20 horas, a ficção portuguesa (destronando as telenovelas brasileiras) e o comentário político de Marcelo Rebelo de Sousa [adenda escrita às 12:27, após leitura das edições em papel dos jornais Público e Diário de Notícias de hoje: a TVI passará a transmitir os jogos de futebol da Superliga nos próximos dois anos, aposta considerada estratégica para Paes do Amaral, o patrão do canal].
Convencido de que conquistara o mundo, Zé Maria mudou-se para a zona residencial do Areeiro e abriu um restaurante, com outros colegas do BB, O Canto dos Pratos. Mas a competência dele não chegou para as encomendas e, provavelmente mal aconselhado, a sua vida de conhecido passou para um plano inclinado. Como Wharol dizia sobre o estrelato em geral, os quinze minutos de fama de Zé Maria estavam a chegar ao fim. Daí o feliz título da sua estória, ontem na revista Visão: Estrela Cadente.
Panóptico
Aqui entra o panóptico, que Foucault referia em Vigiar e punir. No caso do BB, o vigiar correspondeu a um ganho material e uma grande visibilidade pública ao cidadão Zé Maria (assim, com nome próprio mas sem o nome de família). A vigilância foi feroz, a TVI criou um canal próprio para os espectadores seguirem minuto a minuto o que os residentes naquela casa faziam. E sabe-se que o director-geral da TVI terá atrasado a saída de um avião por estar a negociar a emissão de uma cena da relação sexual que entretanto aconteceu. O pico de audiência na TVI justificara a decisão do dirigente da televisão, que mandou às malvas qualquer questão moral.
Mas Zé Maria não se livrou do panóptico. Regressado à vida “real”, e enquanto era fotografado para as revistas cor-de-rosa, que deram um espaço às figuras anónimas do povo, apareceram novos amigos ao jovem de Barrancos. Uns aconselhando num sentido, outros noutro. O pobre deve ter ficado embaraçado com tantas opiniões divergentes. Mas sempre com os fotógrafos às costas e as revistas de mexericos mostrando o que fazia e não fazia.
Agora, o pretenso suicídio, relatado pelo Correio da Manhã, e a entrada no hospital Curry Cabral (ala dos doentes com problemas mentais), relatado pelo 24 Horas, mostra o quanto a vigilância não premeia mas pune. Resta agora que a sua vida – embora sem a espessura de outras estórias, como a da Dona Branca (a banqueira do povo) ou a do capitão Roby (um grande sedutor) – passe a filme ou série. A TVI tem certamente isso em mente. Ficava bem aos responsáveis do canal. O actor principal deverá ser, claro, Zé Maria, ele próprio! O realismo televisivo assim o exige.
Fiz já aqui uma referência ao primeiro herói do Big Brother em Portugal. Foi na passagem de ano de 2000 que o Zé Maria (de Barrancos, uma vila quase esquecida do Alentejo profundo, a entrar em Espanha) ganhou o concurso. Figura simples, tendo como profissão original a de servente de pedreiro, o concorrente ganhou notoriedade por duas simples frases que enunciava frequentemente – como se fosse o soundite da mensagem política ou o slogan da mensagem publicitária – e por desenvolver uma das duas características dos portugueses (a manha; a outra é o desenrascanço, que se viu depois ele não possuir). Associado à manha de não se meter nos assuntos dos outros, ele cultivou o gosto de tratar de umas galinhas que a produção do reality show lá colocou. Mostrou ainda uma paixão meiga por uma das concorrentes, que apareceu logo ali a não corresponder.
A ascensão do homem de Barrancos representaria a vitória do mundo rural sobre o da cidade. No cômputo geral, ele ganhou €100 mil (na moeda de então, vinte mil contos) e um automóvel Kia Suma, mais o direito (e obrigação) de ir a festas e cobrar dinheiro por isso, entrando ainda num anúncio de televisão e outdoors. Por seu lado, a TVI, o canal de televisão que passa o Big Brother (BB), fez do programa uma das âncoras da sua passagem ao primeiro lugar das audiências em Portugal. As outras âncoras foram os noticiários sensacionalistas das 20 horas, a ficção portuguesa (destronando as telenovelas brasileiras) e o comentário político de Marcelo Rebelo de Sousa [adenda escrita às 12:27, após leitura das edições em papel dos jornais Público e Diário de Notícias de hoje: a TVI passará a transmitir os jogos de futebol da Superliga nos próximos dois anos, aposta considerada estratégica para Paes do Amaral, o patrão do canal].
Convencido de que conquistara o mundo, Zé Maria mudou-se para a zona residencial do Areeiro e abriu um restaurante, com outros colegas do BB, O Canto dos Pratos. Mas a competência dele não chegou para as encomendas e, provavelmente mal aconselhado, a sua vida de conhecido passou para um plano inclinado. Como Wharol dizia sobre o estrelato em geral, os quinze minutos de fama de Zé Maria estavam a chegar ao fim. Daí o feliz título da sua estória, ontem na revista Visão: Estrela Cadente.
Panóptico
Aqui entra o panóptico, que Foucault referia em Vigiar e punir. No caso do BB, o vigiar correspondeu a um ganho material e uma grande visibilidade pública ao cidadão Zé Maria (assim, com nome próprio mas sem o nome de família). A vigilância foi feroz, a TVI criou um canal próprio para os espectadores seguirem minuto a minuto o que os residentes naquela casa faziam. E sabe-se que o director-geral da TVI terá atrasado a saída de um avião por estar a negociar a emissão de uma cena da relação sexual que entretanto aconteceu. O pico de audiência na TVI justificara a decisão do dirigente da televisão, que mandou às malvas qualquer questão moral.
Mas Zé Maria não se livrou do panóptico. Regressado à vida “real”, e enquanto era fotografado para as revistas cor-de-rosa, que deram um espaço às figuras anónimas do povo, apareceram novos amigos ao jovem de Barrancos. Uns aconselhando num sentido, outros noutro. O pobre deve ter ficado embaraçado com tantas opiniões divergentes. Mas sempre com os fotógrafos às costas e as revistas de mexericos mostrando o que fazia e não fazia.
Agora, o pretenso suicídio, relatado pelo Correio da Manhã, e a entrada no hospital Curry Cabral (ala dos doentes com problemas mentais), relatado pelo 24 Horas, mostra o quanto a vigilância não premeia mas pune. Resta agora que a sua vida – embora sem a espessura de outras estórias, como a da Dona Branca (a banqueira do povo) ou a do capitão Roby (um grande sedutor) – passe a filme ou série. A TVI tem certamente isso em mente. Ficava bem aos responsáveis do canal. O actor principal deverá ser, claro, Zé Maria, ele próprio! O realismo televisivo assim o exige.
quinta-feira, 19 de agosto de 2004
OS BLOGUES SEGUNDO MÁRIO MESQUITA
Antes de partir para férias, Mário Mesquita deixou-nos um exemplar texto sobre os blogues (Público, 8 de Agosto, de que incluo aqui ao lado uma parcela da sua crónica, toda anotada por mim).
Para Mário Mesquita, jornalista e professor universitário, "as novas tecnologias possibilitaram o surgimento de um «jornalismo pessoal» ou «amador»". Isto tendo como base a acreditação de blogues para a convenção democrata realizada há pouco em Boston, MA, e a edição recente de textos de Pedro Mexia, escritos inicialmente em blogue. Na sua análise, Mesquita usa ainda o livro de Elisabete Barbosa e António Granado (Weblogs, diário de bordo), editado este ano. E, assim, conclui que o surgimento dos blogues informativos possibilitou o aparecimento do jornalismo amador, "atendendo à semelhança que ele revela com o trabalho jornalístico propriamente dito".
Mais à frente, elabora o seu núcleo fundamental de definição de jornalismo no ciberespaço, associado a blogue informativo [o cronista usa as palavras blog e blogger]. Para ele, o jornalismo no ciberespaço caracteriza-se por três tipos: 1) a informação jornalística em si, 2) a informação organizacional e institucional (comunicação empresarial), e 3) o jornalismo pessoal ou amador. Este último tipo é o da "produção parajornalística de cidadãos que desejam intervir no espaço público e, por vezes, recorrem a formas de expressão inspiradas nos géneros jornalísticos tradicionais".
A minha leitura dos blogues
Tenho uma grande admiração por Mário Mesquita. Ele é o director da colecção de livros sobre comunicação da MinervaCoimbra, onde foram publicados os meus livros A negociação entre fontes e jornalistas (1997), correspondente à minha tese de mestrado, e Jornalistas e fontes de informação. A sua relação na perspectiva da sociologia do jornalismo (2003), correspondente ao primeiro capítulo da minha tese de doutoramento. Mas não concordo totalmente com a leitura que faz dos blogues.
Um blogue está para além do jornalismo. É um caderno pessoal, um espaço de afirmação e selecção, para além dos pressupostos estéticos, dentro das opções proporcionadas pelo meio. Eu coloco o blogue no cruzamento da comunicação de massa com a comunicação interpessoal, onde as notícias se podem associar a rumores, desejos ou vontades. O blogue é ainda um espaço de auto-referência, com sobre-representação do(s) seu(s) autor(es), o que o torna parcial e subjectivo, e que é o contrário do que se pretende com o jornalismo. Além disso, nem sempre tem a pretensão da actualidade da informação que produz, funcionando numa dimensão atemporal.
O bloguista pode ter uma pretensão de enciclopedista, criando múltiplas entradas, sem procurar o lucro material, mas tão só a sua divulgação. Segue também o sentido proactivo dos novos grupos. Eu próprio já participei num almoço de bloguistas (não conhecia ninguém), já troquei livros, já fiz um inquérito, já desafiei à realização de uma tertúlia de poesia [esperemos que o Outono traga novidades], já polemizei com provedores dos leitores de jornais, formando uma comunidade alheia aos processos de recolha, selecção, interpretação e produção das notícias. A que acrescento uma liberdade de temas, espaço e periodicidade que o jornalista profissional não tem.
Claro que há pontes. O bloguista (ou blogueiro) fala de edição [acima do espaço de escrita das mensagens aparece duas vezes a palavra edit: posts, HTML - o que condiciona a linguagem do bloguista]. Também procura, com frequência, dar nota do insólito e do novo, valores-notícia do jornalismo. E, se no blogue, ainda não se fala de uma estrutura económica, com remunerações e carreiras - como no começo do jornalismo clássico -, nota-se uma tendência para a sua profissionalização. Pelo menos, há já empresas de jornalismo digital, o que representa um estádio para além do jornalismo forjado no século XIX.
[a escrita desta mensagem demorou aproximadamente 75 minutos]
Antes de partir para férias, Mário Mesquita deixou-nos um exemplar texto sobre os blogues (Público, 8 de Agosto, de que incluo aqui ao lado uma parcela da sua crónica, toda anotada por mim).
Para Mário Mesquita, jornalista e professor universitário, "as novas tecnologias possibilitaram o surgimento de um «jornalismo pessoal» ou «amador»". Isto tendo como base a acreditação de blogues para a convenção democrata realizada há pouco em Boston, MA, e a edição recente de textos de Pedro Mexia, escritos inicialmente em blogue. Na sua análise, Mesquita usa ainda o livro de Elisabete Barbosa e António Granado (Weblogs, diário de bordo), editado este ano. E, assim, conclui que o surgimento dos blogues informativos possibilitou o aparecimento do jornalismo amador, "atendendo à semelhança que ele revela com o trabalho jornalístico propriamente dito".
Mais à frente, elabora o seu núcleo fundamental de definição de jornalismo no ciberespaço, associado a blogue informativo [o cronista usa as palavras blog e blogger]. Para ele, o jornalismo no ciberespaço caracteriza-se por três tipos: 1) a informação jornalística em si, 2) a informação organizacional e institucional (comunicação empresarial), e 3) o jornalismo pessoal ou amador. Este último tipo é o da "produção parajornalística de cidadãos que desejam intervir no espaço público e, por vezes, recorrem a formas de expressão inspiradas nos géneros jornalísticos tradicionais".
A minha leitura dos blogues
Tenho uma grande admiração por Mário Mesquita. Ele é o director da colecção de livros sobre comunicação da MinervaCoimbra, onde foram publicados os meus livros A negociação entre fontes e jornalistas (1997), correspondente à minha tese de mestrado, e Jornalistas e fontes de informação. A sua relação na perspectiva da sociologia do jornalismo (2003), correspondente ao primeiro capítulo da minha tese de doutoramento. Mas não concordo totalmente com a leitura que faz dos blogues.
Um blogue está para além do jornalismo. É um caderno pessoal, um espaço de afirmação e selecção, para além dos pressupostos estéticos, dentro das opções proporcionadas pelo meio. Eu coloco o blogue no cruzamento da comunicação de massa com a comunicação interpessoal, onde as notícias se podem associar a rumores, desejos ou vontades. O blogue é ainda um espaço de auto-referência, com sobre-representação do(s) seu(s) autor(es), o que o torna parcial e subjectivo, e que é o contrário do que se pretende com o jornalismo. Além disso, nem sempre tem a pretensão da actualidade da informação que produz, funcionando numa dimensão atemporal.
O bloguista pode ter uma pretensão de enciclopedista, criando múltiplas entradas, sem procurar o lucro material, mas tão só a sua divulgação. Segue também o sentido proactivo dos novos grupos. Eu próprio já participei num almoço de bloguistas (não conhecia ninguém), já troquei livros, já fiz um inquérito, já desafiei à realização de uma tertúlia de poesia [esperemos que o Outono traga novidades], já polemizei com provedores dos leitores de jornais, formando uma comunidade alheia aos processos de recolha, selecção, interpretação e produção das notícias. A que acrescento uma liberdade de temas, espaço e periodicidade que o jornalista profissional não tem.
Claro que há pontes. O bloguista (ou blogueiro) fala de edição [acima do espaço de escrita das mensagens aparece duas vezes a palavra edit: posts, HTML - o que condiciona a linguagem do bloguista]. Também procura, com frequência, dar nota do insólito e do novo, valores-notícia do jornalismo. E, se no blogue, ainda não se fala de uma estrutura económica, com remunerações e carreiras - como no começo do jornalismo clássico -, nota-se uma tendência para a sua profissionalização. Pelo menos, há já empresas de jornalismo digital, o que representa um estádio para além do jornalismo forjado no século XIX.
[a escrita desta mensagem demorou aproximadamente 75 minutos]
quarta-feira, 18 de agosto de 2004
HENRI CARTIER-BRESSON (22.8.1908-3.8.2004)
As imagens e páginas que insiro de seguida foram retiradas, respectivamente, da Visão (12 de Agosto), DNA (13 de Agosto) e Expresso (14 de Agosto), fazendo-se acompanhar de textos e belas imagens do fotógrafo agora desaparecido.
Henri Cartier-Bresson nascera no interior de uma família rica com negócios ligados à indústria têxtil. Mas, logo aos 15 anos, renunciou ao ramo da família e dedicou-se ao estudo da pintura. Marcado fortemente pelo surrealismo e apoiante da Frente Popular [um filme agora visto por mim, O Agente Triplo, de Éric Rohmer, faz-me pensar numa revisão da história desse período], Henri Cartier-Bresson iria, em 1931, para a Costa do Marfim, já apaixonado pela fotografia. No ano seguinte descobre a máquina fotográfica Leica, que o acompanhará doravante.
Depois, é a vez de se deslocar ao continente americano. Expõe, em 1933, em Nova Iorque e publica Arts et métiers graphiques. Percorre o México - crucial para o seu trabalho - e os Estados Unidos em 1934-5. Nos anos seguintes, está a servir de assistente do cineasta Jean Renoir. Na guerra, seria preso pelos alemães, conseguindo fugir à terceira tentativa, em 1943. Terminava, nessa época, aquele que se considera o seu período de juventude, a que se seguiu o da maturidade, coincidindo com o pós II Guerra Mundial.
É em 1947 que funda a agência Magnum, conjuntamente com Robert Capa, "Chim" Seymour e George Rodger, e inicia a série de imagens fotojornalísticas, nos anos 1950 e 1960. Ainda em 1947, assiste aquilo que seria a sua retrospectiva póstuma no MOMA de Nova Iorque. Logo no começo da Guerra, os americanos, julgando-o morto, quiseram prestar-lhe uma homenagem. Só que ele estava apenas preso, como escrevi acima, e a exposição foi adiada para depois do final do conflito.
Bastante mais tarde, rompe com a Magnum em 1966 e casa, quatro anos depois, com a fotógrafa Martine Franck. Abandona a fotografia e passa a dedicar-se ao desenho, embora nunca com o mesmo génio do fotógrafo.
Fotografar como fusão dos olhares humano e tecnológico
É neste sentido que aponta João Mário Grilo no seu texto publicado na Visão de 12 de Agosto. Mas vejamos as próprias palavras do cineasta e académico português: "o seu desaparecimento vem recolocar, dolorosamente, uma série de questões fundamentais sobre as imagens, o posicionamento ético e formal de quem as produz e o respeito que merece quem as vê. Qualquer fotografia de Cartier-Bresson é uma resposta «instantânea» e sublime a todas estas questões: a realização suprema da fotografia como fusão entre o mistério do olhar humano e o (não menor) mistério do olhar tecnológico". Dizia Cartier-Bresson: "Para mim, a fotografia é o reconhecimento simultâneo, numa fracção de segundo, do significado de um acontecimento e da organização exacta das formas que o expressam" (frase que cobre a capa do DNA, de 13 de Agosto). Por isso se permitia dizer "Susan Sontag? Nunca li. E não sei se ela é muito visual, mas é uma senhora gentil que fotografei" (da entrevista dada por ele a Sheila Leirner e editada no mesmo DNA). E mais: "Benjamin, Barthes, a mesma coisa, não me interesso por teorias sobre fotografia".
A fotografia em si não o interessava ,ainda segundo a mesma entrevista: "O que me importa é a vida e o meio imediato de transcrevê-la. A máquina fotográfica é um caderno de croquis, é o desenho imediato, com a sensibilidade, a surpresa, o subconsciente, o gosto pela forma. Eu faço pintura, estudei pintura desde os 15 anos".
As imagens e páginas que insiro de seguida foram retiradas, respectivamente, da Visão (12 de Agosto), DNA (13 de Agosto) e Expresso (14 de Agosto), fazendo-se acompanhar de textos e belas imagens do fotógrafo agora desaparecido.
Henri Cartier-Bresson nascera no interior de uma família rica com negócios ligados à indústria têxtil. Mas, logo aos 15 anos, renunciou ao ramo da família e dedicou-se ao estudo da pintura. Marcado fortemente pelo surrealismo e apoiante da Frente Popular [um filme agora visto por mim, O Agente Triplo, de Éric Rohmer, faz-me pensar numa revisão da história desse período], Henri Cartier-Bresson iria, em 1931, para a Costa do Marfim, já apaixonado pela fotografia. No ano seguinte descobre a máquina fotográfica Leica, que o acompanhará doravante.
Depois, é a vez de se deslocar ao continente americano. Expõe, em 1933, em Nova Iorque e publica Arts et métiers graphiques. Percorre o México - crucial para o seu trabalho - e os Estados Unidos em 1934-5. Nos anos seguintes, está a servir de assistente do cineasta Jean Renoir. Na guerra, seria preso pelos alemães, conseguindo fugir à terceira tentativa, em 1943. Terminava, nessa época, aquele que se considera o seu período de juventude, a que se seguiu o da maturidade, coincidindo com o pós II Guerra Mundial.
É em 1947 que funda a agência Magnum, conjuntamente com Robert Capa, "Chim" Seymour e George Rodger, e inicia a série de imagens fotojornalísticas, nos anos 1950 e 1960. Ainda em 1947, assiste aquilo que seria a sua retrospectiva póstuma no MOMA de Nova Iorque. Logo no começo da Guerra, os americanos, julgando-o morto, quiseram prestar-lhe uma homenagem. Só que ele estava apenas preso, como escrevi acima, e a exposição foi adiada para depois do final do conflito.
Bastante mais tarde, rompe com a Magnum em 1966 e casa, quatro anos depois, com a fotógrafa Martine Franck. Abandona a fotografia e passa a dedicar-se ao desenho, embora nunca com o mesmo génio do fotógrafo.
Fotografar como fusão dos olhares humano e tecnológico
É neste sentido que aponta João Mário Grilo no seu texto publicado na Visão de 12 de Agosto. Mas vejamos as próprias palavras do cineasta e académico português: "o seu desaparecimento vem recolocar, dolorosamente, uma série de questões fundamentais sobre as imagens, o posicionamento ético e formal de quem as produz e o respeito que merece quem as vê. Qualquer fotografia de Cartier-Bresson é uma resposta «instantânea» e sublime a todas estas questões: a realização suprema da fotografia como fusão entre o mistério do olhar humano e o (não menor) mistério do olhar tecnológico". Dizia Cartier-Bresson: "Para mim, a fotografia é o reconhecimento simultâneo, numa fracção de segundo, do significado de um acontecimento e da organização exacta das formas que o expressam" (frase que cobre a capa do DNA, de 13 de Agosto). Por isso se permitia dizer "Susan Sontag? Nunca li. E não sei se ela é muito visual, mas é uma senhora gentil que fotografei" (da entrevista dada por ele a Sheila Leirner e editada no mesmo DNA). E mais: "Benjamin, Barthes, a mesma coisa, não me interesso por teorias sobre fotografia".
A fotografia em si não o interessava ,ainda segundo a mesma entrevista: "O que me importa é a vida e o meio imediato de transcrevê-la. A máquina fotográfica é um caderno de croquis, é o desenho imediato, com a sensibilidade, a surpresa, o subconsciente, o gosto pela forma. Eu faço pintura, estudei pintura desde os 15 anos".
terça-feira, 17 de agosto de 2004
MAIS NOTÍCIAS DA GRÉCIA
À margem dos Jogos Olímpicos, há notícias interessantes sobre os media. Como ontem, pico o sítio do European Journalism Centre.
A primeira notícia dá conta do novo acordo colectivo dos jornalistas gregos, e que inclui melhores valores de pensões e aumenta as regalias para as jornalistas mães. O acordo seguiu-se a um conjunto de greves. Embora o take não o diga, presumo que os Jogos Olímpicos terão funcionado como pano de fundo para se chegar ao acordo. A segunda notícia descreve o encerramento temporário do local de trabalho dos jornalistas, no passado sábado. Isto porque uma mala pertencendo ao jornalista John Anthony, da Associated Press Radio em Washington, tinha um frasco de aftershave que a polícia suspeitava de conter um explosivo. Polícias e cães ocuparam-se do escrutínio: é que parece ter existido um explosivo na área onde o jornalista deixou a mala!
À margem dos Jogos Olímpicos, há notícias interessantes sobre os media. Como ontem, pico o sítio do European Journalism Centre.
A primeira notícia dá conta do novo acordo colectivo dos jornalistas gregos, e que inclui melhores valores de pensões e aumenta as regalias para as jornalistas mães. O acordo seguiu-se a um conjunto de greves. Embora o take não o diga, presumo que os Jogos Olímpicos terão funcionado como pano de fundo para se chegar ao acordo. A segunda notícia descreve o encerramento temporário do local de trabalho dos jornalistas, no passado sábado. Isto porque uma mala pertencendo ao jornalista John Anthony, da Associated Press Radio em Washington, tinha um frasco de aftershave que a polícia suspeitava de conter um explosivo. Polícias e cães ocuparam-se do escrutínio: é que parece ter existido um explosivo na área onde o jornalista deixou a mala!
INDÚSTRIA DE JOGOS VÍDEO COM ESTIMATIVA DE CRESCIMENTO DE 57% EM QUATRO ANOS
Conforme a newsletter do Obercom, de 13 de Agosto, em texto de Maria João Taborda, o “mercado global de jogos vídeo irá valer, em 2007, 52 mil milhões de dólares, o que representa um crescimento de 56,6% relativamente aos 33,2 mil milhões assinalados em 2003”. A notícia segue estimativas divulgadas pelo “Informa Media Group” no relatório Dynamics of Games. O crescimento ocorrerá nos segmentos de jogos associados a Internet de banda larga, plataformas móveis e televisão interactiva. Prevê-se que todo este segmento, que rendeu 2,5 mil milhões de dólares em 2003, atingirá 8,8 mil milhões de dólares daqui a três anos. Ainda segundo a mesma newsletter, as estimativas sobre o segmento de jogos online apontam para um crescimento das receitas até 8,9 mil milhões de dólares em 2009 (relatório The Online Game Market 2004, da “DFC Intelligence”).
A implantação da banda larga e a expansão dos serviços online das consolas (PS2 e Xbox Live) condicionarão o crescimento do segmento de jogos online. Um dos motores de expansão do segmento de plataformas portáteis (hardware e software) será o lançamento de novas máquinas da Sony e da Nintendo. Por seu lado, o segmento de jogos para televisão interactiva crescerá dentro dos serviços de televisão digital. Aponta-se uma previsão de receitas de 2,9 mil milhões de dólares em 2010. Mas a fatia maior das receitas continuará a pertencer, no entanto, aos jogos para consolas. De acordo com o "Informa Media Group", estima-se para 2010 que o segmento represente 51% do mercado de videojogos.
O pai da Nintendo e do Super-Mário
Hiroshi Yamauchi é um japonês de 75 anos de idade que criou a Nintendo, empresa que lançou a consola de jogos vídeo, responsável por uma nova paisagem no mundo da diversão. Assim, a consola passou a ser utilizada em milhões de lares e ocupou muitas das horas livres de grande parte de uma geração. Yamauchi deixou a lugar de presidente executivo da sua empresa, em Maio de 2002, após 53 anos de liderança (imagem retirada do sítio Forbes.com).
Yamauchi sempre valorizou a tecnologia e o potencial do mercado infantil e juvenil, escreveu Darcy A. Cowe, no El Pais de 15 de Agosto último. No final dos anos de 1980, a sua empresa controlava 80% do mercado de consolas em todo o mundo. Os protagonistas das suas histórias nos jogos disputavam a cultura electrónica do mesmo modo que os personagens de Walt Disney. Hoje, fala-se da compra da Nintendo pelo líder de mercado, a Microsoft [com 15 milhões de consolas Xbox vendidas anualmente, o segundo lugar pertence à Sony e o terceiro à própria Nintendo, com 14 milhões de consolas anualmente vendidas; mas a Nintendo mantém a liderança da marca Gameboy]. A concretizar-se o negócio, a biblioteca de jogos da Microsoft juntaria o Super-Mário com o Pato Donald.
Conforme a newsletter do Obercom, de 13 de Agosto, em texto de Maria João Taborda, o “mercado global de jogos vídeo irá valer, em 2007, 52 mil milhões de dólares, o que representa um crescimento de 56,6% relativamente aos 33,2 mil milhões assinalados em 2003”. A notícia segue estimativas divulgadas pelo “Informa Media Group” no relatório Dynamics of Games. O crescimento ocorrerá nos segmentos de jogos associados a Internet de banda larga, plataformas móveis e televisão interactiva. Prevê-se que todo este segmento, que rendeu 2,5 mil milhões de dólares em 2003, atingirá 8,8 mil milhões de dólares daqui a três anos. Ainda segundo a mesma newsletter, as estimativas sobre o segmento de jogos online apontam para um crescimento das receitas até 8,9 mil milhões de dólares em 2009 (relatório The Online Game Market 2004, da “DFC Intelligence”).
A implantação da banda larga e a expansão dos serviços online das consolas (PS2 e Xbox Live) condicionarão o crescimento do segmento de jogos online. Um dos motores de expansão do segmento de plataformas portáteis (hardware e software) será o lançamento de novas máquinas da Sony e da Nintendo. Por seu lado, o segmento de jogos para televisão interactiva crescerá dentro dos serviços de televisão digital. Aponta-se uma previsão de receitas de 2,9 mil milhões de dólares em 2010. Mas a fatia maior das receitas continuará a pertencer, no entanto, aos jogos para consolas. De acordo com o "Informa Media Group", estima-se para 2010 que o segmento represente 51% do mercado de videojogos.
O pai da Nintendo e do Super-Mário
Hiroshi Yamauchi é um japonês de 75 anos de idade que criou a Nintendo, empresa que lançou a consola de jogos vídeo, responsável por uma nova paisagem no mundo da diversão. Assim, a consola passou a ser utilizada em milhões de lares e ocupou muitas das horas livres de grande parte de uma geração. Yamauchi deixou a lugar de presidente executivo da sua empresa, em Maio de 2002, após 53 anos de liderança (imagem retirada do sítio Forbes.com).
Yamauchi sempre valorizou a tecnologia e o potencial do mercado infantil e juvenil, escreveu Darcy A. Cowe, no El Pais de 15 de Agosto último. No final dos anos de 1980, a sua empresa controlava 80% do mercado de consolas em todo o mundo. Os protagonistas das suas histórias nos jogos disputavam a cultura electrónica do mesmo modo que os personagens de Walt Disney. Hoje, fala-se da compra da Nintendo pelo líder de mercado, a Microsoft [com 15 milhões de consolas Xbox vendidas anualmente, o segundo lugar pertence à Sony e o terceiro à própria Nintendo, com 14 milhões de consolas anualmente vendidas; mas a Nintendo mantém a liderança da marca Gameboy]. A concretizar-se o negócio, a biblioteca de jogos da Microsoft juntaria o Super-Mário com o Pato Donald.
segunda-feira, 16 de agosto de 2004
FALHA NA TRANSMISSÃO DA TELEVISÃO=DEMISSÃO
Dois gestores da televisão pública grega ET-1 demitiram-se após uma falha técnica no desafio inaugural de futebol nos Jogos Olímpicos. Os espectadores gregos perderam vinte e cinco minutos do jogo entre a Grécia e a Coreia do Sul devido a uma falha de sinal. Demitiram-se o director de programas, John Kalimeris, e o director técnico, Giorgos Papamokos. O primeiro explicou que a culpa era sua e tinha a certeza de que não haveria repetição do problema.
Felizmente que, conclui o take do European Journalism Centre, que estou a seguir, não houve problemas semelhantes na abertura oficial dos Jogos, na passada sexta-feira. E eu pergunto: se fosse em Portugal, país de brandos costumes, tal aconteceria?
Dois gestores da televisão pública grega ET-1 demitiram-se após uma falha técnica no desafio inaugural de futebol nos Jogos Olímpicos. Os espectadores gregos perderam vinte e cinco minutos do jogo entre a Grécia e a Coreia do Sul devido a uma falha de sinal. Demitiram-se o director de programas, John Kalimeris, e o director técnico, Giorgos Papamokos. O primeiro explicou que a culpa era sua e tinha a certeza de que não haveria repetição do problema.
Felizmente que, conclui o take do European Journalism Centre, que estou a seguir, não houve problemas semelhantes na abertura oficial dos Jogos, na passada sexta-feira. E eu pergunto: se fosse em Portugal, país de brandos costumes, tal aconteceria?
DAS COISAS QUE HOJE LI NA NET
A Rede Orkut
É a estória de Gabriel Barbosa Souza, de 23 anos, certamente uma personagem fictícia. Gabriel decidiu, mais uma colega, reconstituir a turma da escola. Primeiro encontraram-se num bar, para planear o como reencontrar a turma perdida; depois, escreve a revista Época: “Nas duas semanas seguintes, deu-se a caça aos colegas. As armas usadas: o próprio Orkut, e-mail, ferramentas para conversas em tempo real pela internet, como o Messenger e o ICQ, telefone e a mão para bater em portas. Conforme iam sendo localizadas, as pessoas eram convidadas a entrar no Orkut. Nesse ambiente virtual, os velhos amigos formaram uma comunidade, um grupo no qual passaram a trocar mensagens e fotos, aos poucos retomando a intimidade dos tempos de infância. Até que a amizade saltou para fora da tela: em 6 de agosto, 17 ex-alunos da escolinha de Campinas conversavam animadamente em um churrasco na casa de Gabriel Souza, como se nunca tivessem deixado de se ver”.
Hoje, os modos de comunicar são cada vez mais em rede. Eu estou ligado ao Orkut, mas também me convidaram recentemente para o Multiply, onde coloquei algumas fotografias. Mas permaneço na fase beta (de testes): não sei eliminar uma imagem que coloquei mas ficou mal.
(Observação: segui o rasto deixado pela mensagem colocada ontem pela Daniela Bertocchi, no Intermezzo)
O Zé Maria quer-se suicidar
Vem hoje no Correio da Manhã. Com o título “Exclusivo CM hoje nas bancas. Zé Maria em noite negra”. E lê-se “Os dois elementos da Brigada de Trânsito da ponte falaram com o jovem durante 45 minutos, tentando desmotivá-lo de atirar-se ao rio. Saiba tudo, na edição de segunda-feira do Correio da Manhã”. Ora, o Zé Maria, para quem já se esqueceu dele, foi o primeiro vencedor do Big Brother em Portugal. Cheio de fama e de proveito monetário, o homem de Barrancos abriu um restaurante, depois fechado por falência. Agora passa por uma noite negra, manchete na versão de papel deste jornal popular, o segundo mais vendido no país.
O sítio do Correio da Manhã tem espaço para comentários. Alguns dos autores destes acham que se trata de manobra publicitária. Outros posicionam-se entre a comiseração e o cinismo. Eis alguns deles:
1) Joana Monteiro – “Espero que o Zé Maria reconsidere. Certamente terá coisas boas em que se apoiar. E para os que fizeram comentários venenosos: o Zé Maria não os merece, nunca fez nada de tão desagradável que os proporcione. Boa sorte, Zé Maria! (Lisboa)”.
2) Nelson Raposo – “O pobre do moço acordou agora. Devia ter ficado quietinho em Barrancos e nesta altura não se passava nada. As câmaras são facas de dois gumes”.
3) R. Silva – “Nunca fui com a cara dele, ao contrário de 99% de Portugal, mas também como não vejo telenovelas, já não é de admirar. Espero que agora enviem flores ao moço e postais para que ele se sinta melhor”.
4) Zé Manuel – “Transformam um pedreiro num "ídolo" e depois dá nisto... Deixem as pessoas no seu lugar, no lugar a que pertencem! Cada macaco no seu galho”.
5) Seinfeld – “Tanto tempo e não se atirou?! Vai na volta não sabe nadar”.
A Rede Orkut
É a estória de Gabriel Barbosa Souza, de 23 anos, certamente uma personagem fictícia. Gabriel decidiu, mais uma colega, reconstituir a turma da escola. Primeiro encontraram-se num bar, para planear o como reencontrar a turma perdida; depois, escreve a revista Época: “Nas duas semanas seguintes, deu-se a caça aos colegas. As armas usadas: o próprio Orkut, e-mail, ferramentas para conversas em tempo real pela internet, como o Messenger e o ICQ, telefone e a mão para bater em portas. Conforme iam sendo localizadas, as pessoas eram convidadas a entrar no Orkut. Nesse ambiente virtual, os velhos amigos formaram uma comunidade, um grupo no qual passaram a trocar mensagens e fotos, aos poucos retomando a intimidade dos tempos de infância. Até que a amizade saltou para fora da tela: em 6 de agosto, 17 ex-alunos da escolinha de Campinas conversavam animadamente em um churrasco na casa de Gabriel Souza, como se nunca tivessem deixado de se ver”.
Hoje, os modos de comunicar são cada vez mais em rede. Eu estou ligado ao Orkut, mas também me convidaram recentemente para o Multiply, onde coloquei algumas fotografias. Mas permaneço na fase beta (de testes): não sei eliminar uma imagem que coloquei mas ficou mal.
(Observação: segui o rasto deixado pela mensagem colocada ontem pela Daniela Bertocchi, no Intermezzo)
O Zé Maria quer-se suicidar
Vem hoje no Correio da Manhã. Com o título “Exclusivo CM hoje nas bancas. Zé Maria em noite negra”. E lê-se “Os dois elementos da Brigada de Trânsito da ponte falaram com o jovem durante 45 minutos, tentando desmotivá-lo de atirar-se ao rio. Saiba tudo, na edição de segunda-feira do Correio da Manhã”. Ora, o Zé Maria, para quem já se esqueceu dele, foi o primeiro vencedor do Big Brother em Portugal. Cheio de fama e de proveito monetário, o homem de Barrancos abriu um restaurante, depois fechado por falência. Agora passa por uma noite negra, manchete na versão de papel deste jornal popular, o segundo mais vendido no país.
O sítio do Correio da Manhã tem espaço para comentários. Alguns dos autores destes acham que se trata de manobra publicitária. Outros posicionam-se entre a comiseração e o cinismo. Eis alguns deles:
1) Joana Monteiro – “Espero que o Zé Maria reconsidere. Certamente terá coisas boas em que se apoiar. E para os que fizeram comentários venenosos: o Zé Maria não os merece, nunca fez nada de tão desagradável que os proporcione. Boa sorte, Zé Maria! (Lisboa)”.
2) Nelson Raposo – “O pobre do moço acordou agora. Devia ter ficado quietinho em Barrancos e nesta altura não se passava nada. As câmaras são facas de dois gumes”.
3) R. Silva – “Nunca fui com a cara dele, ao contrário de 99% de Portugal, mas também como não vejo telenovelas, já não é de admirar. Espero que agora enviem flores ao moço e postais para que ele se sinta melhor”.
4) Zé Manuel – “Transformam um pedreiro num "ídolo" e depois dá nisto... Deixem as pessoas no seu lugar, no lugar a que pertencem! Cada macaco no seu galho”.
5) Seinfeld – “Tanto tempo e não se atirou?! Vai na volta não sabe nadar”.
O-Zone: o fenómeno musical deste verão
No blogue Renas e veados, podemos encontrar informação sobre os O-zone e diversos comentários. Mas quem são os O-zone? E que fenómeno moderno tipificam?
Os O-zone, esclarece o blogue, são uma banda musical, vinda da Moldávia. Nele se escreve: "Há poucos minutos atrás, estava eu a teclar com o meu amigo Barba-Ruiva, que me contava entusiasmado que não ouvia outra coisa há dias, que só Dragostea din tei ecoava na sua cabeça, e era já o toque do seu telemóvel, pedi-lhe que me enviasse o mp3 da canção e todas as minhas certezas se confirmaram e amplificaram. Ouvir O-zone pela primeira vez é sentir que algo de absolutamente novo nos está a ser revelado, todas as nossas certezas, noções e gostos musicais sofrem um abalo. Esqueçam as t.A.T.u., esqueçam os Scissor Sisters, esta é uma nova dimensão musical. É o euro-gay-pimba elevado a patamares de perfeição nunca antes alcançados por género musical algum". Para o mesmo bloguista, "Os rapazes vivem na Roménia, são moldavos e cantam em moldavo (que por acaso é o mesmo que o romeno)".
Segundo um dos sítios da internet dedicados aos fãs, a história do grupo terá começado no ano de 1998, quando Dan Balan abandonou a sua banda de new metal e decidiu fazer uma coisa mais comercial, criando o primeiro grupo dance moldavo, exactamente o O-Zone. O seu primeiro grande êxito foi Numai tu, um dos dez temas editados no álbum Number 1 (2002), que chegou a duplo disco de ouro (imagem retirada do sítio Poze).
As necessidades da indústria discográfica...
Os O-zone, acrescento eu, fazem o hit do Verão mais tocado nas rádios, com passagem obrigatória nos canais musicais de televisão e de som dançável para as discotecas. Em cada Verão há um fenómeno assim. Quem não se lembra do "Asereje", das Ketchup, num outro Verão recente? Toda a gente as cantava, elas vieram a Portugal dar um concerto que não terá corrido muito bem, até os telemóveis incluiram um toque com a musiquinha. Mas, como uma borboleta nocturna em torno de uma lâmpada, ela tanto dança que se cansa e morre. Nunca mais ninguém ouviu falar das Ketchup!
Nestes últimos anos, e não fiz um estudo aprofundado para confirmar ou não, tais fenómenos de sucesso episódico têm de possuir ritmo contagiante e origem em países mais ou menos exóticos à cena musical dominante da indústria discográfica. A renovação de estilos musicais - para tudo se manter igual - é uma linha preciosa para que a indústria tenha lucros (não pretendo aqui seguir a linha de Theodor Adorno, mas que dá vontade, dá). Nos O-zone, há uma nostalgia mal requintada pelos anos 1970. Não sei, até por não ser especialista musical, se isso tem a ver com mudanças de regime político e necessidade de queimar etapas (aqui, ao invés, seria reviver um dado tempo mas com outra postura cultural).
... ou a alegria do alargamento da União Europeia
Mas vale a pena seguir o que o Nouvel Obs.com (Nouvel Observateur) escreveu a 13 de Julho: "Enfim, uma notícia que alegra os partidários do alargamento da União Europeia! A música que fará dançar este Verão italianos, eslovenos, alemães e ingleses numa espécie de fervor comunitário partilhado e que não vem do império americano. Mas da... Moldávia, pequeno país situado entre a Roménia e a Ucrânia. [...] A ofensiva vinda do Leste conquistou toda a Europa: «Dragostea din tei» (O amor sob as tílias) chegou rapidamente ao primeiro lugar em quase todos os países". A banda espera chegar aos três milhões de cópias até final do Verão (para além de várias versões). Escreve o Nouvel Observateur que tal fenómeno de vendas jamais se viu desde Lambada, lá para os finais dos anos 1980. E ameaça tornar-se um hino transeuropeu, logo agora que tínhamos embadeirado em arco com a "nossa" Nelly Furtado e a música do Euro 2004.
À atenção das fãs: Dan Balan, líder incontestado da banda tem 25 anos e é solteiro e sem namorada!
Preços: 1) disco, aproximadamente: €12; 2) transferência do toque da música «Dragostea din tei» para o telemóvel: entre €1 e 1,5.
[agradeço à Patrícia Santos a colaboração na pesquisa de informação e crítica da mensagem]
Os O-zone, esclarece o blogue, são uma banda musical, vinda da Moldávia. Nele se escreve: "Há poucos minutos atrás, estava eu a teclar com o meu amigo Barba-Ruiva, que me contava entusiasmado que não ouvia outra coisa há dias, que só Dragostea din tei ecoava na sua cabeça, e era já o toque do seu telemóvel, pedi-lhe que me enviasse o mp3 da canção e todas as minhas certezas se confirmaram e amplificaram. Ouvir O-zone pela primeira vez é sentir que algo de absolutamente novo nos está a ser revelado, todas as nossas certezas, noções e gostos musicais sofrem um abalo. Esqueçam as t.A.T.u., esqueçam os Scissor Sisters, esta é uma nova dimensão musical. É o euro-gay-pimba elevado a patamares de perfeição nunca antes alcançados por género musical algum". Para o mesmo bloguista, "Os rapazes vivem na Roménia, são moldavos e cantam em moldavo (que por acaso é o mesmo que o romeno)".
Segundo um dos sítios da internet dedicados aos fãs, a história do grupo terá começado no ano de 1998, quando Dan Balan abandonou a sua banda de new metal e decidiu fazer uma coisa mais comercial, criando o primeiro grupo dance moldavo, exactamente o O-Zone. O seu primeiro grande êxito foi Numai tu, um dos dez temas editados no álbum Number 1 (2002), que chegou a duplo disco de ouro (imagem retirada do sítio Poze).
As necessidades da indústria discográfica...
Os O-zone, acrescento eu, fazem o hit do Verão mais tocado nas rádios, com passagem obrigatória nos canais musicais de televisão e de som dançável para as discotecas. Em cada Verão há um fenómeno assim. Quem não se lembra do "Asereje", das Ketchup, num outro Verão recente? Toda a gente as cantava, elas vieram a Portugal dar um concerto que não terá corrido muito bem, até os telemóveis incluiram um toque com a musiquinha. Mas, como uma borboleta nocturna em torno de uma lâmpada, ela tanto dança que se cansa e morre. Nunca mais ninguém ouviu falar das Ketchup!
Nestes últimos anos, e não fiz um estudo aprofundado para confirmar ou não, tais fenómenos de sucesso episódico têm de possuir ritmo contagiante e origem em países mais ou menos exóticos à cena musical dominante da indústria discográfica. A renovação de estilos musicais - para tudo se manter igual - é uma linha preciosa para que a indústria tenha lucros (não pretendo aqui seguir a linha de Theodor Adorno, mas que dá vontade, dá). Nos O-zone, há uma nostalgia mal requintada pelos anos 1970. Não sei, até por não ser especialista musical, se isso tem a ver com mudanças de regime político e necessidade de queimar etapas (aqui, ao invés, seria reviver um dado tempo mas com outra postura cultural).
... ou a alegria do alargamento da União Europeia
Mas vale a pena seguir o que o Nouvel Obs.com (Nouvel Observateur) escreveu a 13 de Julho: "Enfim, uma notícia que alegra os partidários do alargamento da União Europeia! A música que fará dançar este Verão italianos, eslovenos, alemães e ingleses numa espécie de fervor comunitário partilhado e que não vem do império americano. Mas da... Moldávia, pequeno país situado entre a Roménia e a Ucrânia. [...] A ofensiva vinda do Leste conquistou toda a Europa: «Dragostea din tei» (O amor sob as tílias) chegou rapidamente ao primeiro lugar em quase todos os países". A banda espera chegar aos três milhões de cópias até final do Verão (para além de várias versões). Escreve o Nouvel Observateur que tal fenómeno de vendas jamais se viu desde Lambada, lá para os finais dos anos 1980. E ameaça tornar-se um hino transeuropeu, logo agora que tínhamos embadeirado em arco com a "nossa" Nelly Furtado e a música do Euro 2004.
À atenção das fãs: Dan Balan, líder incontestado da banda tem 25 anos e é solteiro e sem namorada!
Preços: 1) disco, aproximadamente: €12; 2) transferência do toque da música «Dragostea din tei» para o telemóvel: entre €1 e 1,5.
[agradeço à Patrícia Santos a colaboração na pesquisa de informação e crítica da mensagem]
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